Tumgik
isabelabragasblog · 3 years
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Capítulo 3: voltando ao desconhecido
Meus olhos estavam fechados, mas só tive consciência disso quando vi a luz. O corpo de um homem está ereto no canto do quarto, idêntico ao que eu estava antes, e seu rosto me encara como se eu fosse um animal exótico de zoológico. Parece que uma pesada corrente está amarrando os membros do meu corpo, pois não consigo me movimentar, apesar de tentar com empenho.
- Calma, calma! As enfermeiras te deram um sedativo e você ainda está despertando. - O homem faz uma pausa e, então, prossegue - Respire pelo nariz e solte pela boca. Faça isso 5 vezes!
O homem é a primeira pessoa que vejo usando roupas "normais". Ele está vestindo uma calça cáqui, uma camiseta lisa preta e sapatênis. Diria que tem o visual de um professor de sociologia do ensino médio. Pisco os olhos com força, pois o visual comum do homem, com o topo da sua cabeça careca, enquanto as laterais possuem alguns longos e insististes fios, que estão lutando para sobreviver à inevitável passagem do tempo, me lembrou do meu professor de sociologia do ensino médio. Ele era alto, do tipo fechado e misterioso. Quando ele soltava um palavrão ou olhava torto para um aluno por 1 minuto inteiro, a sala inteira caia na risada. Essa recordação tomou me atingiu com tanta força que me fez esquecer de respirar por um momento. O homem percebeu minha fadiga e começou a puxar o ar com força, soltando-o devagar. Repeti a ação acompanhando os movimentos das mãos dele, indo para cima e para baixo vagarosamente. Meu coração está batendo em um ritmo desacelerado, mas só de tentar lembrar onde estou e quem é a menina que vi no outro quarto, tenho vontade de sair correndo novamente.
- Você está mais calma? - Diz se aproximando com a cadeira que puxou da mesa ao lado da minha cama. Ele se senta perto da minha cabeça -. Me contaram que você não tem conseguido participar das atividades recreativas dessa semana. O que está acontecendo?
Quero perguntar o que está acontecendo, mas não consigo fazer minha boca obedecer a minha vontade. Me mantenho muda, lutando para não fechar os olhos. O esforço para tal ação é quase inacreditável. Ele está sorrindo levemente, suas pernas estão cruzadas e as mãos largadas sobre os joelhos. Antecipo a sua fala, pois percebo seu peito se estufando.
- Alice, nós já conversamos e chegamos a conclusão de que você precisa participar das atividades em grupo. Você se lembra dessa nossa conversa? Nós concordamos sobre esse assunto. Os encontros são bons para você. A doutora Sofia se esforça para criar um ambiente descontraído, leva música e materiais para desenho, não é legal sair correndo da sala.
Alice? Eu não tinha pensado no meu nome até o momento em que o ouvi saindo da boca cheia de dentes brancos do homem. Eu não nasci naquela fila, eu tenho uma vida e preciso descobrir que vida é essa. Ele disse doutora? Enfermeiras? Sim, ele disse. Eu estou em um hospital!
- Alice? Está tudo bem. Você quer se levantar e passear um pouco lá fora? Você sempre fica mais calma perto do jardim de flores roxas.
_ São alfazemas. - Respondo, sem acreditar.
-Verdade - o homem responde rindo e jogando o seu corpo no encosto da cadeira. - Vamos caminhar um pouco? Ainda temos 1 hora de sol.
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isabelabragasblog · 3 years
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Capítulo 2: um rosto familiar
- Para de bater, porra. Ela já vai sair! Que gritaria desnecessária.
A menina fala com as mãos contra a porta, pressionando-a, enquanto ouço uma voz feminina vinda do corredor. Ela olha em minha direção e tento investigar a sua imagem. Espero que um nome surja em frente aos meus olhos para que eu possa capturá-lo e, finalmente, iniciar uma conversa como um ser humano normal, mas isso não acontece. O cabelo escuro e o nariz pontudo da jovem moça, porém, são os primeiros sinais de algo conhecido.
- Eu sabia que você ia correr para cá, por isso deixei a porta aberta. Já falei para você largar aquela merda de momento recreativo. Aquela idiotice sempre te deixa nervosa.
A moça, agora, está escorada na porta. Seu corpo todo tensionado prova que estão tentando abrir do outro lado. 
Não consigo dizer uma palavra, apenas fico olhando fixamente para os olhos verdes que parecem procurar os meus. Ela é linda. Desvio o olhar por um segundo para entender onde estou. Uma cama, um pequeno armário e uma mesa acompanhada de uma cadeira são os únicos móveis presentes. A janela com grades traz um pouco de luz natural para o ambiente. Noto pela primeira vez, no que parece uma aventura de horas, que é dia.
Mais um corte e estou sendo arrastada para fora do quarto.
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isabelabragasblog · 3 years
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Capítulo 1: onde eu estou?
Minha avó materna faleceu. Não sei bem quando isso aconteceu, se foi há uma semana ou há 1 ano. Estranho, eu deveria me lembrar, no entanto, quanto mais esforço faço para clarear os meus pensamentos, mais os detalhes esquivam-se para a escuridão. Não há razão para eu ter pensado na morte da minha avó, o seu cadáver pálido e mirrado apenas surgiu diante dos meus olhos. Não pude evitar. Estou em um corredor comprido, que termina em uma grande porta marrom, e sinto meus braços pendurados pesadamente nas laterais do meu corpo. Meus pés gelados sentem o chão, apesar de não estarem descalços. Noto que os dedos da minha mão estão inchados e que minhas unhas foram roídas até a carne. Passo a ponta dos dedos quase redondos em meu rosto e sinto a oleosidade da pele, o que faz com que eu me pergunte quando tomei banho pela última vez. Eu não me lembro. A fila começa a se mover e o rumor de diversos pés no piso cresce em uníssono, como se andar alguns passos fosse custoso. Percebo que não tenho forças para caminhar ereta e que estou contribuindo com a melodia deprimente dos pés rastejantes. Vejo apenas nucas à minha frente. Nenhuma das cabeças se virou, eu também não me atrevo a olhar para trás. Caminho, então, com os olhos fixos no chão, assistindo ao meu reflexo no piso claro, junto com as luzes do teto. Percebo, de repente, que a luz do ambiente está me cegando, fazendo a minha cabeça me provocar com pequenas pontadas incômodas. Quando finalmente levanto o olhar, bem lentamente, vejo uma mulher grande, espremida dentro de um uniforme branco. Sua pele é clara, seus olhos escuros, o cabelo é vermelho nas pontas, com uma grande raiz castanha saindo do topo de sua cabeça. Ela segura uma pequena sacola plástica em uma mão e um caderno na outra. Sem que eu me dê conta de que realizei o movimento de esticar o braço para pegar a sacola, ela já aparece em uma das minhas mãos trêmulas. Tenho a sensação de que estou presa dentro de um filme do qual não li o roteiro, o que me deixa completamente perdida. Fui atirada aqui e alguns cortes estão fazendo com que eu perca alguns segundos de acontecimentos não importantes. Olho para dentro do saco plástico e vejo sabonetes e uma pasta de dente; e enquanto estou travada nessa posição, sinto uma mão morna tocar as minhas costas me impulsionando para que eu saia do lugar.
Saio da fila e começo a marchar em direção a porta marrom, mesmo sem saber o que vou encontrar atrás dela. Meu corpo já esteve aqui, mas minha mente não. Neste momento essas duas coisas estão dissociadas e cada parte age de acordo com a própria vontade. Meus olhos focalizam o final do corredor, levando meu corpo a travar uma batalha para chegar ao destino, já a minha mente tenta reconhecer qualquer detalhe desse alumiado local. Não sei onde estou. Com o ombro, empurro a porta marrom, pois não tenho forças para levantar um dos braços. Adentro uma sala verde, com almofadas espalhadas em cima de um tapete cinza escuro. Viro a cabeça para o lado, em um movimento que parece durar três minutos, e vejo duas jovens de cabelos claros. Examinando os seus corpos, percebo que elas vestem roupas exatamente iguais: uma camiseta branca, uma calça azul clara e uma espécie de pantufa com solado fino. As meninas estão sentadas em uma mesa cheia de papéis brancos e lápis coloridos espalhados. Essa cena fez uma memória saltar na minha mente: o jardim de infância. Se misturando com a lembrança dos livros de contos de fadas que eu levava para a escolinha sonhando com o dia que conseguiria lê-los, começo a escutar um som. Não sei se ele começou agora ou se estava tocando desde o momento em que pisei os pés na sala. É uma música instrumental muito bonita. Decido que vou me sentar no tapete. Coloco a sacola ao meu lado, pego uma das almofadas e vivencio mais um corte na edição desse filme, pois depois de um piscar lento, eu passo a fazer parte de um grande círculo de pessoas atentas, com seus rostos levemente inclinados para cima. Os olhares estão voltados para uma mulher loira, baixa, magra e com um nariz incrivelmente grande, que fala alto e anda no espaço livre no centro do círculo. Consigo registrar apenas as palavras: exercício, papel, música.
Pareço um rato de laboratório que, como prisioneiro, precisa participar de um experimento cruel, mas que ainda tem esperança de sair vivo do ciclo de acontecimentos estranhos que está vivenciando. Será que os ratos pensam na liberdade? Eu não sei onde estou. Quando olho para baixo, tenho um papel e um lápis em minhas mãos, todos ao meu redor estão riscando a superfície branca que lhes foi entregue. Não sei o que fazer. A música agora está mais alta e vejo a mulher loira caminhando do lado de fora do círculo. Sua boca se mexe, mas eu não compreendo uma palavra sequer. Suas mãos se movimentam no ar, como uma criança tentando capturar uma joaninha. Não sei quanto tempo se passou desde que me sentei nesse tapete cinza. Não sei onde estou. Todo esse obscurantismo começa a acelerar os meus pensamentos e o meu coração dispara. De repente estou de volta no corredor, correndo ofegante e desesperada. Vejo muitas portas e entro na única que está aberta, fecho-a atrás de mim e me sento com as costas pressionando a madeira gelada. Segundos depois, ouço as batidas do outro lado. Meu coração bate freneticamente e os meus lábios estão secos. Daria tudo por um copo de água. Então, uma mão surge em frente ao meu rosto, me oferecendo ajuda para deixar o chão gelado. Nessa hora, em meio a um turbilhão de informações, finalmente, vejo um rosto familiar.
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