🔥 REUNIÃO NO INFERNO
Pe Prudent Abbot Balou, FSSPX
Para melhor lutar contra o inimigo, é preciso primeiro conhecê-lo e estudar sua estratégia. O principal inimigo do homem é o demônio que, como um leão que ruge, circula ao seu redor procurando afastá-lo dos caminhos do céu. Conhecer a estratégia de Satanás nos permitirá frustrar seus planos e nos procurará felicidade e paz verdadeiras. Qual é a estratégia de Satanás? Como derrotá-la?
Ouçamos essa pequena história. Satanás, o Príncipe das Trevas, convocou uma assembléia mundial reunindo todos os demônios. Ele começa seu discurso de abertura: “Não podemos impedir os católicos de ir à igreja, não podemos impedi-los de ler a Bíblia ou de saber a verdade, nem podemos impedi-los de estabelecer uma relação de amizade com seu Salvador. Ora, uma vez que eles tenham estabelecido essa relação íntima e real com Jesus, nosso poder sobre eles será quebrado.”
E continua: “Deixemo-los irem à igreja, mas roubemos o tempo que lhes resta, para que não tenham a possibilidade de manter a sua relação ou união com Jesus Cristo.” E aqui, Satanás fala de todas essas pessoas que vêm à missa no domingo porque é preceito, mas, depois do santo sacrifício, não tem tempo para fazer sua ação de graças, nem para se beneficiar da presença de Deus em sua alma. Eles são “trabalhadores contratados” ou mesmo “católicos de domingo”: agem como católicos no domingo mas como pagãos no resto da semana!
No inferno, a reunião prossegue: “Como roubaremos o tempo dos homens?” Perguntam os outros demônios ao seu mestre.
Imbuído de sua própria excelência e transbordando de autossuficiência, Satanás volta a falar: “Eis o que quero que façais: distraí os homens para que não possam se aproximar do seu Salvador e manter a união com Deus ou estado de graça no curso do dia.”
“Mas, concretamente, como fazer isso?” replicam os outros demônios. De seu trono de iniqüidade, Satanás desenvolve seu pensamento: “Ocupai a mente dos católicos com as ninharias da vida, em outras palavras, criai muitas questões, bandeiras e situações para ocupar seus pensamentos. Defendei, por exemplo, os direitos ignorando os deveres; defendei a liberdade sacrossanta para que todos pensem que são livres para fazer o que quiserem e como quiserem; advogai o divórcio com todo vosso empenho. Esforçai-vos para desenvolver nos homens todos os vícios, mas especialmente os contrários à natureza.” Ouvem-se aplausos, mas Satanás não interrompe: “Persuadi as esposas a trabalharem longas horas fora de casa; persuadi os maridos a trabalhar seis ou sete dias por semana, dez a doze horas por dia, a fim de ganharem dinheiro suficiente para manter um estilo de vida superficial ou desprezível.”
Um pouco sem fôlego, Satanás faz uma breve pausa. Após alguns segundos de silêncio, com muita raiva, pois não há espaço em seu coração para o amor, Satanás clama: “Criai situações que impeçam os pais de passarem tempo com seus filhos e esposas, e vereis a família se desintegrar, os lares deixarão de ser o lugar de paz onde o homem recobra suas forças, minadas pelo trabalho.”
“Não parai, ide mais longe: conspurquem seus pensamentos com imagens e palavras impuras. Despejai o veneno da impureza em todos os lugares, principalmente entre os jovens, usando para isso de todos os meios modernos (televisão, internet, telefone, tablet, redes sociais etc.) a ponto de não poderem mais ouvir a doce e tranquila voz que dirige suas mentes. Enchei todos os lugares com revistas e jornais sujos, mentirosos, revolucionários; bombardeai-os com notícias vinte e quatro horas por dia; mostrai-lhes belas mulheres em revistas e TV, para que os maridos, acreditando que a beleza exterior é o que importa, se desgostem das suas próprias esposas. Sobrecarregai as mães de cansaço, deixando-as desnecessariamente ocupadas, para que seus maridos não mais recebam o amor de que precisam, incitando-os a buscá-lo em outro lugar. Sem dúvida, isso implodirá rapidamente a família. Crede, caros demônios, se a família implodir, a sociedade não tardará a implodir”.
Gritos e aplausos ecoam pelo inferno.
O maligno orador continua seu discurso: “Dai aos filhos o Papai Noel para distraí-los e deixá-los no escuro sobre a verdade do Natal; dai-lhes o coelhinho da Páscoa para que ignorem a Ressurreição de Jesus e seu poder sobre o pecado e a morte; dai-lhes o mundo virtual para retirá-los da realidade; sugeri a seus pais lhes dêem todos os direitos sobre a organização da casa. Desde o berço, deveis atacar as crianças a fim de transformá-las em homens sem princípios, como juncos curvados pelo vento. Funcionará! O plano é bom, crede em mim.”
Por fim, em tom sério e autoritário, Satanás acrescenta: “Se seguirdes essa estratégia, triunfaremos. Ao trabalho! Existem almas, famílias, nações esperando por vós. Não me decepcionais porque tenho ainda muitos lugares aqui no inferno. Bem sabeis, demônios, que em nossas fileiras não há greve, desemprego ou qualquer reivindicação. Trabalhamos sem parar para a perda de almas. Ide a todos os países, semeai ódio, discórdia, ciúme, mentiras, impureza, irreligião, roubo etc. Começai a trabalhar e fogo aos preguiçosos!”
Os demônios treinados por seu líder correram para implementar a estratégia do mestre, gritando: “Que os católicos do mundo estejam cada vez mais apressados, atarefados, agitados em todas as direções, sobrecarregados, para que não pensem mais em Deus ou em suas famílias. Acima de tudo, que os homens da Igreja não tenham mais tempo ou desejo de pregar aos homens a verdadeira doutrina de Jesus. Vamos ocupá-los com assuntos do mundo, ajudá-los a buscar apenas seus próprios interesses às custas da Igreja.”
Que cada um de nós, ciente dos esquemas do diabo, examine-se para ver se não caímos em suas armadilhas. Que cada um de nós renove a sua vontade de conformar a sua vida à doutrina salvífica de Cristo Jesus, e não aos slogans do mundo e do diabo. Como nos diz São Paulo, “não sejamos vencidos pelo mal, mas vençamos o mal com o bem”, isto é, vençamos o vício com a virtude, a injustiça com a justiça, o pecado com a contrição. Lutemos e Deus nos dará a vitória!
(Le Petit Eudiste no. 216)
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A combinação perfeita entre religião e política para quem almeja um cargo no governo brasileiro
Marcha para Jesus em Balneário Camboriú, SC. Crédito: Palácio do Planalto / Divulgação
Afinal, o Estado é laico? Entenda como a religião é usada pelos candidatos para manipular as pessoas no período de eleições
Por Ana Carolina Metzger
É agosto de 2022. Às 20h30min, o telespectador liga a televisão e se depara com o horário eleitoral. No meio dos discursos políticos, frases como “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos” ganham destaque durante os minutos que os candidatos recebem para apresentarem aos eleitores suas campanhas. O investimento nesse tipo de enunciado com base nas próprias crenças não é à toa.
O Brasil é considerado um país majoritariamente cristão. Segundo o último levantamento do IBGE realizado em 2010, 64,99% da população se declarou católica, enquanto 22,89% afirmou ser evangélica. Os espíritas representavam 2% dos brasileiros. Já Candomblé, Umbanda e outras religiosidades de matriz africana correspondiam a 0,31% de quem vive no país. Apenas 8,04% disseram não ter religião alguma.
Por isso, a aposta em discursos religiosos durante o período eleitoral vem trazendo resultados positivos aos candidatos, conforme mostra a pesquisa do Instituto de Estudos da Religião (Iser). Depois das eleições de 2020, mais da metade das cadeiras das câmaras municipais de oito capitais brasileiras foram ocupadas por políticos que se mostraram ligados a alguma instituição religiosa, isto é, 51,3%.
Além disso, em 2022, Nikolas Ferreira (PL) foi o deputado federal mais votado do Brasil e da história de Minas Gerais, com 1.492.047 votos. No site da Câmara Municipal de Belo Horizonte, ele é descrito como "cristão, conservador e defensor da família".
Constitucionalmente, o país é considerado um Estado laico e deve, portanto, adotar uma posição neutra no campo religioso, buscar a imparcialidade nesses assuntos e não apoiar ou discriminar qualquer crença. Mas, será que é possível governar sem a interferência dos valores religiosos? Como separar, politicamente, essas ideias pessoais das questões de interesse público?
É claro que esses não são questionamentos atuais, já que a política e a religiosidade possuem uma relação de longa data. Conforme mencionado por Luis Gustavo Teixeira da Silva em sua análise através do artigo “Religião e política no Brasil”, esse vínculo só foi interrompido após a Constituição de 1891. Ou, pelo menos, era o que deveria acontecer.
Historicamente, religião e política andam de mãos dadas. Enquanto a Igreja católica passava por esse processo de separação do Estado, surgiam tendências que poderiam abalar ainda mais o poder e influência dessa crença, como o comunismo. Por isso, campanhas de “demonização” dessa orientação política e de seus membros eram comuns, além de outras atitudes que buscavam mostrar a oposição às posturas da esquerda, principalmente em reuniões do sindicato, conforme explica o especialista em políticas brasileira e latino-americana, Scott Mainwaring.
Ainda que, constitucionalmente, a Igreja Católica não tivesse mais poder sobre questões políticas no Brasil, sua influência permaneceu presente neste campo. Uma das principais estratégias de intervenção dos objetivos e ideias religiosas na esfera política, desde o rompimento entre Igreja e Estado, veio com a Liga Eleitoral Católica (LEC). Ela foi instituída em todo Brasil e funcionava através de comitês, que se encarregavam de identificar possíveis representantes da igreja para as eleições da Assembléia Constituinte de 1933.
Na ocasião, a LEC estipulava aos católicos quais candidatos eram recomendados e aqueles que deveriam ser evitados, conforme os valores morais da pessoa e interesses da Igreja. No fim, a maioria dos candidatos que receberam apoio da Igreja foram eleitos.
Depois disso, a LEC também passou a supervisionar esses políticos que, agora, atuavam no legislativo. Assim, os parlamentares no Congresso Nacional aproveitavam para pressionar o sistema político a favor dos interesses da Igreja na elaboração da constituição.
Bíblia Sagrada.
O plano deu certo e, em 1934, as demandas da Igreja foram incorporadas à nova Constituição, como a proibição do divórcio e o ensino religioso nas escolas. Foi nesse período, entre 1930 e 1945, que o Estado também firmou uma relação sólida com a Igreja Católica por meio de acordos políticos. Enquanto o governo Vargas atendia demandas importantes da instituição, como o impedimento de discursos políticos baseados no liberalismo e comunismo, o Estado também recebia um apoio social da Igreja católica.
No entanto, com o fim da Era Vargas, essa aliança entre Igreja e Estado perdeu força novamente. Durante o período democrático, de 1946 a 1964, a Igreja não tinha o mesmo amparo do governo e, agora, o pentecostalismo se firmava entre as classes populares. Essa denominação surge com grande força a partir de 1970 e ameaça, portanto, a hegemonia social e política da Igreja católica no país.
No início, porém, o pentecostalismo permaneceu distante do debate político. Foi a partir da terceira onda desse segmento, conhecido como neopentecostalismo, que essa relação com a política sofreu alterações. Para entender melhor, as igrejas neopentecostais colocam a fé do cristão como algo determinante para o crescimento financeiro. Elas também investem na Televisão e enfatizam a participação de evangélicos na política. A maior representante dessa crença no país é “Igreja Universal do Reino de Deus”.
Contudo, antes disso, em 1961, o Concílio Vaticano II já havia “reconhecido” que a hegemonia social e as posições da Igreja católica estavam deterioradas. Mesmo assim, em 1964 a Igreja ainda apoiou o golpe militar para afastar possíveis “ameaças de implantação do comunismo” no Brasil.
Durante os primeiros anos do regime militar, a Igreja católica permaneceu em silêncio sobre os casos de repressão. Contudo, nos anos 1970, ela passou a contestar questões voltadas à desigualdade e à autoridade política vigente, o que causou conflitos com o Estado. A atuação de entidades como Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) transformou a Igreja católica em um dos principais atores na luta contra o regime militar, se tornando, assim, relevante no apoio aos protestos contra a repressão, na época.
Isso significa que a religião também marcou presença no retorno da democracia e na Constituição de 1988. Além da Igreja católica, os neopentecostais se consolidaram no cenário político e várias foram as estratégias construídas ao longo dos anos de 1980, principalmente pela Igreja Universal do Reino de Deus. Não é à toa que entre 1982 e 1986 a “bancada evangélica” saltou de 14 para 33 representantes na Câmara dos Deputados.
Com estratégias semelhantes àquelas que a Igreja católica utilizava no campo da política, os neopentecostais passaram a usar a influência religiosa para intervir na escolha eleitoral de seus fiéis e promover a “demonização” de forças políticas e sociais que pudessem lhe representar ameaças.
Assim, nos anos de 1980 o ingresso de pastores e bispos na política é visto como uma missão da Igreja, que tem como proposta a “purificação” deste espaço ou a conquista para o “reino de deus” das esferas que estão sob “domínio do diabo”.
É nesse período também que surge um modelo denominado institucional ou corporativo como uma estratégia de ocupação dos espaços políticos. Ou seja, os mandatos são elaborados para atender os interesses das religiões.
A Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) foi a instituição que empreendeu de forma mais significativa esse modelo. Agora, as candidaturas dependem de “recenseamento” prévio para identificar o perfil de seus fiéis e da pessoa escolhida para a eleição. A Igreja também verifica quantos candidatos pode lançar para que não ocorra risco de um deles tirar votos de outro. A partir desses dados, o candidato atende a um perfil que agrada aos eleitores.
A adoção dessas estratégias possibilitou um crescimento ainda maior da bancada evangélica desde 1990. Em 2006, no entanto, houve uma queda no número devido ao “Mensalão”, onde 28 dos 72 deputados da bancada evangélica faziam parte desse sistema de corrupção. Depois disso, o discurso de ética na política perdeu força e outros elementos passaram a ser enfatizados por essas instituições, como a “família tradicional”, discurso que permanece firme até os dias atuais.
Encontro com a bancada evangélica. Créditos: Palácio do Planalto / Divulgação.
Influências que não ficaram perdidas no passado
Entender, historicamente, o vínculo da religião com a política mostra que as raízes desse tema são profundas e estão atreladas ao passado do Brasil. Por isso, os resquícios da influência religiosa afetam, até hoje, a administração do Estado.
Na década de 1990, surge a bancada evangélica, momento em que a Igreja Universal do Reino de Deus formulou um plano junto à política por meio da aquisição da Rede Record de Televisão e Rádio. Esses meios se tornaram ponte de comunicação com as massas. Por isso, pastores midiáticos da IURD, assim como de outros grupos pentecostais e neopentecostais, começaram a abordar ainda mais pautas políticas.
Foi a partir de 2003, então, que esse processo se intensificou com a fundação da Frente Parlamentar Evangélica do Congresso Nacional, popularmente conhecida como “bancada evangélica”.
Atualmente, em 2022, dos 202 deputados federais que integram esse grupo, 111 foram reeleitos, o que evidencia a força da bancada evangélica no país. Para o autor do artigo “Religião e Política no Brasil”, Luis Gustavo Teixeira da Silva, o poder de influência das religiões cristãs no legislativo desafia a capacidade dos políticos para discutir e pressionar o Estado, principalmente na implementação de políticas baseadas na laicidade, direitos humanos e individuais.
Um exemplo disso é a descriminalização do aborto, tema recorrente nos debates políticos. Mesmo nos casos em que é permitido por lei, como em situações de violência sexual, brasileiras têm seu direito legal negado ou ameaçado. Isso porque grupos religiosos e conservadores, em sua maioria, enxergam o aborto como um crime indiscutível, sem levar em consideração as consequências de uma gravidez indesejada, especialmente para a saúde da mulher.
Entre janeiro de 2021 e 29 de junho de 2022, foram apresentados na Câmara dos Deputados pelo menos sete projetos de lei que preveem restringir ainda mais o aborto no Brasil, conforme levantamento do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea). O deputado Junio Amaral (PSL-MG) que, não por acaso, é da bancada evangélica, desenvolveu o PL 2125/2021. A proposta visa aumentar as penas para até 20 anos às mulheres que interrompem a própria gestação ou permitem que outra pessoa realize o procedimento. Também amplia em 30 anos para quem realiza ou auxilia um aborto sem o consentimento da gestante, assim como em menores de 14 anos e pessoas com deficiência mental.
Carla Zambelli (PL-SP), da Frente Parlamentar Evangélica, e Major Fabiana, que também já fez parte da bancada, apresentaram ainda o PL 232/2021, que propõe alterar a lei para tornar obrigatória a apresentação de boletim de ocorrência com exame de corpo de delito positivo que ateste a veracidade do estupro. Só assim seria permitido o aborto decorrente de violência sexual.
Presidente Jair Bolsonaro no Encontro com Lideranças Católicas, em 18 de maio de 2022. Créditos: Palácio do Planalto / Divulgação.
Para o historiador Luiz Claudio Altenburg, o Brasil sempre precisou lidar com a interferência religiosa, seja do cristianismo desde o período imperial ou do neopentecostalismo, especialmente nas últimas décadas. Ele menciona que hoje é muito comum observar, principalmente no Congresso Nacional, deputados que foram eleitos através de seus fiéis, pois é por meio das próprias pregações nos cultos, por exemplo, que os candidatos conseguem influenciar as pessoas para receberem votos e conquistarem a eleição.
Luiz explica que toda religião institucionalizada possui rituais e uma organização, como na igreja, em um centro espírita, terreiro de umbanda ou templo budista, por exemplo. Ou seja, há pessoas que precisam ter um controle, que estão à frente dessas denominações e, diante disso, muitos aproveitam para manipular os fiéis, especialmente ao se candidatarem a um cargo político.
Ele relembra que, em uma eleição, é muito comum o candidato se apresentar como Pastor e Luiz explica que isso não é por acaso: o objetivo é enviar uma mensagem para o seu público, ou seja, para aqueles que frequentam ou apoiam a mesma religião.
Culto cívico em celebração aos 111 anos da Assembleia de Deus no Brasil. Créditos: Palácio do Planalto / Divulgação.
“Eu vi muito nas eleições deste ano candidatos que vão lá na frente da igreja, no culto, na missa também, e acabam fazendo uma propaganda, ou se colocam como representantes de Deus, que irão seguir os interesses dos fiéis no Congresso Nacional e que é para votar nele. Isso tudo é uma forma de manipulação, com certeza”, comenta Luiz.
No entanto, o historiador esclarece que não é a religião, por si só, que tem esse poder. O problema está na maneira como ela é utilizada pelas pessoas, pois percebem que, em qualquer dominação, ela se torna uma forma de manipular a população, principalmente quando se está em uma posição de destaque, como em um cargo político. É nesse momento que as pessoas estão dispostas a ouvir o que esse grupo tem a dizer. Por isso, eles chegam ao Congresso com discursos pró-vida e outras pautas que visam agradar fiéis e receber, posteriormente, os votos desse público.
“E aí a gente também percebe que no Congresso Nacional, em muitas reuniões dentro do Congresso, nas diversas comissões, eles fazem uma oração antes, quase um culto, mesmo, dentro do próprio Congresso, nas diversas salas onde acontecem essas reuniões. Ou seja, há sim uma mistura. Até que ponto o nosso país é um Estado laico.”
O assunto também pode ser pensado em relação à presença de objetos religiosos em repartições públicas, principalmente nos ambientes em que há o predomínio de decisões políticas, como Câmaras de Vereadores e Prefeituras. O tema, inclusive, já vem sendo analisado pela justiça.
Em 2020, o Plenário Virtual do Supremo Tribunal Federal (STF) optou, por unanimidade, considerar a ação do Ministério Público Federal que questiona a presença de símbolos religiosos em prédios públicos como sendo de repercussão geral. O que estava em julgamento era o Agravo em Recurso Extraordinário (ARE) 1249095, que vem de uma ação de 2009 e pede que sejam retirados todos os objetos religiosos de locais com ampla visibilidade e atendimento ao público nos prédios da União e no estado de São Paulo.
Na visão do MPF, o Brasil é um Estado laico e, por isso, os órgãos não podem manifestar preferência por uma religião. O Ministério Público Federal usa o artigo 5º da Constituição para dizer que os cidadãos são livres para professar ou não uma religião.
Ainda segundo o MPF, a presença de símbolos religiosos ofenderia essa liberdade de crença. De acordo com a ação, apesar de o Brasil ser majoritariamente cristão, não pode haver vinculação entre o poder público e determinada religião. Os ministros precisam definir, portanto, se a presença de símbolos religiosos em prédios públicos, de fato fere o princípio constitucional do Estado laico. Nada foi decidido até o momento, conforme consta no portal do STF.
Crucifixo na Câmara de Vereadores de Indaial, em Santa Catarina. Créditos: Divulgação.
A fé como disfarce para a manipulação
Assim como no decorrer da história do Brasil, a religião permanece com influência e poder sob a política no país. O que acontece é que, por vezes, as atitudes que evidenciam esse controle passam despercebidas aos olhos da sociedade, já que o vínculo com alguma crença ou denominação transmite, para muitos, a ideia de confiança e boa índole de um governante.
A partir dessa mistura, ações de interesse público que poderiam ser definidas com base na ciência ou em estudos e pesquisas das mais diversas áreas, se tornam alvo de políticos com discursos conservadores e religiosos. Ou seja, pessoas que dizem se apoiar em falas pró-vida e na defesa da família tradicional, mas que, no fim, colocam em risco a integridade e bem-estar de diferentes grupos que não são incluídos nessas declarações.
Assim, o Brasil retrocede. Não pela presença das religiões na vida de cada um, mas por muitos não conseguirem, ou sequer tentarem, separar as crenças pessoais das decisões de um governo. A gravidade está, portanto, nas consequências dessas escolhas, já que são determinações que não afetam apenas um ou dois indivíduos, mas um país inteiro.
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