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diversoshorizontes · 9 months
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Wilma
A pequena Wilma era uma criança feliz, com grandes e pequenos planos: acordar, estudar, voltar, almoçar, fazer o dever de casa e aproveitar o resto do dia para brincadeiras com seus cinco irmãos e os colegas da rua. Vivia o ápice da liberdade que, talvez, nunca mais viveria. Aproveitava, assim, sem saber que estava em contagem regressiva para iniciar a vida já planejada por seu pai.
Sua mãe, sem que Wilma entendesse o motivo, foi embora, deixando casa, marido e filhos para trás. Para ela, ficou apenas a sensação de abandono e a falta de referência feminina, pois a casa agora, exceto por ela mesma, tinha apenas homens.
Influenciado por associações irreais, seu pai acreditava que a ambição da esposa e suas ideias de trabalhar fora teriam sido a motivação para abandonar o lar. Então, ele criaria a filha para se tornar uma mãe de família perfeita. Ela não continuaria os estudos, se dedicaria unicamente a aprender as tarefas do lar.
Assim, ao terminar a 4ª série do Ensino Fundamental, Wilma recebeu a notícia: no próximo ano, não voltaria a estudar. O presente de celebração era uma máquina de costura, cujo slogan “Costurar é um ato de amor!” havia convencido o pai de que aquele era um ofício importante para uma moça casamenteira.
O tiro saiu pela culatra. Durante as férias, Wilma se lançou na construção de sua campanha publicitária para convencer as tias sobre a importância de continuar a estudar. Convencendo-as, o pai não teria como dizer não. Recortes de jornais, cartolina, cola e lápis coloridos resultaram em cartazes com o slogan “Estudar é um ato de amor!”, espalhados estrategicamente pela casa. Fora da presença do pai, Wilma se colocava a listar para as tias todos os benefícios dos estudos: ajudar com a gestão e as finanças de casa, educar melhor os futuros filhos. 
Os dois meses de campanha surtiram efeito, com uma condição: além de estudar, ela teria que aprender todas as tarefas do lar e se tornar uma futura esposa perfeita. Assim, com apenas dez anos, a pequena teceu o seu próprio caminho. Se casou, sim, mas não abandonou os estudos. Fez graduação em Comunicação, se tornou professora, doutora e, hoje, segue escrevendo sua própria história.
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O Diversos Horizontes é projeto realizado com recursos da Lei Municipal de Incentivo à Cultura da Prefeitura de Belo Horizonte (Modalidade Fundo).
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diversoshorizontes · 9 months
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Sinóca 
Dizem que os nomes refletem o destino dos bebês. Maria das Dores nasceu numa choça, filha de indígenas.  Seu pai, criado por uma família branca, era jogador compulsivo. Sua mãe, criada em uma tribo, desconfiava de tudo de fora. Um ano depois de seus pais se casarem, Sinóca veio ao mundo em um parto difícil, nasceu arroxeada e sem chorar. O pai rezou para Nossa Senhora das Dores, prometendo uma prata de 400 mil réis e o nome da criança em sua homenagem. E com uma estranha e dolorida boas-vindas, a bebê chorou no exato momento em que o sino da igreja tocou. Conquistou o nome Maria das Dores e o apelido de Sinóca. 
Proibida pelo pai de se apresentar como indígena, ela conquistou reconhecimento como uma criança branca, pobre, mas esforçada. Desde a infância se mostrou inteligente, com talento para música e bordado. Na mocidade, foi amiga de pessoas que seriam importantes, como Juscelino, futuro presidente, e o seminarista Serafim, futuro arcebispo.
Anos depois de estudar em um colégio de freiras em Diamantina, já casada e com filhos pequenos, era reconhecida por toda a comunidade por seu trabalho no coral da igreja. Cantava e levava a igreja viva para diferentes regiões. Causou a ira e o ciúme no padre local quando, junto a um seminarista, passou a ser reconhecida pelo trabalho de evangelização por meio da música. Expulsa da Igreja e diante de todas as dificuldades, ela dizia: “que seja tudo pelo amor de Deus".
Se reergueu em outra paróquia e cantou com seu coral no Rito de Bênção da Pedra Fundamental da construção do Lar dos Meninos, onde foi responsável por levar a linguagem da música a centenas de jovens. Décadas mais tarde, já aposentada, guardando na memória todos os feitos de sua vida, ela recebeu um convite para ir à festa de comemoração do aniversário da entidade. Sua grande surpresa foi descobrir, já no evento, que era na verdade uma homenagem a ela. “Quem diria que minha sina na igreja e no canto estava mesmo traçada desde o meu nascimento”, pensou emocionada.
Hoje, com seus 100 anos, Sinóca se lembra perfeitamente de cada passo que deu. “Foi tudo pelo amor de Deus. Há milagre e beleza em cada detalhe”.
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diversoshorizontes · 9 months
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Nina
Os ataques dos colegas contra Rafael eram comuns: “bichinha, “veadinho”. Ele sabia que era diferente. Desde pequeno, se apresentava como Dafne, personagem do filme Scooby Doo, delicada, linda, feminina, mas que não fugia de uma briga. “Mas por que isso incomodava tanto aos outros?”
Depois da segunda vez que os ataques resultaram em briga, sob orientação dos adultos, Ele decidiu tentar 'ser mais homem, menos delicado, falar mais grosso'. Não adiantou, ele seguia com uma feminilidade natural, e os ataques continuaram.
Enquanto esperava os pais sentado na sala da diretora, os pensamentos ruminavam em sua cabeça. "Isso não é justo, eu estava quieto. Não fui eu quem começou, por que eu que vou pagar com suspensão?"
De toda aquela situação, Rafael percebeu uma coisa: ficar calado, como os adultos orientavam, não era uma opção. Após inúmeras provocações, pulou no pescoço de Pedro Amaral. Que viesse a suspensão, estava de alma lavada.
Quando os pais chegaram, a versão que Rafael contava não era aceita. Ninguém vira Pedro fazendo nada, só Rafael gritando e avançando. Suspensão de três dias.
A primeira decisão que tomou foi a de que NUNCA MAIS tentaria se adequar ao desejo dos outros. Seria do jeito que era, sem tentar engrossar a voz, sem tentar se interessar pelas coisas que homens deveriam se interessar. Segunda decisão: agora seria Nina, nome que na cultura indígena Quíchua significa “fogo“ e, na linguagem espanhola, nada mais é que menina. Terceira decisão: queria ter o corpo ainda mais feminino, pois era assim que se sentia.
Os pais eram pessoas inteligentes e esclarecidas, não se opuseram aos pedidos do filho, que agora seria filha. “Antônio, ela já está sofrendo, tentar oprimir sua essência não está melhorando nada. Precisamos apoiar como for possível. Agora é ela, não ele. É Nina, não, Rafael."
Assim, Nina passou a ter o acompanhamento de uma equipe médica multidisciplinar. Finalmente tinha sido permitido a ela se abrir para o mundo, sem ter medo de ser quem era. Cada dia mais feminina e vaidosa, ela se sentia feliz em ver refletida no espelho quem realmente era. Aos poucos, os alunos foram perdendo a graça e quando o Ensino Médio acabou, Nina tinha virado aquela página de dúvidas.
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diversoshorizontes · 9 months
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Marcos
Lá no alto, de onde se avistava todo o horizonte, a terra chorava formando um filete de lágrimas, margeado por cílios floridos. A cena bucólica era praticamente um convite a uma vida tranquila, cheia de esperança... E, assim, aqueles olhos d'água atraiam novas famílias a cada dia, entre elas, os pais do nosso personagem, que, muitos anos depois, se tornaria um cantor andante, um contador de histórias.
 Um dia, Marcos dedilhava no violão alguns versos novos quando foi surpreendido com a visão de um ser mágico. A protetora das matas e dos rios se projetava ali quase flutuando em uma visão esplendorosa. Sem cerimônia e com pressa, ela foi logo se anunciando: “é verdade que você tem um dom que encanta e traz harmonia para o mundo. Não tenho tempo de me apresentar, mas peço que siga exatamente a vida que eu te inspiro. Caso contrário sentirá o vazio de uma vida sem propósito. Leve a todos os cantos do mundo os encantos que você viu aqui, e que logo deixarão de existir. Transforme-os em notas de amor, empatia e compaixão, cante e encante”.
 Paralisado por aquela visão mágica, Marcos mal conseguiu balbuciar um "quem é você?" quando a protetora se desfez no ar, feito uma nuvem de poeira. Perplexo, ele foi para casa e seguiu sua vida. Ao contrário do que profetizou a protetora, buscou diplomas e trabalhos comuns: pedreiro, universitário, estagiário, professor... Mas nada o completava...
Muitos anos se passaram quando uma foto antiga, de onde crescera, trouxe de volta à sua mente a lembrança dos Olhos D'água e da missão recebida. Agora, tudo fazia sentido... O lugar, antes bucólico, havia sido tomado por asfalto, as pessoas cheias de esperança trabalham duramente e se fechavam em suas casas. Os Olhos D'água agora choravam escondidos, por baixo de pesadas tampas de bueiros. E o vazio que ele sentia...Ah, o vazio... Era quase palpável, de tão real ...
Naquele momento, Marcos sabia que precisava deixar tudo para trás e seguir andando, contando e cantando histórias. Desde então, por onde ele passa, ouvem-se canções que transportam os ouvintes, mesmo que por pouco tempo, para aquele antigo Olhos d’água, onde a beleza ainda mora.
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diversoshorizontes · 9 months
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Luan
Para Luan, o alistamento militar era motivo de euforia. Criado como menina, ele sempre soube que não se encaixava nos padrões culturais de feminilidade. Ser reconhecido como Luan foi um grande momento. Passar pelo alistamento seria outra conquista. Em seu íntimo, era como se, ao passar por esse processo obrigatório para homens, ele finalmente se libertasse das obrigações sociais reservadas às mulheres.
Esperar pelo dia agendado foi angustiante. “Será que vão me tratar normal ou terão algum preconceito? Será que tem outros jovens trans? Será que vão me dispensar automaticamente por eu ser trans?”.
Quando o dia finalmente chegou, Luan saiu de casa bem mais cedo e foi o primeiro a chegar. “Putz, o primeiro a chegar, não posso ser o primeiro da fila.” Sentou-se no meio-fio para esperar e percebeu que todos eram iguais, apenas jovens rapazes passando pelo alistamento: alguns felizes e outros com medo. Ele mesmo sentia um misto de sentimentos, estava animado, receoso e ansioso ao mesmo tempo.
Ao chegar sua vez de se apresentar, ele entregou todos os seus documentos e foi para a sala onde faria os exames médicos e físicos. Será que seu jovem corpo, ainda não totalmente modificado pelos hormônios masculinos, seria considerado apto à função?
Para surpresa de Luan e de muitos, a resposta foi sim, ele estava apto. No entanto, não se tratava apenas das características físicas de seu corpo. A aceitação também se devia à mudança na liderança da Junta Militar, com a chegada de um tenente progressista, que compreendia que o dever cívico de defender a soberania do país era um direito de escolha de todos os brasileiros e brasileiras.
Ao sair do local do alistamento, Luan sentia-se aliviado e feliz por ter concluído essa etapa tão importante em sua vida. Naquele momento, ele não conseguia prever todas as consequências daquela aceitação.
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diversoshorizontes · 9 months
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Lorrayne
Lorrayne saiu da entrevista de estágio cabisbaixa e com um aperto no peito. “Nós vamos analisar mais alguns candidatos e entraremos em contato em breve”, disse a editora de Jornalismo. Aquela era a vigésima entrevista que ela fizera ao longo da faculdade, sabia bem o que era aquele “vamos analisar mais alguns candidatos” ... Na verdade, ela sabia o resultado da entrevista desde o momento em que a editora botou os olhos no seu currículo: “Ah, você mora no Cabana”.
Muito diferente do que mostravam os noticiários de TV, no Cabana tinha pessoas comuns – a maior parte delas, inclusive –, que levantavam cedo para trabalhar em diferentes lugares da cidade, fazer o pão que a madame comeria às 8h, dirigir o ônibus que levava milhares de trabalhadores. Lorrayne se incomodava com a condescendência das notícias, normalizando situações inaceitáveis e a falta de atenção das autoridades.
Para tornar real seu sonho de mostrar o verdadeiro Cabana Pai Tomaz, Lorrayne tinha em suas mãos as mídias digitais, que, somadas ao conhecimento teórico, lhe daria condições de seguir adiante. Ela poderia não ser um Assis Chateaubriand, mas tinha o alcance das redes sociais e o domínio da palavra. Não dependia mais dos veículos tradicionais.
Caberia a ela lembrar os moradores sobre a força que tinham e que estava nas raízes daquele local. As primeiras famílias chegaram ali por volta de 1960, vindas do interior para trabalhar no bairro Cidade Industrial. Os barracos de lona construídos à noite eram derrubados pela polícia ao amanhecer. Num 7 de setembro, quando toda a guarda foi desfilar, centenas de famílias ocuparam o local, fazendo valer o direito à moradia. Quando voltou, o contingente da polícia era insuficiente. As mulheres do grupo fizeram barricadas, evitando o massacre de suas famílias.
Lorrayne é herdeira dessa força. Cabia a ela lutar todos os dias pelos direitos de toda sua comunidade, dar voz a quem vinha sendo silenciado. 
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diversoshorizontes · 9 months
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Leonardo  
Leonardo teve a impressão de ter acabado de fechar os olhos quando o despertador tocou às 4h30 da manhã, indicando o início de mais um de dia de sua nova rotina: o primeiro universitário da família, do bairro, um dos poucos da sua cidade.
A alegria de ter passado no vestibular se misturava ao sentimento de estar num ambiente totalmente novo, imponente e que mais parecia um labirinto: o Campus UFMG. Em meio a isso, fórmulas gigantescas, às quais nunca tinha sido apresentado em toda sua vida escolar, e a sensação de que aquele não era seu lugar, devido aos constantes olhares de críticas e comentários nem tão sutis.
Lembrou-se que os dias mais difíceis tinham ficado para trás, como o dia em que uma colega disse que ele deveria mudar para um curso mais fácil, pois Estatística não era para alguém como ele. Para superar esses preconceitos, Leonardo teria que superar também uma rotina exigente. Às 5h deveria estar no ponto de ônibus para pegar a linha alimentadora que o levaria até a plataforma do Move intermunicipal. Para isso, seguia num mesmo ritmo. 4h30: levanta-se, passa uma água no rosto. 4h35: se troca e vai para a cozinha, onde encontra sua mãe preparando o café da manhã. 04h45. Passa a margarina no pão comprado na tarde do dia anterior por sua mãe e come com café preto, enquanto conta para a mãe sobre o dia anterior e ouve as novidades sobre a família e vizinhos. 5h04. Chega ao ponto de ônibus. “Ainda cheio. Ótimo, o ônibus não passou”. Às 5h15, o ônibus aparece. Esperar o próximo e ir sentado era uma possibilidade, mas os minutos valiam muito. “Melhor ir em pé mesmo”. 5h40, o ônibus chega à plataforma do Move, onde todos descem. Tantas pessoas andando em diferentes direções. Todas com pressa, imersas em seus compromissos, lembranças, vontades. Sono. Cansaço. Estresse.
06h00: chega o segundo ônibus do seu dia. Em pé novamente. 06h45: desce na Antônio Carlos, em frente à UFMG, onde se forma um rio de universitários vindos de diferentes regiões da cidade. 07h00: depois de uma caminhada de alguns minutos chega, finalmente, à sala de aula. Essa era apenas a primeira parte do seu dia.
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diversoshorizontes · 9 months
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Helena 
Lena era uma adolescente feliz, empolgada com todas as possibilidades que o mundo oferecia: as primeiras paqueras, as amizades, shows das suas bandas preferidas. Tinha também suas inseguranças, como qualquer jovem com 14 anos. Super apaixonada por tendências da moda, seu estilo era sua marca. O segredo era a visita aos brechós, onde encontrava peças personalizáveis. Um dia, numa dessas visitas, viu um anel que chamou sua atenção, com uma pedra oval furta-cor. Se lembrou de uma foto antiga de sua mãe com um anel parecido, na década de 1990. A pedra mudaria de cor conforme a emoção ou o humor da pessoa que o usava. "Esse anel vai ficar ótimo com meu look", pensou, levando a mão diretamente à caixa, que se fechou antes que ela pudesse alcançá-lo. "Não está à venda", disse a vendedora, pegando a caixa e colocando-a atrás do balcão.
Decida a ter aquela peça única, Lena esperou que a vendedora saísse para o almoço, deixando apenas uma auxiliar na loja. Com muito carisma, ela se apresentou: "Olá, tudo bem, eu sou a Lena. A Maria deixou para mim um anel reservado aí no balcão, fiquei de passar aqui para pegar e pagar." A auxiliar, sem saber de nada, entregou a peça.
Ao colocar o anel, Lena sentiu uma euforia, uma certeza sobre si mesma que nunca antes tinha sentido. Podia realmente fazer o que quisesse. Ela não sabia, mas não tinha adquirido um anel qualquer, e, sim, um anel mágico. Ele não mudava de cor conforme a emoção da pessoa. Na verdade, potencializava o seu sentimento mil vezes, não de uma forma linear, mas caótica, sem que a pessoa tivesse qualquer controle. Naquela semana, envolta por essa energia, Lena venceu a eleição do grêmio, tirou nota máxima na apresentação de seu trabalho que estava deixando-a aflita, criou a Semana de Moda no colégio, começou a namorar com Rafa, reatou sua amizade com Gabi e fez amizade com todos os novos amigos da amiga.
Passados alguns dias, contudo, tudo começou a ruir rapidamente. Parecia que um vulcão borbulhava em seu peito. Uma raiva incontrolável e caótica que precisava ser liberada de alguma forma surgiu. Brigou com praticamente todos à sua volta. Na terceira semana, toda a fúria deu lugar a uma total falta de energia. Simplesmente não conseguia sair de casa.
Deitada em sua cama, ela olhava sua própria imagem refletida no espelho, tentando entender tudo que estava acontecendo, quando um raio de luz bateu no anel e o fez brilhar. Lena lembrou-se de que não deveria tê-lo comprado e, decidida a entender o que estava ocorrendo, reuniu o máximo de vontade que podia e foi novamente ao brechó. Ao chegar, a vendedora logo a reconheceu: 
“Sua menina, eu te falei que o anel não estava à venda, não era à toa", disse Maria enquanto pegava uma garrafa com várias ervas imersas numa solução gosmenta, despejando o conteúdo num tacho de cobre. Sem pedir permissão, pegou a mão de Lena e a enfiou no tacho, conseguindo, enfim, tirar o anel.
Bastou que ele saísse de seu dedo e Lena se sentiu mais leve... Mas, sabia que aquilo a transformara. Por toda a sua vida, teria que enfrentar os altos e baixos de suas emoções, sem contar com a empatia ou a compreensão do mundo.
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diversoshorizontes · 9 months
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Greg
Inconsequente. Era assim que Greg era normalmente definido. Na verdade, pais e professores não compreendiam sua inteligência caótica. Hiperativo, jogado à sua própria sorte e já rotulado como “aquele que não ia dar certo na vida”, assumiu o posto. Aproveitava qualquer oportunidade para ganhar dinheiro fácil. Com 18 anos, após uma escalada de pequenos delitos, ele foi finalmente penalizado, condenado por assassinato. Assassinato. Esse era um fardo pesado demais. Precisaria prestar conta não apenas para a sociedade, mas para si mesmo.
Na prisão, seu carisma e interlocução renderam aceitação de todos, dos mais antigos presidiários ao guarda mais carrancudo. Apesar de não ter terminado os estudos, Greg era ávido leitor e, consequentemente, escritor. Numa época em que não existiam e-mails e o analfabetismo reinava entre a população negra e pobre, ele se tornou o escritor de cartas que levavam pedidos de perdão, compromissos e juras de amor para além dos muros.
Certa vez, recebeu um pedido inusitado de Carlão, um senhor de idade que o procurou. Ele precisava enviar uma carta para um juiz. Seu tempo de prisão aguardando o julgamento já havia excedido o tempo da pena prevista para o crime que cometera. Se conseguisse a atenção da Justiça, seria solto. Alguns meses após a carta ser enviada, Carlão chegou com duas sacolas de plástico, com seus poucos pertences, e um grande sorriso banguelo.
_ Cantou, Greg, cantou!
_ Cantou o quê, homem de Deus?
_ A minha liberdade. Graças à sua carta, estou livre, disse ele, dando um abraço sem pedir permissão.
O que Carlão não imaginava – e nem mesmo Greg – é que aquela carta fazia nascer um futuro advogado. Em uma saga que não cabe nestas linhas, Greg terminou os estudos ainda privado de liberdade, passou no vestibular e cursou Direito no semiaberto. Conquistou seu registro na OAB e, desde então, continua a escrever, não mais cartas, mas textos jurídicos. E há quem não acredite em finais felizes. Eu diria que estão certos, porque não há final nenhum, apenas mais alguém tentando, dia após dia, fazer o seu melhor, deixando para trás os rótulos impostos a ele.
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diversoshorizontes · 9 months
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Fernanda
Fernanda não sabia exatamente quanto tempo andou até chegar àquelas terras do Sudeste, onde o cinza substitui o verde, o som dos pássaros e do vento dão lugar ao barulho de motores.
Havia decidido partir não por falta de amor, mas porque precisava seguir em busca de algo mais: continuar os estudos, viver sua própria história, não aquela sina das mulheres família: casar, ter filhos, cuidar da casa. Contudo, naquele lugar cinza não parecia ter espaço para sonhos. Ao dizer que vinha das terras do Norte, recebia sempre propostas indecorosas. A liberdade e a ancestralidade do seu povo eram suficientes para alimentar as fantasias de homens acostumados a transformar tudo em produto para seu consumo.
Um dia, ela descobriu que não estava sozinha. Haviam outras como ela, que sofriam a mesma dor da distância de casa. Voltar não era uma opção. “Mas, e se tivéssemos um lugar aqui mesmo onde todas nós pudéssemos nos reunir? E se pudéssemos transformar esse lugar em um pedaço da nossa terra?”, pensou.
A preparação da primeira reunião a deixou eufórica. Faria receitas de família – Vatapá, Tacacá, maniçoba –, que nunca antes tinha feito, pois mãe, tia e avó ocupavam essa função. Os ingredientes seriam enviados pela família.
O grande dia chegou e Fernanda mal podia se aguentar de tanto entusiasmo. Quando as primeiras convidadas chegaram, ela ficou emocionada ao se ver refletida em cada uma delas, em suas histórias e lembranças de infância. A comida, preparada com tanto cuidado e carinho, foi uma ponte que conectou as mulheres às suas culturas e tradições. A música alegre levava as convidadas diretamente para suas melhores memórias.
À medida que a noite avançava, Fernanda percebeu que aquele encontro era muito mais do uma reunião, que poderia ser um oásis, em meio a tanto concreto, para todas as nortistas que precisavam de apoio e afeto. Era um lugar onde essas mulheres podiam se conectar, se apoiar e se fortalecer, um lugar onde podiam ser elas mesmas e celebrar sua cultura. Era uma ilha de esperança em meio a um mar de desafios.
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diversoshorizontes · 9 months
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Eliane
Certa vez, um rei teve uma doença rara, nem mesmo catalogada: ao olhar para qualquer espelho ou superfície reflexiva, não conseguia ver a própria imagem, mas uma mistura das pessoas que conhecia. 
Os curandeiros do reino chamaram a nova doença de ego caecitas, ou seja, cegueira do ego, uma vez que o paciente continuava a ver todo o resto, inclusive, pessoas, mas era incapaz de se identificar em seu reflexo. 
Para evitar as crises de nervos que o rei tinha ao se ver refletido, todos os espelhos e pratarias foram enterrados. Até mesmo o espelho d'água foi esvaziado.
Muitos anos se passaram. Aos poucos, as pessoas pararam de se preocupar com a própria imagem e não mais se identificavam pelas próprias características. Assim, cada um achava que era semelhante ao seu próximo. As crianças cresceram sem ter um senso de vaidade... Um dia, a princesa se apaixonou pelo filho do estribeiro-mor... Mas o rei jamais permitiria tal união, jamais teria um neto filho de gente pobre. Assim, os jovens fugiram numa noite de lua minguante, quando podiam se misturar às sombras.
A história poderia terminar aqui com um ‘felizes para sempre’, mas, sinto dizer, este não é um conto de fadas. Fato é que as amantes chegaram em um novo mundo, onde não apenas havia espelhos e pessoas vaidosas, como também todo tipo de segregação e preconceitos contra todos que eram diferentes dos nobres: negros demais, albinos demais, baixos demais, altos demais, forasteiros demais, pobres demais...
Pouco tempo depois, descobriram que, nesse reino, os cabelos loiros e os olhos azuis do jovem eram valorizados, enquanto a pele retinta da princesa, não. Lá, pessoas como eles não se casavam. 
Envaidecido por constantes elogios e pela contemplação da própria imagem, em pouco tempo o jovem se rendeu ao próprio ego. Assim, a princesa se viu abandonada e triste. Aquele também não era o seu lar. Juntou todas as riquezas que tinha e partiu para encontrar um lugar, onde as pessoas se amassem e se respeitassem inteiramente. Porém, dizem que ainda hoje ela está a procurar...
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diversoshorizontes · 9 months
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Bruna Cris
_ Vó, mas e se eu tiver medo?
_ Vai com medo mesmo, minha neta! O mundo não precisa saber!
_ E quando eu me sentir sozinha?
_ Minha filha, a sina de cada um é solitária mesmo. Ninguém nunca vai carregar sua cruz. Nascemos sozinhos e morreremos sozinhos.
_ Mas, e se eu tiver dúvidas sobre o que devo fazer?
_ Então, você aquieta a voz do mundo e ouça seu coração!
_ E se o mundo for injusto?
_ Você faz o seu melhor para tornar justo o que estiver ao seu alcance.
_ E se eu me cansar e quiser desistir?
_ Pare e descanse. Você não deve ao mundo estar sempre bem. Tudo vai passar. Os dias tristes e os bons também!
_ Mas, e quando eu sentir saudade de você? Não terei você aqui...
_ Estarei sempre olhando por você e farei morada no seu coração enquanto você se lembrar de mim! E, um dia, a gente vai se reencontrar do outro lado. Enquanto isso, estarei viva enquanto você levar adiante o amor que eu te dei...
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diversoshorizontes · 9 months
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Argulino 
As histórias de seu Argulino são cheias de reviravoltas, idas e vindas. Desde os oito anos de idade, acompanhava o pai na construção de casas e na venda de banana na vila. Da escola, seu grande sonho, pegou birra quando viu um professor, um estrangeiro chamado Esvaque – ou algo do tipo – castigar as crianças com palmatórias.
Já mais velho, depois de limpar e plantar em terra arrendada, foi expulso pelo novo proprietário. Nesse tempo, viam-se inúmeras famílias partindo com seus poucos pertences, algumas a pé, outras com mulas ou cavalos magros.
No Norte de Minas, recebeu a tão sonhada oportunidade de aprender a ler e escrever. Um comerciante de nome João, percebendo a qualidade de comunicação do forasteiro, ofereceu sua venda para que ele tomasse conta. Coube ao irmão mais jovem do comerciante ensinar a Argulino as operações básicas matemáticas, as letras do alfabeto, a formar sílabas e a escrever nomes de pessoas. A partir disso, o aluno tardio voou por conta própria. 
Com esses conhecimentos adquiridos, tornou a venda lucrativa. O problema é que seu Argulino, muito astuto, viu a oportunidade de vender por conta própria alguns itens de luxo, que levavam todo o dinheiro da freguesia do Seu João. Ao perceber isso, o comerciante enfurecido dispensou o ajudante.
Foi nessa época que um fotógrafo-itinerante falou de como a capital crescia rápido. Uma pessoa comunicativa com ele, se daria bem, não tinha dúvidas. Argulino partiu, então, com a promessa de se hospedar na casa do fotógrafo e trabalhar na construção do Mineirão. Ao chegar, a realidade era outra: a hospedagem era paga e o emprego não aconteceu. 
Na hospedagem, conheceu Ramos, um trocador de ônibus que também trabalhava com a venda de carnês do Silvio Santos. Um dia, após as vendas de carnês, Ramos o chamou para visitar as meninas da rua Ceará.
“Em plena quinta-feira, Ramos? Amanhã trabalhamos, se for para ir a algum lugar, que seja rezar na igreja”. Com desdém, Ramos emendou: “Ma vá!!! Lá vem você com essas manias de menino do interior. Que mané rezá o quê, homem”. Ramos foi dizendo isso, levando os pés da calçada para a rua, sem olhar para os lados. Antes que pudesse terminar a frase, um carro o lançou para longe.
Seu Argulino, preocupado, levou o amigo todo amarrotado para o primeiro hospital e foi à garagem de ônibus avisar que o amigo não poderia trabalhar no dia seguinte. Conversa vai, conversa vem, o patrão do amigo gostou de sua prosa e viu ali a solução para o problema que se estabelecia: “quem substituiria o Ramos atropelado?” 
Assim, graças à boemia de Ramos, o menino que aprendeu a ler e a escrever praticamente sozinho, que havia ido a BH para trabalhar em obra de construção civil, acabou num emprego em que ficava o dia todo sentado, usando terno com gravata e sapato engraxado.
As histórias de Seu Argulino não se findam aqui. Como ele mesmo diz, a vida é cheia de possibilidades. E quem parar para prosear com ele vai ouvir ainda muitas delas.
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diversoshorizontes · 9 months
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Amorim
Todo nordestino e toda nordestina sabem que o chapéu de vaqueiro e vaqueira é um item fundamental, não apenas para se proteger das intempéries da natureza, mas como parte da alma nordestina. Certa vez, um jovem pernambucano de mudança para Minas Gerais teve sua mala trocada. Ao abrir a mala no Hotel, viu não suas roupas, mas um vestido de noiva. Pensou imediatamente em seu chapéu, o item mais importante de toda a mala, talvez de sua vida. Aquele era o chapéu herdado de seu pai, que por sua vez, herdara de seu avô… e a linhagem era grande. A cada novo Amorim que recebia o bem de família, uma nova fileira de bordado era acrescentada ao acessório. Os proprietários anteriores haviam vivido aventuras usando o chapéu e ele não teria como continuar a tradição.
No dia seguinte, foi cedo à rodoviária explicar o ocorrido, saber como deveria proceder. Por sorte, havia também uma noiva desesperada para se casar, que tinha procurado a rodoviária no dia anterior, deixando um pedido de urgência juntamente com o endereço do salão onde   se arrumaria para o casamento logo mais às 15h. Já eram 11h. Amorim precisava voltar em casa para pegar a mala e atravessar a cidade para garantir que aquele casamento acontecesse. Saltou no primeiro bonde que passou, mas a algumas quadras antes do destino final, um acidente parou todo o trânsito, obrigando-o a sair correndo para chegar em casa finalmente às 13h. Pegou a mala e saiu correndo de novo.
“Eu não podia falhar. Tenho a missão de um verdadeiro cabra. Esse casamento depende de mim para acontecer, não posso ser o responsável por uma noiva em desespero.” Com esses pensamentos, ele atravessou a cidade em uma corrida contra o tempo, feito um relâmpago.
Quando chegou ao salão onde noiva e madrinhas se arrumam, teve uma grande surpresa. A mala em questão não havia sido trocada pela noiva, mas pela dama de honra, uma prima que vinha de Pernambuco para o casamento, trazendo o vestido bordado a mão pelas rendeiras da família. Era na verdade, Leandra, um grande amor de infância que o destino havia separado. 
Seu coração estremeceu quando os olhares se encontraram. Ele tinha corrido não para salvar uma noiva, mas para reencontrar seu grande amor. Ele não sabia, mas viveria em Belo Horizonte muitas outras histórias que o faziam digno daquele chapéu.
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O Diversos Horizontes é projeto realizado com recursos da Lei Municipal de Incentivo à Cultura da Prefeitura de Belo Horizonte (Modalidade Fundo).
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diversoshorizontes · 9 months
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Alessandra
Para algumas pessoas, um passo fora do caminho as levará ao fundo do poço, onde a única opção é a redenção. Para Alessandra, esse lugar foi a prisão sob acusação de tráfico de drogas, enquanto estava no terceiro mês de gestação do seu quinto filho. Morava nas ruas desde sua primeira gravidez, aos 14 anos, quando quis fugir da condenação de olhos conhecidos pelo crime de gerar uma vida.
Os primeiros meses na prisão serviram para lhe devolver a noção de realidade de si mesma e a percepção clara da maternidade. A acusação como traficante e a sentença vieram fácil: uma mulher preta, pobre, totalmente vulnerável. Um dia, porém, nos atendimentos oferecidos pela nova advogada pública – Sarah –, surgiu a esperança. “Olha, tem muita coisa errada no seu caso, você não deveria ter sido sentenciada. Eu não paro de pensar nisso, que preciso fazer algo. Não vou ficar tranquila enquanto você não estiver sua liberdade novamente”, prometeu. 
Centenas de pedidos de revisão foram enviados para o STF, enquanto o bebê se desenvolvia e Alessandra se tornava uma ex-viciada. A expectativa e o medo de Alessandra aumentavam. Caso a revisão não saísse antes que seu bebê completasse um ano, ela provavelmente perderia a guarda de todos os filhos.
Em Brasília as coisas fluíam morosamente, até que uma eventualidade mudou tudo. A pilha de processo na mesa da ministra caiu e quando foram reorganizados, seu processo passou ao primeiro da fila. Em uma olhada rápida, a ministra viu que era algo lícito e relativamente fácil de solucionar, frente a outros casos que envolviam polêmicas, opinião pública e custos para o Poder Público. 
Finalmente, um mês antes de seu filho completar um ano, veio a autorização para seu retorno à sociedade. Aparentemente aquele era apenas um papel com uma assinatura. Mas, para ela, ali estava traçado o seu destino. Aquele papel libertava não apenas uma nova Alessandra, decidida a reconstruir sua vida, ter um lar para si e seus filhos. Fazia nascer também uma militante, que lutaria pelo direito à moradia segura para uma centena de pessoas. Sua luta continua.
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O Diversos Horizontes é projeto realizado com recursos da Lei Municipal de Incentivo à Cultura da Prefeitura de Belo Horizonte (Modalidade Fundo).
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diversoshorizontes · 9 months
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O desafio de expressar subjetividades
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Quando definimos em 2021 o objetivo do Diversos Horizonte - criar artes gráficas e literárias que que colocassem a subjetividade de diferentes indivíduos belo-horizontinos, de fato, não tínhamos dimensão da enorme complexidade do trabalho na prática. Definimos no projeto que entrevistaríamos 15 pessoas, que de alguma forma se identificassem como rotuladas pela sociedade. A partir do material coletado, criamos postais recheados de arte gráfica e mini conto. Imaginar o resultado e a grandeza da entrega nos inebriou.
Contudo, ao realizarmos cada entrevista, e perceber a riqueza de cada história, que poderia render cada uma um livro, veio aquele aperto: seremos mesmo capazes de condensar toda essa complexidade em apenas um mini conto e um postal? De todas as nuances apresentadas, todas as idades e vindas, descobertas de cada vivência, como escolher uma única inspiração?
Dizemos claramente, não foi fácil. De cada entrevista, anotávamos nossas impressões, e mantínhamos na memória o que mais nos impressionava. Ficamos meses com as ideias maturando em nossas mentes. Mas na hora de escrever, todas as histórias eram grandes demais para caber em 2000 caracteres e em um espaço de 15 x 10 cm. Fizemos diferentes rascunhos, achamos pouco, recomeçamos. Voltávamos às gravações e anotações tentando captar detalhes que pudessem ter escapado.
E, enfim, temos os resultados prontos! Apresentaremos aos participantes, e à toda BH, as artes que levarão um pedacinho de histórias tão diversas para todos os horizontes da nossa cidade.
Em breve as artes estarão aqui, no nosso site, e sendo espalhadas no formato de cartões por toda Belo Horizonte.
O Diversos Horizontes é projeto realizado com recursos da Lei Municipal de Incentivo à Cultura da Prefeitura de Belo Horizonte (Modalidade Fundo).
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diversoshorizontes · 9 months
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Diversos Horizontes: fase de entrevistas
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Uma pessoa privada de liberdade que desafiou a todos para concluir o ensino básico e prestar vestibular ainda dentro do sistema prisional: hoje é advogado reconhecido pela defesa dos direitos humanos de pessoas com menos recursos; uma doutora em comunicação pela USP, que precisou, aos dez anos de idade, realizar uma verdadeira campanha publicitária para conseguir continuar os estudos; uma senhora de 100 anos que foi proibida de se identificar como indígena quando criança; uma mulher negra que conseguiu superar o vício e a vida na rua para lutar pela guarda dos filhos: hoje luta pelo direito à moradia representando milhares de pessoas em Belo Horizonte; uma jovem jornalista moradora do Cabana, que criou seu próprio veículo de imprensa para conseguir dar voz à sua comunidade…
Essas são apenas algumas das 15 histórias que serão representadas e contadas no Diversos Horizontes, projeto realizado com recursos da Lei Municipal de Incentivo à Cultura da Prefeitura de Belo Horizonte (Modalidade Fundo).
Com o objetivo de mostrar como belo-horizontinos gostariam de ser representados e combater estereótipos, as autoras do projeto – Ana Cláudia Vieira, Olga Campos e Marcela Menezes – estão realizando uma série de entrevistas para conhecer as histórias das 15 pessoas selecionadas por meio de edital. Cada história resultará em um cartão postal, composto de arte gráfica e miniconto. Cerca de 9 mil exemplares serão distribuídos em todas as regionais da cidade.  
“As histórias que encontramos combatem fortemente estereótipos, pois mostram que as pessoas comuns, que fazem belo-horizonte acontecer, têm vidas que em nada condizem com simples rótulos que recebem ao longo da vida. Assim, com nosso projeto, fazemos um convite a reflexão sobre o quanto a coisificação das pessoas é nociva e limitante. Estereótipos são limitantes e alimentam preconceitos”, avalia Olga Campos.
Na atual fase de desenvolvimento do projeto, todos os participantes estão tendo a oportunidade de apresentar suas narrativas de vida, falar sobre as lutas que enfrentam, que têm direitos como qualquer pessoa e não são as situações que vivenciam. 
“São narrativas pedagógicas. Assumem muitas vezes um ar leve e até bem-humorado. Mas não devem ser romantizadas, pois as dificuldades enfrentadas por essas pessoas não são exceções e ferem, muitas vezes, direitos básicos constitucionais”, avalia Ana Cláudia Vieira.
Leonardo Pena, um dos participantes-protagonistas, ilustra bem como os estereótipos podem ser prejudiciais em vários níveis. Estudante de estatística e representante estudantil,  precisou enfrentar nos primeiros semestres muito mais do que a dificuldade acadêmica e de logística, mas, também, o preconceito de que uma pessoa negra, vinda de escola pública e moradora de Ribeirão das Neves não daria conta de um curso como o de estatística. 
Logo nos primeiros meses, uma colega se ofereceu para ajudá-lo a entender algumas fórmulas, mas, quando se encontraram, veio o balde de água fria: “ela me recomendou que eu mudasse para um curso mais fácil, pois ‘uma pessoa igual a mim’ dificilmente conseguiria terminar o curso”, relembra o estudante.
“Ela disse isso numa biblioteca, com todas as pessoas ouvindo. Aquilo me doeu, mas eu não consegui falar nada. Depois disso, fiquei sem ir à aula alguns dias, até que consegui retornar.”, conta.
Conforme explicam as autoras do projeto, “o grande desafio é levar essas histórias para o formato artístico e literário, sem perder o impacto dessas realidades, vivenciadas não apenas pelos participantes, mas por milhares de pessoas.”
Os postais elaborados no Projeto Diversos Horizontes serão distribuídos até o final de setembro em todas as regionais da cidade, para que essas narrativas rompam barreiras e cheguem a diferentes pessoas. O desenvolvimento do projeto pode ser acompanhado nas redes sociais e também no site do projeto.
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