PALERMO
Vem a vida, cai a minguas
O portão resta e esvoaçam gotas de poeira pelo chão
Vejo; mas o que importa que vejo?
Sinto; mas de nada vale o que sinto
Não importa nem esse vácuo sobre a cabeça dos seres
Nem essa dor que vem boiando pelo Mediterrâneo
Dor de pele negra ao relento da maré
Brilho de sal nessas frontes que lutam com fé
E vamos nos odiando.
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DUBROVNIK
Doses máximas ultrapassadas em dobro, triplo, quádruplo de ti
Teus seios molhados de sal a tocarem meus lábios
Busco-te na escuridão
Teu silêncio que grita
Que chama, que acende
E rende um infinito de frames.
Te toco maresia
Necessito-te como maresia
E o som das ondas dos teus eixos fartos a baterem como Adriático nas pedras do meu peito
A se infiltrarem e completarem o vazio do meu peito
Vazio como eu
Mas que de ti,
Repleto,
Repente,
Ribomba.
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SANTO ANDRÉ OU CANTIGA A RATOS
Hoje é dia
Amanhã é fria
Braços de piscina
Chacina
Menina
Os dias repletos de escuridão
As ruas enfeitadas de corpos
Bares adornados com furos de bala
A (des)ordem mantida a bombas
e gotas de sangue pelo chão.
O tempo flui e nada flui
Satelitizam-se festivais de hemácias nas televisões
Berram loucos os sensacionalistas
Filmam tiros com smartphones amadores cinegrafistas
Para todos os lados os extremistas
E martelos nas línguas do povo
Em um mundo em que se deve decidir entre partidos de ratos azuis ou rubros,
Eu prefiro ficar no sem sentido a ter os olhos roídos por seus dentes podres.
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MILICIO
Penso nuvem; dou à luz balas de canhão Meu grafite é o sangue das chacinas de São Paulo Minhas mãos os parafusos que embelezam o Caveirão Os fuzis que guardam os morros Supostos salvos por operações hollywoodianas Motivos de som, luz, fúria e propaganda (e constantes gritos de socorro). Minha mente se prende em algum lugar do céu Meus pés são rasgados por cacos de vidro E os estilhaços vão passando merthiolate pelas feridas de quem passa Meu peito ribomba pus Todos os tambores molhados de sangue perfeitamente desenhados pelo chão Perfeitamente expostos pelo salão Perfeitamentes E as mortes de pobres pretos putos putas se tornam números ou suspiros de um estado banal entre alienação e estupidez. Brasis
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Voa no tempo imensidão Passa o mundo, eternidade Finitude, construção Esperança A queda a beijar redenção E todas as flautas brindando o paraíso de cada um com placebos de ilusão. Meu corpo atravessa o tempo presente Sai à busca do futuro Mas se choca contra as teias de milhões de futuros simultâneos que se arrebatam e se esbarram contra mim É apenas a milionésima vez que me pergunto aonde isso irá acabar É apenas o passar dos instantes que descreve no escuro minha cegueira para o mundo É apenas a catástrofe que me leva para frente E sopra furacões pelas estrelas que caem sobre este chão ardido. Também eu sobrevoo esses esgotos a céu aberto E tropeço sobre meu próprio eu Despenco.
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Passam as árvores, passam as montanhas Passam as almas, passam as ciganas Passam os pedintes de fachadas de igrejas Passam incorporados à arquitetura das ruas. Passam quilômetros de asfalto e de ar Passam milhas de mar Passam turcos, passam franceses Passam espanhóis, passam ingleses Ficam as pessoas que roncam nos ônibus. Passam as estrelas apagadas pela rodovia Passam os sacerdotes e as suas heresias Passa Barcelona e passa Montblanc A cidadela, não a montanha Mas ficam pelo mar os imigrantes que vêm da África Versão contemporânea dos navios negreiros. Passam dias de viagem Passam meses de refúgio Passam meses de saudade Dias, horas e segundos Semanas Pensando nela e pensando em terra brasilis; Passam trilhos de trem e trilhos de metrô Ondas de rio, ondas de mar Vendedores de camelô. Restam os restos que ficam em cada pedaço de chão restando apenas o restante que sou Passa tudo aquilo que eu pensava saber ontem Fica também por terra Assim como os narizes que sangram no cerrado em seca E festa junina Na capital E os blocos e os eixos e as ermidas e o lago E a classe de hipsters vestidos circenses como em galerias E todo tipo de gente que ainda passa pelos corredores do Minhocão Das Patrícias aos ladrões Dos intelectuais aos figurões Dos vagabundos aos matemáticos Passando pelos coxinhas e pelos esquerdopatas E no meio de tudo isso os meios termos com os termos meios E os que só querem festa e os que só querem fumar em paz. Tudo no fim é um carnaval que só se vê nesse louco planeta Terra em que no centro de tudo estão os desesperados Felizmente ou não, eu nem sei o que eu sou.
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Judith, Klimt JUDITE Judite que não se entrega Que não desespera Que carrega minha cabeça pelos lençóis Que deixa verter meu sangue por seus anzóis Que me deixa cair de bruços entre girassóis Judite, minha fonte de hidras Minha sidra Minha sina Me olha com o riso que goza e que desafia Me satiriza, me encarniça E me faz morrer em dourados mantos de estrelas no teu leito amargo. Nosso abraço é carne Minha mão é carne Teu peito é carne Os teus olhos são selva Meu peito teu rastro de sangue Em que com as unhas me banhas em mangues Cor de sangue E sangue E sangue.
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Meu peito dilacera e cai em milhões de pedaços pelo chão
Desce pelo esgoto, segue até a escuridão mais profunda
Se perde; desencanta.
Eu não sei mais quando minto
Não sei o que dizer a mim mesmo;
Esse medo me sobe à garganta quando eu penso
que tudo o que faço é construir véus de ilusões que me protejam de mim mesmo.
Eu não deito a cabeça no travesseiro
Eu não esqueço
E todas as nuvens quando passam enfiam cacos de vidro pelas minhas unhas.
Pedi pelo céu
Mas o que plantei e colhi foi inferno e purgatório
E sinto que nunca serei salvo de mim mesmo
Esse meu carrasco.
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Passam as noites como furacões de gelo
Passam os traficantes e as prostitutas pelo caminho e chutam como pérolas os espelhos que se quebram pelas avenidas
Tocam por todos os lados as sirenes de grupos de ideias revolucionárias que já de tão radicais nas bocas de alguns beiram uma nova moralidade surda mas de garganta forte.
É preciso lutar, dizem, repetem e escuto tentando entender aqueles que seriam os bons
Mas por onde passo me confronto com os muros por demais consistentes dessa parcela imensa de jovens idosos que resmungam cínicos e imperturbáveis doutrinas que escutam de messiânicos e outros donos de televisão.
Desse inevitável choque surgem blasfêmias e cegueira
A nação se contamina
Eu me contamino
Uns insistem em lutar enquanto os políticos enchem seus bolsos e uma classe de privilegiados pega os primeiros vôos para Miami em uma ressaca de eleição.
Eu estou longe
Ouço e leio sem crer
Talvez fosse mais fácil sumir
Ou tapar os ouvidos
Ou gritar
Ou chorar
Enfim.
O exílio salva e ao mesmo tempo condena
Liberta o presente para amarrar os braços contra o futuro
As ideias passam mas voam longe
Longe como o tempo
E como a salvação de mulheres, negros e imigrantes
E nativos
E sertanejos
E alcoólatras e drogados e perdidos e sofridos.
Nunca mais?
A transposição do São Francisco virá com a volta de Antônio Conselheiro
O fim da escravidão com o fechamento das fábricas e das repartições públicas
E com a emancipação das mentes.
Adão não tocou a mão de Deus no céu da Capela porque condenou a si próprio através do pensar
O mesmo que condenou toda a humanidade ao desencantamento irônico e ao sentir-se estrangeiro
Porque ninguém no fim pertence a lugar algum depois de começar a fazer ruir tudo aquilo que pensa.
De pensar nasceram os loucos
Os gênios
Todos aqueles que nos levaram a Hiroshima e ao Napalm nas florestas do Vietnam
Todos estão loucos
Eu também
E enquanto isso o silêncio joga cartas contra o amanhã no inferno
Blefando.
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O desejo preenche o céu como óleo diesel Eu sinto a pele dela na boca e engulo a luz dos semáforos além da curva que faz o universo lá onde acabam seus quadris. Não existe sublime algum fora dessas luzes e do choque dos meus dedos nas cordas que se mesclam com o som dos tambores Meus murros no vento chegam como ondas sonoras de vacuum cleaners O início chega
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FIUME
Pele encarnada em nuvens Olhos cor de chama Tapumes Minhas mãos - geladas A tocarem teu corpo de chuva E todos os medos do mundo a me saltarem sobre os ombros. Sobe o sol a suspender a lua lançando seus feitiços sem jamais poder tocá-la Eu e você como um eclipse Alinhados a milhões de segredos de distância Para sempre longe De mim mesmo e de todas as palavras que se desvelam na escuridão Repletas de desordem e de de falta de sentido E eu fico no aguardo dos teus olhos que me esquentam em noites frias a me ninar Em notas musicais
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Entro todas as noites com vendas nos olhos
Guardo minhas mãos em bolsos rasos
Cachecóis tantos
Mentiras tantas
Espetáculos e venenos
Às vezes estrelas que caem do céu e se rearranjam sob os meus pés
Cantando a melodia dos tempos em meus ouvidos mocos; desarmonia que sempre quis.
Que sou
Morro todas as noites para renascer minha mais perfeita dessemelhança
Meus vícios e mentiras
Tudo que sou, tudo que não sou
Bom é ouvir o som do caos do lado de dentro dos meus ouvidos
Eu desapareço
Para assombrar a mim mesmo em meus sonhos
Deposto de meu reino
Por ratos.
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WHISPER
(Poema escrito em inglês em ocasião de atividade realizada na Università degli Studi di Roma III)
As the bird of nevermore flew under the shadows of the moon in his last cry of hope over the boundaries of this downtown circus
The troops of suit-in clowns wrote down the last draft of a lucrative text that used the name of a so-said God in vain
Stealing legitimacy from a well-told-lie that vanished like dust in young and old naïve minds through the suburbs of megalomaniac towns
Crowded with millions of slaves of power, market, prisons
And 8 working hours.
Exhausted non-thinkers
Deaf, dumb, blind alienated men
Static zombies.
In our paradisiac landscape of pretty tales, dreams and shoots in dark skinned runners,
Justice reigns as this rhetoric raped word written by law-self-made-godyers in their comfortable playground courts.
Magic sophists of ruin
Prophets of dark morning skies
Word jugglers, experts in lies.
Puppets of themselves
(Would have killed indians if it wasn’t for their perfectly well cut suits that would have to go to the laundry for that
Anyway, wallets are now full of green)
Illuminism is putrefied
Long time dead
Absurd dictates
Crowned by Jupiter
Domination legitimized by words
Laws, bills, fake Constitutions
Narratives of pigs pulling strings
Militias taking care of what is forbidden by human rights rhetoric.
I remain
Blind as an idea
Non believer
Voiceless
Like these papers
Strangled till the last drop of ink by the same sold judges.
We sold
We sold to fortune
Deluded by freedom
Same illusion
Our hands tied and subject to cops’ wills
My mind explodes
My teeth break
And blood will fall all over the Constitution as long as we remain silent.
Will you take my hand?
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Em um dia e uma noite Eu era o quente e o frio O fogo e o gelo A terra e a água O barro e a relva A areia do deserto O sopro da vida A linha da morte Toda essa sina. Era os restos da sorte Nas ruínas do coliseu Em seu espetáculo de horrores Em seu show de dores Como o tempo de agora Sem flores. Seria Melhor o tempo com tempo Melhor qualquer tempo Que nunca será. Melhor o momento Melhor o vento O sentimento Ruir do que foi Do que foi e será Ruir da História Ruir dos mártires Decadência Gangrena Ser e não-ser Ser no vão Toda a questão O não O fechar e o abrir Do novo O tempo reconstruído E a vida Vivida.
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Maskara
Pérola morta, máscara negra Alma torta, esqueço Seus olhos vagam como faróis em chama na minha noite quente Me consola Grita, toca Deixa-me saltar do abismo que sou Mas os pés não deixam Meus braços não chegam Meu corpo não pesa Mais cansaço. Batem as ondas nas pedras sob o céu paradisíaco azul que longe de mim só toca minha mente Hoje e antes meu céu é esse cinza que não acaba mais De onde eu salto com o peito em brasa a rasgar minha carne avessa - Doa a quem doer minha existência hoje é resistência E eu tenho todos os corações prensados em minhas mãos Esmagados.
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Minha cabeça dói
- me canso por pouco, me desespero por nada,
o vento canta enquanto meus ossos trincam
e o pranto das alfaias se distancia pelo soprar da areia.
Teu cálice é tanto minha salvação quanto minha mais sublime fonte de dor e angústia
Enquanto me prendo no topo de uma torre às vistas de todos mas sem jamais poder tocar o mar
Tudo porque quero não só tua alma, mas também todas
E assim, eu já sinto o tempo passar.
Estou condenado a me ser até meu fim
sendo essa prisão que eu sou e da qual a fuga é o impossível ou a mais saborosa ilusão
Outrora rezava
Já ergui as mãos aos céus
Mas hoje minhas fraquezas me movem em direção ao ilógico, e eu já choco minha cabeça contra as paredes
E existir por existir, antes uma injúria, é a tentação que agora me sopra cada vez mais forte nos ouvidos
Dela eu fujo e sua fuga me move cada vez mais à beira do abismo.
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Não tenha medo de se encontrar nesse inferno Há quem beba todas as noites as suas lágrimas de angústia Eu sou todo explosão em versos tortos E você de seus pedaços me fez a dor mais profunda Destronaria os mais bárbaros reis para dar-te o poder de governar o mundo E ao mesmo tempo manter meus restos sob a sua fúria estrondosa carente de destruição Trocarei minha pele Me metamorfosearei E farei desse mundo o palco para meu suplício e para os meus gritos sufocados de neve ardente
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