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semiopolitica · 4 months
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Eros x Tânatos
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Em o Mal-estar da Civilização, Freud tenta “sociologizar” a psicanálise. Ele expande a teoria das pulsões para a sociedade com dois princípios opostos: Eros e Tânatos. Eros é o construtor dos laços sociais e Tânatos o destruidor dos laços.
Como sabido, por causa do clima dos anos 30 do século passado na Europa, o clássico freudiano é um exemplo de pessimismo cultural: apesar dos esforços de Eros, no final das contas Tânatos vencerá.
Isso corresponde socialmente a prevalência da pulsão de morte sobre a pulsão de vida. Mas esse dualismo pulsional já havia sido rejeitado por Freud. Tanto Eros como Tânatos são exorbitâncias sociais da pulsão de morte.
A pulsão de morte é estritamente “psíquica”. Quando vamos para a sociedade não há continuidade, mas uma bifurcação pulsional.
Eros é pulsão “vinculada” enquanto Tânatos é pulsão “solta”. Mas ambos os princípios sociais são derivados da mesma pulsão.
Do ponto de vista evolutivo, é um erro dizer que Tânatos (ou a morte) tem a última palavra. A morte de um único ente está a serviço da preservação da espécie como um todo. Tânatos serve a Eros e não o oposto.
Na perspectiva evolutiva, são mais importantes as “cópulas” tanto intra como interespécies, pois são as cópulas que geram diversividade genética.
A evolução é tecida por Eros. Tânatos, no entanto, tem função regenerativa, que está a serviço da criação do tecido.
Assim, a extrema-direita ao mobilizar Tânatos como princípio parece “vencer o jogo”, mas ao final das contas quem vencerá são aquelas forças que acreditarem nos impulsos libidinais.
publicado com writefreely
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semiopolitica · 5 months
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Trivialidade e Complexidade
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A princípio, a extrema-direita leva vantagem de propor soluções simplistas e fáceis, enquanto a esquerda está presa à “RealPolitik” dos constrangimentos. A extrema-direita propõe a “trivialização do social”.  Mas será verdade que as classes populares preferem a facilidade à complexidade? 
Um argumento contra essa ideia é dada por toda literatura amorosa, em que o desejo aumenta conforme aumentam os obstáculos e as “provas” para se chegar à pessoa amada. Se esse trajeto fosse fácil, não teria graça. Aliás, esta é a tragédia de Don Juan. 
Mas não precisamos ir tão longe. No universo dos jogos, os games muito fáceis, ou que se tornam muito “dominados”, perdem logo a atratividade. No esporte, quando há muita assimetria entre os competidores, o jogo fica “chato”. 
O recurso à trivialização do social tem portanto limites. Quanto mais trivial é a relação, menos interessante ela é. Isso tem a ver com o fato de que a relação trivial é rapidamente “exaurida”. Isso significa que ela é menos resistente à entropia (menos “resiliente”). 
Assim, embora a escolha pela trivialização (soluções simplistas, demagógicas e inexequíveis) seja uma estratégia a curto prazo bem sucedida, ela acaba não tendo fôlego a longo prazo. Isso explicaria as derrotas de Trump e Bolsonaro, e o provável destino de Milei. 
E isso também os diferencia de personagens menos triviais, embora autoritários, como Putin ou Erdogan, ou mesmo Orban, que preferiram robustecer a estrutura de Estado, em vez de enfraquecê-la. Mas acabam se esquecendo que o Estado não é a Sociedade, o que é uma tentação de todo líder autoritário. Mas este é outro problema. 
A Sociedade se protege da trivialização criando mais “resiliência”, ou seja, mais laços sociais. A maneira correta de fazer isso é através da reciprocidade ou da solidariedade. 
A extrema-direita não consegue fazer isso, pois investe no ressentimento e na divisão social pela propagação da distinção amigo/inimigo. Esta distinção é fortemente “cismogênica” o que acaba por esgarçar os laços em vez de fortalecê-los.
Desde muito tempo, os líderes autoritários elegeram inimigos externos para reforçar os laços sociais internos. Os movimentos fascistas fizeram isso. Mas esses novos líderes têm dificuldade de agir assim pois se movem num cenário globalizado, no qual os inimigos internos parecem mais fáceis de arranjar do que inimigos externos. 
O fascismo tradicional reforçava os laços nacionalistas, mas criou uma situação internacional que tendeu fatalmente à guerra, como aconteceu no século XX. Esta situação volta a acontecer agora em Israel, que transformou o Palestino num ambíguo “inimigo externo”. 
Mas para os líderes neoliberais, isso (o inimigo externo) é muito mais difícil de conseguir e só acontece de maneira farsesca, como o suposto patriotismo da família Bolsonaro, que batia continência para a bandeira americana. Daí que a própria atuação desses novos líderes só funcione pela escolha do simplismo, da trivialidade e do oportunismo. 
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semiopolitica · 7 months
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Democracia: destino e desejo
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    A diferença entre pré-Modernidade e Modernidade é aquela entre destino e desejo. Para as sociedades pré-modernas, o destino, transcendentemente posto, está traçado e temos que segui-lo. Para as sociedades modernas, é o desejo imanente que guia nosso caminho. 
    Por isso Spinoza é o filósofo por excelência da entrada na Modernidade, pois é ele que faz a passagem da transcendência à imanência. Essa imanência é divina e somos todos emanações infinitas de Sua infinita magnitude. Neste aspecto, o filósofo português-holandês, que escreveu um Tratado Teológico-Político, é o verdadeiro principiador da democracia moderna. Esta seria o regime imanente do desejo, o que significa que preferimos sempre governar a nós mesmos (seguir o desejo) do que sermos governados (seguir  o destino). 
    A imanência do desejo em Spinoza é modulada por dois afetos principais: paixão (passio) e conatus. A primeira é alegre quando aumenta o desejo e triste quando o diminui. Conatus, por sua vez, diz que todo Ser quer prosseguir. Por isso, conatus é a própria vigência da imanência: antes de seguir a algo, o Ser deseja prosseguir sem alvo a seguir. Seguir por seguir. 
    Se Spinoza permite passar da transcendência à imanência e com isso justificar a democracia através de uma teologia imanente, mesmo assim ele não consegue responder a uma pergunta básica: e se ser governado for melhor do que governar? Hobbes havia fundado sua teoria do Estado (Leviathan) no afeto do medo: por medo entregamos a soberania de nosso desejo ao Estado. Spinoza responde justamente a essa teoria hobbesiana, pois considera que é melhor a democracia, já que neste regime podemos somar os esforços pelo lado do prazer (paixão alegre) e reduzir os danos (paixão triste). A teoria política de Spinoza é aditiva: dois cooperando é sempre melhor do que apenas um solitário. É melhor juntar os esforços, pois assim cresce o conatus. A democracia é "naturalmente" melhor, e natureza é Deus. É uma explicação ainda teológica, mas imanente. 
    Mas por quê muitos preferem ser governados? Já havia surgido, desde o século anterior, por La Boétie, o tema da "servidão voluntária". Hobbes deu sua versão dessa servidão, mas em Baruch perdemos esta justificativa. Para, portanto, darmos um passo realmente para dentro da Modernidade, é preciso esperar Hegel. Com o filósofo alemão, a teoria da imanência e do desejo sofre um corte, uma ferida. Como todos sabem, o nome desse corte-ferida é "Espírito" (Geist). 
     Hegel diz que "O Sujeito é a Substância" e não mais Deus. Na ambiguidade da palavra "sujeito", que é tanto aquele que sujeita, quanto aquele que é sujeitado, mora a passagem decisiva para os tempos modernos. Essa ambiguidade deriva da contradição aberta pelo Espírito: aquele que não sendo, é. Pelo Espírito a Substância ganha subjetividade e reflexão, pois pode pensar a si mesma, ao negar-se. E com isso pode governar e ser governada. 
    É assim que Hegel funda sua dialética do Senhor e do Escravo. O primeiro não tem medo e pode governar. O segundo tem medo e é governado. E é assim também que a psicanálise pode complexificar a teoria do desejo, entendendo o jogo pulsional sadomasoquista. Há também gozo quando se é governado (possuído). O mais importante é que o desejo deixa de ser meramente aditivo, para se tornar divisível (e multiplicável). 
    A dialética do Senhor e do Escravo define portanto uma relação de co-dependência: o Senhor não poderia existir sem o escravo; o Escravo só é escravo diante de um senhor. É uma relação assimétrica que chamamos de "Poder". O Poder é a assimetria da relação entre A e B: AB é diferente de BA; a ordem dos fatores altera o sentido. A partir dessa dialética, Hegel consegue obter uma teoria de Estado que prescinde de justificativa teológica, mas que também não é imanente como em Spinoza. Ou mais precisamente: não é "horizontalista" como em Baruch. As relações não estão no mesmo "plano de imanência" para falar como Deleuze (que abertamente é um spinozista contra Hegel). 
    Por outro lado, Marx queria virar Hegel de "ponta-cabeça". Isso faria os Escravos governarem, o que geraria o paradoxo dos escravos virarem Senhores, e os Senhores escravos. Por causa disso, muitos marxistas, a começar por Toni Negri, acreditam que a teoria comunista de Marx é um retorno à imanência horizontal de Spinoza: não haverá mais senhores nem escravos, apenas formas aditivas (cooperativas) de autogoverno da "Multidão". O problema dessa leitura é que a sociedade comunista seria uma sociedade sem Poder, pois o Poder é a assimetria das relações.
    Ou ainda em termos mais drásticos: seria uma sociedade sem desejo. Pois o desejo a partir de Hegel deve se fundar não numa adição positiva entre duas paixões, mas numa negação divisiva: contradição. Em outras palavras, deve gozar por governar e ser governado. Kant havia proposto a ideia de uma lei de governo que poderia ser aceita por ser autoimposta: a lei que obedecemos é a lei que nós mesmos nos impomos. Ou ainda, colocando em termos propriamente modernos: o destino que seguimos é aquele que desejamos. O destino foi proposto por nosso próprio desejo. O problema é que em Kant chegamos a uma aporia: se o destino é ruim, trágico, catastrófico, é porque assim o desejamos. Se a democracia é injusta, é porque secretamente quisemo-la assim. E toda sorte de injustiça ficará justificada nesta aporia. 
    Assim, a solução não é nem a visão ingênua de Spinoza da "infinita imanência", nem as antinomias aporéticas de Kant, que geram círculos viciosos. Mas tampouco é também a visão hegeliana que credita ao Estado a superação (aufhebung) dos problemas imanentes da democracia e dos choques entre o positivo do governo e o negativo dos governados. E finalmente não é a visão comunista de uma sociedade sem Poder (sem governantes e sem governados).  
      Podemos sugerir como conclusão (e solução) uma ideia a partir da obra do sociólogo Niklas Luhmann (que leu Marx). A democracia não é um regime que rejeita o Poder, mas o coloca como meio de governo cindido. O Poder não é o fim para os meios, mas o meio para os fins. Na democracia o governo tem o Poder, mas este Poder é a expressão de um meio (político) cindido, dividido. Isso significa que a democracia é o reino de pelo menos dois paradoxos: a impotência dos poderosos e o poder dos sem-poder. A democracia é a própria expressão desses paradoxos, que não podem ser "superados" pelo Estado, mas desdobrados pela História. Esses paradoxos têm nome e já sabemos quais são: a impotência dos poderosos é destino; a potência dos sem-poder é desejo. 
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semiopolitica · 10 months
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A Plataformização
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A plataformização é a nova forma de organização do trabalho pós-fordista e pós-taylorista, mas não é um novo modo de produção. É sim uma nova combinação entre os "meios de produção" (meios digitais) e "relações de produção" (contratações informais e intermitentes).
Por outro lado, o modo de produção é forçado pela nova combinação a se modificar. O modo de produção basicamente responde pela "unidade sistêmica" entre as forças (produtivas) e as formas (relacionais). Podemos entender o modo de produção como o enquadramento desse conflito.
Isso também significa que as formas de organização da resistência precisam acompanhar essas novas formas de conflito. A resistência é aquilo que ocorre no lado "de fora" do sistema. Mais precisamente, a resistência representa a reentrada material do ambiente no sistema. A resistência é aquilo que chamamos de "real".
Além do resistência, há também o que podemos chamar de "reatância" do sistema, o que tem a ver com sua componente "imaginária", isto é, com a emergência no sistema de suas virtualidades.
A soma da resistência e da reatância resulta numa "impedância" do sistema. As plataformas vão se estabelecer, lideradas pelas BigTechs mas isso não impede que as impedâncias a esse movimento também surjam.
As lutas para a superação desse modo de produção irão emergir necessariamente do manejo dessas impedâncias. Para isso, impõe-se como tarefa um novo programa de letramento digital. A educação política deve conter esta exigência.
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semiopolitica · 1 year
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O gozo da menos-valia
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Como se sabe, a mais-valia (ou mais-valor) é um excedente econômico que fica com o capitalista na forma do capital. Essa mais-valia por sua vez provoca uma degradação social (nas várias formas de exploração do corpo do trabalhador) que podemos chamar de "menos-valia".
Pela propriedade, o capitalista tem direito ao "gozo do valor" (mais-valia) enquanto o trabalhador fica com o usufruto do valor de uso (consumo). Este consumo é um gasto, uma "perda".
No entanto, o trabalhador também tem o seu gozo próprio (ou impróprio) na produção de revolta ou de ressentimento, ou melhor um "gozo" com a perda específica (e excedente) da menos-valia social.
Todo gozo está relacionado a uma "perda excessiva". Gozamos a perda e não o ganho. O capitalista goza a degradação social gerada pela sua acumulação de capital. O trabalhador goza a perda de valor com sua revolta ou seu ressentimento.
Revolta e ressentimento são "formas" de gozo com a perda social provocada com a mais-valia. Revolta e ressentimento subtraem um pedaço do gozo do capitalista para o gozo do trabalhador. Mas enquanto a revolta é coletiva (é um gozo social), o ressentimento é individual (é um gozo psíquico).
Assim como há uma "organização da revolta" nos movimentos de esquerda que coletivizam o gozo dos trabalhadores, a extrema-direita (bolsonarismo inclusive) investe na "organização do ressentimento". Ambos são resposta à "menos-valia" social (antissocialidade) produzida pelo Capital, mas enquanto a revolta gera uma oposição coletiva ao Capital, o segundo quer recuperar a mais-valia da menos-valia, fazendo retornar ao Capital o que ele julga seu por direito (o gozo do valor).
Assim, ou o ressentimento é recuperado como valor pela indústria bélica no militarismo do ódio ao outro (como no fascismo clássico) ou como "empreendedorismo" nos movimentos autoritários contemporâneos. O fundamental é a criação de uma "indústria do ressentimento", que visa competir com a "indústria cultural" e extrair valor do "menos-valor", como numa forma de torção final do Capital sobre a sociedade.
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semiopolitica · 1 year
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A Malha
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Na era digital, o conceito de "malha" substitui o conceito de "massa". Não se trata mais de considerar os meios de "plasmar" a massa à foice e ao martelo, industriosamente. Trata-se antes de ligar ou desligar os pontos (ou nós), semioticamente. Não se trata mais das "fôrmas" nas quais a massa seja enquadrada, mas dos cortes e dos recortes que desejamos configurar, ou das seleções que copiamos e colamos.
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semiopolitica · 1 year
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Luta de Classes e Luta por reconhecimento
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Não é preciso escolher entre a luta de classes e as lutas por reconhecimento (ditas identitárias). Essas últimas são rigorosamente lutas de classe. Toda discriminação do sistema capitalista se dá dentro da lei do mais valor. O racismo, sexismo, homofobismo, antissemitismo, anti-indígenismo, etc são rebaixamentos da força de trabalho. Trabalho aqui tomado numa visão ampla de organização da vida social. Para cada mais-valia do sistema, há uma menos-valia do mundo da vida.
Marx dividiu o valor na sociedade capitalista entre valor de troca/valor de uso. O trabalho movimenta o valor de uso, o capital o valor de troca. Mas Marx mostrou que essa troca é sempre desigual. O valor de troca se dá numa diferença que chamou de "mais valor". Este significa que trata-se de um valor abstrato e homogêneo, o capital, que por isso mesmo pode "acumular".
Já o valor de uso é múltiplo e sua distribuição é realizada pelo trabalho social. Marx observou que, na abstração do trabalho, o que vale é um "valor médio" a ser remunerado via salário.
Assim, as discriminações de valor na sociedade capitalista ocorrem primeiro numa homogeneização do valor e por outro por um pagamento "médio" dado em troca. Os rebaixamentos de valor concorrem para reduzir esse valor médio.
Se a troca é localmente desigual, ela se iguala globalmente: um lado fica com o mais-valor (capital) e outro com o menos-valor (degradação da vida social). Por isso, toda discriminação concorre para esse rebaixamento.
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semiopolitica · 1 year
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Acumulação/Distribuição
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O capitalismo como sistema de mais-valia propaga a díade acumulação/distribuição. O capitalismo fica com a acumulação e o socialismo com a distribuição. As lutas socialistas são assim o "outro lado do capitalismo", seu lado por assim dizer "ambiental". Isso significa que toda demanda de distribuição pressupõe uma luta, uma resistência contra a lógica do sistema. Essas lutas atravessam todas as escalas, do micro ao macro, mas continuam sendo lutas por distribuição.
13 de mai. de 2023, 19:28 ·  · 0 · 0
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semiopolitica · 1 year
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A política do duplo-vínculo
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Duplo vínculo é um conceito formulado antropólogo e psicólogo Gregory Bateson que diz respeito a duas exigências contrárias e contraditórias que se impõem sobre um sujeito e podem levá-lo à esquizofrenia. De maneira mais geral, o duplo-vínculo é um paradoxo popularmente conhecido pelo dito "se ficar o bicho pega, se correr o bicho come".
Paradoxos semelhantes são abundantes na linguagem, e mais precisamente nos sentidos pragmáticos de seu uso. Uma mesma frase pode levar a sentidos opostos. Um exemplo famoso é o do pai alcoólatra que pune o filho que foi pego fumando maconha: "Faça o que digo, mas não faça o que eu faço".
Este exemplo aliás é típico de como os paradoxos são "resolvidos" socialmente. Há basicamente 3 estratégias de solução: 1- olhar apenas um dos lados da contradição e esquecer o outro: neste caso, o paradoxo se desfaz. Mas esta solução tem fôlego curto, pois mais cedo ou mais tarde o outro lado "retorna" (porque na verdade nunca foi embora).
2- Separar os dois lados e hierarquizá-los. Assim, uma diferença de hierarquia se intromete no meio do paradoxo. É o caso do exemplo do pai alcoólatra: por ser pai, ele pode se viciar numa droga, prerrogativa que o filho não tem. Aí temos uma hierarquia geracional diferenciando o paradoxo. Também neste caso, o paradoxo deixa de ser paradoxo.
(Parêntese: esta solução de hierarquizar os lados do paradoxo foi uma solução dada pelo matemático Bertrand Russel para um paradoxo que leva o seu nome. Com isso ele criou uma "Teoria dos tipos": cada lado do paradoxo inclui um nível lógico diferente que pode ser hierarquizado e diferenciado).
Mas a solução 3 me parece a mais interessante: assumir o paradoxo por completo e introduzir uma diferença de tempo entre os lados. Primeiro abordo um lado qualquer, depois o outro. O problema é que um lado traz o outro: se escolho 1 vem o 2 e depois o 1 e o 2, assim sucessivamente. O paradoxo revira como um fuso em seus giros. Ele oscila entre um lado e outro e essa oscilação acaba por transformar o paradoxo numa espécie de "oscilador", numa máquina de pulsos. Que gera o quê? precisamente que gera o tempo tal como um relógio.
Ou seja, o paradoxo ao ser admitido como tal, sem separar e hierarquizar os lados, acaba por levar a uma oscilação de sentido que cria uma temporalidade própria, como se ganhasse autonomia. O que acontece é que o paradoxo cria um "viés" que se diferencia de um modo normal de existência sem paradoxo. Este aliás o sentido do termo para-doxo: o viés de um caminho orto-doxo (sem paradoxo).
Assim, o paradoxo se torna criativo: um problema cuja solução cria um caminho todo seu que é diferente dos caminhos conhecidos como "ortodoxos", padrões ou normais.
Este aliás o objetivo de toda luta (daí seu sentido político): trata-se de "trabalhar" os duplo-vínculos sociais, para os quais o Poder dominante adota uma das duas primeiras soluções: ou reprime o paradoxo (daí as exclusões sociais), ou o submete a uma hierarquia (daí os preconceitos, os rebaixamentos de valor, as diferenças de gênero, cor, classe, casta ou estamento).
Na luta política, ao contrário, trata-se de assumir o paradoxo dos duplo-vínculos com os lados em pé de igualdade. E assim criar novos vieses sociais que podem conduzir a sociedade a uma mudança de rumo, pela criação de novas formas de figurar os tempos e os espaços (cronotopos). Até que o paradoxo deixe de ser um problema e se torne a solução.
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semiopolitica · 1 year
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Socialismo de Mercado
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O capitalismo não é um sistema mercantil. O mercado como dispositivo de trocas é muito anterior ao capitalismo. O capitalismo é um sistema de acumulação de mais-valor pela exploração do sobretrabalho. Por isso, negócios modestos onde não há quase acumulação de capital são parte mercantis, parte capitalistas. São semi-capitalistas quando exploram mão de obra. Porém essa exploração não resulta localmente em acumulação de capital na maioria das vezes.
Marx chamou esses varejistas de pequena burguesia. Na maioria dos casos são "micro-burguesias". Em geral nesses negócios os donos trabalham e recebem pro-labore. Eles não acumulam porque são eles mesmos explorados por negócios maiores que "drenam" para si o mais-valor. Por isso o capitalismo é um sistema. O maior explora o menor. Esses negócios mercantis são interfaces do capital e como tal são periféricos à acumulação.
O que deve acontecer nas sociedades socialistas de mercado é o dreno do excedente ser consumido pelo Estado como infraestrutura pública no lugar de se acumular "privadamente". Isso já acontece na China. Por outro lado, uma sociedade comunista seria tal que não haveria "excedente": apenas o necessário seria produzido. A questão para tal sociedade seria precisamente a determinação do "necessário" e a alocação de trabalho (emprego) para sua obtenção.
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semiopolitica · 1 year
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O Quadrado Semiótico da luta política brasileira
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Se Chantal Mouffé está certa de que o populismo é um agonismo político, isso significa então que estamos numa época em que o jogo se tornou a principal forma da comunicação política. 
Ora o populismo como comunicação se traduz como a reprodução da fórmula distintiva povo/elite. Tal distinção é política pois toma o poder como seu principal meio de reprodução e o divide em duas partes simétricas: o poder do povo e o poder das elites. O exercício da política é precisamente tornar assimétrica a simetria da fórmula política. 
Uma distinção é uma forma de observar certo meio, de modo que cada distinção refrata ou "deforma" o meio observado de uma perspectiva diferente. Toda distinção funciona como um filtro ou uma lente de observação que "refrata" o meio.
Mas toda distinção pode ser substituída por outra distinção "isomorfa" ou "equivalente". Trata-se de uma transposição da distinção que incide sobre um mesmo meio, no caso o poder. 
Na situação do sistema político brasileiro, o bolsonarismo utiliza a distinção patriota/comunista. Quem não é patriota é comunista, e a distinção recobre todo o espectro político. Já o lulismo utiliza a distinção bem mais tradicional do povo pobre/elites ricas.
Essas duas distinções, do lulismo e do bolsonarismo,  são incompatíveis como se jogassem jogos (agons) que não se comunicam? Nisso consistiria a famosa "cismogênese" do social, em que não há comunicação entre os participantes dos jogos. Mas na verdade não é o que ocorre, pois ambas disputam o mesmo recurso do poder. 
Duas distinções não isomorfas podem ser colocadas numa matriz quadrada. A forma mais engenhosa de dispor dessa matriz é seguindo o diagrama semiótico do "quadrado de Greimas", proposto pelo semiólogo lituano para descrever as narrativas populares.
O jogo político do Agon assim se complementa com o jogo da Mimesis, isto é, da representação. Esses dois jogos em geral caminham juntos, pois todo Agon pode ser visto como um espetáculo e toda encenação mimética apresenta em seu drama um conflito entre antagonistas. 
Assim, colocado no diagrama do quadrado semiótico de Greimas, com seus eixos de contradição ( "x" interno ao quadrado) e seus lados de associação (+) e contrariedade (-), temos uma ilustração bastante clara da luta política brasileira e seus visões distintas do recurso ao poder. 
No diagrama as distinções bolsonarista e lulista são colocadas nos eixos cruzados, indicando uma contradição interna (entre patriota e comunista e entre povo pobre e elite rica). Esses 4 vértices indicam os principais "actantes" da narrativa política brasileira dividida entre bolsonaristas e lulistas (a famosa polarização).
Mas um jogo de Agon não é só construído pelos antagonismos inconciliáveis de suas contradições mas também pelos laços associativos ou contrários que se dão entre os "actantes" da narrativa. No diagrama são dois tipos de laços: os de associação (ou cumplicidade) e os de contrariedade (ou rivalidade). No caso brasileiro, há cumplicidade entre patriotas e as elites ricas, ou entre comunistas e o povo pobre. E há animosidade entre patriotas e povo pobre e entre elites ricas e comunistas. 
Assim as principais lutas (contradições), tensões (contrariedades) e parcerias (associações) da arena política brasileira estão ilustradas no diagrama. Numa época em que a principal forma de comunicação são os jogos, os diagramas se tornam uma ferramenta poderosa para se esclarecer os principais lances dos jogos de poder. 
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semiopolitica · 2 years
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Comentários
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Comentários são importantes hj para o funcionamento de todos os sistemas funcionais. Por isso vc vê todo mundo comentando sobre tudo. São comentários políticos, econômicos, estéticos, teológicos, esportivos e por aí vai. Isso não é um problema realmente. Reforça o sistema.
Mas os comentários também podem se opor, contraditar o sistema, e forçá-lo a se desviar. Comentários podem "manejar" os conflitos. Isso é o que hj chamamos de democracia deliberativa.
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semiopolitica · 2 years
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O Paquiderme
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O sistema capitalista se tornou paquidérmico como um Titanic à deriva no "piloto(sujeito)-automático". É por isso que cada avanço hj é "incremental". Cada avanço é um ponto de luta. Mas isso não significa que esse avanço seja insignificante. Na verdade, quanto maior o sistema, quanto mais "inercial" ele é, mais um pequeno desvio se tornará imenso mais adiante. Se vc desvia um corpo de enorme massa uma fração mínima que seja, mais rapidamente o corpo inercial se desviará de sua rota.
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semiopolitica · 2 years
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Totemizar o Tabu
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Como sabido em seu Manifesto Antropófago (1928), Oswald de Andrade lançou a ideia de "totemizar o Tabu".
O que é o Tabu? Para Freud era a lei do incesto que funda a Civilização. Genericamente o Tabu é a Lei em si: é a fronteira intranspassável, o limite, a zona escura para além do horizonte. O Tabu é o sagrado que não pode ser atingido. Em resumo: é o que está além das mãos.
E o totem? O totem é o objeto profano que simboliza o Tabu, mas que ao contrário deste pode ser transportado, tocado, manuseado. Totemizar o Tabu é profanar o sagrado. Basicamente toda a esfera da cultura é totêmica nesse sentido. A obra de Oswald, em particular o Manifesto, é totêmica.
Entendemos então o princípio do bolsonarismo e sua convergência com o neopentecostalismo: é um movimento de "retabuização" do Brasil. De criar zonas de não passagem: a rejeição do aborto, a neoescravismo, o familismo, a demonização da droga, o anticomunismo. Esse movimento de retabuização o bolsonarismo chama de "guerra cultural".
Por isso o mote oswaldiano se enche de urgência histórica nos 100 anos da Semana de Arte Moderna: é preciso totemizar os tabus. E é por isso que se, parafraseando Walter Benjamin, o bolsonarismo escolheu retabuizar a cultura, o Lulismo Selvagem deve responder com a totemização da política.
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semiopolitica · 2 years
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Imperialismo e Hegemonia
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É preciso pensar se Gramsci realmente substituiu a Teoria Leninista do Imperialismo pela da Hegemonia. A Hegemonia não é mais "fraca" do que a do Imperialismo, ela apenas usa outros elementos. Ela é mais própria a sociedades funcionais, porque a Hegemonia atravessa os sistemas funcionais. É preciso então combinar Ideologia (ou Cultura) e Hegemonia.
Não é que uma use a força e a outra a persuasão. A Hegemonia é a combinação entre coação e persuasão. Ela "funde" o sistema político (coação) com o sistema econômico (suborno) e o sistema cultural (persuasão). A Hegemonia é mais eficaz que o Imperialismo que para Lenin já era a combinação entre finanças e política. Mas faltava à teoria do Imperialismo uma concepção do poder persuasivo (Erik Olin Wright). Por sua vez, a força da coação na Hegemonia é realizada segundo Althusser pelos "aparelhos de repressão".
No capitalismo, o poder econômico do suborno se tornou cada vez mais dependente do poder persuasório da propaganda (marketing).
É como se no Imperialismo bastasse a força da coação. Mas aí não se entendem os discursos das "armas de destruição em massa" ou da vilanização dos adversários, como acontece hoje em relação à Rússia e cuja a função é precisamente exercer o poder da persuasão.
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semiopolitica · 2 years
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O Ressentimento
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Nietzche foi talvez o mais importante filósofo do ressentimento. Para ele, o ressentimento é a "moral do escravo". Ressentida é a posição do mais fraco em relação ao mais forte, ou a do Servo em relação ao Senhor. Enquanto este é cruel, o Servo é ressentido.
Gostaria de atualizar o conceito nietzcheano de ressentimento para misturá-lo com Freud. Ressentimento é a "Vontade da Impotência". Trata-se obviamente de um oximoro ou de uma contradição. Ressentido é aquele que não consegue gozar sexualmente. Seu único gozo passa a ser então com o sofrimento do outro, pois este sofrimento seria o espelho de sua impotência.
No entanto, o outro, para o ressentido, é aquele que "supostamente sofre". Sem dúvida, aquele que "realmente sofre" não tem a compaixão do ressentido. O ressentimento neste caso procura neutralizar a compaixão, um sentimento que Rousseau considerava o mais básico da natureza humana.
Mas não é a esses que o ressentido move o seu foco. O ressentido odeia aquele que supostamente sofre, mas que, no entanto, não sofre da maneira que o ressentido sofre, isto é, com a sua impotência. Essa impotência do outro é apenas uma projeção do ressentido.
É por isso que o ressentimento é o combustível do ódio. O ressentido em sua vontade de impotência projeta esta impotência em outros como sua "falsa consciência", mas o eventual sofrimento do outro não tem necessariamente a mesma natureza do sofrimento do ressentido.
Por isso, o ressentimento contemporâneo vem do fato de que o outro é um outro mesmo, é seu diferente, não igual ao próprio ressentido. O ressentido odeia a potência do outro.
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semiopolitica · 2 years
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