Tumgik
#m. eloi sage sam rain
krasivydevora · 5 months
Text
CAN YOU FEEL MY HEART? (POV 01)
Conteúdo do texto: episódio depressivo, menção rápida a sangue, menção a uso de substâncias entorpecentes, mutilação (acidental) e problemas familiares. Menção a @maximeloi e @mortimersage, e @samquebrabarraco com @svmmcrrxin
Já fazia algum tempo que Devora se encontrava ali, diante do altar da mãe, pensando em nada e em tudo ao mesmo tempo. Terminava de ajeitar os vasos de flores pomposas e a cesta de frutas que em breve congelaria naquele frio de temperaturas negativas (ainda que sem neve devido às barreiras do Acampamento), bem como a pequena escultura em argila que havia feito, à mão, do busto da deusa, com toda a delicadeza que poucas pessoas no mundo sabiam que ela possuía, refletindo sobre a real motivação de estar ali poucos instantes antes de partir daquele espaço. Quer dizer... Os deuses não se manifestavam como antigamente. Tudo parecia mais nublado do que realmente estava e a sensação de desamparo era gritante. Por que ela continuava tendo fé em algo, ou em alguém, mesmo sem ouvi-la assegurar sua presença já há algum tempo?
"Não faço ideia do porquê 'tô fazendo isso." Confessou baixinho, terminando de encaixar a pequena produção de argila entre os vasos dispostos, agora começando a lustrar as taças de cristal que havia levado consigo para que compusessem a produção. Mesmo com tanta revolta dentre outros sentimentos negativos em seu interior, continuava ali, tentando tratar a conexão que restava dela com sua mãe, com o maior esmero possível.
Por mais que isso também lhe causasse alguma dor emocional também: quem visse de fora, em outro ângulo, repararia como as bochechas de Devora estavam vermelhas e seus olhos pareciam brilhar mais do que o habitual, justamente por estarem cheios de lágrimas. Outra característica bastante marcante da russa, que, apesar de todos os pesares, ainda era uma pessoa sensível e emotiva até demais.
"Nem você e nem meu pai estão aqui, pra variar. De vez em quando nem parece que eu sou filha de vocês." Prosseguiu, crispando os lábios por alguns instantes, antes de respirar o mais fundo possível e decidir dar alguma vazão aos pensamentos que a consumiam. "Sabia que ele conheceu uma mulher nova? Kadja. Uma atriz da novela principal agora, ou qualquer coisa assim." Deu de ombros, realmente pouco engajada no que Mikhail andava fazendo de sua vida pessoal; amava o pai mesmo com todos os detalhes negativos entre eles, a começar pela negligência do mesmo em se tratando do suporte emocional e familiar a Devora, mas não sentia que havia uma preocupação mútua do que ela fazia da vida, como ela se preocupava com o que ele estaria fazendo; ou se estaria bem. O cantor, inclusive, já havia chegado a confessar à filha que isso se dava ao fato dela parecer forte demais. O que talvez significasse que ela não inspirava cuidados. "Da última vez que o vi, ele disse que queria ter filhos. Eu só consegui ignorar." Riu baixo, percebendo-se sem humor algum enquanto os olhos marejados começavam a anunciar a iminência do dilúvio: as lágrimas começavam a escorrer agora, silenciosas, demarcando a pele alva e fina do rosto de Devora, que se encontrava baixo porque ela continuava lustrando as taças. "Ele sempre fala como se eu não existisse. E tá tudo bem. Porque nem eu me vejo existindo." Concluiu, com a voz trêmula, ainda em tom baixo, como se estivesse envergonhada daquela constatação. Pegava-se pensando naquele tipo de coisa com frequência, mas era difícil aceitar os próprios pensamentos intrusivos simplesmente por uma questão de orgulho.
E de sobrevivência também, por que não? Devora era um oceano próprio de tantas frustrações, impulsividade e provocações. O combo perfeito para torná-la uma granada ambulante, ou uma submetralhadora incontrolável, bastando um acionar de gatilho ou remover de pino. Se ainda inventasse de pensar demais naquelas coisas todas ao longo de seu dia a dia no Acampamento, provavelmente enlouqueceria de vez. Era melhor não. Só de vez em quando já estaria de ótimo tamanho!
"E você também não fica muito atrás." Acrescentou, posicionando uma das taças finalizadas ao lado das rosas. O cristal sendo levemente anuviado pelo ar gelado ao redor, que, em nada, incomodava Devora. Muito pelo contrário: trazia-lhe algum conforto ao adornar sua pele e fazê-la se sentir minimamente viva por estar sentindo algo além da sensação entorpecida do dia a dia, em muito devido às substâncias que usava sem o menor discernimento. "Seus filhos estão com problemas. O Elói não tem mais o mesmo brilho no olhar, sabia? Sei lá. Deve ter sido o lance com a Sage. Ela era uma boa menina e você poderia ter olhado pelo amor dos dois." Pontuou, numa fala que se encerrou com um rosnado de frustração, até perceber que sua situação não era muito diferente. "Por mim também, porque, francamente. Que deusa do amor é essa que faz a própria filha passar vergonha gostando de uma pessoa pior que a outra?"
Coisa que a fez, subitamente, lançar a taça remanescente, que ainda estava em sua posse, contra o totem de mármore à sua frente. Os cristais imediatamente se partiram, com estilhaços esvoaçando, chegando a atingir parte da lateral da bochecha de Devora. Nada tão sério, já que ela ainda tinha a consciência de que deveria reunir os cacos, ainda que não fossem tantos, para levá-los embora dali. E foi nesse ato, que ela sentiu o corte também raso, mas ainda ardido, em uma de suas mãos. O que alimentou sua frustração ainda mais: Afrodite não estava falando com ela, mas era ótima em mandar recados. Em fazê-la querer se arrepender de tê-la ofendido de alguma forma?
"Incrível." Tornou a rir baixo, entretida com sua própria desgraça, enquanto alisava a parte machucada da mão, ainda sem se mover da posição em que se encontrava: ajoelhada e com a cabeça baixa, sem ser muito mais capaz de encarar o busto de Afrodite após aquele rompante de raiva. "Você me faz ter vergonha de ser sua filha mesmo quando não diz ou não faz nada." Continuou, ao mesmo tempo em que sentia as lágrimas vindo à tona com mais força. Havia tanta coisa se passando pela mente de Devora, e já há tanto tempo, que ficava difícil não acabar verbalizando em seus rompantes de raiva como aquele. "Por que diabos eu tô aqui se é pra passar por tudo isso? Eu não sei lutar, não vou ser útil pra você e pra sua turma de deuses sádicos. Foi pela minha cura que você me colocou no mundo? Eu sirvo pra alguma coisa além disso?!" Indagou, ainda que completamente ciente de que não haveria uma resposta.
Até por isso, é que Devora voltou a se desesperar. Entretanto, não demonstrando raiva agora: apenas uma mágoa tão grande que, por longos minutos, ela não conseguiu fazer muita coisa além de chorar. E soluçar. Incomodada com a pontada da dor do corte em sua mão, e agora com a brisa fria passando por sua nuca; com a textura do solo abaixo de si; com o cheiro das rosas que ela mesma havia cultivado e colhido para providenciar aquela oferenda. Dentre tantos outros elementos mais.
Até o momento em que desistiu da posição ajoelhada e se colocou prostrada; o tronco lançado para frente, com os braços suntuosos contra o chão, o rosto escondido entre eles, como numa alegoria cruel e péssima sobre a forma como se sentia agora. Envergonhada, para dizer o mínimo. E tão desnorteada que sequer se importava com a sensação dos outros estilhaços da taça abaixo de si, contra sua carne; a situação com Sam já havia colocado seu físico e seus nervos à prova, bem como o enredo envolvendo Rain e seus sentimentos. Nada mais parecia ser capaz de abalá-la, se não ela própria e os fantasmas de sua mente insegura e incapaz de enxergar nela algum valor ou importância considerável.
"Por favor, me responde. Eu preciso de você, mãe."
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