Tumgik
#obrpov: listen to the wind blow
poisonhxart · 4 months
Text
#obrpov 6: listen to the wind blow.
Praia das Conchas Cintilantes. 24 de novembro, aproximadamente 20h30.
No início a Essência era abundante, então, deixou de ser. Uma frase pontual, que não carece de muito para ser compreendida, mas que ainda assim era alvo de reflexão. Havia lugares no continente em que, mesmo escassa, a Essência ainda era fascinante. Sulcana do Sul era um desses lugares. Mesmo que a viagem da Academia fosse curta e não permitisse uma exploração mais imersiva por outros pontos ainda mais misteriosos, bastava um olhar pela Praia das Conchas Cintilantes para saber que havia coisas ali que ninguém explicaria. Talvez sua magia estivesse naquele nascer do sol demorado, que coloria o céu como se os espíritos da natureza tivessem pegado em pincéis e colorido cada detalhe à mão. Talvez estivesse nas mãos das senhoras caiçaras que moldavam com todo esmero do mundo as miçangas que eram vendidas pelos turistas. Noutra possibilidade talvez até estivesse na brisa do mar, ou na água salgada, ou na terra, ou nas conchas brilhantes, ou em absolutamente tudo naquele lugar. Era uma magia tão forte que fazia Arianrhod ter vontade de falar, de sentir, de viver. Algo tão surreal que preenchia seu íntimo quase sempre tão apático com uma felicidade genuína, tornando os risos mais fáceis e as ações mais espontâneas. 
E tudo isso era estranho demais. 
Por toda a vida, Arianrhod cresceu ouvindo que era pessimista demais - então, para melhor adequação ao meio, passou a proferir frases encubidas de uma esperança que ela mesma não tinha -, mas seu pessimismo não era nada além dos fatos. Pensar nas possibilidades mais plausíveis, mesmo que essas não fossem as mais agradáveis, não a tornava nada além de pragmática. Era uma das principais características dos filhos da terra, não? Ter os pés tão fincados nela que até a pior das opções é tragável e inclusive preferível à uma mentira mais doce. Esse era um peso que carregaria eternamente e que não tinha como fugir, do qual até mesmo gostava. 
Era esse estado pragmático que a impedia de mergulhar e se afogar nos delírios magníficos de Sulcana.
A magia era sentida no ar. Salpicada na brisa marítima como se estivesse disfarçada em cada átomo que o vento trazia e repousava sobre a pele das pessoas ali. Havia um formigamento incomum na pele de Arianrhod, sobretudo nos pés descalços em contato direto com a areia, como num reconhecimento entre a terra e sua filha. Ela já tinha sentido algo parecido antes, mas nunca assim, porque tinha a certeza de que algo estava errado. A agitação das ondas e a brutalidade do vento foi a confirmação que precisava para saber que seus instintos ainda estavam suficientemente afiados, como precisava que estivessem. 
O primeiro sussurro não foi de todo agradável; a ideia de uma iminente destruição não a preocupava quando essa fosse causada para derrubar o Império, mas no contexto em que tinha sido dita, causada por Yanvis… aquilo a angustiava. Um de seus desejos mais profundos era de que o Império caísse e que o glorioso Imperador fosse morto pelas mãos daqueles que tinha feito sofrer, não que os fizesse derramar ainda mais sangue e lágrimas. Como reflexo imediato daquilo que seus ouvidos captaram, ela ajeitou a coluna e travou a mandíbula. A mensagem trazida pelos espíritos guias da natureza tinha intuitos múltiplos e nenhum deles parecia ser bom, não naquele momento. 
E então, assim como no ditado que diz haver calmaria após a tempestade, ela mal sentiu quando o vento afastou mais uma vez o cabelo de sua orelha, como se convidasse a si mesmo para um sussurro mais íntimo, um recado que ninguém além dela poderia escutar. Um presente especial, um que ela merecia. Era uma voz doce, uma voz que há muito havia se perdido no tempo e que encontrou caminho direto para seu coração com um pouco mais de desafio que talvez devesse. 
“Por fim virá uma cobra que trará ruína em seus olhos e veneno em sua alma.”   
E, por mais que Arianrhod quisesse rir da ironia que era uma mensagem tão pessimista ser por ela interpretada com tanta determinação, não esboçou nada. Há muito havia aprendido que se ela era observadora, outras pessoas também eram, e se captassem dela o que ela captava dos outros, não teria vantagem alguma em um possível bote.
0 notes