Os 40 anos da Tragédia do Sarriá
e como teria sido o futebol em uma realidade alternada em que o Brasil tivesse vencido a Copa de 1982
Por Cláudio Tsuyoshi Suenaga
Eu tinha pouco mais de 11 anos e era a primeira copa que acompanhava. E foi só magia, encanto e euforia até aquele 5 de julho no Estádio Sarrià, em Barcelona, quando o Brasil de Zico, Sócrates, Falcão e cia., acabou eliminado com o hat-trick de um predestinado e implacável Paolo Rossi (1956-2020), xará, aliás, do grande filósofo e historiador da ciência italiano (1923-2012), autor do essencial La nascita della scienza moderna in Europa (1997).
Mesmo com toda a sua força e tradição, ninguém apostaria na Itália naquele momento, em crise com a torcida e a imprensa e que havia se classificado sofregamente com três empates (0 a 0 com a Polônia, 1 a 1 com o Peru e 1 a 1 com Camarões), ao passo que o Brasil havia se classificado com uma vitória difícil e apertada na estreia (2 a 1 sobre a União Soviética) e duas goleadas (4 a 1 sobre a Escócia e 4 a 0 sobre a Nova Zelândia).
Na segunda fase, o Brasil caiu no grupo 3 com a Itália e a Argentina. Era assim na época. Não se passava direto ao mata-mata, mas a um outro grupo com três seleções, das quais somente uma avançava às semifinais. Apesar de ser um "grupo da morte", tanto quanto era o grupo 2 (com Alemanha Ocidental, Inglaterra e Espanha), a confiança era total, pois o Brasil jogava fácil, por música, como se costuma dizer, ostentando o mais puro futebol arte, sendo equiparada à seleção tricampeã de 1970.
A Itália bateu a Argentina do estreante Maradona por 2 a 1, que o Brasil, por sua vez, bateu por 3 a 1. Com a rival Argentina já fora e um melhor saldo, bastaria ao Brasil um empate contra a Itália para avançar às semifinais.
No entanto, o nosso querido mestre Telê Santana (1931-2006), mesmo com o gol de empate de Falcão aos 23 minutos do segundo tempo, queria que a equipe continuasse atacando e não se contentasse com um mero empate, que seria uma "decepção" para uma seleção daquele porte e majestade que vinha dando espetáculos de "encher os olhos". Futebol de resultado não era com ele. E sem fechar a casinha, numa jogada de escanteio, o Brasil acabou tomando, seis minutos depois, o gol fatal.
Telê Santana
Lembro como se fosse hoje. Uma comoção nacional, um trauma. Lá onde morávamos na Rua Dom Antônio de Alvarenga, no bairro de Vila Gumercindo, no Ipiranga, estávamos todos reunidos, família e amigos. Uma festa estava preparada, com fogos, comes e bebes. Diante da TV Mitsubishi colorida (a primeira TV a cores que pintou lá em casa, comprada especialmente para assistir àquela copa), ficamos pasmos, sem acreditar no que tinha acontecido. Saí na rua e não havia uma só alma. Era um silêncio ensurdecedor, como se diria, ainda mais intenso daquele que testemunharia em 8 de julho de 2014, no dia da outra tragédia, a do "Mineiraço" (ou "Minerazo"), quando da humilhação para a Alemanha por 7 a 1.
Aquele foi um choque de realidade, uma dura lição. Sim, nunca mais se veria a seleção jogando um futebol tão vistoso, tão bem jogado, simples e bonito, para frente, mas nos dávamos conta, tardiamente, de que a imprensa havia criado um clima de otimismo e ufanismo exagerado, como se já tivéssemos ganhado a copa, e qualquer adversário, por mais forte e tradicional que fosse, era logo subestimado e menosprezado. O Brasil, afinal, não era imbatível.
Embora haja uma certa imprecisão ao dizer que aquela foi a vitória do pragmatismo sobre o futebol arte, pois apesar de seu futebol defensivo a qualidade da "Esquadra Azzurra" era incontestável, tanto que confirmou isso ao bater a Polônia por 2 a 0 na semifinal e se sagrar campeã ao bater a Alemanha por 3 a 1 na final, pode-se dizer que o futebol se tornou mais "resultadista" por causa desse jogo, inclusive o próprio futebol brasileiro, que passou a priorizar a defesa em detrimento do ataque, tanto que o próprio Telê optou por uma formação bem mais defensiva na Copa de 1986 (com os volantes Alemão e Elzo, mais marcadores do que criativos), e que Sebastião Lazaroni e Carlos Alberto Parreira levariam a extremos nas copas seguintes.
Se existe o tal do multiverso, podemos especular que se estivéssemos na linha de tempo em que o Brasil tivesse vencido ou ao menos empatado aquele jogo, a realidade do futebol fosse outra. Quem sabe a postura ofensiva já tivesse prevalecido desde então e o quanto teríamos ganhado ao menos em termos de diversão e espetáculo, sem tanta retranca, amarração e modorra. Isso, porém, é pura especulação, já que a vitória do Brasil em 1970 e o "Carrossel Holandês" da "Laranja Mecânica" em 1974 não levaram necessariamente a uma maior intensidade ofensiva, muito pelo contrário, já que estimularam a elaboração de esquemas defensivos justamente para conterem aqueles tipos de jogo.
De qualquer forma, como a revista Placar destacou na capa, foi uma pena, realmente. Outras seleções que alcançariam a vitória, porém sem tanto brilho, não são tão lembradas quanto aquela de 1982. Eu mesmo me lembro de todos os jogadores e de todos os jogos. Para quem não sabe, e isso é contado por muitos jornalistas que cobriram o evento, por onde quer que os jogadores passavam, desde a despedida na Espanha, nos aeroportos, etc., todos a aplaudiam de pé, em reconhecimento, apesar da derrota.
De pé: Waldir Peres, Leandro, Oscar, Falcão, Luizinho e Júnior; agachados: Sócrates, Toninho Cerezo, Serginho Chulapa, Zico e Éder.
Aquela não foi só a última seleção que nos encantou. Foi a última geração de futebolistas que agiam, falavam e se comportavam como verdadeiros homens, e não como moleques mimados ou seres virtuais, que não se escondiam atrás de assessores ou de uma máscara, que serviam a seleção por gosto e por honra, e não por obrigação e favor. Foi a última também de jogadores que atuavam todos no Brasil, sim, no Brasil, ao contrário de hoje, em que jogar na Europa é condição sine qua non, bem como, e principalmente, estar mais comprometido com o clube estrangeiro que lhe paga fortunas. Como especulei, talvez na linha de tempo em que a seleção de 1982 tivesse vencido estaríamos vivendo uma outra e bem melhor realidade.
Abaixo, algumas lembranças que guardei da Copa de 1982.
Editado pela Editora Omni Ltda, o Álbum de figurinhas Ping Pong Espanha 82 foi uma febre, com cerca de 600 mil álbuns vendidos em apenas seis meses. Você pode baixar o álbum completo que colecionei aqui.
Chaveiros, do mascote Naranjito e do logotipo da Copa de 1982.
Toalha:
Camisa da Seleção Brasileira de 1982, que trazia no escudo a Taça Jules Rimet e o símbolo do café brasileiro:
A extinta revista Manchete, em sua edição de 21 de abril de 1982, antecipava os convocados.
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