Tumgik
borderside · 2 years
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O cão da funcionalidade
Eu acordo, coloco a minha melhor face e uma roupa. Eu trabalho, eu produzo. E isso já é muita coisa. Eu sou um pouco workaholic demais. Mas produzir é importante. Receber troféus é muito importante, valida algo. Valida algo importante demais.
Depois eu estudo. Faço uma segunda faculdade, umas duas ou três pós. Sabe, nunca termina, porque nunca é bom o bastante. Talvez faça alguns cursos por fora. E leio uns dez livros numa semana, ou um livro em três meses, ou três livros em um dia. Tudo muito bem organizado. Fazer algo que valide meus valores e que me estimule intelectualmente valida algo. Aquele algo importante demais.
Tem coisas grandes demais para serem compreendidas ou verbalizadas, e é libertador encontrá-las no mundo. Seja na forma de arte, música, textos, enfim. Você se torna um pouco Úrsula e rouba uma voz como sua, porque ela te veste tão bem. O lado bom de encontrá-las no mundo é não ter que ir amaldiçoar uma princesa aquática para conseguir. Mas tem uma música que descreve muito bem como eu me sinto o tempo todo. Ela diz algo como “você já se sentiu um pouco de saco cheio da vida? Como se você não estivesse realmente feliz, mas também não quisesse morrer. Como se você estivesse por um fio, mas precisa sobreviver, porque você tem que sobreviver. Como se o seu corpo estivesse em uma sala, mas você não está realmente ali. Como se você sentisse empatia, mas de verdade não se importasse. Como se o seu amor tivesse se esvanecido, mas você ainda o sente. Sou um caso perdido? Um pouco cansada de tentar me importar enquanto eu não me importo. Um pouco exausta de reparos para lidar.”
Talvez eu seja mesmo um caso complexo demais.
Sentindo o mundo todo num extremo tão grande ao ponto de ter que passar a vida inteira tentando aprender a não somatizar emoções. Sentindo-me traída pelo meu próprio corpo o tempo todo. Arrumando formas de lidar com outra dor, outra doença, outra hemorragia. Tentando encontrar o que eu faço de tão errado em sentir.
E depois tentando encontrar o que eu faço de tão errado em não sentir. Meu grilo falante me disse uma vez que não existem lutos eternos. Permitindo o fluxo só fluir, você vai viver todas as fases, uma merda danada e depois encontrar um arco-íris mágico chamado perdão. E talvez se cair numa merda do cacete pra mim fosse igual para outras pessoas eu entraria nessa. Mas eu entendi que existem portas que se eu abrir o suficiente eu vou sucumbir à loucura. Porque não existe uma forma de eu permanecer funcional e ter que lidar com o meu corpo, meus sentimentos, minhas verdades absolutas, meus traumas, e minhas formas de lidar e ainda existir no padrão hétero cis psicológico.
Existem momentos em que eu afundo. A questão de sentir demais, é cair rápido demais. Você não tem tempo pra ficar triste se você está depressiva. De certa forma acredito que seja mais uma forma do meu corpo somatizar sua dor. Se torna tão extrema, que a letargia, a falta de vontade de tudo, a dificuldade de levantar e beber um copo de água que seja se tornem mais fáceis do que enfrentar a dor.
Eu já sou um caso sem cura. E eu odeio remédios. Eles me afetam tanto, tão rápido. E pensar que eu já cheguei a me dopar com mais de 10 comprimidos ao dia de remédios fortíssimos. Vendo meu corpo reagir hoje eu sinto o quão violento e silenciador tudo aquilo foi. Foi outra forma de me educar a ser funcional. Enterre, não expresse, peça desculpas, tome remédios. Vá pro canavial de rola e enfie tudo no teu cú.
Estou morta de dor há uma semana por 4 dias de uma medicação nova. Seja funcional. Deixe-me analisar todas as inconstantes do seu comportamento, eu tenho o comprimido ideal para isso. Você sente demais, controlador de humor. Você tem inconstâncias deprê? Antidepressivos. Tá sentindo raiva? Antipsicótico.
Como isso é tão diferente de eu mesma criar o meu modelo de bloqueio de emoções? Sem me dopar? Sendo minimamente funcional e perdendo a linha às vezes, para o meu próprio caos. O meu caos sou eu, ele existe e faz parte de mim. Assim como a minha raiva, ou minha somatização.
E tudo isso é feito porque no final você precisa se importar e não achar tanto sentido naquela letra de música. Porque você precisa querer, e querer viver e não duvidar disso. Então deixa eu domar você, controlar você. Eu quero que você seja e queira do jeito que eu quero, do jeito de um normativo quer. Mas eu nunca serei assim. Porque eu não funciono assim. Você não consegue expurgar o que quiser de mim e me dopar sem tirar coisas importantes no caminho. Coisas que validam mais do que deveriam.
Coisas que validam estar viva.
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borderside · 2 years
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Pulsão Pinóquio
Era uma vez, como daquela vez que aconteceu aquilo.
Fez sentido?
Eu creio que esse ir e vir esteja sendo cansativo já, e para ser bem sincera eu me sinto é só rastejando calmamente pra um fundo do poço gostoso e me deitando lá. É como ouvir a pergunta: por que você ainda tenta? E não ter uma resposta melhor do que ‘porque eu não sei desistir’.
E a pior parte é ter somente esse motivo, desistindo.
Eu me sinto esvaindo na maior parte do tempo. Eu que talvez seja renascida de um milagre, tenho tanta tamanha gigantesca grotesca burlesca e unânime descrença. Eu já consegui em determinados momentos construir um senso mais elevado de fé, como quem procura fadas escondidas em folhagens ao longo de um rio. Contando mais com uma imaginação fantasiosa do que com o que se apresenta. E de repente uma borboleta e um arco-íris e bum!
Mas é tão difícil ter escolhido acreditar no que eu acredito. Talvez fosse mais simples me jogar numa dessas igrejas que as pessoas repetem as mesmas coisas 500 mil vezes. Até você se pegar repetindo também, e dizendo sempre foi assim. Tão simples, tão completa essa justificativa. Sempre foi assim, como sempre há de ser, disse a palavra do senhor.
E você colhe essa palavra, se diz o mais honrado dos seres e vai pra internet xingar alguém talvez só porque ele diga que sempre foi assado.
A religião poderia ter um embasamento muito mais fútil, raso, e de fortalecimento de ego, de uma supremacia louca e desconfigurada do que realmente foi a vida de Cristo. Muito mais simples do que ter que atravessar um livro sobre o amor ao próximo e o perdão antes de conseguir adentrar em qualquer outro assunto.
Um lugar que o se rever e entender suas falhas, suas atitudes e agir no auto perdão e no perdão ao outro seja uma forma de religião e o primeiro passo real para uma vida religiosa.
Mas por que ainda tentar? Se você já leu, por que ler de novo?
Por que querer ser algo além do que se é?
É a mesma coisa de se ouvir que: você vai ficar bem assim, você sempre foi assim. Você faz coisas que não deveria conseguir fazer. E sentir que é uma justificativa fraca como aquela de uma fé superficial. Porque na verdade você sempre se sentiu meio oca e torta e no final das contas parece que te tiraram a chance de ser algo além.
E ciclos, ciclos, ciclando e retornando e nunca de verdade se esvaziando.
O pinóquio nasceu de um desejo torto. O de se ter um filho real feito de um boneco de madeira. Regido por linhas que dominavam seus movimentos. Um desejo de se ter alguém pra ser seu que seja ao mesmo tempo dominado completamente por você.
Talvez por isso ele nasceu desejando ser mais. A descrição completa de uma doença psicológica. Vamos lembrar que ele tinha um psicólogo que o acompanhava em sua busca por ser de verdade. O grilo verde. Cutucando, trazendo luz, razão, acolhimento, e deixando-o viver o próprio caos por ser sua decisão.
Ele foi considerado adequado enquanto mentia e se sentia uma farsa em um corpo que não se sentia pertencer. Muitas amarras imaginárias o guiando e dizendo: você tem que ser assim, seja feliz cumprindo os meus objetivos. E se você não o for vai perder o seu caminho, vai encontrar o caos das incertezas, das escolhas não acertadas buscando acertar. Vai no fim encontrar a morte dentro de um animal faminto. É só você ser assim, como sempre foi, um perfeito molde das minhas vontades.
E se teu corpo entrega tuas farsas, seja teu nariz crescendo, seja sua mão tremendo, seja no auge uma doença é seu motivo de vergonha. De exposição, que seja levado a um circo e colocado à exposição. Seja esmiuçado, tudo para a nossa diversão. Rárárárárá
Mas existe um sonho perfeito disposto no grito mais audível da luta, da fuga, da ruína. Um grito torto. Eu quero ser de verdade. Eu quero ser livre dessas limitações, eu quero. E por querer não se está perdido. E por querer é tudo uma aventura e não apenas um erro.
E até o Pinóquio tem uma salvação. Porque ele acredita nela.
Às vezes eu faço piadas em momentos inadequados. Porque o riso é uma fuga, uma opção para adestrar o desconforto. O desalento. É uma farsa completa, porque enquanto eu estiver rindo você vai acreditar que eu estou bem, talvez.
Mas se você acredita que nem tudo tem salvação, que salvação você tem? Por que não desistir?
As missões impossíveis me dadas são renunciar a uma falsa proteção conjuradas num feitiço de longo prazo em forma de controle. Meu grilo me diz que eu tenho que processar o luto. E eu digo, eu não sei como fazer isso. Eu tento rindo, eu tento fugindo, eu tento me deixando ruir em seu buraco, eu tento me reerguendo mais uma vez. Mas parece ser um buraco fundo o suficiente para ser eterno.
Eu tento tomar consciência de todas as amarras que me forçam nesse Pinóquio vivo, real o suficiente para ser considerado já humano. Irreal o suficiente para ser considerado um transtorno. Olhando à toda a magia da vida ao redor e torcendo para encontrar fadas na mata. Buscando ser de verdade, ser na medida certa. Não me perder nos meus erros.
Perdida o suficiente pra dizer eu não sei como, e não saber. Não ser uma fuga dessa vez.
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borderside · 2 years
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À todas as histórias que me ajudaram a compor eu mesma.
Eu me sinto uma idosa. Na maior parte do tempo. Me falta a jovialidade dos jovens. Eu com minhas músicas lentas e de letras bonitas, com meu livro e meu café sempre à mão, poderia muito bem me reconhecer com meus 60 anos de idade. Mas acredito que isso diz mais sobre as mil vidas que sinto que já vivi do que qualquer outra coisa em particular.
Sabe, era pra eu tirar um tempo para pensar e reconstruir uma ideia de mim mesma. Mas me refaço em mim mesma re-encontrando-me nas minhas cartas que divagam sobre os meus sentimentos. Acho que talvez esse seja o meio mais eficaz de encontrar-me deitada no meu quarto às 3h da manhã agoniada pela vida e o peso das histórias, com minhas músicas profundas, meu desamor apertando o peito no auge dos meus 16 anos de idade. Já era eu uma idosa ali.
Neste período eu já tinha uma pasta de livros lidos com mais de 300 livros no meu notebook. O maior pecado de quando meu notebook parou de funcionar foi perder esse registro. De todos os livros que eu me afoguei durante toda a minha pré adolescência para conseguir emergir por mais um dia. Era um mar de histórias que me levavam para terras distantes, vidas distantes, dores e amores que não eram meus e me tocavam de toda forma.
Tirando meu amor aos clássicos que lia como quem vai descobrir o motivo de fama de um livro. Meu amor aos complicados, que lê Voltaire para se dizer culta, e sai divagando sobre tudo. O que remanesce na minha idosidade aos 27 anos de idade é o incurável amor pelas minhas heroínas. As minhas mulheres fodásticas. E, a custo de muita interlocução, venho agradecê-las por me trazerem em suas histórias me salvando das minhas próprias.
Primeiro quero agradecer à Mulan por ser minha grande paixão infantil. Acredito que desde criança já conseguia enxergar que em um mundo de homens, crescer para me tornar a esposa incrível de alguém não estava nos meus planos pessoais. Ainda não está, amém. À Mulan agradeço a sua teimosia. Sua busca incessante pela própria voz e o próprio mérito, sua força e coragem de escrever a própria história, apesar de ser mulher.
Eu tive que ser minha própria Mulan muitas vezes. Nascida em um lar machista e totalmente tendenciada à uma criação de servidão e entender os pobres coitados dos homens e seus erros sem questionar muito. Agradeço a mim mesma por todas as vezes que virei Mulan e resolvi todas as minhas guerras por mim mesma. Eu tenho essa força e essa coragem em mim. Essa impetulância de olhar para um mundo errado e invertido e saber que ele é quem está assim. Por mais que pareça que sou eu o morcego da história. Que eu nunca me esqueça que o mundo se inverte mais vezes do que deveria. E que isso só acontece porque o mundo é a cabeça de cada um, e que às vezes ser o inverso de outras pessoas é a melhor coisa que nos acontece. 
Eu vi um vídeo esses dias, que me fez refletir sobre o meu lugar na minha família. Você é influenciada por todos seus ancestrais. Existem padrões que se repetem na sua linhagem. E quando você se torna consciente deles, é incubida do seu desfazer. E muitas vezes será julgada por isso. Mas seu lugar é maior que esses julgamentos, não se limite por eles. E, francamente, não houve um padrão que eu me prendi a cumprir. E vejo o quanto minha existência impactou na vida da minha família. Logo eu que sempre busquei em seu meio uma justificativa de existir entre o que eles eram. Eu morreria mil vidas sendo o que eles eram. Porque a mim só compete ser o que eu sou. Delicada como uma granada sim: porque eu sei ser forte, eu sei ser meu próprio herói alado em todas as minhas mil e uma vidas e todas as vezes que precisar eu serei minha própria fênix nascida das minhas chamas invertidas, da minha língua salgada, da minha impetulância, do meu eu. E graças ao meu inverso muitas verdade inabaláveis não existem mais na minha família. Eu me tornei o primeiro espelho de muitas mulheres que abandonaram a ideia de Eva e se entregaram à ser Lilith, a mulher que não cabe na Bíblia. Não me leve a mal, somos uma família católica bem dizer (se bem que nem isso eu soube ser bem). Mas sim, muitas outras mulheres levantaram sua voz ao som da minha, depois de tentarem me calar com muito esforço. Eu não as guardo rancor ao escrever essas palavras, mas orgulho. 
Sabe quantas vezes eu caí do penhasco do meu próprio mundo invertido? Alice, obrigada por me ensinar a como cair com graça e conversar com gatos loucos, gostar de chá e catar minhas próprias pedras até encontrar meu próprio lar. Espero que você me acompanhe mais um bocado, velha amiga, acabei de descobrir que eu sou meu próprio lar e vou precisar sacudir, limpar e colocar a casa em ordem. Vou cair em mim mesma, encolher e crescer várias vezes, então se segura em mim mais um pouco, tá?!
Eu nunca me canso de ler sobre mulheres fortes. Nelas descubro milhões de formas de ser forte e me construo a partir disso. Então eu aceito, não nasci pra ser delicada como uma dama (espera, eu nasci pra ser dama? acho que não). Cabe a mim ser granada. Ressoa em mim a força de Katniss sendo arrastada ao campo de batalha depois de terminar de sair. E sair de lá explodindo aquela merda toda. Sobrevivente. Forte. Delicada como uma granada. Difícil de engolir. Obrigada Katniss, por me ensinar a força de destruir tudo o que se conhece e partir em busca de um novo. 
Eu acho estranho pessoas que possuem um lar. Numa típica conversa de bar com um amigo, estávamos falando sobre viver. E tínhamos ali dois lados de uma moeda que se estranhavam e coexistiam. Se você pudesse ganhar 17 mil por mês, num emprego super estável, você iria? Se você perguntar pra mim, teria que ser por telefone porque eu já estou lá. Se quiser fazer vídeo chamada vai ser legal pra eu te mostrar o bairro em que eu estou agora, e explorar esse novo mundo comigo um pouco. Para a cara da moeda era impensável sair da casa, do bairro, dos amigos, da família de sempre. Eu nômade como sempre fui, acho essa ideia de se manter fixado num ponto geográfico do google maps bem louco. 
Acredito que por isso o novo não é assustador para mim. Sempre vivi o novo. Fugi no velho, corri para os braços do novo, que se desgasta e fica velho de novo. E eu sei fugir de novo. Fugir não é covardia. Movimento é vida. Fugir, se refazer, viver o novo, se reencontrar e reconstruir é e sempre foi pra mim uma forma de viver. Que eu não esqueça de não ter medo de abandonar o navio quando começar a tocar a banda do Titanic. Que eu aprenda a ter mais medo de me afogar e me perder num oceano que me puxa para suas entranhas. Eu sei nadar, eu vou nadar, eu vou fugir. Eu preciso criar uma listagem melhor de coisas para ter medo. E vou construindo e divagando aqui. 
À Anne, preciso registrar minha gratidão por me lembrar que o mundo é um lugar melhor de ser apreciado sob a lente de uma eterna criança, ou fica tudo sem sal. Categorizado e normalizado esquecemo-nos do poder das palavras. Palavras que tantas vezes foram usadas para me esclarecer o quão torta e quebrada esse meu ser era. Palavras que ferem, sangram, se amarguram dentro de si como um limão podre. Ah, como eu plantei limões podres dentro de mim. Até que eles me amarguraram na minha própria essência. Que eu nunca me esqueça que as palavras dizem sobre aqueles que a dizem e não sobre o alvo a quem se destinam. Aprendo assim, a ser eu meu próprio limoeiro, plantar as sementes e jogar fora o mal-fedido. E que meu limoeiro seja tão cheio de galhos tortos em todas as direções que eu encontre o chão, o céu, o certo e o errado dentro de cada uma das suas pontas e todas dentro de mim mesma. Que meus galhos sejam tão tortos que encontrem todas e cada uma das partes do meu ser. A este limoeiro chamarei de ‘Árvore das verdades da alma’, porque algo tão grandioso e bonito precisa ter um nome que faça jus, certo Anne?
Acho de certo poético e não caberia de ser outra árvore senão essa. Carregando frutos azedos e leves. Servem de doce, acalanto numa tarde de verão, ou pra endoidar sua cabeça numa deliciosa caipirinha. Essa sou eu. Que eu saiba abraçar as minhas grosserias, a minha força de me colocar. Ah, com certeza você já teve medo de detonar essa granada. 
Lembro-me de algo muito frequente que acontecia meio à minha família. Eu, nos meus 14 anos, depressiva, ansiosa, o morcego que comeu a ovelha negra da família. Eu era Drákula. Degenerada, ingrata, noturna, ateia (sim, já fui, não via em que acreditar). Afastada de Deus e de tudo o que era bom. A sombra constante. Você sabia que se você ficar em silêncio por longas semanas quieta no seu quarto a vida continua acontecendo e é isso que você se torna, a sombra constante. Até chegar ao ponto em que não fazem muita consciência da sua presença próxima, ou se o fazem a consideram inofensiva. E então reuniam-se grupos a talhar de mim, sob meus próprios ouvidos. Acreditando-me inerte. Era esse o momento em que eu me juntava à conversa. Muitas vezes o assunto se encerra apenas com minha presença, outras com o meu olhar de desafio. Mas meus limões já estavam prontos, e raiva era um poço sem fim dentro de mim. E quando eu esboçava um sorriso era lindo ver a gota de suor começar a escorrer. Que eu nunca esqueça de ter forças para me defender. E que vocês fiquem muito putos comigo todas as vezes que eu esfregue a merda da sua hipocrisia nas suas caras. E que sua justificativa seja sempre tão frouxa e residente da sua própria arrogância que resida nela mesma a sua própria crítica. Escrevendo isso agora eu abraço a minha própria Malévola que reside dentro de mim e que saudade de ver essas expressões eu sinto agora. Delicada como uma granada, sim. Anne, é impossível ter personalidade forte como nós e agradar a todo mundo. Ou você aceita o mundo invertido e briga com Alice, ou se torna sua melhor amiga e manda ir à bosta a inversão dos outros. E que você seja grosseira às vezes, e saiba ser forte para se colocar. Porque senão cabe a ti ser drácula dentro da sua lápide ouvindo pelas paredes e maldizendo todo mundo. Grite por si mesmo, por sua vida, por sua razão, por sua inversão, e nunca perca a sua voz. Vá à merda Ariel.
Obrigada Kalessi, a me mostrar que não é preciso ter medo de ser temida. A me mostrar a força que é necessária para passar por momentos difíceis. Por muito tempo eu acreditei que carregava o peso de uma história de fracasso, de desamor, de desalento, de ruínas. Eu acreditei que ser estuprada na infância, morrer e renascer, fugir e fugir e fugir, desacreditar e reacreditar, cair no buraco, estar sozinha e me refazer sozinha diziam muito para a vítima assustada que mora em mim. Ela tem seu lugar sim. Eu tenho medo do abandono, do desencontro, do desamor, do vazio. Que eu não me confunda e não tenha mais medo de abandonar, desencontrar e desamar tudo o que for destrutivo para mim. Ah, quantas amarras eu carreguei acreditando que essa era a minha face. Me esquecendo completamente no quanto eu sou assustadora, no quanto eu sei me defender ao ponto de dar medo de mexer comigo. Sem precisar gritar Dracaris para nenhum dragão mágico. Que eu nunca me esqueça que minha criança interior aprontava muito, e era muito petulante. que eu nunca me esqueça da minha molecagem.
Eu admirava enormemente a força e o quão guerreira a Kalessi é. Mas eu esquecia de suas histórias de dor, de luta, de abuso, de sofrimento. O quanto ela correu desertos sozinha e sem uma mão amiga, o quanto ela lutou para conquistar tudo o que se tornou seu com a força que residia apenas dentro de si mesma. Que eu não me esqueça o quanto eu também sei conquistar minha própria vida sozinha. E que o príncipe vá pro inferno. Eu não preciso de nenhum amor pra me salvar, além do meu próprio.
Espelho, espelho meu, me diga agora quem sou eu? Não, nessa história eu não sou a Branca de Neve. E com certeza eu não nasci nessa vida pra ficar limpando casa para sete fanfarrões. Cinderela, lembrando de você também acorda pra vida, tá?! Que eu saiba abraçar e trazer pra mim aquilo que é meu e não concorde em submissão nenhuma. Que eu não me esqueça que em histórias de submissão eu nasci pra ser a Rainha má. Agora espelho, sabe qual é a grande pegadinha que você me traz? Reconhecer. Sim, só assim, reconhecer. Porque quando você não se reconhece, você precisa trabalhar muito para reconhecer. Reconhecer que seu padrão de beleza, é isso, um padrão comparativo. E que um padrão comparativo te traz tanta distorção que você não se faz nada. Como é você? Que coisa difícil. Loira, ruiva, morena, cabelo grande, comprido, liso, ondulado ou era cacheado? Gorda, magra? Existe algo entre gorda e magra? O que você precisa ser? Elogiada? Aplaudida? Reconhecida em outros? Ah mas a cabeça dos outros é louca demais pra reconhecer qualquer coisa. Então bendito fruto silvestre do deserto, não adianta perguntar pro espelho que só reflete. Se enxergue, tá?! Porque perguntar e esperar reconhecimentos de outros é só mais um espelho, e muitas vezes quebrado e torto. Então vamos lá, vamos ao caos, vamos ao desconhecido. Venha Alice, falei que você era necessária nessa jornada várias vezes, vamos pular.
Minhas heroínas são bonitas e envolventes. E assim eu sou. Eu sou bonita. Nasci de olhos arregalados e trago esses olhões enormes para ver o mundo melhor comigo. Boca grande, rosada, seja pra acariciar ou pra mandar ir se fuder melhor. Não se estranhe a dualidade, tudo bem? Nasci no signo de gêmeos, temos essa dualidade inerente. Depende de quem você quer conversar. E outra, uma vez plantado meu limoeiro abraçou tudo, não adianta disfarçar o que não é agradável aos olhos. Aqui estou me despindo dessas máscaras e desculpas. Sou branca como a minha renegada Branca de Neve, mas como eu não curto muito a pegada dela, sou branca como a bruxa Manon Bico Negro. Sou branca como eu, com um mapa azul de veias na parte interior dos braços. Nariz bonito. Nunca tão bonito quanto um filtro do instagram, lembra o que eu falei de comparação? Eu sou magra. Não sou magérrima, mas eu não sou gorda. E uma coisa que preciso entender pra minha vida toda eu tenho barriga. Eu dobro. Dobrar é movimentar, é se esticar até crescer, e curvar. Dobrar não é sinal de ser gorda. Tá mais pra sinal de ser flexível. Eu sou jovem. Sou bonita. Sou desejável, atraente, gostosa. Eu sei disso. Então vamos saber. Eu tenho como melhorar, tem como piorar muito também. É tudo escolha de vida. Então, espelho, espelho meu você que aceite que eu sou linda, envolvente, gostosa e incrivelmente maleável do jeito que eu sou e que eu não preciso que você me compare a outras belezas dessa vida. Porque as belezas coexistem e não se co-anulam. Comparação da mais bonita é coisa de sexta série sexista, então cresce e vai se desconstruir que o que não é necessário no mundo é mais um hetero topzera. 
Aelin, meu amor da vida, Aelin. Quantas vidas você viveu minha idosa? Já foi assassina, humana, elfo, rainha. Ah Aelin. Eu me debruço tantas vezes nas suas histórias. Você me mostrou tantos lados de mim. Me fez perder o fôlego com suas formas criativas de se virar em qualquer situação. Que eu não me esqueça que fugir é outro verbo para dizer ‘deixar ir’. Como quando eu fiz uma prova pro ensino médio federal para ter um caminho diferente para correr na vida. Um plot twist que ninguém acreditava ou esperava. Mas, cada heroína tem seu super poder, o meu é estudar né. Que eu não me esqueça o quão decidida eu sou. E me lance por aí, vivendo por aqui e por lá como a nômade que nós somos Aelin. Práticas e decididas. 
Aelin acredito que você tenha vivido uns bons cinco amores na sua história. Se me perdi, desculpa vadia. (Vadia chamar de vadia, pode tá?!) O engraçado é que de alguma forma seus parceiros sempre eram menos importantes, poderosos e muito menos imponentes que você. Isso independia de posição, era o que era. Uma vez você assassina retirada da escravidão se apaixonou pelo príncipe. E, bem, ele era um ratinho perto de você. Engraçado como ele acreditava que estava te salvando, sendo o bonzão, o incrível. A gente não sabia na época, mas na verdade a rainha da porra toda era você. Em retrospectiva eu vejo que minhas escolhas amorosas são meio que farinha do mesmo saco que as suas. Acredito que exista em mim uma carência que me cega para essas questões. Mas olhando agora, com o olhar da indiferença eu me pergunto porque eu deixei que tantos ratinhos se sentissem o príncipe da vida, enquanto a rainha dessa merda sou eu? Que eu nunca me esqueça que se não me colocar pra cima de verdade não é príncipe, é sapo. E que vá viver no brejo também querido. Não é que todos precisam saber apreciar o quão incríveis nós somos Aelin, inclusive a grande maioria não sabe. Mas é que pra ficar tem que saber reconhecer sim. Até lá, vamos construindo nosso caminho por nós mesmas, bem vadias, várias histórias, vários rolês. Santas nós não viemos nessa vida. Amém.
Falando em não sermos muito apreciadas. Somos seres de poucos amigos, poucas companhias. Que eu não me esqueça que minha energia social acaba e saiba respeitar meu espaço de ficar sozinha e me reconectar comigo mesma. Eu sei que você é assim Aelin. Está tudo bem, altos planos pra vários rolês legais no final de semana, e pá… acaba a energia social. Pode ser o evento do ano que tu vai tá lá com cara de bunda. Você se torna alguém desinteressada em estar, em se divertir, em conversar, porque você quer a paz de estar consigo mesma. E isso faz falta. Acolha isso. E saiba, que é você quem escolhe se relacionar com poucas pessoas. Isso não demonstra uma incapacidade sua. Você é incrível fazendo amigos. Você tem facilidade de estar com pessoas, de conversar com pessoas até semana que vem. Você sabe nutrir conversas de horas com desconhecidos, muitas vezes com coisas que surgem aleatoriamente na cabeça ou perguntas malucas. Isso é incrível. Está sempre conversando com novas pessoas, consegue se encontrar em qualquer grupo e se fazer de casa. Quando quer, então aceite que quando não quer não dá. Que você saiba impor seus limites.
Tem uma frase que eu ouvi pela primeira vez no BBB, sim Juliette. Era um devaneio meio assim: quando você é forte as pessoas te batem com mais força. Porque elas sabem que você é forte, que você aguenta. Mas você ainda sente, porque sentir e aguentar são coisas diferentes. Esse seu lado sentimental, menininha, delicada que você esconde e deixa muitas poucas pessoas verem. Esse seu lado que tem medo de apanhar. O mesmo lado leve que faz piada e brinca de tudo o tempo todo é o seu lado mais bonito. Você sabe disso. Quando exibido é apaixonante. Mas ele fica ali, em segundo plano. Que você saiba ser leve, simples e bonita. Porque forte você já é, resiliente também e as pessoas não terão pena de bater. Então que você grite e mostre a sua força, o seu limite. Que aquela gota de suor escorra mais vezes. E que saibam com quem estão lidando, quem estão mexendo. Cuidado. Você foi traída várias vezes. Quebrou tantas vezes. Se salvou inúmeras vezes e continua se salvando. Salva os outros, tem empatia e um coração lindo. Ama intensamente, sofre intensamente. Que você nunca se esqueça de se ser com medo do que os outros o são.
Sim, você é sua própria heroína nessa merda de compor você mesma. Aproveite o trabalho.
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