Tumgik
yuniverse-00 · 2 years
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HORÁRIO DE VISITAÇÕES
Escrever sempre agiu como o perfeito antídoto para a paixão. Todas as vezes em que desejei esquecer alguém eu só precisava vomitar palavras, assim como flores no conto da doença de hanahaki. Entre engolidas em seco e tosses, a garganta finalmente via-se limpa, como se nunca houvesse alguma obstrução. Diferente do conto, a morte não via endereçada a mim, mas as memórias do que um dia foi afeto.
Eu me recusei. Me neguei.
Acreditei que escrever sobre aqueles sentimentos fosse escrever sobre você e eu nunca te daria o deleite de ser imortalizado ao lado de minha vulnerabilidade. De mim, você merece apenas o ponto final mais incisivo em caneta permanente.
Você me entregou sorrisos e, ao fim, paguei o preço com lágrimas. Como zumbis esfomeados, as borboletas no estômago me dilaceraram por dentro e minha mente virou um furacão de doces memórias que nunca significaram nada. Eu queria bater minha cabeça contra a parede para danificar as imagens do seu sorriso e os sons da sua voz.
Eu te culpei por arruinar minhas músicas favoritas, mesmo que a responsabilidade seja minha por, inconscientemente, relacionar momentos cometas com etéreas melodias.
Escrever sobre aqueles sentimentos é escrever sobre mim, é me redimir pela repreensão. É compreender que me permiti, pela primeira vez, ser de olhos fechados e coração aberto, mesmo que você tenha subestimado a minha potência em sentir. Mas eu senti tanto que me pego desejando nunca ter sentido, te conhecido ou me permitido. Me pego sentindo vergonha de ter me entregado, segurado suas mãos, olhado em seus olhos e anotado cada detalhe de cada segundo.
Eu, pessoa cujas memórias sempre falham, não falho em relembrar de você. Me pergunto se estou louca, porque já não sei mais o que foi real. Mergulho em mentiras e me sufoco em decepções. Tento manter pensamentos positivos, mas não sei se consigo. Me sinto como uma criança cujo doce foi roubado. Me sinto tola, estúpida e ingênua, porque sei que se você pedir para entrar, meus olhos se fecharão novamente e meu coração continuará imóvel. Ele nunca se fechou para você.
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yuniverse-00 · 2 years
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NOTAS
Desnuda me observo no espelho.
Meus olhos fundos e caídos acompanham a postura de meus ombros; a massa do ar pesa como um punhado de casacos, cachecóis e mantas. Culpo minha posição geográfica.
Me desnudo ainda mais.
Exposta como minha epiderme, lavo com lágrimas salgadas minha primeira máscara. O salgado irrita meus olhos, agora vermelhos, e borra minhas feições como uma grossa máscara de cílios, aprofundando ainda mais as bolsas de meus olhos. Sinto calafrios vendo meu reflexo frágil e, então, abraço meu corpo ressecado e molenga. Deslizo meus dedos gelados por cima dos pelos de meus braços, na tentativa de simular um abraço aconchegante.
Com a fricção, minha segunda máscara descasca, quebradiça como a casca de um ovo.
Minhas pernas bambas finalmente cedem e, com o pouco de força restante, me arrasto até o canto escuro. Abraço meus joelhos, que pressionam minha barriga, enquanto espero minha visão se ajustar a falta de claridade. Fito a porta uma, duas, dez vezes. Eventualmente bato minha cabeça contra a parede até dormir.
Não há mais reflexo, sinto-me sozinha até de minha presença.
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yuniverse-00 · 3 years
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ÁGUA QUENTE
Por algum motivo os banhos sempre ninam meus pensamentos mais tímidos. Talvez seja porque o barulho do chuveiro esquentando a água abafa o mundo externo, me deixando, no sentido mais literal e abstrato, nua e vulnerável. Talvez seja porque minhas ideias flutuam pelo banheiro, junto a neblina formada pela água agora quente. Talvez seja porque me encontro longe de julgamentos, expectativas e cobranças. Talvez seja porque, mesmo que por alguns minutos, me encontro presa ao meu existir mais íntimo. E diante do - não - silêncio, recitei sobre doação. Doei minha voz aos meus pensamentos, que clamavam por atenção há tempos.
Talvez eu seja hipócrita. Queria falar sobre doação de substrato. Queria falar sobre doar sangue, não o vermelho, mas o que não tem cor e nem volume. Mas precisei, nesse breve momento, reconhecer que adequei meu interior ao minimalismo, enquanto era atacada como uma presa pelo consumismo desenfreado do outro. Me deixei doar para o outro até que não sobrasse mais substrato para crescer flores. Esqueci de me regar e me observar crescer. Me deixei perder no abstrato.
Escrever, pra mim, é um ato de se doar. E talvez eu não estivesse preparada para me doar tanto assim a mim mesma. Para me entender é necessário descascar as camadas mais sombrias e escondidas de meu ser, iluminá-las e encarar sua feiura. Feiura essa que nos é ensinada a descrição do desconhecido.
Precisei aprender a sangrar por mim mesma. Que sangue é um fluído, assim como as lágrimas que deixam meus olhos. Precisei me abraçar e entender que mereço carinho. Que meus pensamentos não são eu, mas que são parte de mim. E que todas as partes devem ser celebradas, pois são elas que fazem quem eu sou.
Quem eu sou no meu momento mais íntimo e vulnerável: volto ao meu banho quente.
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yuniverse-00 · 3 years
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TEXTOS
água quente
cereja
entrelinhas
horário de visitações
notas
silêncio
trying to be my own goodness
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yuniverse-00 · 3 years
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ENTRELINHAS
Para me descrever é preciso regredir a um estado único de existência, que é tão simples por si só, a ponto de não permitir interferências. É o mais delicado momento de meu ser, que talvez somente as paredes creme de meu quarto reconheceriam.
Coloco uma nova playlist e passeio meus dedos por entre as teclas do notebook, colhendo a poeira. Assim que fecho meus olhos, sinto meu corpo balançar. Sorrio, pois o físico e o abstrato tornam-se um só. Esse momento é sobre sentir.
Ao escrever não há necessidade de pontuar os is. Não quando o texto é sobre o cinza e amarelo, café gelado e chá quente, cobertor e ventilador e êxtase e torpor.
Repare a bagunça, pois ela é a única coisa que posso lhe oferecer.
Tenha cautela ao entrar, pois há cacos de vidro esparramados pelo chão.
Manuseie delicadamente o telescópio para observar o céu estrelado.
Antes do eclipse,
veja o Sol reluzir os ornamentos de cristal e arco íris se formarem.
E quando os girassóis murcharem,
aprecie as tulipas brancas que cultivam sede por viver, mesmo com precária luz.
Com atenção, é possível ouvir os trovões ao fundo da forte chuva. Calamidade total. Com o tremor, luzes vermelhas piscam e um gato assustado mia. Tudo vai ficar bem, gatinho. Eu nunca vou te abandonar.
Ele me arranha. Reclama. Abandona. Eu, mesmo cansada, acolho. Afago sua pelagem e o sinto reduzir em terra. Terra essa que uso de adubo para as tulipas brancas.
Danço sobre os cacos de vidro, sinto o sangue deixar meu corpo e pintar o branco da flor. A chuva nutre o solo, a neblina dissipa e o Sol brilha novamente. Observo o local e, quando avisto uma esponja, dou um breve suspiro. Descarto-a. Deixo o sorriso me consumir e respiro forte, inalando o oxigênio das árvores que crescem como arranha-céus.
Abro os olhos, encarando meu quarto pequeno. Algumas histórias são melhores quando não contadas.
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yuniverse-00 · 4 years
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CEREJA
Cheiro de queimado socava minhas narinas e o fogo atraía minha alma para suas entranhas, logo depois soltava-a na brisa, sangrando. Lágrimas deslizavam apressadas por meu rosto, também querendo fugir e se perder. As gotas eram salgadas de solidão e frustração, deixando em evidência o rebuliço de sentimentos, afogados em vinho de cereja.
O novo aroma enternecia-me, trazendo o sentimento redondo de torpor. O paladar macio como sua pele um dia fora, doce como nossos beijos. Ao longe, por entre as árvores, eu podia ouvir sua risada misturada com o agudo cantar dos pássaros. Tão real, vibrações quase palpáveis.
De olhos fechados as lágrimas pareciam mais carregadas e furiosas, imitando as palavras maliciosas que tanto me malogravam. Diga-me que é errado, mas não que é ilusório. Proíba-me, mas não minta. Nossa conexão, tão suave quanto os passos de bailarinos, fora levado por pessoas frias, não capazes de sentir o sorriso alargar sem razão e o estômago contrair de emoção. Mesquinhos.
O céu, antes alaranjado, fora engolido por nuvens escuras, anunciando a refrescante garoa fina. O falso calor cessou, morrendo junto as chamas. Finalmente liberta, minha alma despertou do estado narcótico que antes se encontrava pelo fogo que alastrava.
Uma gota, com toda sua força, empurrou uma cereja em cima da flor. Bela flor que acompanhava meu estado de espírito. Antes branca e agora transparente, enxugada pela água. Sozinhas, expostas e sensíveis. Sangrando. Puro e raro, só não único pois lá eu me via. Me via no vermelho vibrante da cereja, que reluzia na transparência da flor. Por fim a chuva lavava a cereja despedaçada, assim como dedos gélidos, agora sob meus ombros, limpava minha dor e trazia de volta o torpor.
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yuniverse-00 · 5 years
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SILÊNCIO
“Escrevo por profundamente querer falar. Embora escrever só esteja me dando a grande medida do silêncio.”, escreveu Clarice Lispector em ‘Água Viva’ – um de meus livros favoritos. Leio e releio essa frase milhares de vezes, engolindo em seco e piscando duas, três vezes, para que o desfoque de meus olhos se vá.
O silêncio nunca esteve tão presente em minha vida.
Talvez seja uma característica inerte do nosso crescimento humano descompensado e bagunçado. Talvez, no final, não seja de todo ruim o silêncio. Ou, talvez, as feridas fiquem maiores a cada implosão inesperada.
Alguns dias são melhores do que outros, como é conhecido popularmente. E por mais simples que soe, apenas soa. Resume-se ao som. A simplicidade nunca escondeu tanta profundidade – como julgar uma planta pelo corpo que sente o sol, esquecendo-se das raízes que tocam a terra.
A vivência humana é tão complexa que ‘dias bons e ruins’ não cabem mais em minha garganta. Vomito esses conceitos privada abaixo, deixando com que minha mente sinta toda a bagunça de sensações e sentimentos que sou. Entro em intensa combustão, tomada por chamas que me queimam de dentro para fora. Queimam toda a força presa por um fio de nylon, fazendo com que as paredes de meu corpo cedam as labaredas. Encolho-me, sucumbindo a pó.
Lágrimas apagam o fogo, deixando rastros incandescentes por meus olhos, que se fecham. Meu corpo relaxa e eu sonho com a liberdade, que tem cheiro de grama molhada. Sonho em cruzar o céu como cometas, sentindo o vento por meus dedos, a leveza em meus cabelos e a luz em meus poros.
Durmo serena na quietude de meu quarto escuro.
Dessa vez o silêncio não é tão ruim.
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yuniverse-00 · 5 years
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trying to be my own goodness
mother nature gives us raindrops my body exists my sadness gives me tears i'm my own goodness - i'm trying -
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