Tumgik
oblogquenuncative · 9 months
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oito biliões
oito biliões de pessoas no mundo e vocês acham que o amor da vossa vida andou convosco na escola. trabalha no mesmo edifício. mora no mesmíssimo lugar. ponto de interrogação. acham mesmo? desculpem. eu não quero ser o grinch do amor. porque eu ainda acredito nesse cabrão. eu ainda acredito nesse cabrão. eu não sei se acredito é nestas contas. sinto que há uma forte probabilidade de andarmos aqui a favorecer o amor. a facilitar encontros de almas gémeas. no limite, a aproveitar um dos possíveis. naturalmente, aquele que fica mais à mão. porque, pelos meus cálculos, é capaz de haver outro na nigéria ou em el salvador ou em kuala lumpur. porque, epá, quão retorcido seria ter a capacidade de amar para depois ser geograficamente impraticável? não sei. são pensamentos que me atravessam. agora deixo convosco. lembro-me que algures nos maias havia uma passagem que dizia que a cada passo que dávamos estávamos a caminhar em direcção ao nosso amor. e eu estou farta de palmilhar, eça. e oito milhões menos umas dezenas, é fazer as contas. mas eu ainda acredito nesse cabrão.
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oblogquenuncative · 2 years
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há um momento
para quem diz que não sei amar, saibam que não é verdade. há um momento, podem ser só uns segundos, mas há um momento, quando estão dentro de mim, em que os amo a todos. profundamente e com todas as partes do meu corpo. puxo-os para o meu peito, afundo-os no meu pescoço, acho que é com amor que os abraço, mesmo que não os torne a ver, mesmo que não lhes lembre o nome alguns meses depois. nesse momento, desejo que me amem eternamente também, ainda que pelos mesmos segundos apenas.
para quem diz que não sei amar, são esses instantes de um amor feroz onde termino a sorrir que vou cristalizar na memória como uma recordação feliz. amar em doses curtas, porém intensas. em fracções de tempo onde cabem só gargalhadas e o cabelo embaraçado na almofada. há um momento em que os amo a todos. pulsa o coração na mesma cadência que os restantes músculos que usamos para fazer amor. a felicidade é pura e é plena ao desmanchar-me nos braços que me seguram. e se isso não é amar um pouco, então eu não sei nada sobre o amor.
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oblogquenuncative · 2 years
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setembro.
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oblogquenuncative · 2 years
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é hora de almoço nas obras da pedreira e os três trolhas dividem a sombra de uma única árvore raquítica. deitados no chão, dormem abafados entre toalhas de praia e os capacetes mesmo à mão de alcançar quando der o meio dia e meia. comove-me esta intimidade calada entre homens cansados, que partilham o sono curto e pesado no meio da dureza de uma jornada de trabalho.
no carro da frente, uma mão de mulher fora da janela a replicar um gesto que repito tantas vezes. conduzir com uma mão ao vento. a apalpar o ar que passa por ela. um bailado tão belo, a contrariar a resistência da matéria. há um mundo no corpo que vai dentro do carro e outro na mão que atravessa o vento lá fora. e são diferentes as pessoas que escolhem experimentar um ou ficar só no outro.
depois de fodermos, viras-te sempre de costas, a mexer no telemóvel. alheado, deslizas pelo ecrã com a mesma avidez com que percorreste o corpo que agora esqueces ainda morno, a acertar a respiração e que ainda não parou de te querer. jamais te amaldiçoaria mas, para dentro, peço ardentemente que um dia te pesem todos os minutos que não usaste para me contemplar. estou absolutamente certa que lá chegarás.
é feita de gestos, a puta da vida. os que escolhemos conscientemente e aqueles que, sem darmos conta, é como se mexessem no eixo da terra, o mesmo que nos atravessa e muda. e mais do que aqueles que, responsabilidade nossa, concretizamos, faz-se daqueles que temos a clareza de observar.
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oblogquenuncative · 2 years
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são os pés mais bonitos que vais ver hoje. e eram. os pés mais bonitos que havia de ver naquele dia. depois dos meus, evidentemente. magros, queimados do sol, unhas rentes e, do mindinho ao dedo grande, uma escada perfeitinha que apetecia subir devagar.
depositaste-os no meu colo para que os massajasse. pesaram-me nas mãos abertas, embora macios como prometias. pequenas, as minhas mãos não os cobriam inteiros. ainda que sobrepostas, os dedos teimavam em espreitar, apertados pelos meus, reagindo em cócegas às festas leves que lhes fazia nas palmas com a ponta das minhas unhas, pulsando e mudando de cor à pressão que arriscava.
limpos e húmidos, a cheirar a si mesmos, escorregavam-me nas mãos, viciantes. são os pés mais bonitos que vais ver hoje. e eram. os pés mais bonitos que havia de ver naquele dia e em muitos outros que se seguiram. de gulosos que eram, como massa escura de pão, de olhos postos nos teus, atirei-me a eles com a boca toda e por lá fiquei até matar a fome. até matar a sede.
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oblogquenuncative · 3 years
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o problema não és tu. são as calças de fato treino cinzentas.
eu até estava aqui tão quieta. a treinar para dentro um discurso solene, breve porém estruturado, firme e ligeiramente frio na medida do meu possível, para de uma vez por todas te pôr a andar. que isto assim não tem jeito nenhum.
e depois, tu passas mesmo ao lado do braço do sofá, maluma de trazer por casa, com esse par de calças cinzentas, cinquenta por cento algodão, poliéster os outros cinquenta, isso tudo ao pendurão, mesmo ao nível do meu astigmatismo, e juro que o meu coração até pára de bater.
o problema não és tu. mas se calhar falamos amanhã.
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oblogquenuncative · 3 years
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quando eu era pequena, isto era tudo campo. quando eu era pequena, o restaurante mónaco ainda não era decadente, mas estava quase. a desgraça ainda não tinha acontecido no restelo e as piscinas do aquaparque ainda tinham água nos escorregas. o estoril sol ainda era um hotel e não uma tétrica bola de espelhos. os mamonas assassinas ainda não tinham morrido todos num desastre de avião. o rui pedro ainda vivia com a mãe. as depressões ainda eram esgotamentos. os giveaways ainda eram passatempos. o zecchino d'oro ainda era um programaço.
quando eu era pequena, ainda a lula gigante impressionava no aquário vasco da gama. a ponte de entre os rios ainda não ameaçava ruir. os táxis ainda eram todos mercedes de meia idade onde se fumava lá dentro. de vez em quando, o santini ainda aparecia no balcão da avenida valbom, a servir uma bola de marabunta. o parque marechal carmona ainda tinha macacos imundos fechados em gaiolas, a marrar nas grades se alguém lhes atirava comida. o centro de saúde de alcabideche ainda era um acampamento de ciganos. o dois mil e um ainda tinha mesas e cadeiras presas ao chão para que não voassem em noite de bulha. a praia da conceição ainda tinha marés porque a marina era só um desenho. a nossa casa ainda era grande porque eu ainda era pequena e não conhecia mais nenhuma.
quando eu era pequena, isto era tudo campo. era tudo verde. era tudo mato. era tudo livre. era tudo selva. era tudo fácil. era tudo fértil. não havia aindas. nem havia ses. nem sequer havia ontem. só havia hoje. só havia amanhã. quando eu era pequena, isto ainda era tudo futuro.
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oblogquenuncative · 3 years
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‌é setembro e há qualquer coisa de paz na paisagem alentejana. acolhedora na repetição e previsibilidade. tão quente na terra. um abraço tão grande, esse calor. de vez em quando, um sobreiro doente na beira da estrada é nota mental para a orientação do caminho. as vacas sentadas na sombra que sobra. são tão belos os cavalos que galopam nos montados depois de beberem água no tanque. invejo-os tão imponentes e tão livres. lá fora, andam nus, os miúdos. a pele negra de sol e encardida de pó. no ombro, ainda lateja a picada de uma abelha que fez correr tantas lágrimas e ranho. deixa-os brincar. há água na mangueira e ninguém nas redondezas. hão-de cansar-se cedo e adormecer ainda antes do céu inteiro ser um planetário. será só para nós esse espetáculo. um pano estendido no chão e uma tela viva para contemplar. um exercício de paciência, é como pescar, esse de encontrar uma estrela que cai. ainda por cima, é sempre uma surpresa atrasada, com anos luz de distância. vês uma, depois eu vejo outra. e já brilham demais as cicatrizes das clavículas que fizeste nas motas e que trazes de fora porque é verão. beijo-as demoradamente. uma e depois a outra. conheço-lhes o desenho e os nós onde engrossaram. cubro-as sempre de creme, uma linha espessa, para que o sol não as escureça e maltrate. lambo-as agora. e à tua boca ainda a saber à fruta que trouxemos da venda lá em baixo no cruzamento da estrada. cerejas, melancia, melão de casca amarela e grossa, figos. no escuro, cintila a marca do fato de banho que raios ultravioleta e melanina recortaram na minha pele. é como se estivesse vestida de transparente. nem tomámos banho. inspiro fundo esse cheiro agridoce a transpiração. saboreias-me o cloro da piscina. é tarde, mas ainda sobe calor do chão. do centro da terra. é setembro e há qualquer coisa de bélico na paisagem alentejana. até os grilos pararam de cantar. a ursa maior mesmo aqui. tu és terra e eu barragem.
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oblogquenuncative · 3 years
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eu já tinha visto golfinhos moribundos dar à costa. gaivotas depenadas. peixes mal pescados. polvos desfeitos. uma vez, até vimos um vestido de noiva todo desengonçado na areia. magicámos a tarde toda no drama de faca e alguidar atrás daquele abandono de rendas e botões forrados. traição, fuga, arrependimento. às vezes, aparecem flores. de promessas, despedidas ou feitiçaria. magia negra diz sempre alguém. não lhes toques. é como nos cruzamentos da peninha. é aquela mística, continuam. todos vimos as fotografias do naufrágio do navio angra na praia grande, enquanto comprávamos magnuns mint e cornetos ao balcão. passámos repetidamente à beira daquela velha cadavérica que ousava banhar-se ao sol, só para verificarmos se estava mesmo viva. acabávamos sempre a confirmar que sim. que era só mesmo estranha e tinha mesmo operado muitas vezes o nariz. raramente, lá aparecem alforrecas. troncos grandes. cotonetes. chinelos desemparelhados. um balde ou uma pá de plástico já todo descolorido de sol e sal. mas eu nunca tinha visto um cão morto aparecer das ondas. ir surgindo da espuma, corpulento e vazio, onda para a frente, onda para trás, até ficar inchado e estendido na areia a chocar famílias e a entristecer um dia inteiro de verão.
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oblogquenuncative · 3 years
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casa.
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oblogquenuncative · 3 years
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cheguei a casa e ainda inspirei fundo o cheiro a pimentos assados, soprado de um quintal qualquer no ventinho que levantou ao fim da tarde.
um duche morno e deito-me na cama ainda dia, de janela aberta e os carros a cruzar a estrada mesmo aqui à beira, sempre o mesmo compasso marcado pela tampa de esgoto que pisam a meio do alcatrão. meço-lhes a velocidade pelo prolongamento ou brevidade do estalo metálico ao peso dos pneus.
curiosamente, durmo melhor aqui do que no silêncio absoluto que reinava na casa onde adormecia antes.
leio alto mais um pedaço da balada do café triste, uma tosca história sobre o amor de miss amélia e um corcunda, e lembro-me do afonso sentado no banco de jardim, debaixo de um húmido e jurássico eucalipto. uma farta cabeleira de caracóis renascentistas. revoltos e soltos e livres como pedem os dezoito anos. meias desemparelhadas, esticadinhas nas pernas magras. sapatos de músico. longos, finos e de atacadores. na t-shirt, o desenho de uma figura chinesa. uma gueixa, se a memória não me falha. ao telefone, sossegava alguém preocupado do lado de lá, rematando suave a cada frase, “meu amor, meu amor.”
revejo essa memória doce e lembro-me do rasgão que fiz ontem no lençol. passo-lhe os dedos como quem acaricia um golpe e deixo-os lá pousados, no algodão esgaçado, e repito. e repito.
lá fora, os carros dispersam-se, distanciam-se, cada vez menos, à medida que o sol escasseia.
sonolenta, depois de um dia cheio como um ovo, costuro esta manta de retalhos feita de palavras, observações e memórias e concluo: no reboliço, não damos conta, quase nunca, mas quadros vivos é o que somos.
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oblogquenuncative · 3 years
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nem o pai morre nem a gente almoça.
já nem sabe a regressar a casa quando quase não saímos cá de dentro. empatamos o tempo. reinventamos receitas. fazemos de conta que aprendemos com isto porque de tudo na vida se tiram lições. está-se bem no silêncio e no burburinho. bebe-se as (in)certezas num copo de vinho. tiramos de novo as prateleiras do frigorífico para as lavar e secar e mandamos fora o frasco de rebentos de soja que passou a validade sem termos feito chao-min. mas as ruas ficam de novo desertas, calam-se guitarras e os fadistas ficam quietos sem voz. a cigana já não grita na feira, nem a peixeira na praça. não há pistas de dança, nem altivos porteiros a ignorar-te de perto. não há prostitutas na esquina e sobra um só acordeonista a tocar sozinho à beira da estação. não há pressa para nos despirmos da roupa cheia de fumo porque só nos desejamos a pele e a carne depois de dançar. não há ensaios da marcha, nem as costureiras costuram malhas e lantejoulas. esvaziam-se os teatros e o tejo nunca mais viu erguer-se um palco perto da margem. as salas estão mudas, mas o baixista ainda sabe o lugar das notas. as mesas estão empilhadas, mas o empregado ainda sabe de cor os preceitos de atender. o palco está na escuridão, mas o sérgio alinha os projetores, conta os filtros e sorri com saudades para a mesa de luz. a mónica nunca mais dançou no varão e eu nunca mais comi chamuças antes de chamar o táxi. a rua tem saudades da gente e a vida tem saudades da rua. nem o pai morre nem a gente almoça aqueles carapaus com molho à espanhola e qualquer dia é outra vez abril.
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oblogquenuncative · 4 years
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tenho uma imagem bastante nítida da minha mãe com trinta e quatro anos. afinal, nasci-lhe aos vinte e três e isso permite-me ter próxima essa memória muito concreta e muito presente. duas filhas e a terceira mesmo a rebentar. umas quantas moradas. algumas casas bonitas que nunca eram nossas, trabalhos, aulas, biscates, fantoches, patines, amigos palhaços, um cão vivo, outros já enterrados e uma carta por tirar.
trinta e quatro anos depois de ter chegado aqui, eu ainda não sei para o que é que vim. se calhar, a ideia nem é descobrir, mas eternamente procurar. porque às vezes, parece não fiz coisa nenhuma. nem filhos, nem sopas decentes, nem histórias de amor, nem bainhas nas calças, nem uma casa erguida, nem uma projeto de vida, nem um doce de tomate, nem animais de estimação. mas, depois, se olhar com atenção, se me sentar para pensar a lápis, percebo que estou sempre a continuar esta história pequenina que é a minha e a de mais ninguém, mas feita das histórias pequeninas e de mais ninguém de todos aqueles que se juntam no enredo. e se há coisa bonita que o tempo traz é a serenidade de entender que as vidas não são tiradas a papel químico. são únicas. sem cópias e repetições. e se há coisa bonita que o tempo traz é conseguir ver com clareza o que fica do que passa. e entre enredo e elenco da minha história não mudava nadinha. nem sequer 2020, nem sequer a escrivaninha.🧡
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oblogquenuncative · 4 years
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de casa da leonor, vejo outras casas. vejo para dentro de outras casas, pelas janelas. uma família junta a jantar à volta da mesa, comove-me sempre. lá em baixo, a mãe pede à filha que estenda a mão para lhe bater na palma aberta. só sabe ter brincadeiras estúpidas, grita e arrelia-se. e a menina chora. há muita gente que ainda não chegou a casa a esta hora. não sei se é cedo ou tarde, mas gostava de ver alguém a fazer amor. ou ouvir alguém a fazer amor.
da minha casa, não vejo para dentro de outras casas; não posso ouvir ninguém a fazer amor.
da casa da leonor, sim.
há uma grua imóvel. enorme. robusta e sólida. agora quieta no contraste com este céu anil de setembro. sopra um vento miudinho que agita um oleado no estaleiro de uma obra e é tão bonito esse bailado preto e sintético.
mesmo há pouco, vi um rapaz oferecer ajuda a carregar as compras de um velho. foi bonito o gesto. mas o rapaz só puxou aqueles cestos com rodinhas e deixou o senhor carregar o saco pesado. não fez sentido nenhum, acho que nem percebeu. mas foi bonito o gesto. e por isso o dia pode acabar.
a família já comeu o esparguete. a miúda já se calou e a mãe já apanhou do chão as caganitas do cão minúsculo. o velho já arrumou as compras e a grua nem se mexeu.
eu não vi ninguém a fazer amor e já são horas de ir para dentro. se um dia alguém analisar as minhas palavras, saibam que aquilo que escrevo não quer dizer mais nada além do que se lê.
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oblogquenuncative · 4 years
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é, geralmente, a conduzir sob um céu de algumas nuvens como o de hoje, que mais me espanto e debruço sobre o mistério da vida. um céu limpo não tem profundidade e o movimento reforça a magia da existência.
fico ali, a olhar para tudo como se fosse a primeira vez. isto não faz sentido nenhum. como é que há céu e nuvens e estradas e carros e regras e sonhos e casas e vida e pessoas e pássaros e nós a passar pelo mundo e a vida a passar pela gente.
como compreender ser o pó das estrelas e o resultado de uma explosão cósmica que lentamente nos trouxe até aqui? e enquanto penso vou ficando mais pequena, pequenina, à escala de um lugar tão grande como é existir. se calhar, somos só alguém a sonhar um sonho longo e complexo. uma encenação qualquer de um realizador caprichoso numa espécie de truman show.
e quanto mais olho ao meu redor, mais o meu espanto se amplia. porque é alucinante a teia de coisas concretas e abstractas com que costuramos a realidade e fomos nós que as criámos ou estudámos e as fizemos ou entendemos. e inventámos a fé e a arte para o que não conseguimos explicar. e tudo isto é tão belo e tudo isto é tão triste. porque na mesma dimensão e espaço de tempo onde o ser humano pode criar coisas insignificantes mas úteis como escovas para lavar e esfregar as costas, outros podem desenvolver preciosas linguagens alternativas para que todos possamos comunicar [mesmo os que não vêem ou ouvem], uns estudam galáxias e universos paralelos e alternativas sustentáveis para que a vida no planeta permaneça, outros viajam milhas para cuidar de quem perdeu tudo ou foge da guerra ou trata doenças, ao mesmo tempo que o mundo corre debaixo dos meus pés e a ciência é gloriosa e o conhecimento nunca foi tão ágil e a comunicação tão fácil e a vida nunca foi tão grandiosa, no mesmíssimo momento em que tudo isto acontece e eu conduzo espantada sob um céu de algumas nuvens, ainda há quem diga “volta para a tua terra.”
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oblogquenuncative · 4 years
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por esta hora, as unhas já estavam encardidas de descascar quatro para cinco sacas de batatas que, depositadas no alguidar, seriam cortadas às ordens da são. muitas em palitos para os grelhados. outras tantas em cubos para a jardineira. algumas em metades para o bacalhau assado.
a meio da quinta saca, o joão da caixa parava de contar trocos e chamava-me para servir as mousses de chocolate. acho que gostava de, no fim, me ver lamber a colher logo às dez da manhã, antes de as arrumar na vitrine.
depois, era começar a por mesas. toalhetes. pratos virados para baixo. capaz de lá andar perdida boa loiça de sacavém, sobras de um enxoval qualquer doado à sociedade. os talheres desencontrados. mesmo à pobre. uns copos com pé, outros sem. todos com ar de taberna. quando se terminava uma mesa, a anterior já estava cheia de carumas.
o fifi, sempre com um pingo de ranho no nariz e olhos tristes de tolo, vinha ajudar com os lixos- raspava os pratos e depois levava os caixotes a despejar. tem força para os carregar, por isso também é dos bombeiros, ninguém desembaraça tão bem os carretéis das mangueiras.
onze da manhã e o joão da grelha já está todo suado, a assar os frangos e as gaitadas para o almoço do pessoal. andor, é para comer rápido que hoje vem o grupo grande da comissão de festas e há sangrias para fazer.
abrindo a porta, era só aviar fregueses. olá boa tarde já escolheram. hoje há jardineira e dobrada, grelhados, pastéis de bacalhau com arroz de tomate e a sopa é caldo verde. um panachê. dois sumóis de ananás. uma salada mista. o homem sozinho na mesa vai perguntar-me se sou brasileira e se me pode por uma nota no avental para comprar uma t-shirt. um outro palerma vai chamar-me para saber se gosto mais de dobrada ou de esticada e os amigos vão rir porque não percebi logo. o casal reformado, velhinho e amoroso, que vem todos os dias vai mandar os parabéns à cozinheira. vou responder, brejeira mas engraçada, que o melão já vai, está-se a vestir. o bloco de notas sempre a ir ao bolso do avental. as minhas pernas tão frescas a fazer quilómetros entre as mesas do pinhal. sempre de calções. sempre a sorrir. os seus caracóis são verdadeiros ou fez uma permanente? cóvert a dois! grita o sôr zé que tá nas mesas pequenas e leva isto demasiado a sério, até veste camisa branca. a cigana mais pequena vem sozinha pedir duas xôpas, já traz as colheres de volta. o tóino de janas aparece no fim para almoçar, pede um ice tea de limão, mastiga sem dentes e acaba por fazer xixi nas calças. tem de vir a alda ajudar.
nilton césar toca nas colunas do recinto. espera um pouco, um pouquinho mais. para que eu te mostre a felicidade. o fifi despeja o último caixote. as mondadeiras do algueirão arranjam as saias. prepararam-se para atuar. já apalavrei com o carlos uma sweat da gap. a moça da quermesse vem perguntar se, logo à noite, posso fingir que ganhei o televisor.
vou buscar uma filhós, ainda morna. a boca cheia de açúcar. é verão.
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oblogquenuncative · 4 years
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agosto
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