A mulher
— Sabe aquela sensação de impotência, quando você aceita a situação porque já não existe opção, você tem que fazer alguma coisa porque tudo, mas tudo mesmo depende só de si? Suas pernas sem forças, mas você ter que correr?
Ele estava com a pele borbulhando a arrepios, lembrava daquele episódio como se estivesse o vivenciando, seu cabelo pulava da sua cabeça. Queria esquecer, mas as coisas desagradáveis são as mais difíceis de delas se desligar. Por isso nos apegamos tanto a elas que vivemos com a escuridão grudada em nós, por sua vez, ela acaba se apegando às nossas pobres inocentes almas humanas.
— O que aconteceu de verdade, Eric?
— Você vai me chamar de mulherzinha, mas pouco me importo. Eu sei o que eu vi e era real, mais real que o que você acha ser mais real. Aquilo era o cúmulo da realidade, sei muito bem que não era fruto da minha fértil imaginação.
— Então conta logo.
A testa de Eric brilhava mais que um diamante recém-polido, que o sol na estação mais quente do ano; brilhava que cegaria uma pessoa a quilómetros de distância.
— Era uma mulher bonita.
— Desde quando a beleza das mulheres te assusta?
— Calma — disse Eric, secando com a manga da sua camisa velha a sua brilhante testa. Suas axilas estavam ensopadas. Seu suor quase o afogava.
— Não era uma mulher comum, aquela beleza te assustaria. Nem gorda nem magra; nem alta nem baixa. Ela era mistura de todas as raças existentes no universo, criando uma só, mas, tirando tudo de belo que existe em cada uma. O cheiro dela… Ai… Aquele cheiro maldosamente doce me lembrava… Não… Deixa ver… Não me lembrava nada. Era nenhum cheiro que já havia sentido em todos os meus anos consciente do meu Eu. O meu olfacto se alegrava, até escutei ele dizendo: Obrigado, Eric, obrigado.
— Pode ir directamente ao que interessa, Eric…
Deric estava impaciente, sua curiosidade o corroía. Queria saber logo o que havia amedrontado o homem com a coragem que o permitiria enfrentar o Godzila e o King Kong juntos.
— Eu disse calma, Deric — Eric disse ríspido.
— Não temos todo o dia. Você sabe que temos muito trabalho amanhã. O mercado estará muito movimentado, é quarta-feira, Eric. Se você não tivesse saído daqui no meio da noite, não teria voltado com uma cara de quem viu a cauda do diabo.
— Seja paciente, por favor.
— Continua.
Deric abriu um bocejo, engoliu Eric, depois cuspiu ele.
— Então, a mulher estava de vestido azul cor das nuvens. Suas pupilas dançavam a música do vento que alegremente soprava. Quando ela abriu sua boca, senti um aroma… você já sabe, eu não conseguiria descrever. Aí ela disse como se cantasse ópera para mim: — Boa noite, moço, você pode me ajudar?
— E você ajudou?
— Por vezes eu acho que você não foi dado o dom da imaginação — disse Eric. — Agora imagina a Alice te pedindo que a ajudasse a fazer alguma coisa.
— Há muitas pessoas que a Alice pode pedir ajuda nelas. É muito perfeita para pedir um favor a um ser como eu, aquela mulher…
— … Shiii — interrompeu Eric. — Imagina a Alice como um crocodilo agora, diante daquela mulher.
— Um crocodilo perfeito. — Os olhos de Deric ficaram apaixonados pelo crocodilo que ele imaginou.
— Está bem, imagina como se ela fosse a sua Alice, mas mil vezes mais bonita.
— Então tinha muita beleza acumulada. Não acredito que uma pessoa consegue ser mais bela que a Alice. Continua contando.
— Veja, Deric, veja — disse Eric, mostrando o seu braço ao irmão. — Estou parecendo uma galinha humana. Mas uma galinha com a pele suja.
Deric fez uma cara impaciente.
— Então, ela pediu que eu a acompanhasse em casa do grande senhor Abir.
— Mas como você f…
— … Shiii — Eric tapou a boca de Deric com a sua mão de camponês. — Você não queria que eu contasse logo? Então fecha essa sua boca suja e escuta. Eu disse a ela: “Os seus desejos são uma ordem.”
— Mas você teve coragem de acompanhá-la nos Abir?
— Você diria um não à sua Alice?
— Obviamente que não.
— Então agora você me entende, irmão?
— Perfeitamente.
— Eu nunca achei que uma mulher daquelas me pediria alguma coisa. Tinha que agarrar a oportunidade. Eu apenas sou cumprimentado pela incrivelmente mal cheirosa da Francisca, com aquela sua boca… já estou até ficando enjoado por falar daquela…
— … Pare já — interrompeu Deric, furioso.
— Por quê?
— Para de Falar da Francisca. Esqueceu que ainda não jantamos?
— Pode ficar com a minha comida. Perdi o apetite para os próximos três séculos… — disse Eric e continuou a contar: — Eu dei um passo e ela começou a desfilar ao meu lado. Eu olhava para ela lá de baixo. Ela olhava para mim e sorria radiantemente. Eu sorria de volta, exibindo o meu sorriso de galã de cinema Russo.
Deric soltou uma gargalhada e disse em gozo: — Galã. — Riu até fartar.
Eric apenas observava ele, com uma cara desdenhosa.
— Vai me deixar continuar?
— Continua, GALÃ! — disse Deric, tentando se conter. Estava rindo por dentro.
“Solta já essa gargalhada,” lhe disse a sua cabeça. “Não posso, desculpa.” Ele a respondeu.
— Então, irmão, nós caminhamos e conversávamos. Ela me perguntou se eu tinha mulher. Eu disse que sim: uma mulher perfeita quanto ela e dois filhos lindos. Pela cara que fez quando eu disse, acho que ela sentiu ciúmes e queria que eu fosse solteiro. Me pediu até um beijo, você acredita?
— Já vi que você está inventando. Fica com a sua história. Você devia escrever um livro de ficção, Deric. Você tem muito talento para isso. Quem sentiria ciúmes de ti e quem acreditaria que tens uma mulher e filhos. Ainda aproxima, tudo bonito. Te pediu um beijo…
— Calma Deric, desculpa a parte do beijo e ciúmes — disse Eric se ajoelhando para Deric. — Preciso contar isso para alguém. Se eu não contar eu morro. Eu não quero que esse susto me mate sozinho. Você não lembra, Deric? Nossa mãezinha disse para ficarmos juntos até a morte. Por favor, Deric.
— Está bem, irmãozinho. — Deric voltou a se sentar na cadeira de madeira com o encosto morto. — Agora quero ouvir coisa séria.
Eric suspirou de alívio.
— Obrigado… Nós estávamos caminhando e ela me disse que estava com saudades da nossa cidade. “Há anos que eu saí daqui e decidi fazer uma visita, o calor, lá onde eu estava, é intenso” disse ela. “Sua visita será longa?” Perguntei, você sabe, irmão, eu sou muito curioso. Estávamos caminhando lentamente, parecíamos duas tartarugas preguiçosas. Ela respondeu: “Não sei, isso vai depender”. Eu estava gostando da conversa, Deric. Eu nunca havia tido uma conversa com uma mulher, que durara mais de 10 segundos. A não ser com uma no mercado querendo comprar o nosso repolho. O ser humano quer desconto em tudo.
— Eu sei, Eric, continua.
“Vai depender de quê?” perguntei, olhando para aqueles lindos olhos… qual é o nome da cor das folhas de uma mangueira?
— Se não forem secas, verdes.
— Ah, obrigado, Deric, você é a pessoa mais inteligente que eu conheço. Ela disse: “Se alguém quiser que eu fique, eu fico, mas nunca fui uma mulher bem-vinda nesta cidade. As mulheres daqui sempre tiveram inveja de mim.” Eu disse em pensamentos: Obviamente, você é uma mulher para invejar. “Eu quero que você fique”
— Você disse para ela ficar por quê, Eric?
— Se coloca no meu lugar, Deric. Imagina como se ela fosse a sua Alice.
— Está bem, continua.
— Eu queria que ela ficasse para continuar conversando com ela, mas duvido que teria coragem de conversar comigo à luz do dia — disse Eric, tristonho.
— A Francisca conversa consigo de dia — disse o irmão, gargalhando.
Eric ignorou a provocação.
— Aí quando eu disse que queria que ela ficasse, ampliou seu lindo sorriso para mim e perguntou: “Sério que você quer que eu fique?” eu disse: “Obviamente, madame.” Ela perguntou meu nome, eu disse. “Jurra? Você cresceu muito.” Eu fiquei pasmo, ela era mais nova que eu, mas eu não disse nada.
— Deve ser pela sua altura — disse Deric, rindo docemente novamente.
— Engraçadinho. Você só é um centímetro mais alto que eu.
— Um e meio.
— Está bem, um e meio. Agora posso continuar?
— Claro, seu anãozinho.
— Eu perguntei: “Como assim?”, ela disse para eu deixar pra lá. Eu deixei.
Quando estávamos perto de chegar nos Abir, ela disse: “Jura que quer que eu fique.” Eu disse: “Obviamente, juro pelo nome de Deric”.
Deric lançou um olhar não agradável para Eric.
— Brincadeira, só disse obviamente.
— Quando nós estávamos no portão dos Abir…
— Não acredito que você chegou no portão dos Abir. Ninguém se atreve a chegar ali, nem os familiares ainda vivos do senhor Abir. Você está me assustando, Eric, está me assustando.
— E quando chegamos, eu olhei para o lado porque um mocho cantava a música que o diabo canta para os seus demónios quando possuem perfeitamente um ser humano. Quando voltei a olhar para a cara daquela linda mulher, vi ela, Deric, eu vi, Deric. Estava toda queimada; sua cara derretia e cheirava a um pardal assado sem ser depenado. Seus cabelos soltavam chamas. O vestido azul estava todo esfarrapado e pegando fogo. Foi muito assustador, Deric, muito assustador. — Eric lacrimejava e tremia. — Eu corri feito louco, Deric. Corri como se tivesse visto um fantasma.
Deric levantou-se amedrontado e trancou a porta.
Aquela mulher havia sido queimada viva por feitiçaria. Ela matara seus gémeos de apenas 2 meses de idade, cortando seus pulsos à laminadas, e o Abir, o degolou como um frango — um homem muito rico, mas gordo e nada bonito e manco —, matou tudo no mesmo dia quando o homem descobriu que os filhos não eram dele.
Era uma mulher que seduzia os homens com a sua beleza que adquirira através de feitiçaria quando tinha apenas 5 anos de idade. Antes, ela era mais feia que a Francisca; era horrível, era mistura de tudo o que é feio em todas as raças que existem no universo.
— Quem está aí? — Perguntou Deric, quando alguém bateu agressivamente na porta da casinha que acolhia os dois irmãos. Um ar frio entrava pela janela com um vidro quebrado.
— Preciso de Eric.
— Vai embora, Francisca — disse Deric.
— Mas ele disse para eu ficar na cidade, eu não sou a Francisca — disse o fantasma da feiticeira.
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