Tumgik
to-nnie · 2 years
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Sentir
Ando me sentindo tão bem sabia? É como se os deuses da vida me dessem férias remuneradas em alguma estrela por ai, é como se o mundo sorrisse em meus lábios, e o vermelho das bochechas combinassem com meus dentes, eu sei o porquê disso, o porque da vida retornando em mim, eu sinto o vento gelado bater, porque tá bem frio aqui em minha cidade, enfim, eu sinto ele bater em meus olhos e sinto o frescor de um novo momento, é a vida retornando em minha vida, os problemas e as questões agora martelam sobre mim sem aquele peso, sem aquela relevância que antes tinha, e, por mais que o momento político esteja uma merda, por mais que a fome no mundo ainda não tenha cessado, que as mulheres ainda não podem andar sozinhas por ai, por mais que o mundo ainda seja podre, o vento bate em meus olhos e eu sinto seu carinho, e eu sei o porquê disso.  Eu já me senti assim algumas vezes, lembro de quando criança que meus pais mudaram pra uma casa pequenina pois eles haviam conseguido o dinheiro da reforma da oficial, e moramos lá por 1 ano, e eu olhei para aquela casa simples e ela me abraçou tanto, ela me disse: Vem dançar comigo, eu te ensino, vem! E eu dancei, eu bailava e sapateava naquele piso velho, eu ouvia musica e a voz dos cantores que ressoavam e entravam em meus ouvidos como uma sinfonia. Eu dormia em um colchão sem cama e aquele era o melhor chão do mundo, o escuro de quando eu fechava os olhos era calmo, ameno, tranquilo, dava até pra ouvir o barulho do mar a léguas de distância, e como naquela época eu me sinto assim hoje. e naquela época eu sabia o porquê também. Será que sei mesmo o porquê de estar bem? É, as vezes a gente não sabe, as vezes nosso cérebro trapaceia a gente, ele chega com uma arma em nossas costas e diz: pianinho irmão, pianinho, entrega tudo, vai vai vai! Mas quer saber? foda-se! Eu não tô nem aí, não estou nem ai se isso é só um momento, se eu encontrei a maneira certa de viver, eu não tô nem ai para as minhas inseguranças, sim, às vezes elas batem, mano, pode bater, bate, espanca, arranha e me fira sem dó, tô entregue, e um dia, provavelmente eu me arrependa desse texto, eu vá dizer, ah! Naquela época eu achei que estava fazendo tudo certo, mas porra Tonnie, tava tudo errado cara, tudo errado. e eu vou olhar para o horizonte, meu sorriso vai tocar a resplandecência de novo, eu vou sentir o vento fresco batendo em meu rosto mas agora ele estará me machucando, e eu vou virar pra ele e dizer. Me ajuda a levantar, brisa gelada do carai.    
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to-nnie · 2 years
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as vezes o mundo desaba em nós e não sentimos nada.
há dias em que sentir o chão é uma tarefa árdua, a gente tira o tênis, arranca a meia e coloca os pês na calçada fria mas é como se você flutuasse, o muro com chapisco não dói na sola de seu pé, o tesão é superficial e o calor não te atinge, o frio não te atinge, as pedras de gelo derretendo em sua testa, a agua escorrendo pelo seu pescoço e nada, o suor franze seu rosto, a lagrima cai em sua coxa e nada, nadinha de sentir o sal, de sentir a pele oleosa, nem o frio que assolou essa cidade, eu poderia ter saído hoje de regata e o frio poderia estar me atormentando que, ééé, nada nada nada, então comecei a correr até cansar e meu corpo simplesmente parou e eu não estava ofegante, é, tem dias que é difícil de sentir algo, mas por dentro, por dentro, por dentro há uma fervura, uma fervura que ronrona em suas pernas, uma fervura que gela seu ser, por dentro tem um muro de cinzas que a gente tem que limpar porque o cinzeiro tá cheio já... já tá cheio já....
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to-nnie · 2 years
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Quer café?
faz tempo que
não escrevo uma
poesia por-
que decidi há um tempo
atrás que só escreveria prosa
por um tempo mas nada melhor do 
que o tempo pra mostrar que
que escrever algo 
que derreta aos olhos do outro,
algo que a estética da fala não
consegue mensurar, quando você dissolve todas regras gramaticais
e transforma tudo num grande fog-
guete que te leva pro céu, quando vo-
ce brinca de trotar com cavalos ou é como se você
sei laá tomasse um absinto talvez e sentisse 
o verde fluo-res
cen
te ardendo em seus pés e aqui tô eu
escrevendo poesia 
de novo
essa sina que me persegue
esse sino que toca e faz 
blein blein em meu coração e fala
oi, bom dia
cheguei
quer café? 
RC
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to-nnie · 2 years
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Porque tudo dói tanto?
A vida me parece ser tão mais simples do que as pessoas pensam, é tipo: Só botar um tênis, uma camiseta e sair, andar pela calçada até chegar no lugar onde você queira ir, fazer o que você pensa fazer, o que quer que seja que você foi fazer e observar, mas porque as vezes tudo dói tanto? porque existem mistérios, enigmas que perambulam perante nosso corpo, porque as vezes a incógnita assola seus olhos e você se pergunta, não é possível, não é possível! A vida parece ser tão simples, mas só quando se olha de cima pra baixo, porque quando tu olha de baixo pra cima, meu irmão parece que o céu vai te inundar saca? é uma imensidão azul que vem como uma onda. Esses dias eu vi um vídeo que simulava a lua caindo dentro da terra, ela estava caindo e o som que colocaram fazia com que tivéssemos medo daquilo, mas era só uma lua caindo, não era algo tão amedrontador assim, não pra mim que sempre soube meu tamanho, eu nunca me vi como algo grande perante a tudo, eu sempre me senti um grão de areia, tenho poucos amigos, todos grãos de areia também que transforma meu mundo em uma via láctea pequena, ou em uma mini praia, porque quando a gente se reúne e olha pro céu acredito que pareça uma mini praia, mas enfim, voltando aqui, eu queria ser mais simples como a vida, queria olhar para o outro e poder discutir sobre as paradas, falar sobre o time lapse da cidade e de como é maneiro todas aquelas cores que criamos a noite, as cores frias, as quentes, todas elas são fodas, caralho, como são fodas, mas porque todos os mistérios dói tanto em mim? serio, não deveria doer, mas eu tenho a plena consciência de que tem motivo pra doer, acredite, eu estou exaurindo com meus amigos todos esses motivos, eu esvazio todo meu cérebro falando das coisas que me doem, nem sempre eu fui assim, mas hoje sou, sou vulnerável, meu corpo todo é vulnerável e eu desfilo minhas vulnerabilidades por aí sem medo algum, e isso anda me fazendo bem, mas por que dói tanto ainda? acho que é essa vida simples testando minha paciência, provando pra mim que eu sou um grão de areia, mas que grãos de areias também viajam com o vento, visitam lugares lindos e inóspitos, e que eu não preciso ser foda sempre, eu não preciso vir aqui por exemplo e fazer grandes metáforas, e pensar a língua como os grandes, as vezes eu tenho que vir aqui e me mostrar vulnerável, ser singelo, fluido, leve e me esvaziar por aqui também, que talvez eu pare de perguntar para a vida a seguinte frase: Por que esses mistérios me doem tanto?
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to-nnie · 2 years
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Poesia não da dinheiro
Poesia não da dinheiro Tonnie, não adianta. porque você insiste? me diz? Você tá ai vivendo essa sua vida de merda, em uma casa de merda, comendo o pão que o diabo amassou, vivendo nas nuvens o dia todo, cê tem noção que você não consegue pensar em nada? Você acorda querendo escrever e vai dormir querendo escrever pra que? me diz? Sabendo que cê tem que ir trabalhar. Um dia cê vai morrer de ansiedade procurando essa vida de ser escritor Tonnie, e não, não me chame de negativo, não fique pensando que eu não quero teu bem, tua saúde emocional tá indo pro quiabo e cê tá aí pensando na próxima música, na próxima poesia, pensando em falar mal de alguém e lendo um livros idiotas, porque você não sai pra comer alguém? tá aí nessa pindaíba de grana porque gasta tudo com musica, tudo, não tem grana nem pra psicóloga, porque “ain, a literatura é minha vida” SEU CU! SEU CU QUE É SUA VIDA! Você quer saber a verdade? então toma a verdade. Nesse momento, nessa sua cabecinha de merda tu tá pensando: esse cara não entende nada de literatura, de arte. Pois é, o problema Tonnie é que eu sei mais do que você pensa, Allen gingsberg, Mallarmé, Hilda Hist,  Rimbaud, Baudelaire, Jackson Pollock, Basquiat, todos esses caras buscaram a verdade em sua arte e morreram na merda, NA MERDA MEU IRMAO, pobres, loucos e drogados, e a maioria deles não foram reconhecidos em vida, ou seja, levaram uma vida de merda para ganhar um monte de problemas mentais pra rico conceitual ficar postando no Instagram frases e quadros retirados de contexto pra se dizer CULT. ME FALA, AGORA ME FALA, PORQUE VOCÊ QUER ESSA VIDA PRA TU ME DIZ? Deixa eu te falar uma coisa, ironia não limpa bia Tonnie, metáfora não conserta a porra do teu chuveiro que tá saindo pouca agua há meses enquanto vc tá se indagando “Preciso descrever em poesia como é a solidão dentro da barriga de uma mãe. Ninguém quer saber disso Tonnie! Acorda mermão, para com essa mania de sofrer a toa, compra um uísque que não seja barato, compra uma roupa decente, compra a porra de um cachorro de raça daqueles bonitão e vai passear, cuidar da tua saúde, para com esse cigarro, cigarro é coisa de adolescente, adulto tem que trabalhar, praticar exercício, e se for solteiro comer gente. E não venha me dizer que tu é um progressista por não ter uma vida de merda, fi, as pessoas fazem coisas banais e vivem de forma banal  e param de ficar pensando na fome do mundo por pura sobrevivência, acorda caralho e faz algo que preste, ninguém vai ler tuas poesias, gente melhor que você já nasceu escreveu e morreu e não tinham mais de 20 leitores, tenho certeza. Tô falando isso pro seu bem, mas eu fico puto da vida sabia?! Porque eu sei que você sabe de tudo isso, e continua na mesma, fazendo a mesmíssima coisa, e não adianta o que eu falo, cê vai chegar na tua casa, sentar na tua cadeira de plástico e escrever algo hoje, e se não escrever vai ficar se culpando por não ter escrito, faz sentido? não, nenhum pouco, na minha cabeça pelo menos não, se culpar de algo que ninguém te cobra fazer, e fazer coisas que ninguém anseia. é tipo eu no meu trabalho, na verdade, se for parar pra pensar, é tipo eu e minha vida, faço coisas que não quero fazer o tempo todo e coloco importância em decisões que eu tomei há muitos anos atrás que porra! eu nem me lembro porque tomei essas decisões.  É sei lá, pensando melhor, fodasse, continua escrevendo, porque tipo, se for ver, não muda em nada mesmo, a gente terá o mesmo fim quando tudo isso acabar, então, que seja. 
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to-nnie · 2 years
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vc já ardeu? ardeu como fogos de artificio, ardeu como chamas inóspitas, ardeu como o caos que forra o estomago de todos, ardeu como um sexo, como um amor a dois? ardeu como um uísque que encontra a garganta, como escapamentos jorrando fumaça.... alguém nessa cidade já ardeu?
Era meu aniversário de 7 anos, eu pedi pra minha mãe bexigas pretas e brancas e como tema o meu time de futebol favorito, o santos, não tenho muitas memorias desse dia: O canário que tínhamos de estimação que cantarolava cantigas pela manhã, os olhos de minha mãe, meu pai tomando cerveja com os amigos, apenas flashes, eu tenho apenas uma memória especifica que essa sim teve estrutura o bastante para se manter firme após anos dentro de mim: Nos parabéns, uma faísca pulou da vela para os embrulhos das balas de coco, e em questão de segundos o fogo já permeava por toda a mesa e iluminava meus olhos, eu não tive medo, enquanto fogo ardia dentro da minha íris, as pessoas tentavam apaga-lo, inútil, tinha muito papel ali, e eu? Eu apenas observava e sentia o calor daquele meu aniversário, singelo ao meu coração, não sei porque razão eu não senti medo, talvez porque não da pra se ter medo de algo que você não conhece, quando criança, não conhecemos o fogo, o amor ou o caos que ele pode nos dar. E minha vida continuou assim, eu demoro pra entender acontecimentos, eu demoro a sentir, eu tenho um certo delay para entender se as pessoas estão cagando na minha cabeça ou me dando rosas, enquanto o fogo arde sobre meus olhos eu o observo, eu curto aquela chama que esta dentro de mim se iniciar apenas com um pavio, como um fiapo de esperança, e fico acompanhando aquele lapso de tempo ate poder sentir angustia, tristeza, alegria, raiva ódio, talvez meus sentimentos precisem ser plantados, regados, cuidados para que se torne uma arvore grande e frutífera, e talvez eu não esteja sozinho no mundo.  Sozinho mesmo estava meu canário, que naquela noite foi preso dentro da gaiola no quarto dos fundos para que o barulho não atrapalhasse seu sono, e por um infortuno, foi devorado por um gato que entrou pela janela, ele não pode fazer nada preso dentro daquela gaiola, assim como eu não posso dar um puto passo nesse mundo se todos meus sentimentos, regados, já arvores, estiverem presos em meu peito. tomara que o tempo cure, e eu vou continuar procurando a chave de minha própria cadeia, para que eu não seja a presa de nenhuma ação mundana. Abs. Tonnie.
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to-nnie · 3 years
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Aos meus fucking 32 anos eu fui ao chão, eu fui ao chão. Eu cai e olhei essa cidade azul, esse sol escaldante, senti a sarjeta queimar a pele das minhas costas, eu cai como nunca havia caído, me estatelei, dei de muro com a rua e ouvi pessoas passando por mim, a vida sempre passa, sempre move uma perspicácia contra você se você não a encara de frente,  não vai pro embate, precisa ir pro embate Tonnie, precisa olhar e dizer “Que porra é essa caralho?” mas não, eu deixei o punch entrar no meu queixo e cai (eu nem vi o soco). Cai como um prédio mal construído, cai como se bombas fossem instaladas em meus pilares e explodidas, sem avisar ninguém, não teve a famigerada nota no jornal da cidade “as 12 horas as bombas dos pilares do Tonnie serão explodidas e tudo virá abaixo” E então, não teve plateia, eu apenas cai. Não foi meu primeiro nocaute, eu me lembro de outros, talvez eu tenha já tido muitos e muitos tombos, muitas escorregadas, meu corpo já sentiu a lona algumas vezes, o asfalto já sentiu o gosto do meu sangue em muitos momentos, mas, se for pra me lembrar de um momento parecido com esse, eu me lembraria dos meus 7, 8 anos talvez, não me recordo ao certo, eu estava sobre a angustia de meus avós, a TV estava ligada em algum jogo de alguma quarta feira, enquanto quatro tiros de 38 avassalaram minha rua, meu avô me jogou pro chão e disse ”cobre a cabeça, cobre a cabeça” e e cai no cão, cobri minha cabeça com minhas mãos, apertei ela pra ver se saia algum sentimento, medo da morte talvez? nada, eu não sentia nada, eu nem percebi que estava no chão, quando tinha visto já estava lá, e o chão é bem duro as vezes. Eu cai aos oito como cai aos 32, quando vi já estava lá, e continuo achando que o chão é bem duro as vezes.
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to-nnie · 3 years
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Eu olho pra folha em branco e ela me comove, me pulsa, é um branco interminável, um branco medonho talvez, existem brancos medonhos, daqueles que arrepiam o couro, daqueles que arrancam de dentro aquele fiapo de tristeza escondidas por traz de sorrisos, sabe esse branco? esse amontoado de branco que exaure seu rosto, pois é, a folha em branco significa isso pra mim, a melancolia, a tristeza barata, os copos de cerveja, e a oportunidade de colocar um óleo sobre tela, o medo sobre o medo, o terror da frustração sobre a folha em branco, e ai você grita em letras garrafais POR QUE? POR QUE? POR QUE? 
É bom sentir meus dedos deslizarem sobre o teclado enquanto eu jorro frustrações por aqui.
Será que a vida é isso? um punhado de frustrações que te perfaz? e em alguns momentos há aqueles encontros indomáveis com a felicidade, aquele toque sutil da sua carne com o pelo, não sei... tenho 32 anos e isso é tão pouco, tão nada, tão ... branco ainda... Minha mãe me disse hoje em uma de suas conversas que eu parei de querer abraçar as pessoas depois dos cinco anos de idade, eu disse a ela que talvez eu nunca quis abraçar ninguém, só não sabia falar sobre isso antes dos cinco, não porque eu não ame as pessoas, mas sim talvez porque eu enxergue o abraço como uma maneira agressiva de demonstrar amor, isso talvez explique muita coisa, muitas decisões da minha vida, mas gosto de pensar que isso não explique nada, porra nenhuma...  Pra que eu tenha que lidar com o próximo branco, no próximo dia, e reescrever minha historia em cima dele.  
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to-nnie · 3 years
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O dia em que conheci Deus e o Diabo.
Era um breu interminável, nada atingia minhas papilas gustativas, eu não tinha mãos, nem pés, não tinha cabeça, o breu não cheirava a nada, era algo entre mim e o breu, eu sequer tinha sentimento algum, não tinha febre também, não tinha nada, nada até uma voz me dizer “oi”, eu respondi, e perguntei quem era, ele me disse “sou Deus”, eu respondi “prazer Deus, sou Tonnie”- eu te conheço já Tonnie – eu também te conheço, minha avó fala sempre do senhor – eu sei Tonnie, sei que você tem medo de mim também – não me leve a mal meu senhor, eu tenho medo de tudo que não posso tocar – pois é, eu como um ser todo poderoso, onisciente, onipresente realmente não tenho um corpo físico – entende o porquê do medo? – é claro que sim meu filho, pois bem, estou aqui, alguma pergunta? – algumas sim – então diga, que eu responderei – por que a lua? Por que o Sol? Por que braços, pernas e outros adereços? Por que tenho que ir pra escola? O senhor é mesmo bom? O senhor me perdoa quando não presto atenção na missa, ou quando minto para o padre no confessionário dizendo que sou um bom garoto? – São muitas perguntas meu filho, posso responde-las todas à você com uma só frase. Porque tudo isso que vivemos não faz sentido.
Ouvi o barulho do relógio me acordando, eram 6:30, abri os olhos rapidamente e, diferente das outras vezes em que sonhei com algo supostamente espiritual, eu não tive medo, acordei, escovei os dentes, peguei meu material e fui para a escola. Meu pais não acordavam mais para me preparar pois eu já tinha 11 anos, então tomei um copo d’agua e parti com meu material sem café da manhã mesmo, café da manhã nunca foi meu forte, me dava sono. Cheguei na escola e me encostei no pilar, vi Gutti vindo até mim, fazendo um alongamento bucal, ele tinha essa mania, talvez fosse algum tipo de tique, ele adorava fazer alongamento bucal várias vezes por minuto, uma outra mania dele e que eu encarava como um dom era de jogar saliva nos outros, ele tinha total controle de sua saliva, ele abria a boca e jogava saliva em quem quer que fosse, e ria pra caralho. As meninas amavam o Guti, os pais dele tinham grana e ele jogava bem futebol, então todas as vezes em que ele jogava saliva nas meninas elas fingiam cara de nojo, mas logo depois eu as olhava atentamente, e via elas sorrateiramente passando a língua na bochecha, puxando a saliva e cerrando os olhos, via o pelo das pernas ainda não depiladas se ouriçarem toda, as tremidinhas na perna por causa da saliva, por causa de Guti.
Eu não era o cara mais craque da escola mas era titular do time, tinha um bom passe e era trabalhador em campo, marcação forte e bom passe, portanto Gutti precisava de mim, ele sabia disso, não dá pra fazer gols sem um bom passador, não tem como se destacar sem um cara que segura a tropa ali atrás, e de alguma forma eu precisava de Gutti também, éramos uma ótima dupla, por isso ele veio até mim, fez seu alongamento bucal e me disse “e ai”, e eu disse “e ai”, fizemos o toque do time, e ficamos ali 15 minutos rindo de quem o gutti conseguia acertar sua saliva até o sino tocar e entramos na sala.
Era a professora de português, Gilvana, mulher alta para os meus 11 anos, de sardas, seios e bundas fartas, talvez Gilvana não fosse tão linda assim, apesar de todos os caras da escola dizer o quanto ela era gostosa, mas talvez ela nem fosse tudo isso, o problema era minha paixão por professoras, elas eram tão lindas quando arrumavam o cabelo para trás e diziam aquelas palavras difíceis, quando diziam Ornitorrinco, Otorrinolaringologista, quando liam trava línguas sem titubear, e eu, é claro, era perdidamente apaixonado pela Gilvana, e aquele dia ela estava com a mesma calça jeans e a mesma blusa de semanas atrás, quando ela me fez declamar um poema meu pra escola toda. Alguns caras me chamaram de bichinha, viadinho, mas as meninas do 3° ano me descobriram naquele momento, elas me olhavam e diziam que queriam cuidar de mim, que eu seria um escritor famoso e pediram meu autógrafo. As mais novas morreram de ciúmes pois as mais velhas haviam me descoberto, e pobre de mim, eu nunca havia colocado meu pinto em nada, nem em cano PVC, nunca havia batido uma punhetinha sequer, nada, mas meu pau já ficava duro quando eu via uma bela moça, e eu sabia que as meninas mais velhas usavam um sutiã maior e tinham as pernas menos esquisitas, e eu pensava em beija-las todo santo dia, mas minha meta sempre foi a professora Gilvana, ela sorria dois sorrisos pra mim, ela seria meu cigarro matutino anos depois.
Gilvana entrou na sala segurando seu fichário que escondia um seio apenas, olhou para a sala, nos deu bom dia e começou a falar da beleza da literatura, que só a arte poderia nos salvar de um mundo facista e misógino, que para termos pensamento critico precisávamos ler livros e por isso todos teriam que ir na biblioteca e pegar um livro para ler, fomos até a biblioteca. Eu e o Guti esperamos a sala toda sair e fomos os ultimos só para poder ver o requebrado da professora. Não falávamos sobre ele, apenas víamos aquele requebrado sobre aquele salto e ficávamos imaginando ela cuidando de nós, nos dando mamadeira pra dormir e acariciando nossos rostos.
Chegamos na biblioteca e eu escolhi “Frankstein”, guti pegou “Viajantes do infinito” e me mostrou um livro, “contos do diabo”, com uma capa vermelha e o satanás de chifrinho, com cara de tigre, segurando um tridente na mão. Guti sabia que aquilo era errado, todo domingo nos encontrávamos nas missas, íamos juntos para a catequese e sempre tínhamos que nos confessar uma vez por mês, eu e ele combinávamos não falar nada que fazíamos ao padre, não confiávamos em homens que tinham aquele ar de superioridade, ele nos olhava com aquele rosto angelical e sabíamos que havia algo errado ali, sem contar que ele podia contar aos nossos pais o que fazíamos, não era interessante, contávamos o básico, dizíamos que éramos bons com nossos pais, era o bastante e eu sentia que toda vez Deus ficava puto comigo por ter mentido, mas melhor Deus do que meus pais, era mais fácil assim. Eu peguei o livro da mão de Guti e escondi em minha bolsa, queria saber quem era esse tal de Diabo, e porque ele era tão ruim assim, Guti me olhou atônito, ele ficou dois minutos sem fazer seu alongamento bucal, e passou a aula toda me olhando preocupado.
Assim que o sinal bateu ele disse, - Você vai ler? – Sim, eu preciso saber quem é esse tal de diabo- Ele me olhou com medo, mas ele era o guti, o guti não podia demonstrar medo, e então ele disse – boa, leia e me dá depois, vamos descobrir quem é esse cara.
Cheguei em casa, almocei, meus pais perguntaram como foi a aula, e eu só respondia em uma palavra, com medo, tinha o diabo dentro de minha bolsa, e Deus poderia me delatar, a bibliotecária poderia ter visto e ligado para os meus pais, eu estaria fodido se eles soubessem que a história do diabo estava dentro de minha bolsa, meus olhos não fitaram os olhos dos meus pais naquele almoço, mas fui firme, e percebi que eles realmente não sabiam de nada, Deus não era um X9, X9 é uma raça muito podre para Deus, ele jamais faria isso.
Meus pais foram embora, me tranquei no quarto, peguei o livro e comecei comer todas aquelas palavras, e cada página eram risos e mais risos, o Diabo era um puta cara legal pra caralho, ele errava igual nós, bebia pinga, falava mal das pessoas e se metia em encrenca, acabou a distância minha com ele, o Diabo podia ser o lateral esquerdo do nosso time, bater tazos com a gente tranquilamente, a gente riria dele, na adolescência ele tomaria vários corotes com a gente e nos daria opções de um monte de literatura que não estão acessíveis aos cristãos, Mallarmé, Rimbaud, Allen Guingsberg, ele falaria sobre todas essas literaturas e dizia: “A poesia surrealista é a melhor de todas”. E eu havia conversado com Deus e o Diabo no mesmo dia, e ri mais com o cramulhão do que riria com qualquer outra pessoa, eu havia feito minha escolha. O Diabo era um cara realmente bacana.
Terminei de ler o livro em duas horas, fechei a última página e o peso da vida veio em cima de mim, Deus jamais me perdoaria por ter lido sobre a vida de Satanás, e pior, Deus sabia que eu havia gostado dele, minha passagem pro inferno já ficou marcada aos 11 anos, e não havia o que fazer. Liguei pra Guti e disse: “cara precisamos fazer algo sobre esse livro” – O que mano? O livro fala sobre o que? – Coisas terríveis cara, precisamos queima-lo – quais coisas? – Não queira saber mano, são coisas terríveis, houve um silencio, Guti recuou – ok passa em casa. Coloquei o livro na bolsa, calçei algo confortável em meus calcanhares, peguei minha bike e fui correndo até a casa do Guti, ele saiu com sua bike e fomos até um terreno no fundo do bosque municipal, eu e Guti juntamos alguns galhos e colocamos o livro em cima, Guti pegou um isqueiro que ele havia roubado de seu pai e disse “Por Deus?” eu acenei, “por Deus”, e ele colocou fogo na capa, fomos vendo Satanás derretendo e o fogo lendo todas as folhas, enquanto olhávamos um para o outro com o reflexo do fogo em nossas íris. Por Deus, destruímos uma literatura por nosso senhor Jesus Cristo, amem.
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to-nnie · 3 years
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Ok comecei isso aqui enquanto olhava pro teto de minha parede derretendo, deve ser a tinta antiga, aquela amarelada que tem em toda casa velha, não tão velha quanto eu me sinto agora, não era pra eu me sentir velho, eu tenho fucking 31 anos! Da pra construir um império cheio de coisas inúteis ainda, daquelas que ficam para os outros ou para o mundo, eu prefiro deixar para o mundo do que algo pra minha família, mas ok, se eu deixar também não ligo, entendem como as coisas estão ok demais? É tudo tão vulgar, tão chulo que eh difícil encontrar um pingo de vida dentro das coisas, até as que brilham parecem estar ofuscadas pelo tempo em que vivemos. Sim, as coisas estão se degradando mas eu sinto que tem um pavio ainda em mim, a cidade continua cinza, continua queimando todos os seres vivos que estão nela, mas sinto que há um pavio, sinto que como a felicidade, às vezes a arte inunda alguns momentos dessa cidade e tudo se torna tão viril, é como meus cochilos matinais aos seis anos, minha mãe dizia que dormiria comigo, ela me acalentava em seus braços na cama e sambava suas mãos em meus cabelos, aquele toque no couro cabeludo me fazia sentir a melhor das crianças, mas pra que? Pra me esperar dormir e ir trabalhar e quando eu acordava? Ó céus, eu sentia uma fúria tão grande dentro de mim, eu fui enganado pela própria mãe e só me restava a solidão de uma criança de 4 anos sozinha, aquele vazio que se perfaz dentro de ti, aquela lamina aguda que cantarolava cantigas horríveis, essa lamina passava sobre meu couro infantil e fazia um estrago. Não posso dizer que essa lembrança me traumatizou, eu lembro dela com carinho, pois quando minha mãe voltava e sorria pra mim a noite, eu tinha meu mundo todo de volta. Então, ok, vou esperar o fiapo de arte encostar por um momento nessa cidade e torcer pra eu estar lá, pois sempre existe uma mãe voltando dentro de cada redemoinho em nós.
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to-nnie · 3 years
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eu não tenho um unico amigo que não esteja doente de alguma forma, nenhum, todos eles constipados pelo porrete fascista do estado, todos eles avacalhados pela fala escrota do estado, todos eles achincalhados humilhados pela demasiada força do estado. 
tenho bons amigos, amigos de sangue vermelho, amigos de dentes amarelos que lutam pela vida, que sobem pedindo socorro e logo se afogam nesse mar injusto de ondas intragáveis.
e todos eles tem algo em comum, todos eles se deixaram ser vulneráveis, todos eles de alguma forma deixou a vida tocar em seus corpos de maneira intima e foram inviabilizados. Eu sinto a dor deles, eu já me senti vulnerável, aos três anos de idade, quando vi formigas no chão de minha vó, tinham mais de trezentas ali, elas andavam, andavam e se tocavam, pareciam estar tramando algo e eu ali, olhando elas como se fosse uma novidade, um carro alegórico passando pelas frestas do meu cérebro, e sem nenhuma cautela, coloquei meu pé esquerdo em uma de suas passagens e em poucos segundos elas começaram a andar pelo meu pé e eu senti, eu senti ali como era estar vulnerável, como era alguém pisotear seu corpo. logo elas começaram a me picar e picar e u gritei “formiga vó, formiga!” minha avó jura que eu disse “tuiga”, ela diz isso até hoje, e ri, por longas horas daquele meu pedido de socorro. Minha vó também se deixou ser vulnerável, por isso a perdoo. eu tenho ótimos amigos, e vocês vão sair dessa, tenho certeza, e vão continuar sendo vulneráveis porque né? o bom da vida não é se deixar viver?
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to-nnie · 3 years
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Tic tac tic tac,  o tempo continua passando meu bem, as cidades continuam acinzentadas, as noites brilham perante meus olhos, a lua continua essa bola gigantesca preta e as mulheres continuam sambando pela cidade, dizendo quanto os homens são ridículos e asquerosos,  nada muda nesse hospício maldito, ao menos as luzes noturnas são maneiras e a noite cheira vida, as pessoas são elas mesmas e tal.... 
tic tac tic tac  o tempo passa e a única mudança são as sensações. Eu me lembro de sensações antigas, sensações que fazem meus olhos marejarem, tenho lembranças do meu primeiro ato de vida, as imagens se contorcendo, talvez pelas más formações dos olhos ainda, e minha casa de infância servindo de imagem fotográfica.... mas o sentimento era outro, era um nada, só a foto, só a imagem do fundo de casa e mais nada. As cores eram como mini ondas que se moviam e o sentimento era zero, diferente de hoje em que tudo esta boiando dentro da obscuridade da vida e não existe segurança alguma de um barco salva-vidas próximo.
Ao menos, imagino que tivesse sido um nada confortante, pois devia estar no colo de minha mãe.
e tic tac tiac... o relógio continua a seguir meu bem....
Abs.
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to-nnie · 3 years
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Olá prazer!
Me chamo Tonnie e sou um fodido. É eu sei, eu não sou o único fodido do mundo, na verdade, eu sequer estou dentre os mais fodidos. Pra se saber quantas pessoas estão fodidas basta abrir os olhos e andar por aí que você vai ver que nem de longe eu sou o mais fodido, mas não é sobre isso, as pessoas não deveriam olhar tudo como se fosse um esporte olímpico, sei la, um campeonato pra ver quem é mais fodido, eu sinto que hoje não se pode mais divagar sobre a dor em público, porque sempre tem um pau no cu caga regra do caralho que mencionará as crianças que passam fome no mundo pra te mostrar que você é um cara de sorte, isso é a mesma coisa que dizer que um coaching de como ganhar dinheiro fará de você um milionario, e é nesse momento que Freud estaria convulcionando, gemendo seus ossos no túmulo, e dizendo: É a ditadura ! Abaixo a ditadura da individualidade humana!
Mas sim, sou um fodido, uma puta merda de um fodido, um cara de poucos amigos, em um trabalho de merda, que acabou de terminar um relacionamento que achava que era pra vida toda, um frustrado dentro do que eu mais sei fazer que é escrever, enfim, tudo que eu planejei pra minha vida ainda não aconteceu, e algumas vezes foi o contrário.
Na verdade eu não sei qual foi a parte em que tudo começou a se diluir, eu só sei que minha vida atualmente é uma bad de doce em que as coisas estão derretendo na minha frente.
Por isso resolvi começar isso aqui e pra isso vou dar um spoiler a vocês.
Aos 24 anos eu me senti vivo pela primeira vez na vida, foi quando escrevi, de forma consciente, minha primeira poesia, e a partir daquele momento em que eu sentia a terra quente eu fiz uma promessa, que não importasse o que acontecesse, eu doaria minha vida a literatura. 6 anos se passaram e eu me encontro enfiando essa promessa no meu cu com força.
Eu não estou vivendo literatura de verdade, a partir do momento que minha vida não é minha literatura eu não estou sendo fiel a ela
Portanto fiz esse blog pra expurgar algumas coisas e escrever sobre tudo que passei até agora, todas as merdas, as coisas boas, e as fitas que me fizeram chegar até aqui
Meu mundo pode desabar, mas pelo menos minha promessa ficará de pé
Veremos.
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