Kepler-186F > Marcel Fernandes. Eremita > Thays Bittar. Suspensão > Chen Hui Li. Errante > Fernando Angulo.
A Edições Olhavê, criada pela antropóloga e curadora Georgia Quintas e pelo fotógrafo e editor Alexandre Belém, ambos pernambucanos radicados em São Paulo, chega ao décimo número da coleção OLHAVÊ [PROJETO]. Uma editora independente com interesse em fotografia e imagem é dedicada a trabalhos autorais que incluem processos de criação e edição. Como eles mesmos contam: "Temos especial interesse na reflexão sobre como narrar poeticamente temas, sensações, metáforas, ensaios. Enfim, caminhamos pela edição e montagem da escrita visual." O casal acrescenta que seus projetos são humanizados, dialogados, delicados e concentrados no espírito de experimentar e pensar a fotografia com seus autores.
Uma editora pequena, mas muito consistente e com conteúdo de qualidade, como vemos no livro Tempos Arenosos ( Olhavê, 2015) da artista visual Elaine Pessoa [ leia review aqui https://blogdojuanesteves.tumblr.com/post/177092844836/tempo-arenoso-elaine-pessoa ] ou Antes do Inverno ( Olhavê,2020) da fotógrafa Chen Hu Li, [ leia aqui review em https://blogdojuanesteves.tumblr.com/post/611055501151698944/antes-do-inverno-edolhav%C3%AA-2020-da-chinesa ] acrescenta agora mais quatro edições à esta coleção trazendo como nº7 Marcel Fernandes, nº8 Thays Bittar, nº 9 a já mencionada Hu Li e nº 10 Fernando Angulo.
Os volumes seguem a linha da coleção, tanto visualmente no design quanto em sua construção mais ontológica, onde Quintas e Belém assumem além da edição das imagens, a narrativa e o desenho das páginas. Um trabalho que demandou uma parceria longa entre eles e os autores, cerca de oito meses com cada um, sendo que alguns tiveram mentoria por vários anos, o que certamente é notável.
No conjunto dos livros, trazem um formato contemporâneo mais enxuto em apenas 32 páginas, mas que penetram na essência da obra de seus autores, o que os distancia de muitas publicações similares cujo excesso de imagens peca pela falta de coesão e narrativas insustentáveis. Uma qualidade que podemos observar também em outros livros desta coleção como Vigília (Olhavê, 2015) de Katia Kuwabara e Branca (Olhavê, 2015) de Ligia Jardim, respectivamente os dois primeiros publicados. [ leia aqui review sobre estes em https://blogdojuanesteves.tumblr.com/post/139794095461/branca-ligia-jardim-vig%C3%ADlia-katia ].
Kepler-186F de Marcel Fernandes, o nº7, é articulado com uma narrativa que utiliza a ideia da ciência e ficção para construção de seu processo artístico - onde vemos imagens construídas, ora com interferências de ilustrações como meteoritos ou estações espaciais, planetas, vegetações, desenhos antigos, cuja inspiração vem dos antigos mistérios da astronomia. Seu ponto de partida é um diálogo com a descoberta pela NASA de um planeta irmão da Terra, cujo objetivo é promover uma viagem atemporal com o espectador, o que nos lembra da mostra Abstraction in Photography, montada em 1951 no Museum of Modern Art ( MoMA) de Nova York pelo curador Edward Steichen (1879-1973) que reunia trabalhos de 75 fotógrafos. Entendendo aqui como “abstração” ele escrevia que as fotografias tinham um grande range: imagens científicas, arranjos de padrões gerados mecanicamente e até formas orgânicas naturais. O que nos leva também ao livro O Falcão Peregrino ( Ed.Laranja Original, 2019) do fotógrafo Feco Hamburger onde imagem e prosa estão entrelaçadas em uma narrativa poética que equilibram-se em memórias afetivas do autor, que se utiliza mais de dados científicos do que históricos que dialogam com as paisagens da atmosfera, superfície e cavernas, no trajeto da ficção e não ficção.
No Nº8, Eremita, de Thays Bittar, nos mostra o dia a dia do avô da fotógrafa em seus 89 anos. O título vem de uma afirmação do protagonista que intitula-se “O Eremita da Montanha" uma alusão a sua moradia na cidade de Atibaia, no interior de São Paulo. No entanto, o espectador deve abandonar a ideia de um personagem sartreano ou nietzschiano em sua proposta ética como resultado da condição humana. O senhor Silvério Carrião Neto, parece ser feliz onde está.
Thays Bittar, que é filha de dois fotógrafos que foram importantes jornalistas, João Bittar (1951-2011) e Marisa Carrião, não nega suas origens quando faz um registro documental de seu avô durante a pandemia de Covid-19, quando viveu com o mesmo ajudando nas funções práticas, e como ela mesmo diz, fazendo-lhe companhia. É um livro que usa chiaroscuro em preto e branco com fortes contrastes, mas não dramático, mesmo com uma certa densidade no clima uma vez que as fotografias registram seu assunto de maneira solitária. Entretanto, o mesmo é poético graças a narrativa que nos dirige para um final feliz.
Já faz algum tempo que os fotolivros mais contemporâneos, em especial da Olhavê, abrigam histórias íntimas, afetivas, domésticas e familiares, seja de uma maneira como esta, mais documental, ou outras mais ontológicas, como no Branca, de Ligia Jardim, acima citado, ou Baches ( Olhavê, 2015) de Monteserrat Baches, [ leia aqui review em https://blogdojuanesteves.tumblr.com/post/112434321856/baches-de-montserrat-baches ] cujo mote é a convivência da fotógrafa com seus pais, já idosos e seu denso relacionamento permeado por décadas. Especula-se sobre certa familiaridade através de imagens cuja intimidade nos parece nítida. A compreensão maior cabe ao leitor atento. Mais do que isso, o que importa é o percurso criado pela autora, seus passos e a percepção do trajeto como um todo, o que reconhecemos também em Eremita.
Suspensão, o nº 9, de Chen Hui Li , é a transposição fotográfica de sensações e sentimentos de outrora, escolhendo como representação a natureza gelada de algum lugar - não identificado - na beira de um oceano e nas sutilezas de um personagem que podemos imaginar ser a autora, pela última imagem, refletida no chão molhado, ou no interior de uma casa, e seus vestígios existenciais, que podemos fazer uma analogia com seu livro Antes do Inverno, citado acima igualmente.
O conjunto que nos remete ao primeiro livro, cria segundo os editores, responsáveis pela narrativa, um certo labirinto imaginário, um misto de emoções como desalento, desamparo, dúvidas e solidão, evocados pela autora. No entanto, abdica de problematizações maiores, visto a literalidade da proposta, ainda que não exista como nos demais livros, nenhum texto a ajudar o leitor, o que seria desnecessário diante dos matizes escolhidos por ela.
Interessante notar o páthos nos artifícios da representação dos aspectos do íntimo na produção imagética mais atual, ainda que nestes casos não deixe de ser uma abordagem criativa, resultante da aproximação entre autor, seus lugares e personagens, e na proposição de um encontro com o espectador, a interagir entre os diversos sentimentos ali expostos, como uma explícita vulnerabilidade, ou que estes assuntos possam ser tomados como signo (ainda forte em seu significado), como apontam respectivamente Charlotte Cotton, curadora inglesa, em seu livro The photograph as Contemporary art ( Thames & Hudson, 2004) e Jean Baudrillard (1929-2007) em seu ensaio The Ecstasy of communication (The Anti-Aesthetic - Essays on Postmodern Culture (The New Press, 1998).
Errante é o fotolivro nº10 da coleção Olhavê {Projeto} mostra o sentido da discussão da fotografia por ela mesma, como elemento gráfico, de registro de um tempo sem uma problematização exagerada de seu conteúdo. Fernando Angulo, seu autor, reúne imagens captadas durante viagens na década de 1990. Um conjunto que destaca a paisagem vista pelo parabrisa de um carro, possíveis acompanhantes seus, fragmentos da natureza, detalhes como mãos e flores. No entanto, o conjunto não deixa de cutucar o espectador, a impressão é que estamos em uma espécie de estética da "nouvelle vague" brasileira.
Para os editores, o autor busca o delicado equilíbrio dos aspectos transitórios, os quais representam a dualidade da vida, imerso em universo introspectivo e atemporal, a registrar sinais e marcas presentes no cotidiano. Bom lembrarmos do escritor expressionista alemão Gottfried Benn (1886-1956) em "o sentimento futuro da humanidade não será o do desenvolvimento mas o do movimento incessante. Ou parafraseando Félix Guattari (1930-1992 ) em seu "Mil Platôs": Há uma estrada, mas nem por isso faria sentido dizer que estou na estrada. Trata-se de uma visão panorâmica da estrada, que não é trágica, nem desabitada e que somente é assim em função de sua cor e de sua luz, sem sombras...
Imagens © dos autores Texto © Juan Esteves
Ficha técnica básica:
Fotografias: dos autores
Edição, Narrativa e desenho: Georgia Quintas e Alexandre Belém
Projeto gráfico: Fernando Sciarra
Tratamento de imagens:
Katia Kuwabara ( Supensão e Eremita)
Danilo Kim/Estudio 321 ( Errante)
Pedro Vieira ( Klepler 186F)
Impressão: Gráfica Ipsis
Para adquirir os livros:
Lovely House - lovelyhouse.com.br
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