Tumgik
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ESTE BLOG ESTÁ DESATIVADO.
Por diversas dificuldades de referenciar o Tumblr como portifólio e citação acadêmica, precisei passar para o Wordpress.  Você pode continuar acompanhando meu trabalho em https://ideiasverdesfuriosas.wordpress.com/. 
Agradeço muito a quem continuou lendo até mesmo nesse último ano, em que praticamente nada foi adicionado por aqui; no Wordpress continuarão a sair contos novos toda semana.
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Os contadores de histórias
    Desde antes de eu nascer, bem antes, já era proibido inventar histórias. Me lembro de, muito pequena, estar sentada aos pés de minha avó mexendo com minhas pequenas mãozinhas em seu vestido estampado. Ela encarava o vazio, com seus olhos azuis e opacos da cegueira, e eu implorava: “Vovó, conta uma história?” Ela sempre suspirava e mexia nas minhas tranças. Depois num tom amargurado dizia que poderia me contar todas as histórias de quando era uma garotinha como eu, as histórias de sua avó e ainda as histórias da avó da avó dela, mas não podia inventar uma história para me contar.
    “Por que não, vó?”
    Porque histórias inventadas eram histórias de mentira, e era proibido mentir.
    Eu sabia, mas pedia mesmo assim.
    Sei que houve uma época em que histórias inventadas eram contadas desde o berço. Sei que eram chamadas de contos de fadas e sei que eram sobre magia, animais fantásticos, pessoas que voavam e falavam com pássaros, crianças que entravam na floresta e passavam pelas aventuras mais incríveis. Também sei que várias pessoas viviam de inventar histórias, muitas e muitas delas, e as escreviam em livros que eram vendidos no mundo todo. Hoje só temos livros biográficos, didáticos ou científicos. Podemos aprender coisas com os livros, mas isso é tudo. A ficção foi proibida.
    Minha bisavó era escritora, muito tempo atrás. Minha família mantém um exemplar de cada livro dela. Alguns deveriam ser parte de uma coleção vendida sempre junta, mas o perigo da proibição nos fez preservar qualquer um que fosse possível, independente da edição, cor da capa ou tipo de papel. O que importava eram as letras guardadas lá dentro. Todos em casa falam sobre ela, por isso eu sei. Ela escrevia contos de fantasia e os publicava para que todas as pessoas do mundo lessem. Chegou a ficar famosa. Seu nome era citado em diversos trabalhos acadêmicos e usado como referência no mundo da literatura. Ela vivia de inventar histórias e contava todas elas para sua filha. A filha dela era minha avó, que hoje é velha e cega e não pode me contar essas mesmas histórias. Ela tem medo, eu sei, de que eu conte para minhas amigas e que as histórias corram até alguém denunciar. É proibido.
    Eu sempre soube desses livros, mas nunca fui autorizada a lê-los. Não ainda. Só poderei abri-los quando completar quinze anos. É essa a regra. Sou a primeira que nasce na família depois da proibição da ficção, é preciso ter cautela. Minha avó e minha mãe podiam carregar os livros consigo pela rua sem medo, mas eu não posso nem ouvir histórias antes de dormir como dizem que se fazia antigamente com crianças pequenas; histórias de ninar.
    Desde a proibição da ficção, muitos cinemas fecharam. Tem um abandonado bem na frente da minha escola. Minha mãe diz que no início não era proibido inventar histórias através da sétima arte, mas quando a literatura passou a ser controlada muitos escritores e poetas trocaram suas canetas por câmeras. Isso rendeu um boom de filmes que escondiam críticas à censura. O governo deu-se conta então de que absolutamente todo e qualquer tipo de ficção, não apenas a literária, era perigosa. Prenderam muitos escritores-roteiristas-diretores nessa época. Não tiveram o mesmo problema com os teatros; quando a lei entrou em vigor, a primeira coisa que fizeram foi fechar a maioria deles. Hoje só se pode dramatizar eventos históricos. Você não acreditaria na quantidade de peças sobre o Antigo Egito que já assisti.
    Meu avô se matou nessa época. Não cheguei a conhecê-lo, minha mãe era menina ainda. Ele era dramaturgo e professor de teatro. Minha avó diz que ele não suportou a ideia de jamais encenar O Sonho de Uma Noite de Verão com seus alunos novamente.
    Todo o passado que jamais vi flutua em volta de mim e nada posso fazer a não ser esperar para ler, em segredo, as histórias que realmente queria estar aprendendo.
    Completo quinze anos amanhã. Terei acesso aos livros de minha bisavó e lerei cada letrinha de cada um deles, absorvendo todas aquelas histórias para sempre.
    O que será feito de mim depois?
    Vou me matar, como meu avô, num luto irrefreável pela morte da imaginação?
    Vou me trancar na cegueira e na tristeza, como minha avó, chorando sempre porque não posso contar as histórias que guardo dentro de mim?
    Vou tentar seguir a vida como minha mãe, tentando manter de pé essa família mutilada e mal vista aos olhos da lei, com um longo histórico de crimes?
    Gostaria de ser como minha bisavó.
    Gostaria de ser escritora.
    Qual é a pior coisa que pode acontecer, afinal, se eu despretensiosamente encostar minha caneta no papel?
Talita Emrich, dezembro de 2018
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Projeto de Lei
    O contato com crianças é perigosíssimo. Sua estrutura pequena e frágil e sua fisionomia precisamente desenvolvida para ser agradável ao olhar (olhos grandes, rosto pequeno e proporcional) despertam em adultos um instinto primitivo e incontrolável de proteção e empatia. Pessoas perfeitamente conscientes colocam-se em posições de risco ou até dão a própria vida para proteger crianças que nem mesmo são suas descendentes diretas. Membros contribuintes da sociedade se vêem tentados a trabalhar menos para passar mais tempo em casa, perto dessas pequenas criaturas. Intermináveis brigas judiciais se desenrolam na justiça para decidir quem tem posse sobre uma destas, ao fim de todo casamento, entupindo os fóruns e atrasando o trabalho dos juízes. Homens e mulheres, hipnotizados pela fascinação causada pelos recém-nascidos, põem no mundo já superlotado mais e mais deles sem o mínimo planejamento ou controle, só pelo prazer de segurá-los no colo.
    É também extremamente difícil garantir o bem estar, a segurança e a saúde de seres tão frágeis enquanto sua criação estiver delegada a civis sem a devida formação para tal fim. Cada detalhe do desenvolvimento infantil é crucial e qualquer falha pode resultar em um futuro cidadão de mau caráter, má formação ou até mesmo num delinquente. A carência de determinados nutrientes na primeira infância jamais poderá ser reposta na idade adulta e daí surgem cidadãos com Q.I reduzido e malnutridos, o que prejudica sua produtividade no mercado de trabalho. Deve-se sistematizar e oficializar o trabalho com os infantes o quanto antes para evitar toda e qualquer margem de erro.
    Minha proposta é que uma atitude seja tomada. Uma nação que prioriza a produção e otimização dos serviços não pode permitir que os primeiros anos de vida de seus habitantes causem tamanho tumulto. É urgente que tomemos providências. Prometo não descansar enquanto a questão das crianças não for resolvida da maneira mais útil e prática para toda a nossa sociedade.
           -Governante Geral nº 96.
Talita Emrich, outubro de 2018
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um diálogo entreouvido no pátio do campus
-Cara… Acho que aquele guarda chuva ali é meu.
-Aquele ali? Em cima do banco?
-Isso. Eu esqueci um igualzinho a esse aqui na faculdade. Assim tipo bengala, todo preto, cabo tortinho de madeira…
-E daí? Tem mil guarda chuvas pretos nesse mundo!
-Mas é idêntico!
-Ele tá perto de umas bolsas, olha lá. Deve ser de alguém.
-Mas pensa comigo. Imagina que a pessoa achou meu guarda chuva esquecido, digamos, naquele banco, uns dois meses atrás, quando eu perdi. Usou por um tempão, depois bateu a culpa. Começou a imaginar o dono andando sozinho e triste na chuva, pegando pneumonia. Aí agora teve um lampejo de consciência e resolveu colocar ali de volta pra pessoa poder recuperar. É uma boa ação. Ética, amor ao próximo, essas coisas. De vez em quando isso acontece, que nem aquelas notícias tipo “taxista encontra pacote com 3 mil euros no banco de trás e devolve o dinheiro”.
-Meu anjo, a gente tá numa faculdade pública do Rio de Janeiro. Não existe ética. Ninguém devolve um guarda chuva no meio da época de tempestades de verão. É uma regra. Ninguém devolve nem lápis nesse lugar, imagina guarda chuva.
-Eu tenho esperança na humanidade, tá ok?
-Eu tenho esperança no seu bom senso. E se você meter a mão no guarda chuva e o dono aparecer gritando “LADRÃO, PEGA O LADRÃO DE GUARDA CHUVA”??? Já pensou ir parar na delegacia porque tentou furtar acidentalmente um troço de quinze reais?
-Se for o meu, eu vou estar só recuperando meu bem que foi ilegalmente subtraído.
-Pra todos os efeitos, vai estar ilegalmente subtraindo o bem dos outros. Esquece o raio do guarda chuva!
-Eu vou lá olhar.
-Larga isso aí, garoto!
-To só olhando, poxa! Olha, ali tem uma marquinha igual tinha no meu. Teve uma vez que derrubei ele e arranhei bem no cabo. Esse metalzinho torto não sei, pode ter entortado depois… será? Acho que vou abrir pra dar uma olhada.
-Ai, quer saber? Pega. Mexe aí. Segura o guarda chuva, fecha os olhinhos, respira fundo, sente a energia dele. Vê se o seu coraçãozinho diz que é o seu.
-Hm…
    Deu-se uma longa pausa, ambos os rapazes em pé no meio do pátio, um muito compenetrado segurando o guarda chuva que nem o Harry Potter com aquela vassoura Nimbus 2000 do primeiro filme e o outro com a expressão mais paciente do mundo.
-Olha, acho que não é meu não.
-Então bota isso logo de volta no banco! É cada maluquice que você me apronta!
    Chateado, o ex possível dono do guarda chuva o colocou de volta no mesmo lugar e os dois meninos foram embora para a aula - sem guarda chuva.
    Poucos minutos depois uma menina apareceu, catou as bolsas do chão, pegou o bendito guarda chuva e seguiu seu caminho sem jamais imaginar o inquérito a que o objeto fora submetido.
Talita Emrich, 6/12/2018
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Ao batom vermelho
Se posso usar mas não quero,
se quero usar mas não posso,
se for vaidade ou vadiagem,
se for pouco ou demais…
Como foi que complicamos tanto um pouco de tinta no bastão?
Talita Emrich, 8/11/2018
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prece
Tenho dó de quem vai herdar o país e ver a bagunça em que o deixamos.
Tenho dó de quem se deixou levar pela maré de ódio achando que ajudava sua pátria.
Temo por quem passou a viver, de repente, com medo.
Temo por quem vai morrer nas mãos do Estado por um bem maior.
O Brasil acima de tudo,
Deus acima de todos.
O Brasil não se ajeitou.
Deus não ouviu nossos gritos.
Não ouviu porque no meio dos berros de “viado tem que morrer”, foi sufocado o sussurro baixinho: “tende piedade de nós”.
Talita Emrich, novembro de 2018
(Já conhece meu blog? https://ideiasverdesfuriosas.wordpress.com)
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parque das ruínas
Você já visitou um prédio abandonado? Uma casa caindo aos pedaços? Uma igreja sem teto?
Não digo aquele “abandonado” de estar vazio apenas. Digo o abandono que prejudica a estrutura, faz cair a tinta das paredes, expõe os tijolos, quebra os vidros. O tipo de abandono que destrói tanto as construções quanto os corações.
Visitei um dia o que sobrou de um palacete. Nada restava da adega além das paredes de pedra. Do primeiro piso, só sobreviveram os tijolos e buracos das janelas. As maçanetas de ouro das portas foram saqueadas. Das portas em si nada havia; foram totalmente consumidas por cupins. O chão entre os andares sumira, fazendo do prédio inteiro nada mais que uma casca vazia.
Da rica viúva que ali vivia, nem sinal. Morreu sem filhos e doou o prédio a uma instituição que jamais tomou posse do lugar. A decrépita construção pouco se parecia com o que contavam as histórias; diziam que ali organizava-se saraus, recitais, apresentações de canto, piano e violino, peças teatrais e grandes festas. Nada sobrou. Só a melancolia do abandono.
Mas pelas paredes vi esperança.
Havia vida.
Samambaias brotavam dentre os tijolos. Trepadeiras subiam pelas paredes até o teto sem teto. Flores miudinhas nasciam, selvagens, nos buracos das janelas. Atrás delas, vinham passarinhos e insetos procurando um lugar para morar.
Ali, onde o homem nada mais podia fazer, as plantas haviam se encarregado de operar uma pesada obra de reestruturação.
A gente toma o espaço da natureza pra construir nossos prédios, mas quando finalmente os abandonamos ela vem tomar de volta o seu lugar.
Talita Emrich, novembro de 2018.
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À Bíblia
numa página diz que me ama,
na próxima me atira ao inferno
aquela passagem usa para exemplo,
uma outra como justificativa
em vez de me converter me afasta,
em vez de me abraçar me condena,
em vez de se mostrar me esconde,
em vez de amar odeia.
Diga-me uma coisa só: que fé é essa que te rodeia?
Talita Emrich, 8/11/2018
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Tumblr media
Gente, aconteceu! Fiz um blog direitinho, como manda o figurino, pra organizar meus textos pra quem quiser ler. Já tem cerca de 40 esperando vocês lá, principalmente contos de fantasia, suspense ou ficção científica. Também aparece muita crônica! Boas vindas a quem quiser dar aquela olhadinha sem compromisso... 😁 O link tá nos comentários. Paz e luz! https://www.instagram.com/p/BvWlbuTHBTa/?utm_source=ig_tumblr_share&igshid=11inftqrfl094
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Ele não vai lembrar de mim.
    Quando o conheci, ele tinha três anos. Eu, vinte e um. Ele era um aluno do Maternal I e eu, a estagiária.
    Ele andava nas pontas dos pés, não tirava os dedos da boca e não reagia quando alguém tomava os brinquedos de suas mãos.
    Era uma criança carinhosa, apesar de tímida. Não rejeitava meu toque, mas não fazia questão dele. Cumpria ordens com uma indiferença robótica. Era muito inteligente, mas não havia oportunidade para que demonstrasse.
    Ele tinha um diagnóstico fechado de autismo.
    Eu o ensinei a fazer pinturas a dedo com tinta guache, a subir no escorregador, a guardar os brinquedos. Eu o coloquei sentado de castigo quando ele bateu nos colegas, segurei suas mãos contra a massinha para mostrar como moldá-la e o fiz amassar incontáveis bolinhas de papel crepom.
    Ele transformou a minha vida e nem faz ideia disso. Por causa dele pesquisei todos os artigos possíveis sobre o autismo, aprendi técnicas para lidar com ele e me apaixonei pela educação infantil. Me peguei observando coisas como o equilíbrio dele ao andar, a repetição dos movimentos das mãos, sua interação com os colegas e brinquedos. Uma vez ele decidiu por conta própria brincar de comidinha comigo e fiquei encantada. No dia em que ele voluntariamente abraçou outra criança, eu derreti. Quando ele aprendeu a me chamar pelo nome e me pedir colo, foi a gota d'água. Ele tinha me conquistado.
    Enquanto escrevo, ele ainda está sob minhas asas; ainda estou com ele de segunda a sexta, totalmente dedicada, durante a manhã inteirinha. Ele sabe, por enquanto, quem sou e chama meu nome quando me ausento, me pede carinho e me abraça.
    A Educação Infantil é uma área ingrata.
    Quando essa crônica for publicada, já não sei se nossas vidas estarão ainda conectadas. Não sei que rumo ele vai ter tomado. Já terá se formado no Maternal II, talvez, já ingressando na pré-escola. Não sei por quanto tempo vou acompanhá-lo.
    Graças a mim ele vai aprender as letras, as cores, as formas, os números, mas ele não vai se lembrar de mim.
    Graças a mim ele vai andar sem cair, vai saber se vestir sozinho, vai saber usar o banheiro e comer de colher, vai saber beber água no copo sem derrubar. Vai saber que precisa obedecer a professora e que não pode agredir os outros. Mas ele não vai se lembrar de mim.
    Ele no futuro não vai saber que, quando tinha três anos, uma moça percebeu que ele tinha febre e o segurou no colo cantando até que a mãe chegasse para buscá-lo. Ele não vai saber que essa moça o ensinou a falar “Oi?” quando não entendesse o que foi dito. Ele não vai saber que uma estagiária o ensinou a vestir blusas de manga comprida. Ele não vai se lembrar de mim.
    Ele foi a primeira criança que acompanhei. Com ele aprendi a cessar choro, disciplinar, orientar e consolar. Aprendi a dosar o colo e o afeto na medida certa. Passei a enxergar o desenvolvimento infantil com outros olhos.
    Ele não vai se lembrar de mim, mas eu vou me lembrar dele.
    Pra sempre.
    Obrigada, Davi.
Talita Emrich, setembro de 2018
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Metilfenidato
Os psiquiatras pediatras psicopatas diagnosticaram tantos casos de hiperatividade infantil que o governo liberou a distribuição gratuita de Ritalina.
As escolas desde então não têm tido problemas em suas linhas de montagem. Todos os robôs funcionam perfeitamente, muito bem comportados, focados e disciplinados.
Os desenhos da pré-escola, porém, têm sido ligeiramente afetados.
Em vez de campos floridos e girassóis, essas crianças só desenham quadrados.
Talita Emrich, novembro de 2018
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Arrebatamento
Sete orixás foram atirados no meio da rua para espatifarem-se no asfalto quente. O machado de Xangô virou pó. Oxalá ficou sem cabeça. Iansã saiu voando pra longe. Oxum chorava. Ogum ficou sem espada. Oxóssi, sem arco e flecha. De Yemanjá não sobraram nem as conchas.
Algumas horas mais tarde, seus agressores gritavam sobre a imensa glória de Jesus e a misericórdia divina.
Talita Emrich, novembro de 2018
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O centro da cidade às seis da tarde
é dominado por homens brancos de terno preto. Os mais importantes usam gravata azul marinho e camisa social branca.
Nenhum deles tem rosto. Todos são iguais. Todos se sentam o dia inteiro em cadeiras giratórias meio parecidas em escritórios que têm a mesma decoração, digitando, assinando e carimbando documentos idênticos e falando as mesmas coisas em celulares de mesmo modelo (ou no mínimo da mesma marca).
De que fábrica eles saíram, assim, tão bem formadinhos? Não se vê um defeituoso, um que destoe, um que tenha desandado.
Saíram da mesma forma, todos eles, para servir ao mesmo propósito.
Só uma única figura se destaca. A peça desencaixada, a ovelha desgarrada, uma curva fora do ponto.
Ela que usa uma saia comprida toda verde, sapatos de um prateado brilhante, blusa sem mangas de tecido leve; ela que usa os cabelos meio mal repartidos, soltos ao vento, e uma mochila abarrotada de tralhas.
Ela para no sinal, e fica lá, com seu olhar meio perdido, esperando pra poder atravessar e destoando tanto, tanto do cardume de homens de terno que circulam pelo centro da cidade às seis horas da tarde.
Talita Emrich
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Tô fazendo uma thread sobre o espiritismo no Twitter, caso alguém esteja curioso! Tem curiosidades bem úteis.
Inclui também a umbanda e um tiquinho de candomblé
Link: https://twitter.com/autorafuriosa/status/1083527356332023808?s=19
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Professora umbandista
    Eu me lembro da primeira vez que eu disse em voz alta, quase sem querer: “sou umbandista”.
    Eu tinha acabado de cair de paraquedas no mundo das entidades, orixás, guias, pembas, incensos, flores, copos d’água e roupas brancas. Tinha sido convidada pela primeira vez, “por acaso”, uns seis meses atrás. Estava apaixonada, lendo e estudando tudo o que me aparecia pela frente e fascinada com a semelhança entre a umbanda e o kardecismo, a religião que aprendi desde o berço.
    Eu já lera tudo aquilo em algum lugar, mas nunca tinha percebido com tanta clareza: todas as religiões, no fim, diziam a mesma coisa. Só o que mudava eram as palavras usadas.
    Na época eu estava dando aula para uma turma de nono ano da rede municipal do Rio de Janeiro. Meus alunos tinham entre catorze e dezesseis anos e eu os ajudava com produções textuais e interpretações de texto. Um dia, no meio de um exercício sobre uso de vírgulas (habilidade muito importante, aliás!!!), despontou entre dois deles o assunto da religião. A maioria da turma partilhava da mesma fé, por isso a mencionavam com frequência. Chamei-os de volta ao foco da aula e alguém jogou a pergunta no meu colo, assim, sem preparo nenhum:
    -Professora, a senhora é católica ou evangélica?
    Fiquei com cara de paisagem por um segundo. Não sabia se podia (ou deveria) falar sobre isso em sala de aula, mas automaticamente respondi:
    -Nenhum dos dois…
    Eles pareceram espantados. Alguém lá no fundo perguntou se eu era atéia. Fiquei um pouco triste. Aos quinze anos, eles pensavam que só havia duas religiões no mundo, ou ao menos no Brasil…
    -Eu sou umbandista, gente.
    Silêncio total por uns cinco segundos. Um aluno que eu adorava, de origem muito humilde e que sonhava em fazer medicina, arregalou os olhos e ficou muito quieto. Uma colega riu da reação dele e perguntou o que ele tinha. “Fico sem graça de falar assim na frente da professora…”, foi a resposta dele, dita bem baixinha, esperando que eu não fosse ouvir. Mas ouvi...
    Dois ou três fizeram “ahhhh…!” e uns quatro ou cinco perguntaram o que era aquilo. Respondi a pergunta com todo o cuidado:
    -É uma religião que nasceu aqui no Brasil, mais ou menos cem anos atrás. Ela mistura umas coisas da Igreja Católica e do espiritismo com conhecimentos dos índios e também das religiões dos povos africanos, que foram trazidos pra cá como escravos.
    Todos aqueles pares de olhos me encararam, tipo “só isso?”. Uma começou a perguntar se umbandistas podiam “se disfarçar de pessoas normais”; mas acredito que no meio da frase ela mesma percebeu como a pergunta era ridícula, porque começou a rir - e eu também. Fico imaginando até hoje se por um momento ela pensou que ser professora era a minha identidade secreta, tipo o Super Homem e o Clark Kent.
    Tratei de sair daquele assunto antes que surgisse uma polêmica ou reclamação na coordenação, mas antes uma menina sentada lá no canto, ao ouvir minha explicação, levantou os olhos do celular - o foco de sua atenção nos últimos quarenta e cinco minutos - e deu de ombros:
    -Ah, então umbanda é normal, ué…
    É, isso aí. Normal.
Talita Emrich, 2017
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Note
Seus textos, são baseados em fatos reais da sua vida ou você simplesmente inventa com o poder da mente? Skdjskdjdkdkdkks achei bem curioso hehe
Depende do texto!
Muitos deles são completamente inventados, geralmente os de fantasia ou suspense/terror: o do grimório, o das fadas, o corredor da morte, da autópsia...
Já a maioria das crônicas é inspirada em acontecimentos reais que vivi ou observei (como por exemplo a do piquenique, dos óculos e quase todas as que envolvem a temática de escola), mas adiciono ou altero algumas coisinhas pelo efeito da narrativa haha
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Note
Que bom que esta tudo bem contigo. Espero que dê tudo certo para você. Um abraço😘😘
Agradeço!
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