Tumgik
diozepam · 4 years
Text
O FIM TAMBÉM É PARTE
Eu era criança ou pré-adolescente quando vivi um dos episódios que me marcaria para meu breve sempre. Certa noite, uma mulher velha vivia suas últimas horas numa cama em sua casa. Ao lado da cama, uma xícara com água - talvez chá - e uma colherzinha com a qual seus familiares molhavam sua boca com a água - ou o chá - da xícara, de tempo em tempo. Minha lembrança não é exata sobre o cômodo em que estava a cama, mas não era um quarto, era um espaço, digamos, mais aberto e acessível aos poucos visitantes, que olhavam para a mulher com tristeza e falavam aos familiares palavras de conforto e lamento.
Passei algum tempo perto daquela cama e meus olhos infantis passeavam sobre a mulher, sobre a xícara, sobre seus familiares e sobre os demais objetos e pessoas que compunham aquele cenário, ao mesmo tempo que outros olhos, que eu não sabia que tinha, se voltavam para dentro de mim e observavam com confusão um movimento estranho de águas que antes não estava ali. Ambos os ângulos eram irresistíveis.
Eu, que nunca fui vaporoso, saí de lá com uma tonelada a mais. Me sentei numa calçada ali perto e chorei calado, um choro que me destruiria uma parte e dali pra frente, pensava, eu teria que descobrir como montar os fragmentos que se multiplicavam a cada gole salgado. Não tinha me sentido tão miúdo antes. Me vi desprovido de minha infância, aquela que já outras vezes havia sido contundida.
Hoje entendo que viver é quebrar-se, mas não é sempre que aceito isso sem alguma resistência e nos dias que seguiram aquele episódio, vivi um estado de inconformação. Era pra isso que a gente nascia? Essa indagação me fez tremer um sem número de vezes.
Quando eu olhava para um bebê distraído, gozando da segurança dos braços de alguém que viveu mais, ou pisava com intenção numa barata suculenta, me lembrava da velha, da morte, o que provocava agitação nas águas de dentro e, sem que eu pudesse me proteger, me quebrava de novo.
Não sei como é se enlutar por alguém muito próximo, pois nunca passei por isso, mas quando penso nessa possibilidade meu peito se aperta um pouquinho.
Perto dos trinta e com mais fios brancos do que a média das pessoas da minha idade, olho para a morte com naturalidade e até com algum respeito, mas estou certo de que isso não vai anular a tristeza de perder alguém muito querido. Também não anula meu medo de morrer, que é agora um medo mais sóbrio. De repente a certeza da morte é um consolo quanto se percebe que para esse mundo não tem mais jeito.
Por um tempo acreditei em vida eterna após a morte e isso me trazia certo conforto, ao qual me apeguei fervorosamente, só que em algum lugar dentro de mim, a dúvida estava lá e seu disfarce vez ou outra falhava. Busco não julgar quem acredita que vai viver depois que estiver morto, já experimentei dessa crença e sei que é algo consolador, mas é um sapato que não me cabe mais. É libertador sentir a terra nos pés, ainda que o chão tenha mais acidentes do que se espera.
Se eu morrer sem ter tempo de me despedir, espero que os que me amam saibam que vivi como queria, o que, para alguém como eu, é o mais aproximado do suficiente. O que não quer dizer, obviamente, que a vida não me tenha doído. Desde que me lembro, não há um só dia no qual eu não tenha sangrado. Meu rastro é vermelho vivo.
Toda luta contra a morte termina sendo vã. Talvez porque lutar contra a morte seja lutar contra a vida. A morte é o fim da vida, portanto é parte da vida. Assim como o fim de uma estrada é parte dessa estrada.
Natal, RN. 30 de junho de 2020.
3 notes · View notes
diozepam · 4 years
Text
Antes de ler Eliane Brum, eu não sabia que precisava ler Eliane Brum. Participo de vários grupos de leitores nas redes sociais. Neles há sempre recomendações de livros, discussões e resenhas de leituras. Talvez tenha sido em algum desses grupos que me apresentaram Eliane Brum escritora. Talvez.
Já tinha visto alguma coisa de Eliane Brum repórter. Talvez um tweet dela, curtido por algum amigo, tenha aprecido no meu feed e eu tenha entrado no seu perfil, em seguida pesquisado sobre ela no Google e enfim encontrado seus livros. Talvez.
A verdade é que não lembro e, ainda que lembrasse, não sei se contaria muito bem a história do caminho que o livro A Menina Quebrada (Arquipélago Editorial) levou até chegar na minha mão e me atravessar logo em seguida, ao contrário de Eliane Brum, que ao contar histórias em seus livros, puxa a cadeira e me convida a sentar e ouví-la. Pelo menos para mim foi assim ler Eliane, como se ela tivesse falando comigo, inquieta, olho no olho.
Enquanto lia A Menina Quebrada, pesquisei sobre Eliane Brum no YouTube e encontrei algumas entrevistas. Eu queria ver o jeito dela, a voz e saber se era arrebatadora também no falar. Eliane é inquieta e fluente no que quer dizer. Responde com uma espécie de emoção racional até as interrogações mais corriqueiras, com gestos exagerados, usando as mãos como acessórios da fala e ao se expressar quer, de alguma maneira, espalhar no ar a ideia e arrastar o ouvinte para mais perto de si. Para dentro.
A Menina Quebrada não é uma leitura rasa nem difícil e foi essa leveza pesada que me fez passar mais de uma madrugada fixado na tela do meu Kindle. Trata-se de um livro de colunas e diversos assuntos são abordados. Eliane Brum olha pros injustiçados com um olhar sensível e escreve com a intenção de dar voz aos que não são escutados. No livro, Eliane Brum também fala de si, escreve grandiosamente sobre acontecimentos não tão grandiosos assim. É daqueles livros que me fazem pedir perdão a mim mesmo por não tê-los lido antes.
Tinha planos de ler outros autores quando concluísse A Menina Quebrada, mas, quando terminei, senti necessidade de continuar lendo Brum, o que fez com que o livro Meus Desacontecimentos (Arquipélago Editorial) furasse a fila, passando à frente de mais de cem obras que talvez eu não consiga ler até o dia de minha morte. Há três coisas que odeio do fundo da minha alma: gente que fura fila, adulto mimado e cinismo. Mas furar a fila dessa vez foi uma necessidade literária que valeu muito a pena e não trouxe dano algum a terceiros. Além disso, livro não é gente.
Natal, RN. 16 de maio de 2020.
0 notes
diozepam · 4 years
Text
Fé Acima de Tudo?
  Quase um ano trabalhando nesse hospital e já tenho uma coleção vasta de aprendizado na caixinha da vida. Aprendo com situações, com pessoas. Algumas dessas pessoas me ensinam como viver melhor até mesmo – e principalmente – espontaneamente, sem intenção de facilitar meu dia a dia. Outras tem atitudes e pensamentos tão desprezíveis que eu faço questão de assistir atento para não fazer igual. E sempre vai ser assim: em algum cantinho da parede alguém olha pra minhas atitudes, as tem como absurdas e as guarda na memória para não as reproduzir. As personalidades e os gostos se formam de maneira mais dinâmica ao passo que andamos no meio desse movimento imprevisível que chamamos de convivência. Num ambiente de trabalho como um hospital, a primeira afinidade que temos com os colegas – ou pelo menos com boa parte deles – é estabelecida antes até mesmo de sermos apresentados: a escolha da profissão. É claro que esse não é um fator determinante para boas relações.
  Muitas coisas me incomodam no meu ambiente de trabalho, mas nada em incomoda mais do que conviver com profissionais da saúde que querem aplicar doutrinas e pensamentos religiosos em tudo, até mesmo nas práticas profissionais. É claro que a fé – no caso de quem tem – é algo íntimo e presente na pessoa, de modo que ela não pode pendurá-la num cabideiro quando convier. O problema se cria quando a pessoa não sabe diferenciar uma enfermaria de uma igreja ou paciente de um membro dessa igreja, mesmo quando esse paciente ou um colega de trabalho não partilha da mesma fé ou até mesmo de fé nenhuma.
  O cristianismo é a religião dominante no Brasil, disso sabemos. No entanto, estamos de olhos fechados para os abusos cometidos em nome dessa crença. Não quero falar sobre os absurdos cometidos por grandes líderes de igrejas neo pentecostais, mas dos abusos cotidianos de pessoas que se aproveitam de sua fé majoritária para atacar, às vezes de forma singela, pessoas de fé divergente ou de falta de fé, como se fosse inconcebível a pluralidade nesse campo social.
  Tínhamos internada uma paciente idosa com diversos problemas de saúde, dentre eles prolapso uterino, diabetes mellitus, doenças cardíacas e mentais, mas havia dado entrada no hospital por causa de uma fratura no fêmur decorrente de uma queda da própria altura. Apesar dos analgésicos fortes, gritava dia e noite, não sei se por dor persistente ou por causa das doenças mentais. Como era desorientada e não conseguia falar o que sentia, era difícil saber ao certo o motivo dos gritos, mas ela passou dias gritando até que foi perdendo as forças e faleceu depois de alguns meses de internação.
   Enquanto a paciente ainda estava viva, mas em sofrimento, ouvi duas colegas que se autointitulam cristãs conversando sobre a desventurada. Diziam que pra ela estar sofrendo daquele jeito só poderia ter sido alguém muito ruim quando com saúde. Esse episódio, assim como muitos outros que presencio no meu expediente, me aflorou os nervos de modo que o calor da revolta me deixou inquieto. Como podiam julgar uma mulher tão injustamente no pior momento de sua vida? Como podiam fazer deduções tão desumanas sem conhecer a trajetória daquela mulher que agora agonizava num leito? Tudo que ela menos precisava naquele momento era de suposições sobre sua vida, mas parece que as “irmãs” estavam mais preocupadas e defender a existência do que chamavam de lei da semeadura.
  Não é sempre que respondo ou me intrometo nesses diálogos e dessa vez fiquei na minha, mas a injustiça pesava como cimento no meu peito. Me vi no lugar da doente. Imagino eu, declaradamente ateu, adoecendo de modo a ficar completamente dependente, até já sei os tipos de comentários diriam ao meu respeito. Já tive bate boca com colegas que quiseram impor que eu professasse a fé cristã deles e se revoltaram ao ver que sua evangelização seria inútil pra me convencer e até consideraram falta de respeito a minha recusa de aderir à doutrina.
  Recentemente passei por um período depressivo. Me sentia tão mal que não conseguia disfarçar meu estado onde quer que eu estivesse. Na verdade, depois de tanto tempo convivendo com esses transtornos eu nem faço mais questão de disfarçar nada. Quando tenho que chorar, choro onde quer que eu esteja e cada vez menos me importo com a impressão que vou causar nas pessoas. Ao notarem meu desânimo, alguns perguntaram o que estava acontecendo. Respondi: é minha depressão. Dias depois, uma colega me procurou dizendo que tinha conversado com o pessoal do trabalho pra tentar uma forma de me ajudar, mas que logo tinham desistido, alegando que era muito difícil eu melhorar já que não acreditava em Deus. Ela ainda me aconselhou a “orar mesmo sem crer”, pois Deus me acrescentaria a fé. Respondi que não faria isso, pois não iria brigar com minha consciência toda vez que ela me lembrasse que eu estaria falando sozinho. Esse episódio despertou em mim alguns questionamentos: para essas pessoas a única coisa que atesta a existência de um indivíduo é a fé em uma divindade? Eu não esfrego meu ateísmo na cara das pessoas, tanto que a maioria das pessoas que me conhece não sabe que sou ateu. Tampouco quero que pessoas religiosas joguem em mim seus fardos.
  No momento em que escrevo esse texto, estamos no meio de uma pandemia. O mundo inteiro buscando ferramentas para combater um vírus mortal de fácil disseminação. Poucos estabelecimentos funcionando, a grande maioria das pessoas trancadas em casa, números assustadores de casos suspeitos, casos confirmados e mortes. Enquanto isso, nos grupos de conversa que participo, muitas mensagens de fake news, as pessoas tentando justificar a pandemia com versículos bíblicos, como sendo castigo de Deus e afins. Pouquíssima notícia verídica, nenhuma discussão de relevância científica. Nada demais se esses grupos não fossem compostos somente por profissionais e estudantes da saúde.   Fraca, a esperança tremeluzeia.
 Natal, RN. 23 de março de 2020.
3 notes · View notes
diozepam · 4 years
Text
A Mesa Redonda
O que me falta agora? Até ontem me faltava uma mesa na cozinha de casa. Tava lá um espaço que uma mesa precisava ocupar. No trabalho deixei escapar que estava prestes a comprar uma mesa redonda, daí alguns colegas quase me fizeram desistir da ideia. "Uma mesa redonda ocupa mais espaço que uma quadrada." Iniciou-se uma teima, pois outros, a pequena minoria, defendiam que uma quadrada aproveitava melhor o espaço. Eu fazia crochê enquanto ouvia as opiniões. Tava terminando um centro de mesa redondo para a mesa que eu nem tinha ainda, já mentalizando como ficaria aquela obra de minhas mãos naquela que até então era obra dos meus desejos. Fiz uma pesquisa rasa sobre mesas e qual formato ficaria melhor na minha cozinha. Passei mais de um mês sem mesa em casa porque me mudei três vezes dentro de quinze dias e a mesa retangular que eu tinha era grande demais pra casa que eu mudei primeiro, e como minha mudança foi emergencial - não precisava ter sido, mas foi - acabei vendendo a mesa a preço de banana. Deu tudo errado nessas mudanças: alguns móveis se perderam, esgotei minha poupança, me desgastei fisicamente e o pior resultado disso foi o dano mental que isso me causou. As casas que tentei morar eram inabitáveis pra mim. A primeira era tão quente que, enquanto eu assava lá, poderia muito bem acreditar que aquilo se tratava de um plano de Deus para me preparar pra temperatura talvez um pouco mais alta do inferno. Só percebi que era quente uns dois dias depois da mudança, pois nos primeiros dias eu tava de plantão no hospital e só chegava em casa pra dormir. Além isso o tempo tava chuvoso e o sol deu as caras por volta do terceiro dia. Entreguei a casa, e fui em busca de outra que tivesse por onde o vento entrar. Encontrei e me mudei no dia seguinte. A casa era tão ventilada que quase era preciso se segurar pra não ser arrastado pelo vento. Exagerei (risos), mas que era ventilada demais, isso era. Ao terminar a mudança, ia deitar pra descansar um pouco quando percebi que eu não conseguiria dormir ali. Quando fui ver a casa, fiquei tão encantado pelo vento que não notei o barulho do trânsito era terrível por ser localizada numa das maiores e mais movimentadas avenidas de Natal. Quando passavam ônibus ou caminhões, eu tinha a impressão de perceber que as janelas vibravam. Teve coisa que eu nem arrumei. O amigo que me ajudou na mudança tentou me consolar quando eu desabei no choro. Eu precisava descansar. Precisava de um lugar silencioso ou o mínimo ruidoso possível pra poder dormir, pois tem dias que chego esgotado depois de plantões de 12, 24, 36 horas e ainda assim são raras as vezes que consigo dormir. Nos dias que se seguiram, dormi na casa de outro amigo que morava a uns cem metros de lá. Fui muito bem acolhido e bem cuidado nesse tempo. Me sentia mal só de pensar em entrar na casa que eu tinha alugado. Vez ou outra precisar buscar alguma coisa lá, roupas principalmente, e o aperto no peito era horrível. Passei noites aos prantos, enquanto meu amigo me consolava e me dava forças como ninguém. Outros amigos e amigas me ligavam, mandavam mensagens, um deles me levou almoço vegano no trabalho. Me sentir amado assim melhorou muito meu quadro, mas eu ainda estava insatisfeito e me perturbava pagar aluguel de uma casa só pra guardar minhas coisas. Uma amiga me aconselhou a voltar pra casa que eu tava antes de ter essa ideia de me mudar. E foi o que fiz. Ainda bem que ainda não havia sido ocupada. Antes que eu me esqueça, o motivo de eu ter ido em busca de outro lugar pra morar foi o fato de minha irmã que morava comigo ter voltado pro interior e a casa ter ficado com um quarto vazio, daí pensei que me mudar pra uma casa menor de apenas um quarto me faria economizar uns trocados todo mês. Depois que voltei pra cá, voltei a me sentir em casa, mas de alguma forma fui danificado por essas mudanças. Agora mesmo tô deitado, com uma crise de ansiedade sufocante, tendo que escrever pra ver se alivia. Precisei interromper a escrita pra ligar pro meu amigo aos prantos. Ainda tô tremendo um pouco, mas vou descrever a mesa pra terminar esse texto logo. Ela é pequena, redonda e tem quatro cadeiras. O tampo é de granito e o modelo da base eu nunca tinha visto, os pés se comportam numa espécie de espiral.
Natal, RN. 15 de março de 2020.
0 notes
diozepam · 4 years
Text
Essa semana conversei com minha irmã sobre ela ter que voltar pro interior agora, no início do ano. Eu tava com muito receio sobre como ela se sentiria, mas até que foi tranquilo. O ano letivo na escola de lá começa dia 17 de fevereiro, mas acredito que ela se mude pra lá até o final desse mês. Abrir o jogo pra ela me trouxe um misto de tristeza e alívio. Alívio porque não vou me preocupar em deixá-la sozinha em casa enquanto estiver nos plantões ou no estágio. Tristeza porque ela vai voltar prum ambiente muito turbulento.
Esses dias nossa mãe planejou se matar. Pior é que ela conta essas coisas pra minha irmã. Minha mãe nunca foi de poupar os filhos. Eu deveria ter uns 5 anos de idade quando ela realizou um aborto na minha frente. Ela tem uma parcela grande de culpa se hoje em dia tenho transtornos.
Quando minha irmã voltar pra lá, eu tenho que treinar minha cabeça pra não me preocupar tanto com os acontecimentos de lá. Nem deus sabe o quanto sofro quando acontece alguma coisa ruim por lá - e acontece o tempo todo.
Acredito que eu não tenha problema em morar sozinho, mas isso só eu verei mais pra frente. Parece que a solidão é minha sina.
Natal, RN. 15 de janeiro de 2020.
0 notes
diozepam · 5 years
Text
Tô com problemas sérios de concentração. Deito para ler um livro e quando vou ver tô perdido no texto, como se tivesse me afogando num mar de palavras soltas. E não é sempre que meus esforços para compreender funcionam. Desisto e afundo. Muita leitura atrasada, poucos momentos de folga para ler e quase nada de concentração. E olha que nem tô lendo coisa difícil. Toda essa complicação que tenho para assimilar um texto se apresenta de forma ainda pior quando tento escrever. Me sinto triste de saudades do tempo que minha escrita fluia melhor e conseguia escrever até em ônibus cheio na volta pra casa de um plantão noturno. Vou exercitar, escrever mesmo que o texto não fique bom, mesmo que o resultado seja desconexo e confuso como tá minha cabeça.
Hoje fiquei com um rapaz das artes. Ele tava aqui no bairro produzindo um trabalho audiovisual e acabou indo parar na minha cama. A tarde com ele foi prazerosa e tranquila. Após o sexo, conversamos até dormir, e dormimos um tempo razoável. Outro dia, espero, vou escrever sobre conversa pós sexo e o quanto gosto disso. Conversamos sobre artes, discordamos sobre astrologia. Inesperadamente ele me fazia perguntas simples e profundas, algumas me deixaram intrigado. A despeito de ser a primeira vez que a gente se vê, fiquei à vontade na interação intelectual com ele. Me sinto em casa quando me conecto com pessoas sensíveis à vida.
Natal, RN. 15 de outubro de 2019
0 notes
diozepam · 5 years
Text
Um dos meus clichês é dizer que estou diante de escolhas difíceis e importantes. Dessa vez é sobre manter ou não minha irmã de 14 anos morando comigo. Pedi conselhos a Diego, meu ex namorado, sobre esse assunto, pois, quando estou prestes a dar um passo assim, ouvir uma outra voz me ajuda, me dá uma direção. Faz uns dias que isso me incomoda e, apesar de eu saber que a melhor coisa a se fazer agora é mandá-la de volta pra casa da mãe, eu fico me culpando, preocupado em como ela vai se sentir.
Apesar de ser servidor público, meu salário é baixo e mal da pra sobreviver aqui em Natal. Por isso vivi pegando plantões extra e trabalho mais que o dobro do que deveria. Além de estar me adoecendo fisicamente, isso também prejudica outros campos da minha vida, como, por exemplo, os estudos e minha vida social. Não me sobra tempo pra sair, visitar amigos, conhecer novos lugares. Me sacrifico dessa maneira pra não deixar faltar mantimentos pra mim e pra ela e também o aluguel é de valor salgado.
Minha irmã veio morar comigo por causa de uma briga que teve com a mãe (também minha mãe), em dezembro do ano passado. Foi expulsa de casa. Me revoltei com a situação e acabei trazendo ela pra morar comigo. Na época, Diego ainda morava comigo e me apoiou. Mas ainda existiam outras questões que me tiravam o sono. Ou que pelo menos me tiraram o sono nos primeiros dias. A situação financeira era uma delas, visto que o que Diego e eu ganhávamos só dava para nos manter. O pior de tudo é o aluguel. Ganhar pouco e não ter casa própria é um fardo penoso.
Diego e eu nos separamos e, nada mais óbvio, minha irmã ficou comigo. Pra encurtar, acho que ela deve voltar a morar no interior. Não tenho condições financeiras, nem tempo pra ela. É triste, mas é verdade. Passo grande parte do meu tempo no hospital, trabalhando, enquanto ela fica sozinha em casa, no telefone. Não tem amigos aqui, só os da escola. Se ela for embora, vou trabalhar menos e ter mais tempo pra me dedicar a faculdade e a vida social. Devo parar de me julgar egoísta por pensar em meu bem estar. Minha irmã vai ficar bem também e eu também preciso ficar. Tô me resumindo a olheiras e insônia.
Natal, RN. 13 de outubro de 2019.
0 notes
diozepam · 5 years
Text
Queria dizer que sei o que estou fazendo, mas não sei. Ultimamente precisei tomar tantas decisões grandes. Tem sido assim minha vida: jogo as coisas pro alto e quando vejo tô perdido de novo. Enquanto nado nesse mar de dilemas, entra um vento frio na janela desse hospital. É madrugada e eu estou satisfeito porque consegui dormir a tarde. Tenho conseguido dormir melhor na nova casa. Joguei tanta coisa fora.
Natal, RN. 7 de outubro de 2019.
0 notes
diozepam · 5 years
Text
Há pouco mais de um mês entrei no coral do hospital em que trabalho. O grupo é formado por funcionários ativos, funcionários aposentados e voluntários, em grande maioria mulheres. A primeira vez que falaram do coral foi no Núcleo de Educação Permanente hospital, antes mesmo de eu iniciar minhas atividades profissionais, no acolhimento. Quem me conhece sabe que tenho um lado puxado pra música, tanto pra ouvir quanto pra fazer e, quando me foi falado que eu poderia fazer parte do coral, enchi os olhos de vontade. Na primeira oportunidade fiz o teste em um dos encontros, fui acolhido pelo regente e pelos componentes. De cara, me pareceram legais e divertidos. O ensaio que assisti foi bastante descontraído. Fiquei maravilhado com aquela divisão de vozes e acabei gravando, disfarçadamente uma das músicas, de tão bonita que era naquelas vozes. Nas semanas seguintes, perdi alguns ensaios por motivos de força maior, me justifiquei com o regente e tô fazendo o possível pra não voltar a faltar. Apesar de não ser muito a minha cara - falo do estilo, não sou muito chegado a músicas de ar cerimonioso -, tá sendo uma experiência bacana. Minha primeira apresentação com eles foi no último dia 10. Cantamos nos corredores do pronto socorro do hospital e fiquei emocionadíssimo ao ver os ouvinte de prestigiando de olhos cheios o nosso canto. Confesso que segurei as lágrimas na primeira música. Semanas atrás pensei em sair do coral por causa da correria que tá a minha vida. Tem horas que penso que não vou dar conta de tudo. Ando com a sensação de estar prestes a me esgotar. Mas vou continuar, enquanto houver em mim alguma força, não desistirei,a  não ser que me cause mal. Isso tá servindo pra muita coisa na minha vida ultimamente.
Natal, RN. 14 de setembro de 2019.
0 notes
diozepam · 5 years
Text
"Ano passado eu morri, mas esse ano eu não morro."
Como diz os trechos que antecedem a citação, tenho sangrado. Só que agora me sinto mais maduro e forte. Não escondo de ninguém que o motivo principal do mal estar que senti em 2018 foram as eleições, principalmente a presidencial. Sofri por prever o resultado. De todo modo, depois que o facínora venceu, senti que minhas forças começavam a voltar. Não sofri tanto quanto esperava que sofresse nos dias que seguiriam, apesar do desgosto diário que sinto ao ler os noticiários. Se passaram 8 meses desde a posse do novo presidente e, desde que me lembro, nunca vi o Brasil sangrar dessa forma. Tanto descaso, tanto sucateamento, a destruição dos serviços públicos, principalmente da educação.
2019 Pitty lançou o Álbum "Matriz", que tem como uma de suas principais mensagens o retornar às raízes. Não é de hoje que sou muito influenciado pela rockeira baiana, suas ideais me inspiram de uma forma muito íntima. Não sei se por coincidência, mas tô, de certa forma, esse ano retornando às minhas raízes, resgatando dentro de mim pedaços de minha personalidade que sufoquei pra me domesticar de alguma forma.
Me separei do namorado depois de 4 anos de relacionamento. O término não está sendo traumático, pois fui claro com ele, disse o que sempre pensei sobre mim: não nasci pra namorar, muito menos morar junto. A conversa foi extensa, mas bastante resolutiva. Ele me compreendeu e, apesar da frustração de ter que desfazer vários planos, aceitou o término sem muitos questionamentos, respeitou minha decisão. Algo me diz que seremos amigos por bastante tempo. Estamos providenciando a mudança dele. Vai dividir casa com uma amiga nossa até conseguir algo melhor. Tô dando todo apoio que ele precisa e recebendo esse apoio também.
2019 tá sendo turbulento, mas tô aprendendo pra caramba. Coisas que me abalariam, sequer tremem meu chão.
Natal, RN.
04 de setembro de 2019.
0 notes
diozepam · 5 years
Text
Esses dias rolou uma polêmica sobre um livro homofóbico que a Comunidade Cristã Videira supostamente teria publicado. Muita gente criticou a instituição religiosa, muita gente se ofendeu. Apareceu gente pra defender e pra mostrar que o livro havia sido publicado por outra editora. Isso abriu espaço para discussões no meio gay. De um lado, gays que se autodeclaram cristãos dando testemunhos de que se sentiram/sentem acolhidos na Videira e noutras igrejas - tinha até católico. Do outro, gays que, assim como eu, enxergam contradição em ser gay e cristão. Ao ler os relatos dos primeiros, confesso que senti alguma tristeza. É desanimador saber que exista gays que sofrem tanta homofobia dentro de suas próprias casas, a ponto de encontrar alguma refúgio numa igreja. Aos nossos olhos esse acolhimento pode até parecer nobre, mas toda e qualquer religião que se baseia na Bíblia é homofóbica. Quando tuitei essa última frase, apareceu um gay católico querendo lacrar às minhas custas. Não respondi e ele ficou todo pistola. É foda que mesmos gays assumidos e aparentemente esclarecidos não percebam que o cristianismo é a raiz mãe que nutre a homofobia no Brasil. Por influência do cristianismo, morrem gays todos os dias e era pro nosso olho estar mais aberto com relação a isso. Sem a influência dessa doutrina excludente o atual presidente não teria sido eleito e os cristãos mais assíduos declararam até hoje seu apoio ao homofóbico mor. Um jovem gay se opôs a mim e me acusou de ser hipócrita, usou como argumento o fato de eu já ter sido cristão. Mas, pera aí! Quem aqui não foi cristão? Quem aqui não foi doutrinado desde os índios? Pouquíssimos. Já me declarei cristão sim, mas isso não invalida meu posicionamento na discussão. A desconstrução consiste justamente e rever e reciclar nossos comportamentos e atitudes que de alguma forma oprimem alguém. Por falar em opressão, ao chamar cristãos gays de contraditórios, minha intenção não foi oprimi-los - isso não é um pedido de desculpas, é apenas um esclarecimento, visto que, para mim eles são realmente contraditórios -, mas tentar abrir os olhos deles sobre essa doutrina sanguinária, excludente e historicamente opressora. Esse diálogo é difícil, sobretudo porque, nesse caso, os oprimidos insistem em defender seus algozes. Tinha ainda muita coisa pra escrever sobre isso, mas estou sob forte pressão do sono. O dia não foi fácil.
Natal, RN.
16 de junho de 2019.
0 notes
diozepam · 5 years
Text
Meu cunhado vai ser pai e, ao saber disso, senti certo desconforto. É isso que sinto toda vez que escuto comentarem sobre maternidade, filhos. gravidez. Acho estranho que as pessoas falem sobre isso de forma tão natural, como se fosse algo simples. No hospital onde trabalho, sou um dos funcionários com menor idade e fico viajando enquanto as colegas mais velhas falam de suas experiências maternais. Apesar de ser profissional e estudante da saúde, a gestação é para mim um assunto indigesto. A ideia de um organismo complexo parasitando o corpo de uma mulher por nove meses, os desequilíbrios hormonais decorrentes, as alterações corporais... Como podem achar isso uma coisa fofa? Penso na possibilidade de eu ter nascido mulher, penso que engravidar seria para mim um castigo e isso não tem muito a ver com minha criação. Minha família é enorme. Meus avós maternos têm mais de vinte netos e nenhum adotado, eles gostam de parir. Mas não é só questão biológica que me intriga. Olhando pelo lado social, falar de filhos é falar também de obrigações, dependência, vida, expectativas... Nossa! Isso me assusta! 
0 notes
diozepam · 5 years
Text
Esses dias meu pai biológico falou comigo no WhatsApp, Ele printou minha foto do perfil e me enviou junto com a mensagem “É lindo meu filho” e um emoji de coração vermelho. Como não consigo fingir afeto - e ainda que conseguisse, não fingiria - apenas respondi com um emoji sorrindo, para não parecer grosso. Eu soube na hora porque ele falou: alguém falou pra ele da minha aprovação no concurso público do Estado e talvez ele quisesse expressar algum orgulho de mim. Me senti desconfortável, da mesma forma que me senti todas as vezes que o encontrei pessoalmente. De todo modo, não aceito parabenizações de um homem que me deu as costas desde que eu nasci, que não teve nenhuma participação em qualquer um dos meus projetos de vida, que nunca esteve perto. Não é a primeira vez que ele se comporta com a mesma inconveniência. Quando soube que dois de meus irmãos começaram a cursar Direito, publicou vários status com ar de pai orgulhoso, sendo que também em nada contribuiu para que meus irmãos chegassem onde chegaram. Lembro-me que certa vez um de meus irmãos precisou comprar um livro acadêmico e pediu sua ajuda, mesmo sabendo que as chances de uma resposta positiva beirava às margens de zero. E foi o que aconteceu, ele não ajudou. O bom é o resto da família entende a gente quando o respondemos com rejeição. É bom ver que os meus irmãos, a despeito da falta de apoio paterno, seguem firmes nos seus objetivos e que, assim como eu, não querem saber do pai. Eu espero, do fundo do meu coração, que ele não volte a falar comigo.
0 notes
diozepam · 5 years
Text
Ultimamente tenho me sentido tão cansado... Algo parecido com preguiça, mas sei que não é preguiça. Pode ser anemia. Tinha dormido bem nas duas noites anteriores, mas a última noite foi como tem sido a maioria delas: escura demais para que eu encontrasse o sono. Até dormi, mas foi coisa ligeira. Acordei inquieto e já ia levantar da cama para os afazeres, quando me dei conta de que não estava claro o suficiente e o relógio me mostrou quatro horas e pouquinho. Permaneci lá, inerte e sem conseguir retornar ao sono. O sono tem dificuldade de aderir a minha pele. Suspeito que seja por isso que meus cabelos estejam enfraquecendo, antes os fios eram grossos, fortes e rebeldes. Agora obedecem porque não têm mais controle sobre si mesmos. Estão mortos e caindo. Tambem voltei a me alimentar bem esses dias. E essa depressão me puxando pra baixo discretamente. Às vezes ela finge ir embora, mas eu sei que ela é um chiclete grudado no meu cabelo. Vai ver é por isso que meus cabelos caem, porque vivo querendo me livrar da depressão, puxando o chiclete. Daí meus cabelos vão junto. Não é preguiça. É depressão. Vou deitar um pouco e descansar o corpo, pra ver se assim a mente também se rende ao cansaço. Vai demorar até eu me acostumar...
0 notes
diozepam · 5 years
Text
Esses dias minha mãe falou comigo. Disse que não sabia mais o que fazer com a minha irmã. Lendo o início da mensagem, eu até pensei que se tratar do comportamento rebelde da menina, mas fiquei surpreso quando vi que se tratava de uma suspeita: minha mãe acha que sua única fêmea é sapatão. Mamãe nunca foi um bom exemplo aos olhos da cidadezinha, por coisas que acho que não convém falar, e agora não sei de onde tirou esse comportamento moralista. Acho que é porque tá namorando um cara, morando junto, sei lá... Não seria a primeira vez que ela, ao encontrar um homem, esquece trata os filhos com desdém. Pouco me importo se minha irmã é sapatão! Minha mãe me ofendeu com esse papo de que ser homossexual é coisa errada. Sou gay assumido e acredito que não sou motivo de desgosto pra ela. E se eu for, pouco me importo também... O foda foi que ela pediu pra eu tirar minha irmã de casa, levá-la comigo, como se eu tivesse condições e tempo de manter uma garotinha de 13 anos. Se eu tivesse, certamente ela já estaria comigo e está nos meus planos trazer ela pra morar comigo quando tiver idade de se virar. Na verdade, minha vida tá bem confusa ultimamente e não sei se seria saudável pra ela conviver comigo nessas condições. Os pensamentos suicidas ainda me visitam quando menos espero e não queria que ela soubesse disso nem presenciasse alguma das minhas crises. De toda forma, o melhor lugar pra ela é ao meu lado, mas ainda é cedo demais. Preciso ficar bem para poder acolhê-la como ela merece. É uma das poucas coisas que faz eu desejar que o tempo corra ligeiro.
0 notes
diozepam · 5 years
Text
Antes não era assim. Antes eu guardava meus próprios segredos e não vivia dando explicação pras pessoas. Um dos meus maiores segredos era minha condição sexual e, apesar de ser algo gigante, escondi de grandes amigos, de amigos íntimos, sabia lidar de alguma forma. Meus conflitos eram problemas meus. Agora parece que fiquei transparente demais e tô começando a achar que isso é um problema. Só agora comecei a sentir saudade da amizade que tinha comigo mesmo, dos abraços consoladores que eu dava em mim. Preciso reatar... Vou tentar não me expor tanto e me preservar. Meus amigos não precisam saber tudo sobre mim. Ninguém precisa.
1 note · View note
diozepam · 5 years
Text
Saber que só se vive uma vez pode ser perturbador a ponto da querermos nos livrar de tudo que tenta paralisar a nossa vida e nos controlar. A vida por si só já se movimenta, é isso que as pessoas deveriam buscar compreender. Cada um é um rio que corre no seu próprio tempo. Eu, particularmente, tento de todos os jeitos não privar ninguém de viver, ainda que isso me cause incômodo. Ora, se a liberdade do outro me incomoda, sou eu quem precisa de conserto. Mas me parece que as pessoas evitam essa reflexão e assim jogam mais um colher de cimento no muro que está destruindo o mundo: o da intolerância. Me assusta ver pessoas com o tanto de informação necessário para, pelo menos, se enxergarem como intolerantes, mas não o fazem. Paralisam por escolha. Quando a pessoa se petrifica de intolerância, também é tomada pelo desejo de congelar as outras pessoas. Isso é perigoso e desonesto. Estou sendo vítima de intolerância por parte de alguém que amo, alguém que também diz me amar. Isso me deixa confuso e me faz brigar comigo mesmo. Como pode alguém que me ama se incomodar repetidas vezes com as coisas que me fazem bem? Como pode alguém que é visto como escória da sociedade não aprender nada com sua luta diária. O amor está perdendo a guerra, pois os oprimidos se tornam opressores quando lhes convém. O egoísmo parece mesmo ser um ingrediente fundamental nos relacionamentos, pelo menos na gigantesca maioria dos que eu conheço. Vou parar de escrever, pois meus pensamentos estão muito desconexos e esse texto está ficando confuso até mesmo para mim. Meu coração está como se alguém tivesse aberto uma fenda na sua carne, doendo como se algum sádico o tivesse riscado seguidas vezes com a ponta de uma faca. Eu não sei se o caminho certo é esperar com paciência as pessoas evoluírem ou simplesmente me afastar delas. Só sei que me dói amar e não ter retorno. Estou bêbado e fraco e minhas pernas doem tanto quanto as minhas costas. Enquanto isso eu me recolho... Preciso de descanso, nem que isso signifique deitar minha cabeça sobre uma pedra alta e pontuda e esquecer que preciso de respeito. Num mundo que corta minhas asas a cada amanhecer, respeito é um sonho distante.
0 notes