Claudio Oliveira Egalon, físico e cientista espacial carioca que trabalhou na NASA, voou em um avião KC-135 e esteve preste a se tornar o primeiro astronauta brasileiro, em entrevista exclusiva a Pablo Villarrubia Mauso e Cláudio Tsuyoshi Suenaga
Por Cláudio Tsuyoshi Suenaga
Um dos poucos brasileiros que trabalhou na NASA e que por seis vezes (em 1993 e 1994) realizou experimentos de microgravidade com fibra ótica (sua principal área de atuação) no avião KC-135, que simula a ausência de gravidade e é usada no treinamento de astronautas, o físico e cientista espacial carioca Cláudio Oliveira Egalon (1964-) graduou-se em Física pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) (1984), obteve mestrado e doutorado em Física pelo College Of William & Mary em Virgínia (1988 e 1990), e obteve um segundo doutorado, este em Engenharia Elétrica, pela Old Dominion University (1996), ambas nos Estados Unidos.
Depois foi trabalhar como pesquisador no Centro de Pesquisas Langley da NASA, onde passou 10 anos fazendo experimentos com sensores e fibra ótica, foi professor associado da University of Puerto Rico at Mayagüez (de agosto de 1997 a agosto de 1998), pesquisador visitante da Universidade Federal de Pernambuco (de novembro de 1996 a fevereiro de 1997), e em seguida voltou aos Estados Unidos para trabalhar no Laboratório da Força Aérea Philips Research Site, no Novo México. Em 1998, Egalon mudou-se para a Intelligent Optical Systems (IOS), uma pequena empresa de sensores perto de Los Angeles. Ele retornou ao Brasil em 2002, depois que seu projeto PIPE-FAPESP (Pesquisa Inovativa de Pequenas Empresas da Fundação de Amparo às Pesquisas do Estado de São Paulo, que apoia a execução de pesquisa científica e/ou tecnológica em micro, pequenas e médias empresas) foi aceito para o desenvolvimento de um sensor de fibra ótica para identificar íons de cloro em concreto armado. Este projeto, no entanto, não passou para a fase dois. Egalon voltou então para os Estados Unidos e lecionou em escolas enquanto buscava financiamento para seus projetos. Em 2006, obteve financiamento da National Science Foundation (NSF) para desenvolver um sensor de fibra ótica para umidade relativa com aplicações em estruturas inteligentes como pontes e naves espaciais. Em seguida, trabalhou em dois projetos do USDA (o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos) que duraram até 2011. A partir de então, estabeleceu-se em São José dos Campos, onde dirige sua própria empresa de pesquisa e consultoria que leva o seu sobrenome.
Claudio Oliveira Egalon no Physics Club em 21 de março de 2013.
Ao longo dos anos, Egalon acumulou nada menos do que 26 patentes e teve publicado inúmeros artigos em revistas científicas, além de vários livros, entre eles Electricity and Magnetism: Experiments in Physics (2015); Side Illuminated Optical Fiber: Lab Manual (2015); Mechanics: Experiments in Physics (2015); Physics Notes: Volume I: Kinematics, Forces, Newton's Laws and Energy (2016); Physics Notes: Volume II: Momentum (2016); Statics; Rotation; Angular Momentum; Universal Gravitation and Fluids (2016); Waves, Electricity and Magnetism: Experiments in Physics (2016); Physics Experiments for Teachers (Experiments in Physics Book 6) (2017); Physics Notes: Volume IV: Oscillations, Waves and Optics (2018); Oscillations, Waves and Modern Physics: Experiments in Physics (2017); Physics Notes: Volume III: Electricity and Magnetism (2017); Physics Experiments at LASC: Mechanics (Experiments in Physics Book 5) (2017).
Quando tive a honra e o privilégio de o conhecer por intermédio do meu grande amigo, o jornalista, escritor, explorador e ufólogo Pablo Villarrubia Mauso, que por sua vez era amigo de infância de Egalon (ambos eram astrônomos amadores), ele era de longe o favorito, até por ser o mais gabaritado, para vir a se tornar o primeiro astronauta brasileiro, no que acabou suplantado por um militar, o tenente-coronel da Força Aérea Brasileira (FAB) Marcos Cesar Pontes (1963-), que também viria a se tornar o Ministro da Ciência, Tecnologia e Inovações (de 2019 a 2022) no Governo de Jair Bolsonaro.
As maiores influências de Egalon foram Neil Armstrong (1930-2012), que lhe instilou o sonho de vir a se tornar astronauta, e Ray Bradbury (1920-2012), que o levou a escrever contos de ficção científica, mais voltados à tecnologia do que a política.
Egalon sublinhou que “a Missão Apollo foi o ponto auge da NASA. Foi quando a NASA recebeu o maior montante de recursos. Até hoje não há nada comparado a Missão Apollo. Grande parte do prestígio da NASA se deve a ela.”
O atraso do Brasil na área espacial deveu-se, segundo Egalon, em grande parte ao fato de o nosso país ter levado muitos anos para convencer os Estados Unidos de que a finalidade do programa espacial tupiniquim era inteiramente pacífica, sem qualquer conotação bélica, limitada ao desenvolvimento de um veículo civil para colocar satélites em órbita. Daí que o INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), criado em 1961, seja uma agência espacial civil sem nenhuma aplicação militar.
Teorias conspiratórias são inteiramente rechaçadas por Egalon, que descarta ter havido sabotagem dos Estados Unidos contra o Brasil quando este desenvolvia seus próprios veículos lançadores e via seus foguetes explodindo um atrás do outro no momento do lançamento. Nesse tocante, Egalon lembra que os Estados Unidos também enfrentaram os mesmos percalços em sua fase inicial, por se tratar de uma tecnologia de difícil desenvolvimento.
As dificuldades em relação aos foguetes também se aplicariam às sondas, muitas das quais desapareceram – a caminho de Marte, principalmente – sem explicação. As falhas dessas sondas estariam dentro de uma margem de insucesso esperada, já que se tratam de novas tecnologias atuando em ambientes hostis e perigosos. De acordo com Egalon, as alegações dos ufólogos de que a NASA estaria escondendo do público que essas sondas teriam sido sabotadas e capturadas por ETs, seriam infundadas e sem sentido.
Muitos dos contos de ficção científica de Egalon, no entanto, envolvem de uma certa forma civilizações de outros planetas e extraterrestres, até porque ele acredita que exista vida inteligente fora da Terra, embora rechace, por outro lado, que eles já tenham visitado o nosso planeta. Por extensão e logicamente, Egalon também não acredita em contatos imediatos e abduções, os quais atribui a erros de interpretação, à pura fantasia e a uma certa histeria coletiva
Egalon considera os métodos dos ufólogos, inclusive o de John Edward Mack (1929-2004), que foi chefe do Departamento de Psiquiatria da Harvard Medical School e a maior autoridade mundial em abduções, bastante questionáveis. E cita o caso de uma garota que para testar o seu método, fabricou uma história dizendo que durante a Crise dos Mísseis de Cuba (em outubro de 1962), presenciou a negociação entre John Kennedy e Nikita Kruschev a bordo de um disco voador, história essa que foi publicada na revista Time. Ela simulou que estava sob hipnose, e Mack não só acreditou que ela estava de fato hipnotizada, como avaliou que aquele caso tinha sido um dos melhores que ele já tinha pesquisado. Por conta desse e outros furos em seus métodos, Mack foi investigado pela Harvard e só não foi expulso devido a liberdade acadêmica que é concedida ao corpo docente. Portanto, Egalon considerava altamente questionável essa técnica, que podia ainda implantar falsas memórias e induzir traumas nas pessoas que eram hipnotizadas.
Cláudio Tsuyoshi Suenaga, Claudio Oliveira Egalon e Antonio Manoel Pinto.
Quando estava em Arecibo, na Universidade de Porto Rico, Egalon teve a oportunidade de colaborar com cientistas do Observatório de Arecibo, o maior radiotelescópio do mundo, já que Arecibo fica na Ilha de Porto Rico, bem como a Universidade. Juntos simularam a evolução de pulsares, as estrelas de nêutrons em diagrama específico que se usa para estudar essas estrelas.
Como sua intenção era a de se tornar o primeiro astronauta brasileiro, Egalon elaborou um projeto que requeria voos no espaço. Destarte, a área que escolheu foi a da microgravidade, de processamento de materiais. Era uma área com que se identificava e que estava relacionado com tudo aquilo que estava fazendo, derivado da pesquisa de um cientista canadense que havia descoberto que certos vidros usados na fabricação de fibras óticas não se cristalizavam quando eram aquecidos em um ambiente de microgravidade. Ou seja, isso abria a possibilidade da produção de vidros mais transparentes nesses ambientes. Diante de tal perspectiva, Egalon se pôs em contato com o cientista Dennis S. Tucker, da NASA, que conduzia experimentos no KC-135, e este logo o convidou a fazer experimentos no avião que simula gravidade zero e que é uma versão militar do Boeing 737.
Para que se possa voar nesse avião, são requeridos a aprovação em exames físicos de classe 3 de piloto e em um curso de medicina aeroespacial, já que enjoos, desorientação e outros efeitos adversos decorrentes da falta de oxigênio no sangue são comuns, a despeito de haver um medicamento anti-náusea que ameniza e até corta esses efeitos durante doze horas, o Scop-Dex, à base de escopolamina e dexadrina.
A ausência de peso ou microgravidade é criada com manobras parabólicas que fazem os passageiros flutuarem dentro do avião. É no topo dessa parábola, a uma altitude de 11 mil metros e velocidade de 600 km/h, que se chega a esse efeito que dura 25 segundos, ao fim dos quais o KC-135 desce até a uma altitude de 8.500 metros. A manobra se repete de quarenta a cem vezes durante um único voo que dura três horas.
Istoé, São Paulo, nº 1349, 1995-09-09, p.47.
Nesse ínterim, Egalon, que padeceu alguns enjoos, realizava seus experimentos com fibras óticas sob efeito da ausência de peso no intuito de melhorar a sua capacidade de transmissão de 40 a 100 vezes. Com um pouco de sorte, partiria depois para um experimento orbital a bordo do Spacelab, um laboratório pressurizado que viaja no compartimento de carga do ônibus espacial, no que se tornaria o primeiro astronauta brasileiro. Essa vaga no ônibus espacial, porém, jamais foi conseguida, apesar dos acordos que já havia na época entre a NASA e a Agência Espacial Brasileira (AEB) para levar experimentos tanto no ônibus espacial como na Estação Espacial Internacional.
Um lamentável desperdício, pois Egalon trabalhava na NASA desde 1988, primeiro como estudante de pós-graduação e depois como contratado que colaborava diretamente com o staff científico, e que já tinha cinco patentes norte-americanas aprovadas e oito na iminência de o serem (dos royalties, a NASA ficava com 80%, enquanto o inventor, com 20%). E tudo isso em um contexto de corte drástico no orçamento e no quadro de funcionários. A meta da NASA era eliminar 50% da mão de obra até o ano 2000. A verba estava diminuindo, e vários projetos sendo cancelados.
Por fim, aquilo que todo ufólogo quer saber. Afinal, a NASA esconde algo sobre o Fenômeno OVNI? Egalon foi categórico em afirmar que não, e que essas “teorias da conspiração” são criadas por pessoas que incapazes elas mesmas de produzirem provas, acusam a NASA e outras agências governamentais de fazerem parte de um complô de acobertamento. Segundo Egalon, não existe uma pesquisa oficial de OVNIs dentro da NASA, e sim de algumas pessoas que lá trabalham e que nas suas horas livres pesquisam o fenômeno de forma particular.
A entrevista com Egalon foi feita em um sábado, 11 de janeiro de 1997, na residência de Pablo Villarrubia Mauso na Vila Guilherme, Zona Norte de São Paulo, e contou com as participações de Antonio Manoel Pinto, historiador da USP, e de Sandra Ferreira, psicóloga.
Cláudio Tsuyoshi Suenaga, Claudio Oliveira Egalon, Pablo Villarrubia Mauso e Antonio Manoel Pinto. Foto de Sandra Ferreira.
Reproduzo abaixo a reportagem especial da jornalista Angela Villarrubia Mauso, irmã de Pablo, sobre Claudio Egalon, que foi publicada na edição de domingo, 8 de agosto de 1993, do jornal Folha de S. Paulo (mais!/ciência, p.14, c.6.):
O físico carioca Cláudio Egalon, 29, é o único brasileiro que já sentiu a microgravidade (termo usado pela NASA para o efeito de falta de peso, erroneamente conhecido como falta de gravidade). Isso ocorreu durante quatro dias, ao realizar experimentos com fibras óticas para a NASA num avião KC-135. Egalon deve repetir a experiência até o final deste ano, partindo da base aérea de Ellington, em Houston (Texas). Com um pouco de sorte, participará de outro trabalho, desta vez a bordo do Spacelab, um laboratório pressurizado que viaja no compartimento de carga do ônibus espacial. Ele se tornaria assim o primeiro astronauta brasileiro.
O KC-135 atinge a microgravidade durante uma manobra em que o avião realiza uma parábola. É no topo dessa parábola, quando alcança 11 mil metros de altitude a uma velocidade de 600 km/h, que dentro do avião se chega a esse efeito, durante 25 segundos. Aí o KC-135 desce até atingir 8.500 metros. A manobra se repete de quarenta a cem vezes durante um único voo que dura três horas. “Durante a manobra, minha primeira sensação foi a de estar sonhando, mas depois de o avião ultrapassar o topo da parábola, me senti enjoado”, disse Egalon. Ele não cumpriu uma recomendação da NASA: tomar o Scop-Dex, um medicamento para evitar o enjoo. Seu efeito dura doze horas, mas também não chega a ser totalmente eficaz.
Egalon participou de quatro voos para produzir fibras óticas sob efeito da ausência de peso: “A cristalização do material é um problema muito sério para a produção de fibras óticas de alta transmissão. Vários cientistas acreditam que isso pode ser solucionado se ela for criada em efeito de gravidade zero”, disse Egalon, que já tem registradas nove patentes sobre sensores de fibras óticas, tendo recebido prêmios da NASA (agência espacial dos EUA).
Dentro do KC-135, o físico carioca auxiliou o cientista Dennis Tucker, que defende um projeto para fabricar fibras óticas no espaço. Atualmente, elas só podem ser produzidas usando torres de três andares de altura. Tucker projetou e construiu um equipamento, o “fiberpulling apparatus”, que caberia dentro de um “fusquinha” e que está sendo testado no KC-135. Inicialmente, Tucker fez fibras usando um material semelhante ao pó lunar (regolito), também denominado “lunar simulant”. Mais tarde ele começou a testar um tipo de vidro chamado “E-Glass”. Fez vários metros de fibras desse material. As fibras realizadas a partir dessas duas substâncias seriam usadas para reforçar materiais compostos para futuras habitações lunares.
Durante seu último voo no KC-135, ele testou seu aparelho para fazer fibras com um vidro chamado BGG, feito com os elementos Bário, Gálio e Germânio. Em laboratório, Tucker verificou que o composto se cristalizava, produzindo uma fibra ótica de baixa qualidade. Ele fez uma proposta à NASA para produzir fibras óticas no ônibus espacial, com a intenção de ir duas vezes ao espaço durante missões do Spacelab. Caso o projeto seja aprovado, no primeiro voo Tuchker terá prioridade de embarque, enquanto Egalon será seu substituto. Já no segundo, a situação se inverte, e o físico brasileiro será o titular, e Tucker seu substituto. “Anos atrás esse tipo de conversa seria considerado nada mais do que um sonho e agora já é uma possibilidade”, afirma Egalon.
Segundo teorias, o vidro BGG pode produzir fibras óticas de altíssima qualidade, as chamadas “ultra-low loss transmission fibers” (fibras com baixíssima perda de transmissão). O problema desse tipo de material é que, quando processado em forma de fibra, se cristaliza facilmente, diminuindo seu poder de transmissão. “Se o problema puder ser superado em efeito de gravidade zero, existe um mercado enorme para esse tipo de produto”, explica o físico.
As fibras óticas usadas hoje em dia são feitas de quartzo, cujo limite de transmissão é relativamente baixo. Vários cabos transoceânicos de fibra ótica requerem a introdução de amplificadores ao longo de sua extensão, para compensar a perda de sinal. Esses amplificadores tornam o sistema de comunicação muito caro e complicado. Isso faz com que diversos laboratórios de todo o mundo invistam milhões de dólares para descobrir um método capaz de produzir fibras que não necessitem de amplificadores. “Se formos bem-sucedidos, isso vai baratear imensamente o sistema de comunicação, tornando possível várias tecnologias com as quais hoje sequer sonhamos”, disse Egalon.
Avião já testou o banheiro espacial
O avião KC-135 mais parece uma versão robusta do Boeing 707, e foi construído originalmente para funcionar como um posto de gasolina aéreo da Força Aérea dos EUA. O avião que acabou sendo entregue à NASA, que o adaptou para sustentar voos de microgravidade. A NASA possui um hangar que aloja o avião KC-135 e jatos T-38 –que os astronautas militares usam para treinamento – na base de Ellington, no Estado do Texas.
Outros aviões também podem atingir a microgravidade, mas nenhum por tanto tempo quanto o KC-135, que ainda é o que possui maior espaço interno. O compartimento de carga tem 1,8 metro de altura, 3,04 m de largura e 16,4 m de comprimento. Na parte traseira há um banheiro e cinco fileiras de poltronas. Ele é inteiramente revestido com um material acolchoado, para evitar que os ocupantes se machuquem durante o período de microgravidade.
No compartimento são realizados os mais diversos tipos de experimentos com condicionamento físico humano, estudos com animais e tecnologia de ponta, como um inusitado banho para testar o chuveiro que um dia será instalado na estação espacial Freedom. Chegaram a voar 21 pessoas nas quatro missões em que o físico Claudio Egalon participou.
Quase todos os cientistas passam mal durante os primeiros voos. Até mesmo pilotos experientes passam por situações de enjoo. Tanto que o KC-135 tem o apelido nada lisonjeiro de “The Vomit Comet” (algo como “O Cometa do Vômito”).
4 notes
·
View notes