Tumgik
hareinthewoods · 4 years
Text
A Coisa
Estou o dia todo sozinho no apartamento. Pela janela ouço os carros e o barulho das pessoas na rua. Uma enxurrada de ruídos preenche o espaço interno. Passos, motor, passarinhos cantando e uma sensação constante que, por total indefinição e falta de nome melhor, eu chamei de Coisa. O que sinto não é evidente nem intenso, é apatia nauseada. Eu gostaria de ter algo preso dentro de mim que pudesse pôr pra fora gritando e correndo pra longe.  Estou preso em meu quarto, preso às tarefas da faculdade. Mas não estou. Quando penso "é esse o problema" o problema passa a ser eu, que não sei identificar as razões para estar me sentindo enjoado, indisposto, com um sentimento nebuloso e contaminante de frustração e ansiedade.
Não posso me entregar a Coisa. Ela esmaga e comprime minhas expectativas. Ela me faz engolir uma visão sempre negativa da realidade. Isso não são dúvidas existenciais, são angústias deturpadas, são ansiedades irracionais. Mas não importa as saídas que eu procure, a Coisa  permanece presente, em sua forma enorme e indefinida. Se momentaneamente afasto  a Coisa dos meus pensamentos, ela se transfigura naquilo que toco, na luz do sol sobre minha cama, nas mensagens não lidas do meu celular. 
De repente sinto ela se avolumando dentro de mim, mesmo sem ter espaço para mais nada.  Ela escorreu pelos meus dedos e agora encontrou o assoalho, os móveis, as paredes e o barulho da rua. Até mesmo a luz do sol agora parece fazer parte da Coisa.  Preciso sair do quarto, falar com alguém, mas minhas pernas estão paralisadas pelo peso da Coisa. Sinto que estou sendo engolido pela massa amorfa dos meus pensamentos. Não consigo gritar, porque minha respiraç…
RIIIIING!
A campainha toca e levanto em sobressalto. A Coisa desaparece, e eu estou bem novamente. Foi como emergir para a superfície depois de muito tempo sem respirar. Caminho em direção a porta de entrada e antes de alcançar a maçaneta esbarro com meu reflexo no espelho do corredor. Meu rosto está suado e minha expressão logo se transforma em pavor. A Coisa não desapareceu. A Coisa agora sou eu.
0 notes
hareinthewoods · 4 years
Text
Afternoon
It's a hot summer afternoon. There're no loud noises, only some distant dogs barking and the wind shaking the tree leaves. You're seated at the porch of your house, watching the empty sidewalk. 3pm is such a terrible time of the day. To early and to late at the same time. You promised you'd wash the dishes after lunch, but they're still waiting in the sink. There's no one else at home since your parents left to work. Across the street, an old lady tries to protect herself from the sun with a huge hat. She is crossing the street, but her feet are small and she walks slowly. Above your feet there is a infinite line of ants, who carry little pieces of grass. The ants and the old lady are similar in their determination. Suddenly, you feel the biggest desire to smash the ants, but you just keep looking at them. Everything is white and luminous because of the sunlight. You wait for the sunset, when everything will be gold, but it is summer, and the afternoon takes time to end. There's something disturbing and mysterious about this afternoon. It looks exactly like every afternoon that came before, but if you look closer, if you pay attention, you can notice that something is about to happen. Then, your hear someone calling your name. You don't know where the voice came from, but you know who it is. In a moment, Marcelo is parking his bike in front of your house.   Wanna go for a ride? I can't. I've a lot of dishes to wash... You wash them later I don't know... What are you afraid of? My parents will find out You don't have to tell them Alright. Let me take my bike When you return from the ride, feeling very tired, the sun is almost settling. You come home and your parents are already there,  complaining about the dishes.  You make yourself a sandwich and hope that they won't ask you what you did during the day. The old lady and the ants feel like a dream to you. The afternoon is over.
0 notes
hareinthewoods · 4 years
Text
Verão
É verão no meio do inverno. Em Porto Alegre isso tem acontecido muito nos últimos tempos. Uma onda de calor que despe os casacos, abafa os ambientes fechados, e faz as coisas no horizonte derreter aos pouquinhos. É a segunda vez que o calor invade o frio. É também a segunda vez que ele vem pra cá. Não sei por que me sinto assim. Paira uma eletricidade no ar quando ficamos em silêncio que não consigo desvendar. A dúvida me acompanha como uma sombra.
1 note · View note