"No fim tu hás de ver que as coisas mais leves são as únicas que o vento não conseguiu levar:
um estribilho antigo
um carinho no momento preciso
o folhear de um livro de poemas
o cheiro que tinha um dia o próprio vento..."
Quando fui ferida,
Por Deus, pelo diabo, ou por mim mesma,
– ainda não sei –
percebi que não morrera, após três dias,
ao rever pardais
e moitinhas de trevo.
Quando era jovem,
só estes passarinhos,
estas folhinhas bastavam
para eu cantar louvores,
dedicar óperas ao Rei.
Mas um cachorro batido
demora um pouco a latir,
a festejar seu dono
– ele, um bicho que não é gente –
tanto mais eu que posso perguntar:
por que razão me bates?
Por isso, apesar dos pardais e das reviçosas folhinhas
Uma tênue sombra ainda cobre meu espírito.
Quem me feriu perdoe-me.
Aspiro a um repouso absoluto e a uma noite contínua. Poeta das loucas voluptuosidades do vinho e do ópio, não tenho outra sede a não ser a de um licor desconhecido na Terra e que nem mesmo a farmacopeia celeste poderia proporcionar-me; um licor que não é feito nem de vitalidade, nem de morte, nem de excitação, nem de nada. Nada saber, nada ensinar, nada querer, nada sentir, dormir e sempre dormir, tal é actualmente a minha única aspiração. Aspiração infame e desanimadora, porém sincera.
Brota esta lágrima e cai.
Vem de mim, mas não é minha.
Percebe-se que caminha,
sem que se saiba aonde vai.
Parece angústia espremida
de meu negro coração,
– pelos meus olhos fugida
e quebrada em minha mão.
Mas é rio, mais profundo,
sem nascimento e sem fim,
que, atravessando este mundo,
passou por dentro de mim.
Ó flores do verde pino,
sempre é tempo de esperar!
Mas nós temos a certeza
de que aquilo que esperamos
não se acha em nenhum lugar...
Não tem raízes nem ramos,
não é do céu nem do mar.
Não tem nome, – é só destino.
E é toda a nossa estranheza,
sabendo-o tanto, esperar...
Por todos os lados,
o mar me rodeia;
me deixa recados
escritos na areia.
Das águas sou filha:
nasci de um beijo de espuma
em redor de alguma
silenciosa ilha.
Maravilha, maravilha
da espuma em pedra serena:
a água nos meus olhos brilha,
da pedra é que sou morena.
Bela é a terra
belas, as nuvens
belo é o dia
e a alvorada, imensa
assim cantava um homem vendo a fumaça dispersa
da canhonada de cem chaminés da cidade.
E o pão na mesa tornou-se um mistério
a fronte pulsava ante o insólito sigilo
levantando bem alto os braços, o homem
de camisa se riu, se pôs a dançar em círculos.
O gosto do pão lembra a luz do sol
na boca — o pão pode lampejar seus raios
seguindo para o trabalho, o homem sentiu amor
e falou dele às pedras das ruas.
Amo a matéria, que é só um espelho a rodopiar.
Amo o fluxo do meu sangue, causa única do mundo.
Creio na destrutibilidade de tudo que há.
Nas mãos, para que não me perca, o mapa violáceo das veias.