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blogdojuanesteves · 2 months
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DERRADEIRO > MARCO ALVES
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Derradeiro (Edição do autor, 2023) do paulista Marco Alves deve ser visto e lido essencialmente como uma poesia visual pois transmite uma mensagem não só através desta linguagem mas também da verbal, associada pelos textos do escritor Diógenes Moura, pernambucano radicado em São Paulo e da curadora paulistana Rosely Nakagawa, que pelo seu conteúdo poético possibilita outros pontos de vista sobre esta mesma obra.
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De acordo com o português Ernesto Manuel Geraldes de Melo e Castro (1932-2020), expoente da poesia concreta portuguesa e teórico da linguagem e das tecnologias de comunicação, a poesia visual aparece de uma forma consistente quatro vezes na história da arte ocidental: durante o período alexandrino, na renascença carolíngia, no período barroco e no século XX. Seguimos aqui nas tintas do barroco que nas imagens de Alves formatam seu estatuto visual com seus tons quentes e chiaroscuros predominantes, em matizes caquis, castanhos e bronzes, sob a introdução de Moura, pinceladas literárias que abrem o caminho para o leitor.
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A poética do visual é um tipo de apresentação em que – extraindo-se certas distinções entre os gêneros textuais e outras formas de arte – o texto, as imagens e os símbolos são dispostos de modo que o elemento visual assume papel preponderante na obra, não dependendo de elementos verbais para ser caracterizado como poesia; entretanto aqui juntam-se harmoniosamente. Considerando o livro como essencialmente visual, em meio a dois códigos linguísticos distintos, tendo a palavra mais que um mero apêndice, a propor uma infinidade de leituras ao leitor e  construindo uma intrincada rede intersemiótica.
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Desde seu início o livro apresenta seu pequeno e específico grupo de personagens: poucas famílias de uma faixa etária mais vivida; ambientes na maioria avessos à tecnologia e às vezes precários em um espaço rural, de auto subsistência que misturam-se com suas atividades econômicas. Mostram-se altivos em expressões resilientes e em seus afazeres, como se o autor fizesse parte da família, o que é bem próximo da realidade, pelos mais de oito anos que Alves já esteve com seus retratados.
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Com seu formato poético, Derradeiro articula em forma de arte o registro da vida rural do interior de Minas Gerais. É, segundo seu autor, resultado de um amplo documentário fotográfico sobre a  permanência de um modo de vida antigo, simples, e ao mesmo tempo repleto de significados culturais. "São pessoas, animais, roupas, moradias, objetos, hábitos, sensações e sentimentos." No entanto, esclarece Alves, não trata apenas das resistência deste modo de vida, mas sim "sobre a acomodação possível de pessoas e comunidades a uma existência viável em que as tradições já se misturam a comportamentos contemporâneos."
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A ideia de uma fotografia essencialmente vernacular, ou seja aquela que busca determinadas comunidades em espaços temporais específicos, foi antecipada já nos anos da Grande Depressão nos estados Unidos, pelos americanos Walker Evans (1903-1975)  e Dorothea Lange (1895-1965) entre outros que trabalharam com a Farm Security Administration (FSA), um organismo governamental criado em 1937. Em 1966 o americano John Szarkowski (1925-2007), curador do Museum of Modern Art ( MoMA) de Nova York entre 1962 e 1991 no seu livro The Photographer’s Eye ( MoMA, 1966), associava a fotografia fine art à fotografia dos registros mais cotidianos, especialmente aquelas que aprofundam-se em certos valores, como a vida e trabalho familiar. Seu argumento era que toda fotografia poderia possuir os méritos ontológicos que ele buscava.
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Para a curadora Rosely Nakagawa que escreve o texto final do livro, "As metáforas presentes nas imagens de Marco Alves nos remetem a alguns símbolos básicos que nos desenharam como civilização, mesclando percursos, agriculturas e culturas: o homem, a fome, o lugar, o sítio, o sol, a noite, o fogo, o mato, o abrigo, o bicho." Elementos não tão distantes - apesar da ausência do registro humano mais explícito e o monocromatismo predominante - de livros anteriores do autor como Opará- Onde nasce o São Francisco ( Ed. do autor, 2013) e Habitants ( Ed.do Autor, 2015), com a ideia do vernacular presente na essência de sua obra mais ampla.
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Em 2000, o historiador de arte e curador australiano Geoffrey Batchen, professor da Oxford University, escreveu o ensaio Seminal Vernacular Photographies, usando o termo "fotografia vernacular" para referir-se ao que, nesta época, costumava ser  excluído da história da fotografia ou seja o registro mais cotidiano e íntimo - e a interação de seus personagens com o próprio meio fotográfico. Embora, possamos ver que, passados mais de 20 anos, o reconhecimento dessa produção vem aumentando e sendo recebido nos nas grandes instituições de arte e em muitas publicações, quando podemos acrescentar uma infinidade de práticas que tratam de um registro étnico e de gênero mais abrangente.
"Um porta-retrato e eis que o olho de vidro, a câmera, anuncia a intimidade do que virá a seguir. Antes, um gato, um quase prenúncio, passeia em frente a uma casa, uma. porta uma janela. Uma cena de cinema. Tudo, nas duas imagens e nas que virão a seguir é derradeiro." escreve Diógenes Moura em sua indefectível sintaxe. Ele explica que esculpida no silêncio, derradeiro é uma palavra que significa o que não é sucedido por nenhuma outra coisa, ou ação, ou sentimento da mesma espécie. O escritor cria um paradoxo à ideia da fotografia, na qual cada imagem é testemunho da perenidade. A senhora produzindo seu queijo caseiro artesanal, provavelmente não será seguida por alguém da família, segundo este. É a tradição que se dissolve com o tempo, e que essa resiliência contemporânea é finita. Embora, na maioria das situações, a fotografia tenha a contradição como um elemento intrínseco. 
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Podemos enxergar as belas imagens de Alves sob a luz da chamada estética do instantâneo, algo que surgiu com uma tendência na fotografia Fine Art no início dos anos 1960. A apresentação de assuntos do dia a dia aparentemente banais e enquadramentos descentralizados, frequentemente apresentados sem ligação aparente de imagem para imagem e, em vez disso, confiando na justaposição e disjunção entre imagens individuais, as quais primorosamente o fotógrafo executa em Derradeiro, ressaltando aqui a construção de uma palette excepcional ao longo da publicação a nos lembrar do barroco de muitos mestres da pintura, em uma espécie de homenagem ao seus retratados aos quais demonstra intimidade e carinho.
Diógenes Moura define poeticamente: "E os segue, dias, noites, meses, anos permanecendo "diante", como testemunha de uma vida cotidiana ainda protegida, em algum canto do país. Enquanto pelo lado de cá os homens insistem em "progredir", com suas garras do pós-tudo, por dentro do livro a resposta do tempo é inexorável: estamos aqui desde sempre repetindo o mesmo de antes, o mesmo depois, o que será eterno." Certamente Derradeiro é um dos pouquíssimos livros de fotografia cujo raro esforço longo e contínuo é visível. As afinidades do autor com o que fotografou é longeva e fiel, quando ainda produziu seus dois primeiros livros acima citados, atravessou uma pandemia e chegou até agora, bem como sua parceria com o escritor na edição de imagens celebrando esta ocasião.
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Uma espécie de guia foi criado por Moura no final da edição onde um texto literário, toma o papel das legendas, legando uma espécie de roteiro afetivo para o leitor, um conjunto de cinco partes com as páginas que dividem o livro no lugar dos tradicionais thumbs dão um ganho extra na extensão do texto principal, menos descritivo e mais poético. Nele é possível sentir a mimetização do fotógrafo em seu ambiente.
Pensando no livro organizado pelo antropólogo cultural americano Andrew Shryock,  Off Stage on Display -Intimacy and ethnography in the age of public culture (Stanford University Press, 2004) a ideia de auto-conhecimento e a consciência dos outros aflora no conjunto produzido por Marco Alves em um recorte que podemos incluir comunidades nacionais inteiras, grupos étnico-raciais, classes socioeconômicas, movimentos religiosos e diásporas globais. Um terreno que pode não ser totalmente transparente e que muitas vezes é um local de intimidade social. As lacunas e barreiras que diferenciam estes contextos de exibição tornam difícil representar, esteticamente e politicamente, apesar do papel essencial que desempenha na criação de uma cultura, coisa que Derradeiro propõe e realiza  com extrema eficiência.
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Imagens © Marco Alves.  Texto © Juan Esteves
Infos Básicas"
Textos: Marco Alves, Rosely Nakagawa, Diógenes Moura
Coordenação editorial: Marco Alves e Diógenes Moura
Curadoria: Diógenes Moura
Projeto gráfico: Ricardo Tilkian
Tratamento de imagens: Marco Alves e Ricardo Tilkian
Impressão: Ipsis Gráfica/ Tiragem de 250 exemplares capa dura, em papel Garda Pat Kiara
O livro será lançado no Festival Foto em Pauta de Tiradentes dia 07 de março ( quinta-feira) , às 19h, na tenda ao lado do Teatro dos Bonecos onde estará a exposição das imagens que abre na quarta-feira dia 6 de março.
Na sexta-feira dia 8 acontece uma conversa com o autor e Diógenes Moura  no teatro, às 16 hs com o tema Cédula de identidade: do homem particular ao homem universal.
Será lançado também em São Paulo, ainda sem data definida.
Para adquirir o livro contatar o autor pelo e mail: [email protected]
Leia mais sobre o livro Habitants de Março Alves  aqui no blog:
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blogdojuanesteves · 3 months
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JOGO DE PACIÊNCIA > ANA SABIÁ
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Entre março de 2020 e junho de 2021 - no auge da pandemia da Covid-19- a artista visual Ana Sabiá, professora de fotografia do Departamento de Artes Visuais da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), produziu um trabalho procurando possíveis encontros feitos pela arte. Ela conta que a ideia surgiu a partir de um lençol antigo herdado de sua tia, que possui uma abertura central similar a uma moldura. Foi basicamente construído com autorretratos, entretanto com seu rosto oculto.
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Sua obra transformou-se em um delicado livro-objeto, Jogo de Paciência ( Editora. Tempo d'Imagem+Lovely House Editora, com a primeira edição publicada no inverno de 2023. Uma série de 78 cartas como um baralho, em um estojo onde a autora registra suas performances diante da câmera, tendo como estrutura o lençol e objetos com os quais interagiu. Entre eles, cadeiras, rebatedores de luz, molduras e balões. Pelo meio destas, algumas imagens do seu filho, com o rosto oculto como o dela. Segundo os editores, um conjunto que pode ser compreendido como um "objeto-oráculo".
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"Paciência" escrito em várias línguas é um jogo de cartas, também conhecido como "Solitaire" o que, semanticamente, aproxima-se ainda mais da construção da artista. Um nome originalmente aplicado para indicar qualquer atividade relacionada a cartas de um único jogador. No entanto, a grande maioria dos jogos solitários de cartas, reflete a compreensão mais habitual da palavra, denotando uma atividade em que o jogador começa com as cartas embaralhadas e tenta, seguindo uma série de manobras especificadas pelas regras, organizá-las em ordem numérica, muitas vezes também separadas em seus naipes. Alguns passatempos deste tipo são jogados competitivamente por dois ou mais jogadores, questionando assim a adequação do termo paciência.
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Portanto, o livro torna-se um objeto interativo, quando o leitor adentra o universo peculiar e extremamente lírico de Ana Sabiá- uma característica de sua vasta produção-  em que, para ela, a escolha de um corpo sem face foi um esforço consciente na proposição do diálogo para além da vivência individual, abarcando também experiências coletivas. Diz a autora: "Compreendi que a proposta era afrontar o limiar vida-morte-vida nas esferas do cotidiano e que o ineditismo surreal do isolamento fazia-se necessário, também, no cenário das fotografias. O inalterável posicionamento da câmera no tripé; a repetição do enquadramento; a invariável apreensão de um tipo específico de luz; a recorrência dos lençóis instalados cada qual em seu respectivo idêntico lugar; o uso constante de camisolas- afirmou-se como um fazer metodológico que cumpria-se, minuciosamente, à risca."
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Seja qual for a sequência das cartas escolhidas pelo leitor, encontramos certa anamnese, uma rememoração gradativa, na qual descobrimos nossas verdades essenciais e latentes que remontam a um tempo anterior a existência empírica.Também uma espécie de animismo nas quais os objetos inseridos pela autora em sua performance acabam por adquirir uma essência mais espiritual. Um libreto com um índice  mostra definições das cartas pelo qual o leitor recebe certa ajuda, como por exemplo, em O Livro: Um livro é um portal para universos insuspeitos; mergulho da descoberta de outros-nós mesmos; papéis que imprimem nosso lento folhear nas marcações caligráficas e dobraduras de suas orelhas; o lugar de criação subjetiva. Seguido das palavras-chave: portal; criação; história; ideias; descoberta.
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A dualidade no uso de simbolismos, o deslocamento entre pólos opostos de conceitos, as vias duplas que apontam verso e reverso são espelhos multifacetados que reproduzem reflexos caleidoscópicos. Nesse sentido, a fabulação fotográfica da série “Jogo de Paciência" busca amalgamar antagonismos entre a realidade ficcional e a ficção realista em referência direta à estética surrealista.
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Para os editores, a escolha na fotografia em preto, branco e uma considerável gama de cinzas, evidência que demarca a supressão da realidade colorida visível aos olhos, remete aos primórdios da fotografia e suspende a temporalidade linear. O cenário composto por lençóis brancos delimita um palco surreal para os personagens e objetos. Por vezes o “fundo infinito” afirma o deslocamento espacial onde tudo está suspenso: não há paredes, chão ou teto e os elementos buscam algum arranjo emoldurados pela brancura amarrotada.
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As inúmeras variáveis propostas por Ana Sabiá nos remetem a um modo de criação, onde a participação do leitor no entendimento de suas ideias torna-se essencial. É próximo do que o grande autor italiano (nascido em Cuba) Ítalo Calvino (1923-1985) propõe em seu genial livro Il castello dei destini incrociati, publicado em 1973 ( por aqui no Brasil, O castelo dos destinos cruzados, Cia das Letras em 1991), um romance que explora como o significado é criado  seja escrito por meio de palavras pelo autor no livro, já que os seus personagens não podem falar entre si, ou por imagens (as cartas de tarô - consideradas proféticas por alguns, em que eles próprios estão abertos a muitas interpretações simbólicas). É como frequentemente nas obras  deste autor multifacetado, onde vários níveis de interpretações e leituras são possíveis, com base na relação autor-narrador-personagem-leitor, caso deste Jogo de Paciência criado pela artista.
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Assim como este livro, Jogo de Paciência nos mostra o pensamento plurifacetado da autora em suas mensagens subliminares que assimilam uma plêiade de informações inseridas em suas cartas que recontam suas propostas ao entrelaçarem entre si mesmas. O "livro" em suas múltiplas combinações é ao mesmo tempo fantasia e ficção imaginativa cujo efeito depende da estranheza do cenário e dos seus personagens incorporados através de uma narrativa multiforme não convencional, explícita de diferentes maneiras no índex do libreto que o acompanha. Nele o posicionamento das cartas desenha o assunto: "Uma cadeira é lugar de espera; acomoda o cansaço; morosamente recepciona os encontros ao redor da mesa..." Uma garrafa é chamariz e reserva da sede, acolhe a água e o vinho, ampara as flores...". Uma máscara como segunda pele; refúgio que cessa o riso; atmosfera filtrada contra o hostil, ausência de cor vibrante do batom...".
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Este Índex do posicionamento das cartas e suas deambulações não ampara somente uma questão descritiva, mas sim um forte complemento às imagens. De forma poética, aproxima e ao mesmo tempo irradia o pensamento de Ana Sabiá, seja por  meio de um micro ensaio literário e de certa forma também filosófico, no qual a autora exprime categoricamente seu talento literário, ao personificar os elementos de suas composições imagéticas em um texto lírico.
Uma das características mais marcantes do livro de Calvino é o processo de escrita; o romance foi escrito em parte por escolha consciente do autor e em parte como produto do acaso, uma possibilidade que encontramos no O Jogo de Paciência. O leitor pode encontrar as cartas certas para ilustrar seu pensamento e compor a própria história, ao identificar-se com as propostas da autora, ou no encontro aleatório, na busca de uma imagem discernível a partir da contingência de suas posições, que constituem o interessante processo semiótico visto anteriormente, em suas urdiduras, aproximando-se de um perfeito constructo.
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Jogo de Paciência não é o embaralhamento de histórias improvisadas. Há também um componente filosófico significativo, que convida à reflexão sobre a natureza da linguagem que a imagem é capaz de criar. À medida que os personagens criados por Ana Sabiá estão estáticos na fotografia, a linguagem humana revela-se simplesmente como outro sistema de signos que pode ser substituído por um baralho de cartas. Em menor grau, pode ser dito o mesmo da linguagem. Uma palavra não faz sentido em si mesma, assim como as cartas precisam de um contexto ( buscado pelo leitor, incitado pela autora). Isto faz com que estes  percebam que a linguagem humana também pode ser interpretada de múltiplas maneiras e, em última análise, leva à questão de quão precisamente a linguagem é capaz de transmitir significados e descrever o mundo em que vivemos.
Imagens © Ana Sabiá. Textos© Juan Esteves
Infos básicas:
Fotografia e Ilustração : Ana Sabiá
Edição de imagens: Ana Sabiá, Isabel Santana Terron e Luciana Molisani
Desenho gráfico: Ana Sabiá e William Bazzo
Textos: Ana Sabiá e Ana Martins Marques ( epígrafe)
Tratamento de imagens: José Fujocka
Impressão: Pigma
Caixa artesanal: Yume Ateliê
Papéis: Saville Row Plain e Offset
Tiragem de 100 exemplares assinados e numerados
*edição especial com um panô de cetim de seda sublimado com uma das 5 opções de fotografia da série em tiragem limitada de 3 exemplares cada.
Edição bilíngue Português/Inglês.
vendas: lovelyhouse.com.br
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blogdojuanesteves · 3 months
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EDVARD MUNCH E A FOTOGRAFIA
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Autorretrato de Munch.
"Tenho uma câmera antiga com a qual tirei inúmeras fotos minhas. Muitas vezes ela produziu efeitos surpreendentes." afirmou o genial artista norueguês Edvard Munch (1863-1944) em uma entrevista de 1930. "Algum dia, quando eu estiver velho e não tiver nada melhor para fazer do que trabalhar em uma autobiografia, todos os meus autorretratos fotográficos verão a luz do dia novamente." arrematou ele. A autobiografia nunca foi escrita, mas os autorretratos chegaram às páginas do livro "The Experimental Self". The photography of Edvard Munch" (Thames and Hudson, 2021) e as exposições homônimas na Scandinavia House em colaboração com a American Scandinavian Foundation de Nova York, entre novembro de 2017 e abril de 2018 e no Munch Museet, de Oslo, na Noruega, de junho de 2020 a setembro de 2021, revelando as suas experimentações com a câmera fotográfica.
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Como fotógrafo, Munch expandiu a liberdade proporcionada pela sua condição de amador e os aspectos imprevisíveis da tecnologia fotográfica, então analógica, abordando com muito humor sua própria imagem e explorando seu individualismo, já percebidos na sua pintura e gravura, cujo epítome nas duas técnicas é sem dúvida "O Grito", de 1893. As imagens proporcionam um acesso único a sua radical visão artística, que este livro estuda através dos ensaios dos americanos Patricia Gray Berman, historiadora e professora da Wellesley College, de Boston; Tom Gunning, professor de Cinema e Mídia da The University of Chicago, e MaryClaire Pappas, do Departamento de História da Arte na Indiana University, em Bloomington.
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Em 1902 Edvard Munch comprou em Berlim sua primeira câmera, uma Bull 's Eye No. 2, introduzida no mercado em 1892 pela Boston Camera Manufacturing Company, quando tinha 40 anos. Ele usou-a sistematicamente para experiências no seu entorno e para si mesmo onde estivesse, na praia, no seu jardim ou no chamado "Sanatorium Parkstrasse", a casa de Hanni e Herbert Esche, um casal amigo em Chemnitz, na Alemanha, onde passou um tempo convalescendo-se de sua fragilidade mental em 1905. Sempre considerando-se um fotógrafo amador, era curioso e frequentemente explorava seus erros técnicos em ângulos da câmera incomuns, desfoques e o borrado do movimento durante exposições longas. Esses "efeitos" refletiram suas estratégias na pintura e nos trabalhos gráficos, mas por se considerar um amador, Munch não mostrava suas fotografias, como fazia com seus outros trabalhos.
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Em pinturas icônicas como O Grito, descreve a escritora novaiorquina Alexandra Alexa,  o artista Edvard Munch expressou a ansiedade e a incerteza da vida moderna. Além das pinturas com carga psicológica, xilogravuras e aquarelas pelas quais é conhecido, e além disso era um curioso sobre a tecnologia contemporânea, Tal como as suas pinturas, as suas fotografias centraram-se em tornar visível o invisível.
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Munch fez principalmente autorretratos e retratos de familiares e amigos com um forte elemento narrativo, descrevendo sua experiência vivida. “Suas fotografias são explorações muito informais e às vezes extremamente bem-humoradas do artista e de seu ambiente”, explica a curadora e historiadora de arte Dra. Patricia Berman. “Ele documenta, até certo ponto, a si mesmo, seus amigos, seu ambiente imediato – e em seus breves clipes de filmes, os ambientes pelos quais vagou – mas raramente o faz de maneira direta.”
O livro, a exposição fotográfica, gravuras e filmes enfatizam o experimentalismo do artista, examinando sua exploração da câmera como meio expressivo. Ao sondar e explorar a dinâmica da prática “defeituosa”, como distorções involuntárias, movimento desfocado, ângulos de câmera excêntricos, exposições duplas, Munch fotografou a si mesmo e ao seu ambiente mais íntimo de maneira que os tornaram poéticos. Tanto em imagens estáticas como em suas poucas incursões com uma câmera cinematográfica portátil  com suas imagens em movimento, Munch não apenas arquivou imagens, mas as inventou.
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As abordagens sobre o relacionamento de Munch e a fotografia não são poucas e traduzem um grande interesse nesse meio. Edvard Munch as Photographed for his 75th Birthday, 1938: Strategies in Defense of a Legacy, um paper de Reinhold Heller, professor de História da Arte e estudos germânicos da University of Chicago, aborda outras peculiaridades nesta relação. Ele escreve que Munch tornou-se visível ao público de diferentes formas: Pouco antes deste seu aniversário, ele colaborou com o fotógrafo de Oslo, Ragnvald Væring (1884-1960) para criar um trio de fotografias formais que o retratavam no ambiente de seu estúdio de inverno, em pé ou sentado, rodeado por suas obras. 
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Outrora um permanente protetor do isolamento eremita proporcionado pela sua casa e estúdio, ele permitiu que esta condição reclusa fosse quebrada por Ragnvald Væring com o seu equipamento para estas imagens, conta Heller. O fotógrafo não apenas teria entrado na sua privacidade como, uma vez publicadas, as fotografias transformariam o que era privado em algo público. Pelo menos através da realidade virtual das fotografias, o público entraria no espaço privado de Munch para ser confrontado pelo fantasma fotográfico do próprio artista. As três fotografias (aqui uma delas publicada) bem como o processo de encená-las e fazê-las, representam uma notável invasão da privacidade habitual e veementemente protegida de Munch.
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Uma resposta parcial sobre por que Munch cooperou, e até mesmo instigou, esta intrusão pode ser fornecida por uma breve entrevista telefônica com Munch publicada no jornal  Morgenbladet, o mais antigo da Noruega. Quando questionado se pretendia passar o dia inteiramente na “paz e tranquilidade de sua vida privada”, Munch respondeu: “Sim, você sabe, eu vivo em grande parte retraído, acima de tudo. É como se eu precisasse viver um pouco isolado…” Além disso, observou, “hoje, o que mais me agrada é poder voltar a trabalhar… Como vocês sabem, nos últimos anos houve tantas coisas que interferiram na minha vida e resultaram em eu não fazer muito, ou melhor, muito menos do que eu gostaria... Mas agora isso acabou completamente. Agora me sinto fabuloso e em boa forma e, como disse, estou extremamente feliz por poder voltar a trabalhar seriamente.” À luz desta entrevista, as fotografias podem ser consideradas como a documentação visual aparentemente objetiva da saúde, vitalidade e continuidade da vida do artista, de outra forma recluso, quando ele atingiu a idade de 75 anos.
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Munch, porém, não desistiu. À medida que o Ano Novo de 1939 aproximava-se, ele distribuiu as fotografias pela comunidade mais íntima dos seus amigos, enviando-as como saudações de Natal. De alguma forma, ao que parece, ele insistiu em tornar as imagens públicas. No entanto, só depois da sua morte, em 1944, é que as fotografias finalmente se tornaram amplamente disponíveis, publicadas em artigos comemorativos pelos seus amigos. Hoje elas são onipresentes, aparecendo como “documentos” visuais em praticamente todos os catálogos de exposições de Munch para acompanhar suas cronologias. Em certo sentido, foi assim que Munch pretendia que as fotografias funcionassem, como documentos, analisa Reinhold Heller.
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Contudo, a neutralidade e a objetividade da fotografia são problemáticas, como observa o francês Roland Barthes (1915-1980) em sua declaração: "Nenhuma representação poderia me assegurar o passado de uma coisa, exceto por intermediários; mas com a fotografia a minha certeza é imediata: ninguém no mundo pode me desiludir. A fotografia torna-se então um meio bizarro, uma nova forma de alucinação: falsa ao nível da percepção, verdadeira ao nível do tempo: uma alucinação temporal, por assim dizer, uma alucinação modesta e partilhada (por um lado) não está aí”, por outro “mas de fato esteve”: uma imagem louca, transtornada  pela realidade. E sabemos que neste quesito interpretativo, o pensador não estava sozinho.
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Se a própria natureza das imagens levanta questões sobre a realidade de Munch questiona Heller, ontologicamente há outras dúvidas a serem colocadas sobre elas também. O “momento recortado no tempo” ou a "alucinação temporal” das fotografias merece consideração. Se o foco da percepção é desviado da sombra de Munch para o ambiente fotografado, então as pinturas, gravuras e esculturas que o cercam em seu estúdio tornam-se uma lembrança do tempo anterior ao momento das fotografias. O momento preservado e partido das próprias fotografias. O que podemos estender as discussões mais contemporâneas sobre o tempo propostas pelo filósofo e sociólogo francês Pierre Lévy.
As obras de arte que cercam Munch, na problematização de Heller, não trabalham nem interagem com o artista. Mas sim o resultado do êxtase atingido por este.. A atividade então é relegada ao passado. Assim como na proposta discutida pela ensaísta americana Susan Sontag (1933-2004), estas fotografias funcionam como um memento mori: do momento de sua própria produção, mas contêm em si outras referências a um passado igualmente morto através das relíquias que são as obras de arte concluídas e reconhecidas por trás do efêmero na obra de Munch, através  de sua atividade passada.
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Outro livro que aborda a interação do artista com a fotografia é Munch and the Photography (Yale University Press, 1989) de Arne Kristian Eggum, historiador de arte norueguês que focou principalmente sua pesquisa no artista e que ajudou a criar o Munch Museet, dedicado a ele em 1964, tornando-se curador chefe em 1970, e no qual trabalha até hoje. A instituição mantida pela cidade de Oslo e a Galeria Nacional da Noruega, nesta cidade, abrigam mais de 1.000 pinturas, aproximadamente 15.000 desenhos, cerca de 16 mil gravuras e sua biblioteca de mais de 6 mil livros e papéis efêmeros e  cartas, invariavelmente com autocríticas,  doados pelo artista,
Eggum relaciona o uso da fotografia por Munch a dezenas de imagens específicas em outras mídias; faz ligações com diferentes personalidades como a do importante escritor sueco Johan August Strindberg (1849-1912), igualmente fascinado pela fotografia e às discussões gerais sobre o propósito, a utilidade e a estética que os preocupavam tanto. O livro, repleto de detalhes, amplamente ilustrado e com detalhadas legendas, vai dos álbuns de família para um exame escrupuloso do envolvimento do próprio Munch, tanto como modelo quanto como fotógrafo. 
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Para a crítica e curadora de arte novaiorquina radicada na Inglaterra, Marina Alandra Vaizey, em artigo publicado no jornal inglês Sunday Times, "É um curioso paradoxo que a fotografia, em um sentido muito real olhando para fora, tenha sido tão importante para Munch" Entretanto, Eggum mostra a variedade de abordagens fotográficas que envolveram Munch: desde o instantâneo atmosférico, pessoal (quase memórias), até a fotografia "espiritual" e o ocultismo. Ele ainda era fotografado quando já estava com 80 anos e aguardando a morte. A narrativa absorvente de Eggum não apenas lançou literalmente uma nova luz sobre o trabalho de Munch, mas também sobre sua vida - e o espírito de sua época.  
Texto © Juan Esteves. Imagens © Munch e creditados.
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blogdojuanesteves · 4 months
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UNTITLED>ROBERTO WAGNER
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Untitled ( Edição do Autor, 2023) de Roberto Wagner, fotógrafo paranaense radicado em São Paulo reúne neste seu primeiro livro uma série de 36 imagens, parte de um grande ensaio que aproxima-se do abstracionismo geométrico, tendo como cenário o urbano e fragmentos de sua arquitetura no registro de suas consequências temporais captado no senso autoral, pensamento a que vem dedicando-se desde o início dos anos 1980. O amplo recorte visual do autor já foi visto no livro SX70.com.br. (Wide Publishing, 2003) uma coleção de polaroids oriundos do modelo SX70 que também reuniu Armando Prado, Fernando Costa Netto, Marcelo Pallotta, Claudio Elisabetsky, Paulo Vainer e Ricardo Van Steen, organizado pela artista paulista Lenora de Barros.
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Nas suas imagens encontramos composições precisas, seja em uma sala, um fragmento de uma parede, um detalhe de um muro, tapumes, calçamentos, desenhos criados ao acaso, a cor como forma geral. Selecionados pelo autor, seus enquadramentos  ressignificam o banal - ou o decadente- como sua forma de arte encontrando uma certa abstração fotográfica, que podemos em parte ver tanto no movimento concreto, como no modo construtivista no sentido de trabalhar com o objeto exposto no cotidiano das cidades, em sua maioria São Paulo.
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O fotógrafo aponta para a linguagem pictórica da abstração construindo-a com uso de formas geométricas simples (perfeitas e imperfeitas) colocadas em espaços não ilusionistas e reunidas em composições não objetivas, que distanciam-se da representação tradicional da pintura, baseada na imitação de formas do mundo visual. O seu movimento é circundante no espaço perspectivo e ilusionista, como na tradição que surge após o Renascimento e ora perseguido em tempos mais contemporâneos. Neste caso, estruturado  por uma fotografia que abandona seu figurativismo intrínseco.
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Sobrepondo superfícies planas e frontais, unidas por uma grade linear, Wagner apreende formas abstratas em elementos “construtivos” da composição. O ganho da publicação vem da liberdade de experimentação com diferentes estruturas e materiais encontrados por ele e as relações espaciais entre várias partes composicionais, que evoluem para seu recorte final. Sendo assim, cores essencialmente planas misturam-se com distintas sobreposições tonais, dando maior substância a forma, que surge dos vestígios da realidade e das suas características bidimensionais, inerentes à fotografia.
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Luiz S.F. Sandes, historiador da arte que vem dedicando-se a pesquisa da obra de Wagner: "A precariedade brasileira é notada na produção do fotógrafo na medida em que nela são registrados diversos detalhes arquitetônicos ou urbanos que, muitas vezes, denotam falta de acabamento, pobreza, desgaste ou incompletude. Já a ligação com a história da arte se dá pela abundante presença da tendência da abstração geométrica na obra de Wagner. Essa tendência, existente há cerca de um século, tem longa história tanto no campo da arte como no da fotografia." Para o pesquisador, "Se a cidade é um turbilhão incompreensível, o olhar do fotógrafo se coloca em oposição a isso, construindo imagens ordenadas, equilibradas e alinhadas." 
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Interessante notar ainda, pela pesquisa de Sandes, que: "Dado o teor muitas vezes inacabado, deteriorado e imperfeito presente nas suas fotografias, pode soar estranho que elas se relacionem à abstração geométrica. É preciso, contudo, entender que essa relação se dá menos pela presença de linhas, grids e formas geométricas nas imagens e mais pelo modo de o artista compô-las com precisão, simetria e ordem. Ainda que o modo de composição do artista organize nossa experiência visual com a cidade, ele não se sobrepõe ou se impõe a ela."
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O desenvolvimento evolutivo de uma realidade puramente pictórica construída a partir de formas geométricas elementares assumiu diferentes expressões estilísticas em vários países como na Rússia já no início do século XX. Na Holanda, o principal criador e o mais importante proponente da linguagem geométrica abstrata foi Piet Mondrian (1872–1944). Juntamente com outros membros do grupo De Stijl – Theo van Doesburg (1883–1931), Bart van der Leck (1876–1958) e Vilmos Huszár (1884–1960) – o trabalho de Mondrian pretendia transmitir a “realidade absoluta”, interpretada como o mundo das formas geométricas. Nas imagens de  Roberto Wagner, o viés escolhido é um padrão dentro do acaso que apresenta-se a ele. O recorte sobre algo já existente ganha uma nova dimensão ao propor sutilezas gráficas dentro do espectro decadente da construção. Talvez daí, a capa do livro que nos lembra uma prancha de corte com seu quadriculado, ganhe maior compreensão. 
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O que mais aproxima o trabalho de Wagner com estas formas de arte talvez seja a obra do artista e arquiteto russo Vladimir Tatlin (1885–1953) que criou um novo idioma abstrato geométrico em uma forma tridimensional inovadora, que ele primeiro apelidou de relevos pictóricos e posteriormente de contra-relevos. Eram montagens de materiais industriais encontrados aleatoriamente, cuja forma geométrica era ditada por suas propriedades inerentes, como madeira, metal ou vidro. O que podemos fazer um paralelo com o fotógrafo, na imagem que traz uma pilha de tijolos de concreto, próxima da conhecida "Torre" de Tatlin, um monumento à Terceira Internacional de 1919, que sacramenta o inter-relacionamento atemporal representado pela arte em seus meios mais improváveis.
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Sem a conexão com o assunto literal, o espectador das propostas de Roberto Wagner possivelmente responderá mais aos fatores quase subconscientes da sua fotografia, certo que as imagens abstratas dirigem-se para um nível mais emocional ao usar apenas forma, cor e outros elementos de criação. Na sua forma mais pura, o tema de uma fotografia abstrata é muitas vezes irreconhecível. A beleza não deriva do assunto em si, mas de suas formas, texturas ou cores. Guardadas as proporções, um pequeno cubo vermelho em meio a uma grande parede cinza, nos sugere o americano Mark Rothko (1903-1970)  ou os brocletes largados no asfalto nos lembram uma instalação do chinês Ai WeiWei e os azulejos quebrados e sujos na parede nos levam a produção dos escoceses Boyle Family.
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Em maio de 1951 o Museum of Modern Art (MoMA) de Nova York abriu a mostra Abstraction in Photography, com curadoria do luxemburguês Edward Steichen (1879-1973), 150 fotógrafos e artistas, entre eles os franceses Eugène Atget (1857-1927) e Henri Cartier-Bresson (1908-2004); os americanos Harry Callahan (1912-1999), Charles Eames (1907–1978), Jeannette Klute(1918-2009), Isamu Noguchi (1904-1988) e o húngaro Laszlo Moholy-Nagy (1895-1946). Para o curador, a abstração, como lógica, é uma maneira do pensamento do homem e geralmente está incluída no que chamamos de Simbolismo. Isto é, suas particularidades é que fazem sua distinção. Em resumo, o que vemos em Untitled de Roberto Wagner é resultado da eliminação das impurezas dos fatos e a manutenção do essencial da estrutura ou forma. A fotografia abstrata como forma de arte.
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Imagens © Roberto Wagner.  Texto © Juan Esteves
Infos básicas:
Fotografia: Roberto Wagner
Edição/ Coordenação editorial/ Produção executiva: Ale Ruaro
Projeto Gráfico: Alyssa Ohno
Encadernação artesanal: Eliana Yukawa/Yume Ateliê & Design
Tratamento de imagem: Chris Kehl
Impressão: Gráfica Ipsis Editora/ Papel Munken Lynx Rough, 100 exemplares 11,5X15cm
*Box com edição especial de apenas 11 exemplares no formato 21X28 cm + print 24X36cm assinada pelo autor.
Para aquisição: [email protected]
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blogdojuanesteves · 4 months
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UTOPIA > LUCAS LENCI
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A relação problemática entre ambiente e o ser humano representada pela imagem fotográfica ganhou notoriedade em 1975 com a mostra New Topographics Photographs of a Man-Altered Landscape, no museu de fotografia da George Eastman House, em Rochester, Nova York, com curadoria de William Jenkins, um importante papel na ruptura da história da fotografia e as representações não tradicionais da paisagem. 
A visão romântica e transcendente deu lugar às indústrias austeras, a expansão suburbana e cenas cotidianas, elaboradas por fotógrafos e artistas como os alemães Hilla e Bernd Becher e os americanos Robert Adams, Lewis Baltz (1945-2014), Joe Deal (1947-2010), Frank Gohlke, Nicholas Nixon, John Schott, Stephen Shore e Henry Wessel (1942-2018) que tomaram seu lugar na arte estabelecida. Sem dúvida um marco ao tratar desta relação na construção de uma imagética constituída pela apresentação conceitual e gráfica.
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Utopia (Vento Leste, 2023) do paulistano Lucas Lenci é mais uma tentativa de transformar essa relação em arte pela reflexão projetada por uma topologia sentimental ora poética, ora cética, no embate entre a natureza e o urbano, um conceito atraente tanto visualmente quanto ontológico. Entretanto, a proposta procura ser mais ampla no sentido de anexar a ideia da construção digital em seu trabalho, quando produz uma clara dicotomia entre a realidade e a ficção em suas cenas. Embora ao observador mais atencioso ela seja evidente de início, a compreensão mais complexa pode ser lenta ao leitor desavisado, o que parece atingir a maioria imersa na confusão visual mais contemporânea, formatada pelo excesso de imagens produzido sistematicamente e difundido pelas redes.
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Em um sentido mais filosófico, Lenci cria formas nas quais sua própria invenção e conteúdo em suas construções - na verdade, suas percepções e sensações que dão origem a este volume - são incorporados em sua execução e permanecem essenciais para sua eficácia. Os filósofos mais remotos já haviam notado que um evento deste tipo é de natureza altamente tátil, um momento- se puder ser medido, garantido no tempo cronológico- que pode de fato ser da mesma ordem. Assim, a etimologia de invenção, como descreve o filólogo americano Tom Conley em seu An Errant Eye (University Minnesota Press, 2010) explica como a topografia, a arte de descrever o espaço local é algo que acontece, ou aqui melhor dizendo, que o artista faz acontecer. Um evento que cria uma sensação de espaço e lugar porque exige uma consciência elevada de compreensão, que é, de contato com o ambiente de tal forma que as relações até então desconhecidas são feitas a partir da experiência das coisas apreendidas pelo autor.
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Então vejamos o pensamento de Lucas Lenci: "Os conceitos de velocidade e distância foram distorcidos pela minha geração. Inebriados pela internet, abraçamos com paixão a desmaterialização de praticamente tudo: de produtos, serviços, informações e da própria fotografia. Agora uma foto viaja instantaneamente, transformando-se em dados e pixels, percorrendo distâncias antes inimagináveis." O fotógrafo nasceu em 1980 e é graduado em fotografia e desenho industrial. Iniciou sua carreira profissional como fotógrafo após atuar como produtor executivo de projetos comerciais, editoriais e culturais. Publicou o livro Desaudio ( Ed.Madalena, 2013) [ leia aqui review https://blogdojuanesteves.tumblr.com/post/116469317861/desaudio-lucas-lenci ], Movimento Estático (Editora Valongo, 2016) [ leia aqui review https://blogdojuanesteves.tumblr.com/post/153956336821/movimento-est%C3%A1tico-lucas-lenci ] e Still Life ( Fotô Editorial, 2020) [ leia aqui review https://blogdojuanesteves.tumblr.com/post/613665409938472960/por-mais-falso-que-o-assunto-seja-uma-vez ] entre participação em outras publicações.
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Lenci revela que explora uma "geografia afetiva", uma reflexão acerca "das emoções que os lugares e os espaços que habitamos nos despertam." As fotografias, segundo ele, retratam endereços intangíveis, ao mesmo tempo que estão ancoradas em precisas coordenadas de georreferenciamento, na busca por capturar distâncias tanto físicas quanto virtuais. Imagens que buscam ir além das representações de cidades reais ou fictícias: "um interesse pelo simbólico, imbuído das experiências pessoais, da memória, da história, mecanismos que mostram os vínculos emocionais, entre o indivíduo e seu meio ambiente.
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As imagens de Utopia nos levam para o pensamento do historiador Philip J. Edington, do Departamento de História da University of Southern California: "A posição “assimilativa” procura equiparar as fotografias a todos os outros signos num universo semiótico e derivar os seus significados principalmente deste contexto. Uma posição excepcional que sustenta que estes são signos indiciais que carregam uma impressão direta do mundo. Argumenta-se que as duas posições podem ser colapsadas numa espacialização radical do conhecimento visual, expandindo a tese do genial historiador da arte vienense Ernst Gombrich (1909-2001) sobre a “primazia do significado” para incluir os caminhos neurais através de mapas do campo visual.
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Daí a importância de Lenci incluir as localizações exatas das suas tomadas fotográficas que compõem cada uma de suas imagens. "A mente exige que cada evento interpretativo, cada “leitura” de uma fotografia ocorra numa posição de perspectiva." Uma expectativa que o autor tem de distanciar-se da cartografia da plataforma geo-histórica (Hyper Cities), alimentada pelo Google, como um exemplo do mais recente conhecimento de redes na Internet hiperespacial, cada vez mais amplas em sua contextualização, que pode expandir o universo de significado interpretativo, ao mesmo tempo que aprofunda a sua inscrição nos locais terrestres da sua produção. Rejeitando o ceticismo radical da posição assimilacionista, o ensaio percebe as qualidades excepcionais da fotografia na circulação de signos que ancoram a interpretação à medida que constrói-se um conhecimento histórico, abrindo caminhos de uma perspectiva na topologia sem fundo e incorporada anteriormente pela semiótica.
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O fotógrafo paulistano Tuca Vieira, autor do excelente livro Atlas Fotográfico da cidade de  São Paulo e Arredores ( Casa da imagem/Museu da Cidade de São Paulo, 2020) escreve um ensaio no livro sobre a fugacidade da imagem digital, em contraponto a elaboração complexa das imagens de Lucas Lenci: "A vida útil de uma fotografia pode chegar hoje a apenas alguns segundos de duração, e ela logo em seguida pode cair no esquecimento. Disso também decorre a diminuição dramática do tempo que dedicamos a cada uma delas, tanto no ato de produzi-las quanto de apreciá-las..." Para ele, então passamos a desconfiar das imagens. No entanto, diz ele, "há também os que se dedicam a estudar as características únicas da imagem como ela é hoje produzida, e que são capazes de extrair de suas particularidades a força necessária para reter nosso olhar apressado.
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Para Vieira, "Lucas Lenci trabalha de forma criativa essa desconfiança, equilibrando-se cuidadosamente numa fronteira entre o crível e o estranho, o possível e o improvável. As imagens da série "Utopia" [Alpha Cities] conseguem provocar justamente esse segundo olhar, que retém o observador para além do encontro fugaz inicial. E isso não é pouco num mundo de experiências tão fragmentadas, marcado pela economia da atenção. Essa fotografia em dois tempos primeiro captura a atenção do observador (que desconfia do que vê) e depois exige um olhar mais atento, detido, na promessa de revelar seu enigma.
A posição do autor de Utopia, encontra alguns paralelos na nossa produção, caso do belo livro Repaisagem São Paulo (Porto de Cultura, 2011) do artista paulista Marcelo Zocchio, que mostra aspectos da história da cidade de São Paulo nos últimos 140 anos. Uma montagem de imagens suas atuais e outras antigas, com uma inclusão cartográfica dos anos 1897, 1930 e de hoje, imagens de consagrados fotógrafos, como as suíço Guilherme Gaensly (1843-1928), do carioca Militão Augusto de Azevedo (1837-1905) e do italiano Vincenzo Pastore ( 1865-1918)  entre outros, cujo resultado é um interação temporal da do espaço e vida urbana.
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Aproximando-se no sentido gráfico e conceitual, inclusive no formato de Utopia ( embora com imagens panorâmicas), o livro Entre Morros ( Cosac Naify, 2014) da fotógrafa carioca Claudia Jaguaribe igualmente problematiza a tensão entre a mudança e a permanência. Com imagens produzidas por ela, faz uma revisão da relação tempo e espaço com a noção de lugar. Segundo ela, "Na série a nitidez está no todo e nos detalhes das imagens, captando a força da trama urbana. Vê-se, simultaneamente, perto e longe, dentro e fora, de cima e na encosta dos morros cariocas. O Rio dessas fotos, assim como as cidades idealizadas por Lucas Lenci, não existe em estado natural. Ele é uma construção feita a partir de seus contrastes urbanos. Natureza e cidade, riqueza e pobreza, violência e gente.
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Em termos mais conceituais, no trabalho de Jaguaribe ( assim como nos de Lenci)  suas imagens estruturam-se a partir de evidentes elementos de contemporaneidade, como a simultaneidade de informações visuais que hoje permeiam praticamente todos os meios de comunicação, sendo em sua maioria construções digitais a partir de uma ou mais imagens, onde a perspectiva clássica e informação stricto sensu são por consequência fortemente alteradas, escreveu Sergio Burgi, coordenador de Fotografia do Instituto Moreira Salles ( IMS).
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Trabalhos que, no dizer de Lucas Lenci, não são apenas "o testemunho desta era de desmaterialização, mas catalizador de novas jornadas." o que podemos enxergar como um manifesto que nos leva às ideias, guardada a distância, introduzidas pelo filósofo francês Maurice Merleau-Ponty (1908-1961) no seu trabalho sobre o grande pintor francês Paul Cézanne (1839-1906), O visível e invisível (Ed.Perspectiva, 1984) (originalmente publicado em 1964, pela francesa Gallimard, que traz o conceito de visão topológica para descrever e explicar uma forma particular de ver que considera, no contínuo surgimento de uma imagem fotográfica, uma possibilidade de superar uma filosofia idealista que transforma tudo em pensamento, sem levar em conta o contato primordial com o mundo. O pintor ou aqui no caso, o fotógrafo não transforma o mundo em pensamento para fotografar e por isso, não faz uma representação do mundo em sua imagem, mas cria um mundo próprio, resultado da mescla entre o vidente e o visível, que possibilita por esse ato criador, a experiência com o Ser enquanto presença.
*Imagens © Lucas Lenci.    Texto © Juan Esteves
Infos básicas:
Vento Leste Editora: Mônica Schalka/Heloisa Vasconcellos
Fotografia, captação e montagem: Lucas Lenci 
Textos Lucas Lenci/Tuca Vieira
Edição bilíngue: Português/Inglês
Tratamento de imagens: Marcos Ribeiro 
Design Gráfico: Fábio Messias e Nathalia Parra [Zootz Comunicação] 
Coordenação editorial: Lucas Lenci e Tuca Vieira
Produção gráfica: Jairo da Rocha
Impressão: Capa dura, 500 exemplares em papel Alta Alvura:  Ipsis Gráfica e Editora 
Para adquirir o livro  ventoleste.com
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blogdojuanesteves · 5 months
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HÊMBA> Edgar Kanaykõ Xakriabá
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"O céu respira a terra
Temos que ter cuidado
Pois uma foto é uma imagem"
[ Pagé Vicente Xakriabá, 2019]
Hêmba, na língua Akwê [ o povo Xakriabá pertence ao segundo maior tronco linguístico indígena brasileiro, o Macro-jê, da família Jê, subdivisão Akwê, um dos poucos grupos que habitam Minas Gerais.] traz a ideia de alma e espírito, na alusão da fotografia e imagem. É o nome do livro do fotógrafo e antropólogo paulista Edgar Kanaykô Xakriabá, publicado este ano pela Fotô Editorial, que promete ser o primeiro de uma coleção voltada para autores indígenas, publicação com incentivo do ProAc SP e com a parceria do Centro de Estudos Ameríndios (CEstA) da Universidade de São Paulo (USP) que disponibilizará uma versão permanente em e-book em seu repositório digital.
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Fabiana Bruno, professora e pesquisadora da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) edita - com participação de Fabiana Medina e Eder Chiodetto,  e escreve o texto do livro, o qual também acomoda escritos do autor e suas narrativas indígenas ( visuais e textuais)  que voltam-se não somente para uma poética vernacular, mas fortemente amparados pela produção gráfica do fotógrafo. A publicação teve consultoria da professora Sylvia Caiuby Novaes, do Departamento de Antropologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas ( FFLch) da USP, especialista na Antropologia Visual. ( Leia aqui no blog o excelente livro organizado por ela: Entre  arte e ciência, usos da fotografia na antropologia (Edusp, 2016) em https://blogdojuanesteves.tumblr.com/post/143117323916/entre-arte-e-ci%C3%AAncia-a-fotografia-na-antropologia ).
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Edgar Kanaykõ Xakriabá nasceu em São Paulo em 1990 e vive e trabalha na terra Indígena Xakriabá, compreendida entre os municípios de São João das Missões e Itacarambi, no estado de Minas Gerais. É graduado na Formação Intercultural para Educadores Indígenas (Fiei/UFMG) e tem mestrado em Antropologia Social (Visual) pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Sua dissertação, Etnovisão: o olhar indígena que atravessa a lente (2019) é uma discussão acerca da utilização da fotografia pelos povos indígenas como instrumento de luta e resistência e o conceito de imagem, a primeira realizada por um pesquisador indígena em um programa de pós-graduação da UFMG. Sua composição baseia-se em registros fotográficos de sua comunidade Xakriabá, de outros povos, assim como de manifestações do movimento indígena no país.
Não somente para ler ou ver, Hêmba é um livro para uma imersão no universo peculiar do autor, que salvo raras exceções, distingue-se certamente de outras representações dos indígenas já publicadas no Brasil, as quais normalmente limitam-se a explorar o exótico e o superficial, explicitados pelo substantivo beleza. É uma publicação produzida por alguém que faz parte essencial de uma comunidade no sentido mais abrangente, ao incorporar uma colaboração multidisciplinar que assimila questões atuais de representação visual, como parte integrante de um processo mais profundo, filosófico e existencial, que apesar de nos mostrar belas imagens, algumas poucas até mesmo recorrentes, transcende em grande parte sua poética em seu fazer mais ontológico.
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A editora Fabiana Bruno, alerta em suas preliminares que "a fotografia é um meio de luta para fazer ver - com outro olhar- aquilo que o povo indígena é." A definição do próprio Edgar Xakriabá de conceber as fotografias no mundo, daí um conjunto de imagens que ganham este título Alma e Espírito- Fotografia e Imagem, palavras que aparentemente sugerem a mesma coisa, mas que de fato não são. Para a professora, a imagem é um dispositivo de resistência em sua linguagem. O gesto fotográfico torna visível mundos e cosmologias indígenas, a resistência e a sobrevivência em histórias: "As fotografias de Edgar Xakriabá correspondem aos próprios atravessamentos da sua história e pertencimento ao mundo das aldeias, relações e compromissos com os povos indígenas sem desvincular-se da construção de um olhar, que define seu trabalho autoral há mais de uma década, no qual se incluem as suas pesquisas no âmbito da sua formação em antropologia." diz a pesquisadora.
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Em suas narrativas os argumentos ficam evidentes quando o conteúdo desloca-se do mainstream dos acontecimentos generalizados sistematicamente. Já de início afastando-se das primeiras descrições mitológicas criadas pelos viajantes estrangeiros quando chegaram na América, mediações feitas pelo senso comum, que posicionavam-se diante desta incompreensível alteridade. O historiador americano Hayden White (1928-2018) em seu Trópicos do discurso-Ensaios sobre a crítica da cultura (Edusp, 1994),publicado originalmente em 1978 pela John Hopkins University , já apontava que a humanidade era então definida pela negação do divino ou do que não era animal, classificando os indígenas como estes últimos ou ao contrário como super-humanos, como os antigos patriarcas, algo impreciso, principalmente pelo medievo, escreve a professora Maria Inês Smiljanic da Universidade Federal do Paraná (UFPR) em seu paper  "Exotismo e Ciência: os Yanomami e a construção exoticista da alteridade." 
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O livro é resultado de associações entre fotografias desveladas como constelações, que emergiram após um longo e profundo mergulho de edição no acervo do autor formado por mais de duas mil imagens. Para ela, o autor " pontua a urgência de se tecer outras histórias não ocidentais da fotografia brasileira, descoladas de uma história única, defendida por muito tempo em campos especializados do conhecimentos." define a editora.
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Imagens extremamente líricas, stills de flores abstratos abrem para o leitor a representação de sua cosmogonia, tão cara ao imaginário indígena, a qual ganha a amplitude visual do firmamento em seu esplendor, destacando o cenário da natureza- ao mesmo tempo uma visão poética e um manifesto contrário às atitudes do homem branco que vem desprezando este conceito estabelecendo resultados nefastos. Em seu texto: “Antigamente muitas pessoas eram conhecidas por virar toco, animais, folhas e então se dizia que esta capacidade é uma "ciência" um conhecimento dos antigos. Ver esse "outro mundo" é coisa de gente preparada e que tem "ciência" como os pajés. Ver esse "outro lado" sem os devidos cuidados e a preparação necessária pode levar a uma série de "alucinações" e até mesmo a um estado de loucura. Na aldeia a gente não aprende a lidar com a roça sem lidar com a "ciência" das plantas, dos bichos, dos tempos."
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Imagens mais textos consolidam a estrutura ontológica do autor ao continuar pelo caminho natural, flora e fauna, em um belo preto e branco e cores românticas, ora a lembrar uma captura em infra-vermelho, nas árvores, nos ninhos de pássaros, nas asas de uma borboleta, nas patas assombrosas de um réptil, caminhando para uma alegoria do conhecimento ancestral, do homem e a natureza ou nas cores meio borradas próximas das experiências das capturas lisérgicas feitas pela fotógrafa suíça Claudia Andujar com os Yanomami nos anos 1970."Quando uma pessoa mais velha diz de onde veio, sempre aponta com o dedo mostrando que foi de muito longe. Outros relembram que, no passado, eram só um povo, junto com os Xavante e Xerente, formando assim os Akwê, vivendo no Brasil central. Quando se fala em povo Xakriabá, costuma-se dizer que habitam à margem esquerda do Rio São Francisco. Mas no atual território que vivemos não temos acesso ao rio..."
Inegável também é o caráter epistemológico que o autor adiciona ao artístico, quando descreve o conhecimento ancestral em seus textos enquanto procura também o registro mais documental e contemporâneo das manifestações urbanas pela causa indígena, uma vivência politizada de seu grupo, estruturada pelas novas gerações dos povos originários, essenciais no debate de seu tempo.
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Se na estética romântica literária, as alegorias foram substituídas pelos símbolos, no sentido de uma ideia geral ou ideal, sendo que a primeira seria mais artificial e exterior ao seu conceito. Entretanto, esta se manifesta no romantismo brasileiro, com a ideia de realismo, como pode-se notar na obra de Machado de Assis (1839-1908) ou Oswald de Andrade (1890-1954), em sua fotografia Edgar Xakriabá aproxima seu imaginário aos detalhes mais emblemáticos e figurativos. Daí, por exemplo, os rituais das lutas  indígenas, tão registrados ad nauseam, ganharem nova dimensão pela sua construção mais poética, descartando o confronto e revelando paradoxalmente certa amorosidade em seu extremo realismo.
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Não é à toa que a maioria das imagens são noturnas, a reforçar a ideia das constelações, aludida pela editora Fabiana Bruno. Na alegoria proposta pelo autor, “a "noite" guarda seus segredos, como um modo fabulatório de seu projeto criativo, ao articular suas diferentes abordagens, com substratos conceituais estéticos próprios em suas cenas, mas entrelaçadas em um todo, constituintes de uma sedimentação  histórica de sua herança e seu estado contemporâneo: " Os Xakriabá, assim dizem os mais velhos, são conhecidos como o povo do segredo. O segredo é importante para manter aquilo que somos. Não no sentido de "preservar" e sim de cuidar, de ter consciência daquilo que é parte. É um tipo de conhecimento que não é transmitido nos mesmos modos do mundo dos brancos. Quando se trata de segredo, há de se remeter ao sagrado..."
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"Como almas as fotografias em Hêmba são as próprias evocações de outras existências e memórias." acertadamente escreve Fabia Bruno. " Os seus altos contrastes, de cores vibrantes. luzes e forma intangíveis transparecem como imagens densas e porosas, cujas espessuras  resultam não explicações de mundos mas em manifestações de luzes e reverêcias de sinais..." Continua ela: Há de se concordar igualmente com suas ideias de 'temporalidades imemoriais" e da fotografia como o devir exploratório da vida, intrínseca ao seu processo primordial.
Imagens © Edgar Kanaykõ  Xakriabá.  Texto © Juan Esteves
Infos básicas:
Publisher: Eder Chiodetto
Coordenação editorial: Elaine Pessoa
Edição: Fabiana Bruno 
Co-edição Fabiana Medina e Eder Chiodetto
Textos: edição trilíngue ( Akwê/Português/Inglês) Edgar Xakriabá e Fabiana Bruno
Consultoria editorial: Sylvia Caiuby Novaes
Design gráfico: Fábio Messias e Nathalia Parra
Impressão: 1000 exemplares, brochura, papel Munken Lynx Rough Gráfica Ipsis
Para adquirir o livro https://fotoeditorial.com/produto/hemba/
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blogdojuanesteves · 5 months
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IOLE DE FREITAS Anos 1970-Imagem como presença > HELENA ALMEIDA Fotografia habitada.
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Helena de Almeida
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Iole de Freitas
A arte é vida e movimento, muitas vezes interligados ao enigmático além do artístico, uma porta aberta a mostrar mistérios da vida e longe de ser superficial. Apresentada abertamente pela fotografia, alcança profundidade pela representação do Eu (a modificação por influência do mundo externo, que acentua a alteridade do autor). Além disso, essas imagens vão além da câmera, na maioria das vezes apenas um suporte. Imagens formadas por múltiplos meios, para que o resultado materialize-se na visão do artista com o apuramento de conceitos e sentimentos. O que vemos aqui em dois livros: Helena Almeida Fotografia habitada ( IMS, 2023) e Iole de Freitas Anos 1970-Imagem como presença (IMS, 2023), na construção de elaboradas narrativas que articulam o ficcional e o real.
As duas publicações são resultado de exposições nas galerias do Instituto Moreira Salles este ano. Esta última de maio a setembro, na sede paulista [e agora no Paço das Artes, Rio de Janeiro, de dezembro de 2023 a março de 2024] e a primeira de junho a setembro de 2023. Ambas mostram duas autoras com merecido reconhecimento internacional, como a lisboeta Helena Almeida (1934-2018) cuja carreira inicia em 1967 e a mineira Iole de Freitas, que iniciou a sua obra em 1970. Portanto, contemporâneas em amplo sentido, no tempo e no uso da fotografia como expressão artística, bem como em certo pioneirismo da expressão mais conceitual na abordagem visual de si mesmas.
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Helena de Almeida
Iole de Freitas mostra trabalhos de mais de cinco décadas, alguns raramente exibidos, muitos deles conhecidos apenas de um círculo restrito de admiradores, afirma a curadora Sônia Salzstein, professora de História da Arte e Teoria da Arte do Departamento de Artes Plásticas da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (USP), onde coordena o Centro de Pesquisa em Arte Brasileira. "Embora as fotos, os filmes e as instalações da mostra talvez surpreendam o público que, desde o início da década de 1980, se habituou a associar a artista ao campo da escultura..." explica ela.
Para Salzstein é a primeira vez que um conjunto tão numeroso e representativo da produção desse período é apresentado, obras que já anunciavam características que de um modo ou de outro emergiram em tudo o que ela produziria depois – "mesmo que as peças em exibição, a diferença das esculturas, sejam feitas de algo tão imponderável e esquivo como a matéria luminosa das imagens."
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Iole de Freitas
Helena Almeida disse certa vez: “A minha pintura é o meu corpo, a minha obra é o meu corpo”. Embora seu trabalho, questionador na essência, seja, por vezes, tratado como arte corporal, vemos uma variedade de meios como fotografia, performance, desenhos e vídeos. Suas atitudes ambíguas, cenários simples e acessórios pobres (arame de metal, cânhamo, espelhos, pigmentos em pó, entre tantos) a tornaram em pouco tempo reconhecida na Europa. O livro estrutura-se em sua maior parte em registros fotográficos  auto referenciados de ações performáticas e alguns desenhos. Imagens ora líricas com inserção de pinceladas da cor azul IKB (Ink Klein Blue) -a nos lembrar do genial francês Yves Klein (1928-1962)- e outras mais contundentes pelo forte contraste do preto e branco.
"Passei para a fotografia através do desenho. Foi o desenho dos fios (colagens de fios de crina) que me obrigou à necessidade de ser fotografada." Para Almeida a linha no papel havia tornado-se sólida, liberta do papel e só através das fotografias isso podia ser expresso e representado, diz ela no livro A minha obra é meu corpo (Fundação de Serralves, 2015). Definindo assim suas preocupações e a diversidade de suas disciplinas, uma espécie de litania, como afirmava a crítica de arte e curadora portuguesa Isabel Carlos já em 1998, que organizou o volume atual do IMS.
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Helena de Almeida
Se na obra da artista portuguesa o preto e branco mais definido tem sua preferência, acontece o oposto com a brasileira Iole de Freitas. Salvo poucas exceções a predominância é da cor em movimento e texturas mais acentuadas, fruto também de projeções, onde a autorreferência é igualmente presente. Em nota do texto da curadora, "casca" é um termo que a artista usa para referir-se ao próprio corpo em um breve texto datilografado originalmente escrito em italiano de 1972, no qual descreve sucintamente o filme Elementos (1972), "O corpo visto como matéria, a pele como casca, substâncias que se transformam, se movem, se alteram como a água e o mercúrio. A ideia do próprio corpo como elemento construtivo de sua obra, aproxima-se de Helena Almeida, ainda que o resultado seja distinto graficamente.
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Iole de Freitas
Isabel Carlos com pertinência coloca que a realização da artista - em que resiste em identificar como fotografias, designando-as por "sequências fotográficas", é o encontro de uma sincronia entre seus movimentos, deu dispêndio físico e emocional enquanto se desloca e aciona o disparador da câmera fotográfica: "as imagens voláteis do corpo que os fragmentos de espelhos dispostos no chão oferecem à câmera ( e eventualmente, à artista) e, finalmente, as imagens que só as lentes lograram ver e fixar toda a performance."
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Helena de Almeida
A ideia do registro fotográfico de uma performance, que por sua vez transforma-se na própria obra do autor, ou parte dela, remonta algumas décadas, como podemos ver nestes dois trabalhos aqui comentados. A estes, podemos juntar imagens de outras artistas contemporâneas a elas, que propõem uma leitura corporal, como Cut Piece, da japonesa Yoko Ono registros de sua histórica apresentação no Sogetsu Art Center de Tóquio, de 1964 que pode ser visto no livro Yoko Ono: One Woman Show, 1960-1971 (MoMA, 2015). Aqui no Brasil, vale lembrar do livro da artista sérvia Marina Abramović, Places of Power (com fotografias de Marco Anelli) produzido pela galeria paulistana de Luciana Brito em 2015, que inclui seu Diário do Brasil - 2012-2013, onde a utilização do próprio corpo estão presentes em imagens fotográficas.
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Iole de Freitas
O trabalho de Iole de Freitas dos anos 1970 guarda algo da imaginação estética do corpo que inspirou as trajetórias de Lygia Clark (1920-1988), Lygia Pape (1927- 2004) e Hélio Oiticica (1937-1980), diz Sônia Salzstein, uma imaginação que persistia como uma cintilação póstera do movimento neoconcreto que se transmitiu a jovem artista, a partir de meados da década de 1960, desde o tempo que ela praticava dança e frequentava o meio artístico carioca. Já em sua entrevista com Helena Almeida, a curadora Isabel Campos destaca que a questão da autoria sempre esteve presente em seu trabalho porque utiliza o seu próprio corpo como veículo primeiro da obra. Almeida argumenta que mesmo antes da fotografia já sentia-se como uma autora. "Parti de linguagens familiares ao princípio porque é assim que  todos começamos.”
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Helena de Almeida
As duas belas publicações quase simultâneas, do IMS celebram a importância da posição feminina na arte fotográfica em seus manifestos transmitidos por uma expressão corporal intensa, lírica e essencialmente autoral, que destacam as suas distintas maneiras de ver o mundo e a si mesmas. Mais do que isso, completam-se ao discutir a importante produção das mulheres nos anos 1960 e 1970 e seus inter-relacionamentos, que até hoje mostram-se de vanguarda. Ainda que distantes geograficamente, consolidam a suas posições na arte contemporânea.
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Iole de Freitas
Imagens © Helena Almeida e Iole de Freitas  Texto © Juan Esteves 
Infos básicas:
Helena Almeida
Organização: Isabel Carlos
Projeto gráfico: Bloco Gráfico/ Ass.Stephanie Y.Shu
Tratamento de Imagens e Impressão em capa dura : Ipsis Gráfica e Editora
Iole de Freitas
Organização: Sônia Salzstein/ Ass. Leonardo Nones
Projeto gráfico: Celso Longo+Daniel Trench, Caterina Bloise e Bárbara Catta
Fotografias: Vicente de Mello, Ass. Guilherme Siqueira
Tratamento de imagens: Núcleo de Digitalização IMS
Impressão brochura:  Ipsis Gráfica e Editora
para adquirir as publicações ims.com.br
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blogdojuanesteves · 5 months
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CERCO FLUTUANTE > Helena Giestas KIRIRI> Ivonete Leite
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imagem: Ivonete Leite
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Imagem: Helena Giestas
Cerco Flutuante, da paulista Helena Giestas e Kiriri, da mineira Ivonete Leite, são dois livros da Fotô Editorial publicados neste final de ano com edição do fotógrafo e curador Eder Chiodetto e da professora e pesquisadora Fabiana Bruno. O primeiro reúne fotografia, monotipia e desenho com técnicas mistas (em parceria com Peter Erik Siemsen) e o segundo além da fotografia constrói seu itinerário usando técnicas como a frottage e a assemblagem. Ambos evocando um conjunto próximo de abstrações em agudas interseções imagéticas essencialmente gráficas expandindo o uso da câmera e ampliando o conceito de seus trabalhos para uma interessante forma de arte mais artesanal cujos resultados projetam representações mais atemporais.
A abstração- a idéia de que elementos das coisas visíveis representam pouco ou nenhum papel na arte, e mais calcada em forma, cor, linha, tom e textura: "uma superfície coberta por cores em uma determinada ordem..." como pensou o artista francês Maurice Denis (1870-1943) ainda no século XIX, rompendo com a tradição renascentista, abandonando a representação da realidade mais exata. Com diferentes percursos está incluída no que genericamente chamamos de simbolismo, uma arte distinta. É alcançada pela eliminação das "impurezas" dos fatos e mantendo o essencial de sua estruturas, uma questão vital, pois está na raiz de cada discussão sobre a fotografia como uma forma de arte.
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Imagem: Ivonete Leite
Como sugere o nome, a fonte de Ivonete Leite, está na região do Cariri, outrora chamado Kiriri pelos povos originários da região do sertão da Paraíba, atribuída pelo povo Tupi, da costa deste estado cujo significado é "calado" ou "taciturno". Na poética definição do curador Chiodetto: "é uma dessas áreas que nos defrontam com os mistérios da formação do universo" O que certamente amolda-se ao conjunto de imagens e design gráfico evocativos e sublimes, onde a sua peculiar paisagem e suas frottages percorrem páginas cobreadas e monocromáticas em contraste com a imagem fotográfica em preto e branco mais tradicional.
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Imagem: Ivonete Leite
O curador explica, que a autora em 2015, ao deparar-se com a geologia local que insinuava "terem sido esculpidas pelo divino" foi arrebatada por formas análogas à "paisagem lunar ou outro corpo celeste entrando em estado de gravidade ou flutuação", o que a transportava para uma perceptível manifestação de um tempo imemorial. "Enigmas que rondam a ordem cósmica e os desígnios da natureza." Certamente, as estruturas naturais das rochas arredondadas são recordativas de uma certa construção enigmática, que paralelamente aos belos mandacarus, plantas nativas do semiárido brasileiro, fornecem um bem elaborado contraponto por seus atributos  tipológicos claramente românticos e belos.
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Imagem: Helena Giestas
Cerco Flutuante para Fabiana Bruno é “ uma obra em que imagens se desdobram nas tentativas inventivas de imprimir tempos sobre tempo. Vidas, materiais e pessoas se entrelaçam por meio de linhas que Helena Giestas intercepta com o seu olhar e as transforma em emaranhados que se metamorfoseiam nas superfícies. As imagens- linhas traçadas pela prática artística da fotógrafa em Cerco Flutuante são também forças invisíveis, que se expressam como vínculos, afetos, memórias e costuram mundos." 
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Imagem: Helena Giestas
Neste sentido, Helena Giestas produz trabalhos que juntam-se a desenhos e pinturas por afinidades estéticas e íntimas, aqueles produzidos pelo grafite e tinta de seu avô Peter Erik Siemsen e a sua fotografia que revela as tramas urdidas pela natureza, enquanto o mar traça suas linhas em sua borda e relevos são esculpidos em rochas, assim como galhos de árvores secos acomodam-se na transição de suas existências e na transmutação para uma arte híbrida bem constituída.
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Imagem: Ivonete Leite
A aproximação da representação abstrata, fruto da criação do autor e uma fotografia, resultado de uma reação química ou digital, algo produzido por um registro mecânico, já mostrava-se interessante concomitantemente à pintura e outras artes nas primeiras décadas do século XX, mas ganha atenção quando em 1951, o Museum of Modern Art (MoMA), de Nova York promove a mostra Abstract Photography, com curadoria do luxemburguês  Edward Steichen (1879-1973). Pela primeira vez fazia-se uma tentativa de definir a ideia de uma abstração fotográfica, tanto seu  método quanto o conteúdo em uma exposição eclética com autores como o suíço Robert Frank(1929-2019), os americanos Louis Faurer (1916-2001), Harry Callahan (1912-1999) e Man Ray (1890-1976), o francês Henri Cartier-Bresson (1908-2004), o húngaro László Moholy-Nagy(1895-1946) e até mesmo nosso conhecido Thomaz Farkas (1924-2011),húngaro radicado no Brasil,  entre umas duas dezenas de autores, em 150 images.
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Imagem: Helena Giestas
Considerando também a difusão da fotografia mais ligada a arte provocada pela Editorial Fotô, lembramos de alguns livros que associam-se ao conteúdo produzido por Helena Giestas e Ivonete Leite, como por exemplo os belíssimos Sublimação (2014), da artista paulistana Ana Nitzan e Herbário Baldio, (2019), da também paulistana Ana Lucia Mariz. [ Leia aqui review https://blogdojuanesteves.tumblr.com/post/185680834281/herb%C3%A1rio-baldio-ana-lucia-mariz ]. Ambas publicações que desenvolvem as técnicas e conceitos já comentados aqui anteriormente, os quais representam mais fielmente um "livro de artista".
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Imagem: Ivonete Leite
Cerco Flutuante e Kiriri, transcendem o discurso pessoal, ainda que sustentados em parte por tal, e ampliam os requisitos da imagem a outros patamares. Objetos que  "devem finalmente ocupar o seu lugar no campo tonal da imagem e conformar-se ao seu ambiente espacial." como pensou o fotógrafo e poeta americano Aaron Siskind (1903-1991) - A ideia de que suas estruturas entram em cena de certa forma e que, mesmo fotografadas diretamente, muitas vezes transformam-se em outras, pois tiradas do seu contexto habitual, dissociadas dos seus vizinhos habituais e levados a novas relações. Momento em que a consciência das artistas (o que sentem, a imagem a fazer, a relação destas com outras já feitas e outras experimentações.) surge pela habilidade em criar “amálgamas dessas matérias” como escreve Fabiana Bruno ou de transcender o tempo geológico, em metáforas de tempos-espaços, como escreve Eder Chiodetto.
Imagens © das autoras.  Texto © Juan Esteves
Infos básicas
Kiriri
Fotografias, Frotagens e Assemblages" Ivonete Leite
Edição e Texto: Eder Chiodetto
Co-edição Fabiana Bruno
Projeto gráfico: Rafael Simões
Coordenação Editorial: Elaine Pessoa
Tratamento de imagens: José Fujocka
Impressão: Gráfica Ipsis- 500 exemplares- capa dura
Cerco Flutuante
Concepção, Fotografias e monotipias: Helena Giestas 
Desenhos com técnicas mistas: Peter Erik Siemsen e Helena Giestas 
Edição e Texto: Fabiana Bruno 
Co-edição: Eder Chiodetto 
Design Gráfico: Letícia Lampert 
Coordenação Editorial: Elaine Pessoa 
Tratamento de imagens: José Fujocka
Impressão Gráfica Ipsis - 500 exemplares assinados e numerados - brochura
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blogdojuanesteves · 6 months
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BASIC FORMS > BERND & HILLA BECHER
*CLÁSSICOS
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Os alemães Bernd (Bernhard,1931-2017) e Hilla Becher (1934-2015) foram fotógrafos que juntos produziram uma extensa  documentação tipológica de estruturas industriais na Alemanha e em outros países da Europa e nos Estados Unidos. Suas imagens têm um caráter que chamamos de "straight" ou seja sem firulas ou maneirismos, observando sempre um plano direto, em preto e branco, que serviram como estudos do que eles chamaram de "Escultura Anônima", um registro das relíquias arquitetônicas em extinção, como minas de carvão, siderúrgicas, caixas de água, silos de grãos e tanques de gás entre outras construções. 
A importância da dupla pode ser avaliada pela Bienal de Veneza de 1990 que  concedeu o Leão de Ouro da Escultura para eles. No pavilhão alemão daquele ano, foram expostas as séries de instalações arquitetônicas, cujo o mainstream da pesquisa da arquitetura não dava muita importância. Esculturas, no entanto, os Bechers nunca criaram. Eles simplesmente fotografaram as estruturas industriais abandonadas. Sem eles, realmente teriam continuado anônimas, no paradoxo do título de suas séries. Entre os inúmeros livros publicados, encontramos a reedição de seu Basic Forms ( Prestel London, 2020), originalmente publicado em 2014 pela Schirmer/Mosel Verlag Munich como Basic Forms- of Industrial Buildings, uma síntese de 40 anos de trabalho pelo mundo em busca da representação de tipologias e topografias peculiares.
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Hilla e Bernd conheceram-se quando estudavam pintura na Kunstakademie Düsseldorf (Academia de Belas Artes de Dusseldorf) instalada na cidade dividida pelo rio Reno, com a Altstadt (Cidade Antiga) na margem oriental e as modernas áreas comerciais. Seguiram um romance que os levou a uma carreira colaborativa. Eles contam: “Tomamos consciência de que estes edifícios eram uma espécie de arquitetura nômade que tinha uma vida comparativamente curta – talvez 100 anos, muitas vezes menos, e depois desaparecem. Parecia importante mantê-los de alguma forma e a fotografia parecia a forma mais adequada.” Seus métodos e técnicas de trabalho influenciaram uma geração de fotógrafos hoje conhecida como Escola de Düsseldorf, que inclui nada menos que os consagrados alemães Andreas Gursky, Thomas Struth, Thomas Ruff e Candida Höfer. Suas obras estão incluídas nas coleções do Art Institute of Chicago, do Museum of Modern Art de Nova York, da National Gallery of Art de Washington, D.C. e da Tate Gallery de Londres, entre inúmeras importantes instituições do mundo. 
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O inventário fotográfico destas estruturas industriais é sem dúvida uma das realizações mais interessantes e significativas da produção fotográfica dos séculos XX e XXI. Apoiando-se na ideia da tipologia e uma visão comparativa, o casal entrou sistematicamente no assunto revelando constantes variações destes complexos que nunca eram chamados de "arquitetônicos" muito menos interessantes para a arte estabelecida à época do início desta produção ( anos 1960 aos 2000) construindo uma impressionante coleção de séries tipológicas, criando assim uma inestimável enciclopédia fotográfica sobre a cultura industrial de uma época final que combina a taxonomia científica com o empirismo estético. O levantamento mostrado em Basic Forms, segundo seus editores, ilustra ambos: as "formas básicas" da arquitetura industrial anônima e o conceito estético da fotografia de Bernd e Hilla Becher.
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Basic Forms contém um texto instigante do belga Thierry de Duve, professor visitante de Arte Moderna e Teoria da Arte Contemporânea, nas universidades de Lille III e Sorbonne, ambas na França, além de crítico de arte e curador, como do  Pavilhão belga Na Bienal de Veneza de 2003, e autor de livros importantes como "Pictorial Nominalism; On Marcel Duchamp's Passage from Painting to the Readymade (University of Minnesota Press, 1991),"Bernd and Hilla Becher" (Schirmer Art Books, 1999), entre dezenas de outros, publicados na Inglaterra, Alemanha e Estados Unidos.
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As fotografias são feitas com uma câmera que utiliza negativos no formato grande 20X25cm, no início da manhã, em dias nublados, para eliminar sombras e distribuir a luz de maneira uniforme. O tema é centrado e enquadrado frontalmente, com suas linhas paralelas dispostas em um plano o mais próximo possível de uma elevação arquitetônica. Nenhum ser humano e nenhuma nuvem ou pássaro no céu interferem na rigidez. A imagem não transmite nenhum humor, nem o menor toque de fantasia que perturbe sua neutralidade ascética. Raramente a recusa do Fotografte ( o fotografado) subjetivo é feita e a Sachlichkeit (Objetividade) da lente da câmera foi perseguida de forma tão sistemática, reflete Thierry de Duve.
Considerando a possibilidade de uma fotografia ser totalmente desprovida de estilo, a dos Bechers poderia ser entendida deste modo. Um trabalho que segundo a crítica pertence à tradição arquivística da fotografia na qual o francês Eugène Atget (1857-1927) e o alemão August Sander (1876-1964) – fotógrafos que fizeram questão de não serem artistas e se destacaram, embora hoje sejam considerados como tais. "As fotos de Bernd e Hilla poderiam ser descritas como puros documentos se não houvesse algo que nos impedisse de colocá-las, sem mais delongas, na categoria da foto documental." diz  Duve.
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O crítico em seu texto explora o ideal da imagem conceitual e recorre a um provérbio chinês apócrifo: “Quando o homem sábio aponta para a lua, o tolo olha para o seu dedo”. No caso dos fotógrafos, o tolo olha para a fotografia e o sábio para o que esta mostra. "O tolo pergunta por que essas imagens são “arte”, enquanto o sábio vê nelas um testemunho indiscutível do mundo real. "No entanto, o mais sábio dos homens sábios é um tolo, porque para saber que o dedo está apontando para a lua, ele deve primeiro olhar para o dedo. É um dos paradoxos da fotografia que um elemento giratório balance incessantemente o espectador de uma representação para um uso estético da imagem e vice-versa.
Mesmo que os Bechers tenham profundo conhecimento da sua profissão é difícil chamá-los de fotógrafos. No mundo da arte onde os seus trabalhos circulam, onde é visto e vendido, as pessoas os descrevem como artistas, acrescentando ocasionalmente “que fazem uso da fotografia”. Para de Duve, "a obra do casal abriga uma emoção contida, melancolia sem nostalgia, dor histórica, guerras de classes travadas ou sustentadas, admiração pela arte multifacetada do engenheiro, lucidez, dignidade, respeito pelas coisas, humildade e auto-anulação que só tenho uma coisa a dizer sobre isso : esta é uma arte genuinamente grande, daquelas que não tem necessidade de ter o seu nome protegido ao ser colocada num museu, porque já pertence à nossa memória coletiva."
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As fotografias, nas paredes de um museu ou galeria são “arte”. Inseridas nas páginas deste livro fazem fronteira com o documento etnográfico, mas em ambos os casos, são fotografias e não pinturas ou gravuras. Mostram aquilo que a luz gravou em sua superfície. O filósofo americano Charles Sanders Peirce (1839-1914) um dos pioneiros da Semiótica - classificou a fotografia como um sinal por conexão física que, como fumaça ou pegadas na neve, é ao mesmo tempo um índice do objeto ao qual se refere e um indicador apontando para ele. É a existência real dos seus referentes, porque como eles estão relacionados por um nexo causal que pode operar em contiguidade espaço-temporal ou em contiguidade quebrada e assemelham-se aos seus referentes. Aqueles que figuram na classificação de Peirce tanto como ícones quanto como índices. Esse é o caso da fotografia. Faça uma fotografia de uma torre de água, no sentido de representá-la e mostre-a, diz o crítico. Ela é a representação de como faria um desenho com uma ligeira diferença que é a causalidade fotoquímica.
O projeto de quase uma vida de Bernd e Hilla Becher ao documentar a paisagem industrial do nosso tempo assegura sua posição no cânone dos fotógrafos do pós-guerra. Ao reunirem ao mesmo tempo arte conceitual, estudo tipológico e documentação topológica, certamente nos aproxima da grande mostra New Topographics Photographs of a Man-Altered Landscape, no museu de fotografia da George Eastman House, em Rochester, Nova York, entre outubro de 1975 e fevereiro de 1976, com curadoria de William Jenkins, na qual os dois tiveram importante papel na ruptura da história da fotografia e as representações não tradicionais da paisagem. A visão romântica e transcendente deu lugar às indústrias austeras, a expansão suburbana e cenas cotidianas, elaboradas por fotógrafos como eles e seus companheiros da mostra original: os americanos Robert Adams, Lewis Baltz (1945-2014), Joe Deal (1947-2010) , Frank Gohlke, Nicholas Nixon, John Schott, Stephen Shore e Henry Wessel (1942-2018).
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Sintetizadas a um estado essencialmente topográfico e transmitindo quantidades substanciais de informação visual, mas evitando quase inteiramente os aspectos de beleza tradicional, emoção e opinião são características que resumem estes trabalhos. Entretanto, ao olhar as formas capturadas pelos Bechers fica difícil não realizar a beleza (melancólica) e ímpar contida- principalmente pelo seu caráter tipológico nelas representadas-  ao incorporaram igualmente uma precisão técnica excepcional, expressa nos negativos de grande formato e filmes lentos. 
O livro Bernd & Hilla Becher, Life and Work (MIT Press, 2006) de Susanne Lange, historiadora da fotografia, uma bem documentada biografia, discute as dimensões funcionalistas e estéticas do tema do casal, em especial a tipologização na obra deles, que considera uma reminiscência dos esquemas classificatórios dos naturalistas do século XIX e o estilo de construção industrial anônimo preferido pelos arquitetos alemães.  Ela argumenta que os tipos de edifícios industriais impõem-se à nossa consciência como a catedral o fez na Idade Média, e que as fotografias do casal - que à primeira vista parecem registar apenas uma paisagem em extinção - servem para examinar esta configuração das nossas percepções.
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Em 1922, se pergunta Thierry de Duve, quando o arquiteto suíço Le Corbusier (Charles-Edouard Jeanneret-Gris,1887-1965) procurava o caminho para uma nova arquitetura, ou antes, em 1919 quando o arquiteto alemão Walter Gropius (1883-1969) fundou a Bauhaus, quais eram os seus referentes, que modelos citavam para uma arquitetura ainda por nascer? Ele responde: "O mais conhecido foi tirado da América industrial e celebrado tanto pelo primeiro quanto o segundo: o silo de grãos. Se você adicionar armazéns, fábricas, transatlânticos, pontes, torres de água, torres de resfriamento e gasômetros, logo temos uma tipologia de edifícios  técnicos inteira, composta de "edifícios industriais", "construções" e “estruturas”. Como devemos chamar toda essa arquitetura anônima sem consciência de si mesmo?"
As imagens  de Bernd e Hilla Becher estão entre essas obras, diz  Duve. Não desconsidera uma modernidade que, na arquitetura como em outros campos onde a arte e a política se encontram, começou por celebrar um futuro melhor e termina ou esgota-se no desencanto do pós-modernismo, completa o pensador.  Mas leva-nos de volta ao lugar onde começou a utopia da arquitetura moderna e onde, apesar de ter falhado em Sarcelles ou Brasília, acrescento, a Cidade do Amanhã ainda guarda a recordação da utopia.
Imagens © Bernd e Hilla Becher. Texto © Juan Esteves
Infos básicas:
Editora Prestel, Londres
Design: Schirmer/Mosel
Impressão EBS, Verona, Itália
Papel Gardamatt
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blogdojuanesteves · 8 months
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YEPÉ > EDU SIMÕES
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Em janeiro de 1909 o romancista francês Marcel Proust (1871-1922) experimentou uma recordação involuntária de uma memória de infância quando provou um biscoito. Em julho retirou-se do mundo para escrever um romance, terminando o primeiro rascunho em setembro de 1912. Du côté de chez Swann (O Caminho de Swann) tornou-se seu primeiro volume da obra monumental À la recherche du temps perdu ( Em busca do tempo perdido), recusado em várias ocasiões mas finalmente publicado às suas custas em novembro de 1913.
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Em Yepé (Instituto Olga Kos, 2023), o fotógrafo paulistano Edu Simões faz também uma espécie de revisão sobre a sua infância tendo como cenário a cidade que dá nome ao livro começando a fotografá-la em 2015. Iepê, no interior paulista, às margens do rio Paranapanema onde um dia habitaram os Guarani, um título que vem do tupi-guarani, que significa "lugar único". Uma das imagens do livro é uma urna funerária desta etnia, considerada a maior já encontrada por arqueólogos no país. Seus colonizadores, entre eles o ancestral do fotógrafo José Nogueira Jaguaribe Filho, em 1927 queriam colocar na cidade o nome de  Liberdade, mas este já existia.
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O gatilho de Simões para esta espécie de documentário pessoal, como feito pelo escritor francês, foi ter encontrado no lugar há poucos anos, amigos de seu pai e que ele não tinha lembrança, mas que lembravam dele. Resolveu então fazer um registro maior da cidade e cercanias onde passou inúmeras férias na fazenda da família, poucos quilômetros de Iepê. Um roteiro afetivo, mas atraído pelas peculiaridades do lugar. Ao apresentar boa parte das imagens ao editor da coleção de fotografias do IOK, João Farkas resolveu ampliar seu trabalho que agora apresenta. 
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Eduardo Simões é um fotógrafo de larga experiência. Desde o início dos anos 1980 quando fez parte da icônica F4, a primeira agência de fotojornalismo brasileira independente, que reunia fotógrafos como Nair Benedicto, Juca Martins, Delfim Martins e Ricardo Malta, entre outros. Ao longo de um percurso de sucesso, foi editor das revistas Goodyear e Bravo!, tendo publicado o belíssimo  Amazônia ( Terra Virgem, 2012) [ leia aqui review https://blogdojuanesteves.tumblr.com/post/146356003506/amaz%C3%B4nia-edu-sim%C3%B5es ] e o original Marmites ( Éditions Bessard, 2018) [ leia aqui review https://blogdojuanesteves.tumblr.com/post/182987343411/em-table-comes-first-family-france-and-the ] ambos trabalhos de fôlego e longo tempo.
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Farkas em sua apresentação escreve: "Desde que eu vi as primeiras imagens eu logo percebi que não se tratava apenas de mais uma série de imagens produzidas por ele. Eu vi ali quase que uma tese sendo exemplificada. O que o Edu nos oferece é uma avaliação do poder do olhar fotográfico de se apropriar e de discutir visualmente até a menos relevante das realidades, a realidade menos glamourosa ou menos espetacular e ainda as pessoas menos fantásticas, menos destacadas."
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Se quando menino, Simões e seus primos divertiam-se procurando vestígios dessa ocupação indígena, "na forma de pontas de flecha e machados de pedra ou no que chamávamos apropriadamente de "cacos de índio", isto é, os fragmentos de belas peças", conta ele, este imaginário tornou-se mais ontológico, ainda que se configure como um registro documental da região, repleta de campos de soja e cana de açúcar, pouco gado criado em sua maioria pela mãe do fotógrafo, próximos a pequena localidade que conta com cerca de oito mil habitantes segundo o censo de 2020.
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O resultado é um apanhado imagético poético e lírico, onde predominam os retratos, dos quais o fotógrafo é um reconhecido virtuose; paisagens rurais e a arquitetura urbana, destacando suas peculiaridades históricas e cotidianas em um percurso afetivo, fragmentos de sua existência, como as armas enferrujadas que o pai comprou quando adolescente; as estruturas da entrada da cidade com tucunarés esculpidos e moldados a colunas semelhantes a dóricas; até mesmo irônicos como um túmulo que ao invés de um jarro de flor, mostra um único tijolo; uma árvore arranhada por uma onça, que frequenta o lugar ou o velho ventilador de sua mãe, "por conta do calor infernal que faz no lugar", salienta Simões. Imagens que tornaram-se um complexo roteiro percorrido pelo autor.
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O fotógrafo, segundo ele mesmo, vai misturando suas memórias. Ele me conta que não é por terem menor importância que podem perder seu valor. Este olhar e pensamento, já reverbera no raciocínio de Simões quando ele fazia as fotografias para a "Geografia pessoal" dos escritores nos extintos Cadernos de Literatura publicados pelo Instituto Moreira Salles (IMS) a partir de 1996 com a monografia do poeta pernambucano João Cabral de Melo Neto (1920-1999) até 2012, o último, sobre o poeta mineiro Carlos Drummond de Andrade (1902-1987). O ensaio fotográfico foi incorporado no número 2 com o paulista Raduan Nassar, com uma visita a sua  fazenda Lagoa do Sino, em sua Pindorama natal. Neste encontro, a imagem do escritor em seu ambiente, as referências em sua obra a uma visualidade indissociável de lugares e cidades. Por extensão, a familiaridade com esta produção de 20 Cadernos, estava mais que incorporada em sua obra e em suas narrativas documentais, que afloram agora em sua própria história.
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A narrativa em Yepé nos leva a análise que o parisiense Gilles Deleuze (1925-1995) faz de seu conterrâneo Proust*. Pode ser memorialista com fragmentos autobiográficos, em sua interpretação, ou melhor ao confrontar a realidade em planos paralelos de consciência que relacionamos a uma série de signos das imagens que aparecem ao longo do livro, conceitos de amizade e arte embutidos em sua forma, definida como a parte de um fenômeno cuja função é motivacional no que diz respeito ao sentido na mente de um intérprete. Portanto fotografias às vezes desconexas encontram um certo alinhamento no seu conjunto maior. Muito distante de publicações que procuram problematizar algo que revela-se inconsistente.
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Assim, Edu Simões fotografa carros antigos e a pegada de uma onça, que de certa maneira é algo circular, segundo ele. Ou então as curiosas descobertas feitas, como o salão de cabeleireiro chamado Askalon Studio, em uma pequena casa vernacular mas cujo nome remonta a última batalha da primeira cruzada de 1009. "Muitos na cidade sabem quem eu sou. Nela não sou fotógrafo, eu sou filho da dona Gilda, assim não tive muita dificuldade em ser recebido nas casas das pessoas. Elas que permitiram eu entrar nesse pequeno universo, relata o fotógrafo. Um relacionamento que torna-se cognitivo, o que nos leva a representação deste em imagens. 
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O livro traz também um descobrimento pessoal. "Foi uma descoberta e o motivo é o meu trabalho mais pessoal. Nunca pensei em fazer estas fotografias, muito menos que elas fossem publicadas." fala Simões, embora muitas vezes acontecesse de passar uma semana na cidade e produzir apenas uma única imagem. Como dificuldades ele lembra que os moradores já viram tudo. "então o que eu tinha era sempre sugestões de onde comer, essas coisas. A alma do projeto, óbvio, é o hábito que cultivo há anos, uma forma de ver, de entender o linguajar de pessoas que fui conhecer trabalhando na casa de minha mãe."
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Lembrando ainda Deleuze, é evidente que pensar em uma perspectiva memorialista da obra como um todo pode ser um tanto superficial. João Farkas define bem em seu prefácio: "O que pode ser retratado? O que fica? O que é revelado? Este ensaio do Edu propõe e resolve a questão. Este olhar que transforma e dá significado para o nosso cotidiano, para os elementos que nos cercam, para todas as pessoas e para todos os lugares é um exercício, digamos assim, quase zen de introspecção e busca do valor e da beleza do outro."
Imagens © Edu Simões.  Texto © Juan Esteves
*Proust and signs (George Braziller, 1972)
O livro será lançado  dia 9 de setembro, às 19:00hs na Bienal do Livro - Pavilhão Verde. - T27 - RIOCENTRO, Rio de Janeiro.
Lançamento em São Paulo no MIS em 23 de outubro 19:00hs- Av Europa, 158, Jardim Europa
Infos básicas:
Imagens: Edu Simões
Edição; João Farkas e Kiko Farkas
Design: Kiko Farkas/Máquina Estúdio/ Assistente Helena Ramos
Edição bilíngue português/ inglês
Realização Instituto Olga Kos de Inclusão Cultural
Pré-impressão e Impressão: Ipsis Gráfica e Editora
Papel couché matte/ 3 mil exemplares/ Capa dura.
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blogdojuanesteves · 8 months
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CENTRO UNIVERSO>ALE RUARO
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O uso de contrastes extremos entre luz e sombras nas composições figurativas aumentam o efeito dramático de uma imagem. Na história da pintura próxima do renascimento as figuras foram frequentemente retratadas contra um fundo de intensa escuridão, mas iluminadas por uma luz brilhante e perscrutadora. Criadas por um chiaroscuro controlado, historiadores creditam a técnica ao milanês Michelangelo Merisi, conhecido por Caravaggio (1571-1610),retomada no início do século XVII por pintores influenciados por ele, como o francês Georges de La Tour (1593-1662), os holandeses Gerrit van Honthorst (1592-1656) e Hendrick Terbrugghen (1588-1629) ou o  espanhol Francisco de Zurbarán (1598-1664), entre outros.
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Naturalmente, a fotografia, uma técnica que nasce emulando a pintura, não poderia deixar de utilizar o chiaroscuro e todo seu valor pungente, não como o hieratismo daquela época, mas com diversidade em abordagens tanto líricas como contundentes, expressões tautológicas que remontam aos meados do século XIX, seja no aspecto mais social ou com um inevitável esteticismo a contrapor este estado. Importantes nomes como a vitoriana Julia Margaret Cameron ( 1815-1879) e o contemporâneo escocês Albert Watson, alguns dos inúmeros fotógrafos que  flertaram com o meio.
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Centro Universo ( Vertigem, 2023)  livro de Ale Ruaro, gaúcho radicado em São Paulo é um pequeno compêndio permeado por esta singular prática pictórica. Seu cenário é o degradado ponto mais central da cidade de São Paulo, no qual seus personagens ora adquirem um tom trágico, ora enveredam pelo grafismo "noir" cinematográfico, termo criado pelo crítico francês Nino Frank nos anos 1940, que também traz influência do movimento expressionista alemão. Roteiros cuja liturgia é organizada em diálogos rápidos e frases incisivas, ainda que poéticas. Entretanto, o fotógrafo vai além com um percurso mais comovente estendido às condições contemporâneas do ser humano em uma cidade desprovida de políticas sociais e repleta de violência.
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Em seu texto, o professor e fotógrafo Fernando B. Schmitt situa o leitor na geografia  paulistana explanando seu perímetro categoricamente: "O Centro do Universo localiza-se em um apartamento de trinta e seis metros quadrados. A partir deste ponto desdobra-se a maior cidade da América Latina. O estado mais rico do país, uma das nações com maior desigualdade social e diversidade cultural..." Neste cenário, muitas vezes surrealista, centenas de fotógrafos há décadas - dos modernistas com suas produções analógicas à turba digital- trataram de documentar as ruas e as desigualdades das metrópoles brasileiras. O que faz a diferença neste Centro do Universo é tanto sua expressão gráfica mais contundente, em parte imaginada por Ruaro, na relevância dos traços arquitetônicos e no paradoxal visagismo incorporado em sua produção. já usado pelo autor em outras oportunidades como seu livro de retratos de personagens ligados a fotografia Retrato da fotografia brasileira ( Ipsispub, 2022) e em Ludus ( Ed.Bodoque, 2021).
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No ensaio sobre a pintura Raft of the Medusa (1819) do francês Théodore Géricault (1791-1824) o ensaísta inglês Julian Barnes no seu livro A History of the World in 10 1/2 Chapters (Vintage, 1990) discorre sobre as ligações inefáveis entre "arte e catástrofe" usando esta enorme tela, abrigada no Louvre, como uma ferramenta para aprofundar sua tese, no conteúdo de um naufrágio real, de que uma das funções da arte é levar-nos a compreensão de uma tragédia. No entanto, não aprofunda-se na condição dos náufragos serem negros. Já este livro de Ruaro, expressa justamente a condição mais dolorosa  de seus personagens, ainda que certo esteticismo seja inevitável.
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Schmitt realça que " Há muito mais para ver, os objetos que brilham na luz e os esconderijos nas sombras." ou mais dramaticamente "Formas que respiram fuligem, brotam sobre qualquer solo e bebem água com diesel." O texto é um convite ao leitor para mergulhar em um mundo que a maioria recusa a ver. Daí a ideia de Barnes, sobre o papel da arte, que amolda-se às imagens de Ale Ruaro: revelar o absconso, instigar o leitor tornando palpável o inefável em suas urdiduras gráficas, capturadas em suas deambulações ao lado dos personagens esquecidos pela sociedade, vozes que ecoam na escuridão do centro paulistano.
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A fotografia e sua habilidade idiossincrática sobre as metáforas como o personagem que carrega restos de papel nas costas cuja sombra no chão lembra-nos dos contornos policiais de corpos no chão; o homem que passa por uma parede queimada em certa indiferença com a vida; O observador de um corpo no chão ao qual parece velar o mesmo; o retrato do padre Julio Lancelloti de batina opondo-se a uma página negra, uma alegoria ao que temos na nossa frente; o detalhe de uma demolição em ferro e concreto retorcidos a fabular sobre a destruição; o musculoso homem com seu chapéu de grife e a delicadeza de um gatinho branco nas mãos negras de unhas sujas, acentuando o paradoxo das ruas; o investigador de polícia com a arma preparada, anunciando mais uma tragédia que nas estatísticas policiais macabras mostram que 59 jovens negros são mortos por dia no Brasil, como lembra Edu Simões em seu livro 59 Retratos da juventude negra brasileira  (Ed.Bazar do Tempo, 2020). [ veja review aqui. https://blogdojuanesteves.tumblr.com/post/635954469694291968/o-paulistano-edu-sim%C3%B5es-conta-que-a-primeira-vez ].
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Imagens © Ale Ruaro.  Texto © Juan Esteves
Infos básicas:
Imagens: Ale Ruaro
Editora: Selo Vertigem
Design: Alyssa Ohno
Texto e edição: Fernando B. Schmitt
Impressão: i9 Gráfica e Comunicação [ Papel Gran Pólen Avena, 90g ]
Edição bilíngue português/inglês
onde adquirir o livro:
https://www.selovertigem.com.br/product-page/centro-universo
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blogdojuanesteves · 9 months
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FUGA > MARCIO SCAVONE
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Podemos pensar na fusão de imagens como uma coleta de importantes acontecimentos fotográficos registrados em várias fotografias e sua finalização em uma única. Na maioria das vezes, ela representa mais o pensamento de seu autor do que apenas um simples registro, com o desejo de construir uma nova ideia, mas perceptível aos seus leitores. É o que encontramos em Fuga (Alice Publishing, 2022) novo livro do paulistano Marcio Scavone.
Com vasta experiência tanto na fotografia editorial, quanto na publicitária, onde consagrou-se como um dos mais requisitados profissionais,  Scavone não se deixou levar apenas pelo desejo de editores de grandes publicações ou diretores de criação de importantes agências, mas sim por uma sistemática experimentação gráfica e teórica no que pensamos como uma fotografia autoral ou de arte, aqui nesta publicação representada pelo caráter mais ontológico onde o mesmo deixa-se levar por suas afinidades eletivas e íntimas.
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Em entrevista ao crítico e curador mineiro Agnaldo Farias, ele esclarece que como retratista desde o início buscou a síntese do seu assunto, seja ele uma pessoa ou um espaço geográfico, sempre pensando em qual equipamento usar, questões que para ele perderam-se no advento da imagem digital. Diante desta nova configuração, surgiu um projeto sobre as grandes cidades que sonhava visitar desde criança, ideal realizado em sua juventude, as quais o levaram a guardar histórias e memórias, materializadas em fusões neste alentado e elegante livro.
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É certo que o caráter da fotografia é sobretudo sobre a captura da essência de seu assunto e transmitir ao leitor o que isto significa para seu autor. A teoria da fotografia é dominada pela noção do sujeito humano. Isso pode se manifestar de várias maneiras: uma insistência na intencionalidade artística por parte do fotógrafo; a atribuição da humanidade dentro da imagem; uma estrutura interpretativa que coloca a fotografia em um contexto social, cultural ou político em particular, como pensa o irlandês Hugh McCabe, professor da Technological University of Dublin, especialista em mídia digital criativa.
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Afirma-se então que o importante sobre a fotografia não é qualquer relação objetiva com a realidade, mas sim sua situação em relação às preocupações humanas. Mesmo quando a objetividade com esta é enfatizada, ou as suas questões morais discutidas, isso geralmente é feito a serviço de um exame da relação humana e a busca pela autenticidade. McCabe argumenta que a razão para isso é a poderosa influência de uma vertente do pensamento filosófico pós-kantiano que alinhou-se à fotografia.
Marcio Scavone busca em suas fusões esses alinhamentos, calcados na unidade de seu perfil filosófico, conciliando certos antagonismos em sua obra, o que certamente tem como base também não somente suas habilidades fotográficas, mas também literárias, as quais vem dedicando-se, expressas em livros como em Copo de Luz, ensaios sobre fotografia como arte e memória (Alice Publishing Editora, 2018) [leia aqui review em https://blogdojuanesteves.tumblr.com/post/171461852546/copo-de-luz-ensaios-sobre-fotografia-como-arte-e ].
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Agnaldo Farias argumenta a proximidade da colagem com a fusão, sendo que esta primeira agencia matérias distintas. "o convívio de  entre objetos de diferentes procedências, natureza, vocações, energias, velocidades." Scavone responde que sabendo suas histórias saía às ruas em busca de retalhos e trechos aparentemente díspares. "Meu trunfo era o tempo; eu armazenava imagens para "cozinhar" depois. Da maneira como estava fotografando eu tirava a frustração de não estar no momento certo no lugar certo, pois criava o momento e o lugar." diz o fotógrafo, arrematando que as múltiplas exposições e suas camadas vieram naturalmente pela impossibilidade de contar uma história apenas por um ângulo.
Distintos elementos compõem suas imagens, ainda que os personagens predominantes (não podemos esquecer aqui que a essência do trabalho do fotógrafo é o retrato) sejam as mulheres entre vestígios das cidades que visitou, esculturas, pinturas e retratos antigos, uma espécie de "tableaux" (antiga designação para uma obra de arte), como ele mesmo completa, em um diversificado universo criado e em ocasiões buscando certa imaterialidade, próxima de uma proposta pictórica- e também surrealista, em seu sentido mais amplo, que ora amoldam-se perfeitamente, como uma mulher nua em um possível lençol emaranhado, ora se deslocam deste contexto, como outra personagem em uma praia que deita destacadamente sobre uma favela no Rio de Janeiro, cujo significado ao leitor possa surgir apenas com a leitura de sua legenda.
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Segundo o fotógrafo, o livro responde ao desejo de não somente sair pelo mundo para fotografar as cidades com que sonhava, mas cidades magníficas cujos nomes evocavam mistério e aventura. Londres, Paris, Rio de Janeiro, Tóquio, São Paulo, Cidade do México e Roma, esta última onde o livro já foi lançado. "lugares que na sua imaginação se transformavam em labirintos cujas paredes eram forradas por imagens." Cidades que haviam sido visitadas há muito tempo e que apenas não tinham sido fotografadas como ele sonhara.
Fuga apresenta, como salienta Farias, uma proposta do íntimo com o público, com um retrato e o monumental, a qual Scavone justifica recorrendo à fotógrafa americana Diane Arbus (1923-1971) "Em fotografia quanto mais íntimos formos, mais universais teremos sido." Para o fotógrafo há uma dicotomia na captura de cidades distantes da dele, mas que lhe dão uma ideia de proximidade. Recorrências à literatura também são muitas em suas estruturas, como o italiano Antonio Tabucchi (1943-2012) que escreveu  o texto do primeiro livro do fotógrafo, E entre a sombra e a luz (Editora Melhoramentos, 1997) e suas ilações com o poeta português Fernando Pessoa (1888-1935) ou o romancista britânico Robert Louis Stevenson (1850-1894).
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As cidades são femininas, diz Scavone; " acolhem ou repelem". Para ele, "o rosto é tudo", um fato explícito em toda sua obra fotográfica. A reverência a elas amplia-se em um anexo no final da publicação, onde ele explica que as fotografias foram feitas entre 2012 e 2019 e as descreve em sua veia mais poética como " Primeiro foram expelidas como a lava de um vulcão, depois pousaram lentamente, como as cinzas fazem, para se acumularem como sedimentos de memória das oito cidades revisitadas." Momento em que o inefável aproxima-se da realidade crua da imagem fotográfica e onde o tempo permanece por vezes intocável no levar de paixões encontradas nas pinturas de grandes mestres.
"My lady of Trafalgar", onde uma mulher se funde às nuvens, mostra uma questão para o fotógrafo. "Não sei bem quando comecei a enxergar mulheres nas no céu." Uma personagem romântica enevoada, extraída da pintura do inglês John Waterhouse (1849-1917) que Scavone viu na Tate Gallery nos anos 1970, pela qual apaixonou-se. Ou em " El panteón de Dolores" ao encontrar o túmulo da fotógrafa italiana Tina Modotti (1896-1942), são exemplos de inúmeras imbricações entre arte e literatura que o fotógrafo extrai para suas referências tanto imagéticas quanto metafísicas.
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Ao encontrar-se com o ontológico, Marcio Scavone aproxima-se do ideal de muitos filósofos, historiadores ou sociólogos, que não reconhecem na fotografia apenas um documento. Talvez porque o caráter de uma imagem seja sempre parcial e arbitrário, como defende a curadora e teórica da arte israelense Ariella Aïsha Azoulay, professora de cultura visual na Brown University, nos Estados Unidos. No entanto, estas relações significantes que acompanham o olhar do fotógrafo, se não podem responder às suas perguntas mais íntimas, propõem, paradoxalmente, o compartilhamento de sua arte no sentido mais amplo.
Fotografias © Marcio Scavone.  Texto © Juan Esteves
Infos básicas:
Imagens- Marcio Scavone. Assistência Lorenzo Scavone
Projeto editorial- Marcio Scavone
Coordenação editorial - Marcio Scavone e Eder Ribeiro
Ass.Editorial- Agnaldo Farias e Iatã Cannabrava
Projeto gráfico-Bloco Gráfico
Manipulação de imagens- Marcio Scavone
Impressão- Ipsis Gráfica e Editora - Papéis  Eurobulk, Munken Print Cream
Para adquirir o livro:
Lovely House, loja do MIS, Antica Libreria Cascianelli ( Roma) ou diretamente com o autor @marcioscavone
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blogdojuanesteves · 10 months
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FORMA REFORMA > Fernando Santos
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O fotógrafo paulista Fernando Santos, após experiências passadas com pintura, marchetaria, cerâmica, escultura, conservação e restauro de obras de arte, como escreve o editor e curador paulista Eder Chiodetto "segue criando instâncias de reflexão sobre a faculdade do olhar, desta vez centrado na forma como deciframos a ilusão construtiva das imagens pelos aparatos fotográficos." É o que ele mostra em seu primeiro livro Forma Reforma (Fotô Editoral, 2022). Explica também o curador, que o artista busca fundar novas percepções visuais ao rearranjar a lógica que move objetos ordinários e suas representações performativas.
Forma Reforma é uma síntese de imagens que nos levam diretamente ao corolário modernista brasileiro, com certa dose construtivista, entre outros movimentos, onde podemos encontrar filigranas de autores como o carioca José Oiticica Filho (1906-1964) entomólogo e fotógrafo, Geraldo de Barros (1923-1998), fotógrafo, pintor e designer paulista ( a nos lembrar de sua série Formas e Fotoformas. leia aqui review  https://blogdojuanesteves.tumblr.com/post/150170667411/geraldo-de-barros-fotoformas-e-sobras) igualmente nos aproximando dos clássicos surrealistas como o americano Man Ray (1890- 1976) com suas experiências sem câmara e arranhando as projeções e sombras da artista gaúcha Regina Silveira, além do húngaro László Moholy-Nagy (1895-1946), mestre da Bauhaus  e também construtivista, artista ao qual Chiodetto faz referência em seu texto.
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Na perspectiva do curador, esmiuçando alguns de seus detalhes:  " Uma apara de papel fina, longa e com dobraduras imprecisas, interceptada a caminho do lixo pelo artista, ganha o protagonismo num plano horizontal monocromático - esse local inerte, o ponto zero a partir do qual espocam os gatilhos criativos de Santos. A apara, amparada pelo plano, vê seu corpo esguio e desleixado sensualizar-se. Formas rebeldes que ora tocam, ora se distanciam do plano reto, ganham volume e volúpia. Figura e fundo criam artífices e segredam deleites formais. O artista entra em jogo e habilmente lança um foco de luz."
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Fernando Santos com seu belo livro consegue manter um perfil autoral, ainda que identifiquemos estas inúmeras referências, o que é intrínseco à boa arte fotográfica. Em seu progresso enxergamos uma função ontológica calcada nos metadados que insere em suas imagens, ora com papéis cortados em formas geométricas, esculturas de arame, certas assemblages ou fusões quiméricas.
É preciso lembrar que a retomada mais ampla dos modernos  dá-se a partir de 2006, com a exposição Fotoclubismo Brasileiro, no Museu da Imagem e do Som (MIS) de São Paulo, que mostrou recortes como a Retrospectiva Fotoclubistas Brasileiros dos anos 1940 a 1970, a exposição do acervo do Foto Cine Clube Bandeirante (FCCB) no Museu de Arte de São Paulo (MASP) em 2016 com curadoria da artista mineira Rosângela Rennó e seu respectivo livro; o aumento da coleção Moderna para sempre do  Itaú Cultural, depositados no livro Foto Cine Clube Bandeirante: Itinerários globais, estéticas em transformação publicado pela Almeida & Dale Galeria de Arte,em 2022,  com curadoria do paulistano Iatã Cannabrava e o curador cubano José Antonio Navarrete, fundamentais para a legitimação da fotografia mais abstrata, distante dos perfis mais convencionais e essencialmente como prática artística. 
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Neste sentido o trabalho de Santos dá continuidade a este movimento adicionando outras interpretações de sua lavra trabalhando com suas próprias referências e mantendo sua independência autoral, "investigando as fissuras das representações imagéticas visando desconstruir um jogo ilusório" como bem escreve Chiodetto em seu texto no livro. Uma busca por novas percepções visuais que rearranja a lógica que move objetos ordinários e suas representações performativas.
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Na sua performatividade enxergamos o mover e ser movido por pulsões espaciais, entre matéria em movimento e imobilidade, amoldando-se a  princípios somáticos, uma espécie de alegoria quando o autor cria suas abstrações primárias, como a formatação da escultura de arame para depois ser fotografada. O elemento estático destes que ganham movimento em suas estruturas, refletidas nas fotografias ou nas inúmeras representações gráficas que compõem o livro, onde vemos certo pluralismo proposto pelo autor.
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Para Santos, escreve o editor,  a fotografia é um veículo paralisante que visa cristalizar os movimentos que ele impulsiona entre eventos escultóricos e gestos performáticos. Por meio do jogo fotográfico, o artista gera mutações que impactam e problematizam ao mesmo tempo três linguagens com as hipóteses que ele propõe em seu palco de representações: aplaina a tridimensionalidade do objeto-escultura, furta o movimento coreográfico e performático que anima seus personagens ordinários (aparas de papel, arames, pedaços de vidro etc.) e, por fim, o processo finaliza-se com a criação de fotografias que se esgueiram entre ser um documento da experiência ou obras acabadas que encapsulam todos esses movimentos. Movimentos esses que surgem na ressurreição dos objetos já cancelados em seus usos na sociedade e findam, sem acabar, no momento em que são iluminados na ribalta planificada do artista para, assim, saltarem do ordinário para o extraordinário."
Mesmo não sendo mais possível considerar a natureza em si como um objeto da fotografia, a necessidade de discuti-la e manuseá-la engendra o caminho do autor. O que nos leva a pensar no livro Ponto e linha sobre o plano (WMF Martins Fontes, 2012)  publicado em 1926 pelo artista moscovita Wassily Kandinsky (1866-1944) não somente por algumas imagens de Fernando Santos serem assemelhadas a do autor russo, mas porque está conectado a sua teoria da Forma, que concebia, como necessidade, a elaboração de uma estrutura lógica para atingir a ressonância interior na construção da abstração. Embora o genial artista não tenha pensado exatamente na fotografia, podemos fazer esse paralelo com a pintura e suas referências que deságuam nas suas significâncias subjetivas.
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Voltando a Chiodetto, "Ainda que as câmeras fotográficas tenham desde sua origem adotado os parâmetros da perspectiva renascentista e com isso criando ilusões especulares que nos levam a intuir distâncias entre planos e pontos de fuga em um suporte bidimensional, as fotografias são um constructo que tentam em vão mimetizar a experiência do olhar." Entretanto é notável que o autor subverte essa ordem ao propor uma diferente ótica em suas construções, como suas figuras que formatam camadas óticas sustentadas por um diacronismo expresso em suas tessituras cujos elementos plásticos são o resultado mais evidente.
Por meio do jogo fotográfico, escreve o curador, "o artista gera mutações que impactam e problematizam ao mesmo tempo três linguagens com as hipóteses que ele propõe em seu palco de representações: aplaina a tridimensionalidade do objeto-escultura, furta o movimento coreográfico e performático que anima seus personagens ordinários (aparas de papel, arames, pedaços de vidro etc. e, por fim, o processo finaliza-se com a criação de fotografias que se esgueiram entre ser um documento da experiência ou obras acabadas que encapsulam todos esses movimentos."
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Mas, estas experiências mais do que interessantes, ainda assim propõem ao leitor o lugar do fotógrafo: testemunhar suas cenas ou ceder à ilusão de contemplar a proposta do autor e seus efeitos. Se no conceito abstrato a representação das imagens é distanciada da realidade, interpretamos aqui a "forma" como a capacidade da obra permitir observações diversas em relação a sentimentos e emoções. Vemos no livro elementos cuja formatação é regida pela figuração, com objetos reconhecíveis e uma proposta mais objetiva, que paradoxalmente nos levam ao modelo renascentista ressignificado por artistas na vanguarda de escolas como Vkhutemas e Bauhaus, com artistas que reconhecemos neste livro, como o russo Aleksandr Rodchenko (1891-1956) ou na obra do já citado Moholy-Nagy.
Imagens © Fernando Santos.   © Juan Esteves
Infos básicas:
Concepção e fotografias: Fernando Santos
Edição: Eder Chiodetto e Fabiana Bruno
Coordenação: Elaine Pessoa
Projeto gráfico; Rafael Simões
Tratamento de imagens: José Fujocka
Impressão: Ipsis Gráfica e Editora
Edição de 500 exemplares
como adquirir: https://fotoeditorial.com/produto/forma-reforma/
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blogdojuanesteves · 10 months
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NATUREZA VIVA> LUCIA ADVERSE
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Imagem relacionada a escritora Nancy Cunard
Pensar o lado  ontológico da fotografia é procurar a essência da imagem inserida em um contexto maior do que a realidade apresentada. Não é à toa que muitos autores enveredam por este caminho de modo a promover um conteúdo mais profundo desta. Caso da fotógrafa mineira Lucia Adverse e seu livro Natureza Viva ( Silvana Editoriale, 2019) cuja ideia é aprofundar-se literalmente em um ambiente representado aqui pelas suas árvores, que mantêm um estreito vínculo com o humano, através de formas e texturas no campo do físico e suas alegorias, criando uma simbologia própria. 
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Imagem relacionada a fotógrafa Ruth Bernhard
A finalidade, explicitada por uma ação semiótica é compreender qual a natureza dentro de uma natureza maior e a relação desta com a arte estabelecida. No entanto, Adverse formata um sistema na busca por um elemento comum a suas fotografias na compreensão de sua diversidade e complexidade. Características essenciais da imagem fotográfica, capazes de colaborar com suas reivindicações autônomas, fornecendo assim uma versão do punctum barthesiano : o desmonte da imagem fotográfica pré-concebida, uma busca pelo traço essencial da fotografia, sempre movido por um desejo ontológico.
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Imagem relacionada a escultora Camille Claudel
A autora explica que esta sua nova série teve um surgimento sutil na sua vontade em homenagear a alma feminina: "Em algum momento da minha vida, viciei um profundo interesse pelas biografias das mulheres que fizeram história..." Em sua pesquisa a primeira a surgir foi a russa Elena Ivanovna Diakonova (1894-1982) conhecida como Gala, esposa do artista espanhol Salvador Dalí (1904-1989) uma personagem como as demais que segundo ela nasceram à frente do seu tempo. No pequeno elenco, artistas das mais variadas áreas: fotógrafas, pintoras, compositoras, escritoras, escultoras, bailarinas, como também cientistas, rainhas, mulheres revolucionárias, patronas das artes e até damas de companhia. Ela completa: "A maioria dessas mulheres sofreram preconceitos, não sendo reconhecidas pela sociedade da época, totalmente machista. Algumas delas, viveram sob a obscuridade dos seus companheiros, somente tendo suas habilidades e talentos sendo descobertos muito posteriormente."
O marchand e curador mineiro Ricardo Fernandes, radicado em Paris há mais de duas décadas, escreve em seu prefácio que constantemente o corpo humano vem envolvendo-nos na natureza da qual fazemos parte e enaltecendo a exuberância da vida. Essa percepção ecológica da vida está refletida diretamente no ar que respiramos, nos animais da terra, nas folhas das plantas, no verde e na chuva. Ele explica que "foi pensando nessa complexidade que Lucia Adverse deparou-se com dois polos diferentes, refletindo suas disparidades, ligando-os porém de forma inteligente através de um diálogo que faz todo o sentido entre a natureza e a vida humana."
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Imagem relacionada a fotógrafa Berenice Abbott
O trabalho de pesquisa da fotógrafa sempre foi inquietante e irrequieto, continua Fernandes que representa a autora há muitos anos. "De um ponto de vista pessoal, uma busca sempre existiu no âmago de cada um de seus projetos fotográficos, uma busca constante por informações novas, uma curiosidade intrigante e a vontade natural de evoluir, segundo ele,  o que a fez, sem mesmo perceber, partir para uma aventura até então inimaginável." Em seu interminável processo de leitura e pesquisa, ela faz uma homenagem a essas mulheres artistas, transformando as principais características de cada uma em expressões plásticas encontradas na natureza e observadas através de sua visão fotográfica.
Mais complexo do que parece, o livro propõe a importante discussão sobre a dicotomia do pensamento moderno e antigo. É um tema na fotografia que não tem, a não ser por poucas exceções, recebido a devida atenção dos especialistas, epistemólogos, filósofos e historiadores. Um pressuposto ideológico que podemos mapear desde o Renascimento, embutido em um range de possibilidades, científicas e técnicas, que nos leva ao papel da arte contemporânea, substanciadas pelo entendimento da relação entre natureza e o humano, entre o natural e o artificial, que atormentou pensadores como os alemães Friedrich Nietzsche (1844-1900) e Immanuel Kant (1724-1804), este último mais distante, mas ainda atual.
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Imagem relacionada a artista mexicana Frida Khalo
A autora associa as mulheres, em um leque certamente eclético, com as árvores, em parte as semelhanças físicas que ela encontrou. No entanto é mais do que isso: nos leva a metáfora do conhecimento produzida por estas, na qual ela propõe uma mudança paradigmática e desafiadora  ao localizar suas singularidades e repensando seu papel não mais passivo mas sim interativo, aqui lembrando que seu livro abre espaço generoso para a discussão pelos textos incluídos, tanto da autora, seu curador e da pesquisadora e historiadora gaúcha Camila Schenkel, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul  (UFRGS), especialista em teoria e crítica da arte.
No elenco estão a catarinense Anita Garibaldi (1821-1849), revolucionária farroupilha; a polonesa Catarina II da Rússia (1762-1796) conhecida como Catarina, a Grande; a escritora e ativista inglesa Nancy Cunard (1895-1965); Berenice Abbott ( 1898-1991) fotógrafa americana, uma das cronistas de Nova York; a artista americana Georgia O'Keeffe (1887-1986);  Camille Claudel (1864-1943) escultora francesa; Josephine Baker (1906-1975) cantora e dançarina americana naturalizada francesa; a alemã Clara Schumann (1819-1896) compositora e pianista; Anne "Ninon" de Lenclos (1620-1705) escritora e mecenas parisiense; Alice Prin, conhecida como Kiki de Montparnasse (1901-1953) modelo, pintora e cantora parisiense; a pintora mexicana Frida Kahlo (1907-1954);a bailarina e coreógrafa americana Isadora Duncan (1877-1927); a vienense Alma Mahler (1879-1964) compositora, pintora e editora; Marie Curie (1867-1934) cientista polonesa e duas vezes Prêmio Nobel; a fotógrafa americana, nascida na Alemanha, Ruth Bernhard (1905-2006) e a já citada Gala Éluard Dalí, todas nascidas entre o século XVII e o século XX, sendo a maioria delas no século XIX.
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Imagem relacionada a russa Gala Éluard Dalí
A escolha de um artista ou um curador, ou ambos trabalhando juntos,  sempre é arbitrária e recai sobre suas relações mais íntimas e afetivas. Lucia Adverse não foge à regra, o que explica a ausência de uma personagem do século XXI ou talvez da mitologia grega,  uma “celebridade” mais contemporânea, o que neste caso valida ainda mais as suas escolhas. Entretanto podemos localizar algumas afinidades entre elas que constroem o conceito do trabalho. Catarina, Cunard, Lenclos, Garibaldi e Curie foram revolucionárias cada uma a seu modo. O'Keeffe, Claudel, Schumann, Kiki, Mahler, Schumann e Gala lutaram pela independência das obras de seus companheiros ou maridos famosos, algumas até mesmo de mais de um. Duncan, Bernhard, Abbot e Baker, associadas às artes e à fotografia. Todas misturam-se no que podemos chamar de um sucesso cujo reconhecimento não foi imediato e que surgiu a muito custo para cada uma. O que, mais uma vez, realça as metáforas da autora com seu objeto gráfico, para além da beleza ululante deste: energia, resiliência, camadas literais como as "cascas" do francês Georges Didi-Huberman, na busca por uma memória, pelo potencial da imagem.
Curiosamente, segundo a fotógrafa, seu começo - através de uma coleção biográfica- foi a russa Gala Dalí, cuja importância para muitos críticos parece ser mais como uma musa para escritores e artistas do que sua própria produção. Ela conta que em um momento de suas pesquisas viu a semelhança de uma árvore à forma de uma mulher, "não sabendo se estava sendo influenciada pelas minhas novas leituras ou se realmente tratava-se de uma feliz coincidência." Mas, o fato é que a levaram a buscar imagens do universo feminino, que resultaram em imagens capturadas em diversas cidades do mundo, a partir do ano de 2012. Dentre elas, São Paulo, Rio de Janeiro, Tiradentes, Nova York, Marrakesh, Hong Kong, Keukenhof, Lisboa e Paris. Foram mais de trezentas fotografias, que após um trabalho curatorial minucioso, foram reduzidas para estas dezesseis, provando mais uma vez que o tamanho e peso de um livro não traduz sua importância devida. 
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Imagem relacionada a artista e pintora Kiki de Montparnasse
Natureza Viva dá prosseguimento a liturgia imposta pela artista na busca pela pesquisa revelada em substância para seus ensaios, como já vimos no belíssimo Der Sturm (A tempestade) exposto em 2014  no Museu Inimá de Paula, na capital mineira, em grandes formatos ( o que repetiu-se aqui com este livro, em Tiradentes em novembro de 2022, quando de seu lançamento.) Ao inspirar-se nos conteúdos da revista da famosa escola alemã criada pelo crítico Herwarth Walden ( 1878-1941) uma publicação que viveu de 1910 a 1932, além de uma galeria de arte homônima, que trouxe nomes importantíssimos tanto na literatura como na arte, como o escritor francês Anatole France (1844-1924) e o artista austríaco Oskar Kokoschka (1886-1980).
Lucia Adverse respalda suas construções em dois pilares, o técnico, na precisão e acutância de suas imagens, e na filosofia, com bons argumentos, como os estudos  do filósofo argelino Jacques Rancière para quem as artes mecânicas precisam ser praticadas e reconhecidas como arte, antes mesmo de serem enquadradas no estatuto da técnica de reprodução e difusão – a artista relaciona as imagens presentes neste seu trabalho à própria história alemã no século XX e a contemporaneidade. Entretanto as configurações de seu Natureza Viva, abraçam a mesma perspectiva, relembrando aqui o clássico Le Spectateur émancipé ( Fabrique, 2009) deste autor, publicado por aqui como O espectador emancipado (WMF Martins Fontes, 2012) com tradução da escritora paulista Ivone C. Benedetti.
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Imagem relacionada a Catarina II da Rússia
Nancy Cunard foi relacionada com a árvore que assemelha-se a uma figura tribal, estilo que ela tanto gostava de usar, explica a autora. Já a fotógrafa Berenice Abbott, ela lembra que esta teria sido inspirada pelo francês Eugène Atget (1857-1927), o grande cronista de Paris, por sua documentação da cidade de Nova York, na década de 1930. Daí a sua escolha por uma árvore fotografada no Central Park, de Nova York, com uma estrutura sólida como as construções da época. Já Josephine Baker, uma escolha mais ontológica  que nos remete a  alegria e a irreverência desta artista, representada por uma imagem da natureza que "mais parece uma pessoa "plantando bananeira", no dizer popular brasileiro." entre as 16 fotografadas, no amálgama artístico e intelectual estruturando seu trabalho de forma mais consistente.
Nas relações entre fotografia e paisagem, a professora Camila Schenkel, situa o leitor na continuidade dos códigos e interesses afirmados ao longo de séculos pela tradição da pintura. Do primeiro caso, temos como exemplo a imagem tida como marco inaugural da aventura fotográfica, a vista da janela da casa do francês Nicéphore Niépce (1765-1833) em Le Gras, França (1826-1827), pioneiro da evolução fotográfica, na qual é possível identificar algumas paredes, telhados e parte da copa de uma árvore. Da fotografia como meio de observação da natureza a pesquisadora lembra das amostras precoces, como os desenhos fotogênicos realizados pelo inglês William Fox Talbot ( 1800-1887) na década de 1830 por meio da exposição ao sol de folhas de plantas sobre papel salgado sensibilizado com nitrato de prata.
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Imagem relacionada a catarinense Anita Garibaldi
Entretanto, Schenkel esclarece que as imagens de Lucia Adverse não são exatamente representações ou registros de paisagens. Embora tenham como tema árvores, aproximam-se, antes de tudo, de outro tipo de imagem: o retrato, ao lembrar que este é igualmente um gênero pictórico, assim como a pintura de paisagem, que teve seu significado transformado pela popularização da fotografia. Mas, pelo lado mais metafísico, ela adiciona que todos os nomes próprios femininos, todos primeiros nomes, estabelecem imediatamente uma sensação de intimidade. "Conferindo ainda que momentaneamente, um tipo de humanidade a esses troncos de madeira retorcidos e corroídos pela passagem dos anos." escreve ela.
Informações básicas
Curadoria: Ricardo Fernandes
Edição e Impressão: Silvana Editoriale- Milão
Diretor de Arte: Giacomo Merli
Produção: Antonio Micelli
Textos: Lucia Adverse, Ricardo Fernandes e Camila Schenkel
Para adquirir o livro:https://www.ricardofernandes.biz/
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blogdojuanesteves · 11 months
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TAMBORES > FOTO CLUBE POESIA DO OLHAR
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Imagem acima: Fafá Lago
"Já fazia mais de três séculos que os primeiros negros tinham chegado ao Maranhão, ainda com a cidade circunscrita ao seu forte, a algumas ruas tortas, ao casario de palha, a uns poucos sobradinhos de pedra. [...] E tinham sido eles, os pobres pretos esqueléticos, de grandes olhos febris, as pernas bambas e chagadas, que em verdade ergueram a cidade, com seus palácios, seus sobradões de pedra e cal, suas igrejas e sua muralha junto ao mar, sem que nada por isso lhes fosse restituída a liberdade. Em verdade, só eram livres ali, na casa-grande das minas, e enquanto ressoavam os tambores." 
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Imagem acima de João Maria Bezerra
Como epígrafe, o extrato acima do livro Os tambores de São Luís" ( José Olympio Editora, 1975) do maranhense Josué Montello (1917-2016) já introduz o leitor a potente ressonância visual encontrada no livro Tambores ( Ed. Origem, 2022), dos autores Adalberto Melo, Adriano Almeida, Antonio Coelho, Danielle Filgueiras, Edgar Rocha, Emanuely Luz, Fafá Lago, Fozzie, João Maria Bezerra, Julio Magalhães, Márcio Melo, Mônida Ramos, Ribamar Carvalho, Sérgio Sombra, Suzana Menezes, Svetlana Farias, Talvane Araujo, Tarcísio Araújo e Tavares Jr., a maioria "ludovicenses" ou seja, quem nasce em São Luís, capital do Maranhão, ou radicados na cidade, sócios do Foto Clube Poesia do Olhar, integrante da Confederação Brasileira de Fotografia (Confoto), que congrega dezenas de foto clubes pelo Brasil. A edição vai de duas a três fotografias para boa parte dos autores  e chega ao máximo de dezesseis e  vinte e uma imagens para  dois autores.
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Imagem acima de Julio Magalhães 
Com uma produção mais conhecida em seu estado, o Fotoclube Poesia do Olhar não deixa a desejar para outras importantes agremiações do gênero como a Sociedade Fluminense de Fotografia, do Rio de Janeiro ou o paulistano Foto Cine Clube Bandeirante, cuja projeção tornou-se nacional e às vezes internacional, caso deste último, e junta-se as demais entidades na publicação de mais um belo livro fotográfico temático, trazendo, entre outros, um texto escrito pelo sergipano Reginaldo de Jesus, professor de língua portuguesa do Instituto Federal de Sergipe (IFS), expert na obra de Montello, a qual dá o norte para a construção dos fotógrafos.
Tambores de São Luiz  mostra o empenho de Montello ao resgatar o espírito negro, esquecido no país, a partir de outra ótica que não a do colonizador e opressor, uma análise literária pelo viés histórico, já que, no nível da ficção, os acontecimentos são norteados pela história e assentados no inter-relacionamento do discurso estético e literário. Como explica a professora Ceres Teixeira de Paula:  O autor recompôs um enredo em que o negro surge como agente, e em que diversas formas de resistência, desde o banzo, a fuga e a organização em quilombos são relembradas.  O próprio Montello conta o surgimento do livro: "Depois de ter escrito o Cais da Sagração, que anda agora a correr o mundo, o que primeiro me aflorou à consciência, inspirando-lhe a germinação misteriosa, foi o ruído dos tambores da Casa das Minas, que ouvi em São Luís, na minha infância e juventude." Uma percussão que, sem dúvida, vem instigando  a produção de textos e imagens.
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Imagem acima de João Maria Bezerra
Já o livro Tambores é uma publicação que aproxima-se com muita dignidade à obra de  profissionais consagrados, como o também maranhense Márcio Vanconcelos com seu Zeladores de Voduns do Benin ao Maranhão ( Editora Pitombas, 2016), com retratos feitos no Maranhão e no Benin, na África Ocidental [ leia aqui review em https://blogdojuanesteves.tumblr.com/post/648453616930308096/imagem-agboce-su-hun-nexo-ouidah-o-antrop%C3%B3logo ] ou outros autores como o mineiro Eustáquio Neves e seu Aberto pela Aduana ( Ed. Origem, 2022) que trabalha a questão da diáspora africana, bem como propõe discussões sobre a posição do negro na arte e na cultura que se consolidam e abrem novas perspectivas buscando o restabelecimento da sua importância, há muito preterida pelo establishment. [ leia aqui review https://blogdojuanesteves.tumblr.com/post/688419475843891200/muito-da-arte-%C3%A9-produto-de-seu-tempo-e ].
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Imagem acima Julio Magalhães
Reginaldo de Jesus, inspirado em uma crônica do escritor capixaba Rubem Braga (1913-1990) intitulada "Entrevista com Machado de Assis", parte do seu livro Ai de ti, Copacabana, de  1960, com capa da designer carioca Bea Feitler (1938-1982) e atualmente na 34ª edição, pela Global Editora, imagina uma entrevista com Josué Montello, sobre os tambores de São Luís, segundo o autor, seu romance mais festejado pela crítica, considerado uma obra prima, em um exercício ainda mais imaginativo, acentuando seu lado ficcional onde o mesmo é entrevistado para o jornal A mocidade, que ele mesmo fundou em São Luís, aos 17 anos.  
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Imagem acima Danielle Filgueiras
Acompanhadas desta "entrevista" e por outros textos estão imagens densas, saturadas, carregadas nos seus  contrastes que permeiam as ruas da cidade de São Luis, com personagens negros, vernaculares na essência, entremeados por detalhes da sua arquitetura histórica, a bela azulejaria, casarios e calçamentos de pedras , que ainda resistem bravamente à enorme incompetência do estado em manter a sua conservação. É uma palete barroca, acentuada pelos vermelhos e amarelos em sua maioria, com a ressalva de algumas fotografias em preto e branco, a demonstrar a potência da utilização da cor como forma. Acrescentando-se aqui a edição de imagens e o projeto gráfico que não identifica nas imagens diretamente os seus autores, mostrando certa homogeneidade do grupo e estimulando a narrativa visual.
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imagem acima Danielle Filgueiras
Wanda França de Souza, gestora e bibliotecária da Casa de Cultura Josué Montello e curadora do Museu Josué Montello escreve que além dos dados históricos, o romance de Montello é notável pela rica descrição do interior da Casa das Minas, da estrutura colonial de uma São Luís preconceituosa, das ruas e becos, seus mirantes e sobrados de ferro, o que podemos encontrar nas imagens. Infelizmente para o leitor não familiarizado com a cidade, a ausência de identificação dos lugares diminui a estrutura histórica, ainda que as reproduções de jornais estejam descritas no final do livro.
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Imagem acima de João Maria Bezerra
Para o antropólogo, professor da Universidade Federal do Maranhão, Sérgio Figueiredo Ferretti (1937-2018), em seu livro Querebentã de Zomadonu: etnografia da Casa das Minas, (EDUFMA, 1996), a "Casa das Minas"  é um templo do "Tambor de Minas" localizado no centro histórico de São Luís para para o culto de origem africana que em outras regiões do país recebe denominações como Candomblé, Xangô, Batuque, Macumba entre outros. Em São Luís, a Casa das Minas é uma casa de culto afro-religioso fundada por escravos originários do Benim, falantes da Língua Fon, do grupo linguístico ewe-fon. A Casa também é chamada Querebentã de Zomadonu. Querebentã, em língua Jeje ( falada em Gana, Togo e Benin) quer dizer “casa grande��� e Zomadonu, o nome da divindade protetora dos seus fundadores e o dono da Casa.
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Imagem acima Adalberto Melo
Em 2002 foi declarado e aprovado, o tombamento da Casa das Minas pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, IPHAN, como sendo um dos patrimônios da cultura brasileira. Segundo as pesquisadoras da Universidade Federal do Maranhão, Christiane Falcão Melo e Zuleica de Souza Barros todas as integrantes da Casa, juntamente com suas divindades, tentam manter, o máximo possível, as características do culto ao longo das gerações, preservando-se, assim, sua cultura linguística por meio dos rituais religiosos e toda essa religiosidade praticada refletiu-se, notadamente, nas concepções da língua. Para a sociedade uma possibilidade de expressão das necessidades humanas de comunicação e de integração social. Neste sentido, a língua é um identificador de grupos, pois, além de representar a comunidade falante, reflete as mudanças sociais e as identidades culturais que compõem a sociedade.
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Foto da capa acima: Fafá Lago
Língua, texto e imagem, se amalgamam em estruturas semiológicas na construção do nosso imaginário vernacular e de nossas heranças compartilhadas. Assim, Tambores é mais um movimento para que ações efetivas sejam unidas cada vez mais. Como escreve Wanda França de Souza, o escritor Josué Montello mergulhou em nossas raízes históricas, ao escrever um romance não somente sobre a escravidão, narrando não somente a vinda do negro para o Brasil como também da incorporação à realidade deste país, até a redenção, identificado como brasileiro e com a liberdade. É claro que podemos e devemos pensar que, escrito em 1975, talvez o autor não pudesse imaginar que toda esta estrutura materializaria-se em tempos mais contemporâneos, ressignificada em preconceito, discriminação e racismo amparado pelo estado e por parte da sociedade, motivo pelo qual esta publicação do Poesia do Olhar mantém uma consonância com o necessário ativismo por uma sociedade melhor.
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Imagem acima de Julio Magalhães
Certamente os registros documentais ou encaminhados pela arte, aqui mencionados, que cuidam da importante presença africana no Brasil vêm também aumentando, seja de um modo amparado pelas suas estruturas hereditárias ou étnicas, como Eustáquio Neves ou o baiano Hugo Martins ou dos fotógrafos dedicados a esta pesquisa como Márcio Vasconcelos entre outros, associados ao grupo dos 19 fotógrafos que produziram a publicação, são de enorme importância no reconhecimento não somente dos influenciados por estas matrizes, mas para toda a cultura brasileira, saudando o pioneirismo do francês Pierre Fatumbi Verger (1902-1996), do piauiense José Medeiros (1921-1990) e do baiano Mario Cravo Neto (1947-2009) entre outros, que pavimentaram a fotografia brasileira.
Imagens © autores.   Texto© Juan Esteves
Infos básicas:
Editora Origem
Publisher:Valdemir Cunha
Imagens: Foto Clube Poesia do Olhar
Editora Executiva: Ligia Fernandes
Edição de Imagens e Direção de Arte: Valdemir Cunha
Textos: Joseane Maria de Souza e Souza, Reginaldo de Jesus e Wanda França de Souza.
Impressão: Gráfica e Editora Ipsis
Capa Dura, papel Garda Kiara, tiragem de 1000 exemplares.
Para adquirir a publicação: editoraorigem.com.br
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blogdojuanesteves · 11 months
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Arte,Originalidade e Direitos Autorais > Marcelo Conrado
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acima: obra de Jeff Koons (anos 1980)
Em tempos de redes sociais e inteligência artificial nada melhor que um artista, seja de qual meio for, cuidar de seus direitos. Afinal estas duas coisas são terra de ninguém quando pensamos na diferença entre uma apropriação conceitual, inserida em uma outra obra de arte e a simples reprodução de uma imagem, na maioria das vezes sem nem mesmo seu crédito, caso da IA. Portanto, mais  que uma informação premente, faz-se necessário procurar entender o caminho destes processos, coisa que o livro Arte, Originalidade e Direitos Autorais (Edusp, 2023), do advogado, artista, professor e pesquisador paranaense Marcelo Conrado faz com extrema pertinência e didatismo.
O livro é dividido em duas partes, uma espécie de palíndromo: Da Arte ao Direito e Do Direito a Arte, onde o autor comenta a questão da autoria desde o Século XV até o XXI, com ênfase no Renascimento e a emancipação da arte. A importância da assinatura e da originalidade; os contratos de encomenda, inseridos no mercado editorial buscando as primeiras leis, como a primeira, moderna, dos direitos autorais na Inglaterra; bastidores do mercado editorial no Século XIX, a proteção internacional dos direitos autorais e a reivindicação de direitos na fotografia, dividindo suas afinidades em vários movimentos, como a Pop Art, Arte Conceitual, Arte Urbana, compartilhando pensadores importantes como o filósofo francês Michel Foucault ( 1926-1984), o sociólogo polonês Zygmunt Bauman ( 1925-2017) e artistas como os americanos Jeff Koons e Richard Prince ou o inglês Damien Hirst, todos polêmicos, para dizer o mínimo.
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Acima: Campbells Soup de Andy Warhol
O que seria o individual e o exclusivo na Arte e no Direito, a supervalorização destes, o direito de propriedade e herança, visto que hoje ser herdeiro de um artista virou uma espécie de profissão; a má interpretação dos direitos e suas inúmeras armadilhas que envolvem questões mercadológicas, o chamado interesse público e suas relações com a cultura. Uma tarefa difícil a que se propõe Marcelo Conrado, que é doutor em direito das relações sociais pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e líder do Grupo de Pesquisa Clínica de Direito e Arte na mesma universidade, além de conhecido artista, com obras nos acervos de importantes  museus brasileiros, como o Museu Oscar Niemeyer ( MON)  e Museu da República em Brasília entre outros.
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Acima obra de Robert Rauschenberg usando imagem do fotógrafo Morton Beebe
Marcelo Conrado com sua pesquisa lança luz à uma parte quase obscura do corolário brasileiro, adicionando paradigmas ao pouco que é difundido quando pensamos no editorial de acesso ao grande público. Primeiro porque abdica do juridiquês corporativo do meio, segundo que vai direto aos interesses de uma maioria face às novas ferramentas digitais que assombram  a arte e terceiro porque retoma a questão histórica da construção desta sociedade deixando de lado o hieratismo, quando pensamos na produção do gênero ou linguagens tautológicas, associadas normalmente a Academia.
Poucos autores no Brasil  dedicam-se ao cruzamento da questão legal, comercial e ética da arte. É certo que temos versões internacionais importantes publicadas por aqui, a discutir a relação entre produção e sociedade, principalmente a explicar a construção do mercado que hoje se manifesta. Caso, do excelente livro do historiador inglês Simon Schama com seu O desconforto da riqueza, a cultura holandesa na época do ouro ( Cia das Letras, 2009)  uma análise sobre a relação político -social no crescimento de uma nação que construiu uma identidade coletiva tornando-se uma potência mundial, abordando seus sistemas éticos.
Maria José Justino, crítica de arte e curadora paranaense alerta em seu prefácio que Conrado aceitou dois desafios: analisar o interesse público na produção artística e no acesso aos bens culturais e investigar os trabalhos dos artistas na arte contemporânea, em particular no uso das citações, apropriações e ideias tomadas como "matéria-prima"que exigem modificar o arcabouço jurídico. Em sua introdução o autor propõe que "A chave do acesso  à compreensão dos direitos autorais não está no direito. Ela está na arte. Não deve recair tão somente na questão jurídica." Para ele é um livro que dialoga com o conceito de autoria na arte e explica que a produção contemporânea caracteriza-se pela apropriação de objetos de uso comum, lembrando aqui do americano Andy Warhol (1928-1987) talvez o artista mais conhecido neste seguimento, ou voltando no tempo  Marcel Duchamp (1887-1968) e seus "ready-mades", este último associado ao pensamento benjaminiano: a perda da aura da imagem reproduzida tecnicamente.
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Acima, obra da americana Sherrie Levine, com fotos de Walker Evans
O autor explica que no Renascimento a arte não estava mais relacionada ao dom divino e sim a valorização da técnica, momento em que o autor traz para si a autoria. Nos sistemas jurídicos, então, esta autoria é pensada individualmente ou então em coautoria. Ele cita o pensador francês André Chastel (1912-1990) para quem "o artista isolado, que trabalha para si na solidão de seu estúdio, não existe." Sem dúvida pensando na evolução desta ideia no meio mais contemporâneo, o artista recolhido em seu ambiente não somente não faz sucesso, bem como a produção torna-se mais suscetível da crítica e principalmente de seus desdobramentos jurídicos. O francês também lembra que várias vezes esta obra "autenticada" conta com a participação de vários assistentes, embora seja o artista que assine a autenticidade a mesma. Caso por exemplo dos americanos Jeff Koons e Robert Rauschenberg (1925-2008).
Marcelo Conrado esclarece que o tratamento jurídico não é isonômico ao artista visual que necessita usar partes de imagens de outros artistas, salvo se a obra já estiver em domínio público. Diz ele " No entanto, se a Pop Art assim como a arte dos séculos XX e XXI, destina-se, também, à crítica social, não é plausível que o artista necessite utilizar autorização a algo que será objeto de crítica, pois o titular dos direitos terá que consentir tanto com a apropriação como o conteúdo da manifestação." Ele lembra da controvérsia entre Rauschenberg e o fotógrafo Morton Beebe no final dos anos 1970, quando o artista utilizou uma imagem deste. Voltamos aos dias de hoje quando a fotógrafa Lynn Goldsmith e  Andy Warhol Foundation entraram em um debate jurídico em  uma  questão semelhante.
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Acima imagem de Richard Prince que copia uma fotografia de publicidade
Outro item interessante abordado por Conrado é a desmaterialização do suporte na arte, que para ele esteve restrita aos suportes tradicionais até o século X!X, pinturas, desenhos, fotografias e o tridimensional das esculturas que definiam seus limites materiais. Ele levanta a questão que os direitos autorais habituaram-se a trabalhar com tais categorias. Mas com rompimentos no século XX surgiram os chamados ready-mades tornando materiais inusitados, como uma roda de bicicleta, de Duchamp, e inclusive o próprio corpo do artista, tangíveis ou intangíveis, sendo que a durabilidade que a arte e o direito valorizaram também sofreram desgastes, com muitas obras pensadas  pelos autores como algo transitório ou efêmeras. "Algumas das obras existem mas, intencionalmente, não podem ser vistas pelo público. Em alguns casos o processo é privilegiado ao resultado." diz o autor do livro, que cita várias situações análogas.
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Acima: Xilografia do Rinoceronte, do alemão Albrecht Dürer (1471-1528)
A conhecida xilogravura de um rinoceronte, do artista alemão Albrecht Dürer ( 1471-1528) é um dos exemplos quando Marcelo Conrado escreve sobre que muitos artistas não tiveram contato com o que é representado em sua obra. Teria o artista então criado a peça, a partir de um esboço e uma descrição enviados da Espanha. O que seria diferente, por exemplo, dos artistas que representavam cenas bíblicas, que certamente foram imaginadas. A diferença é que todos nós conhecemos um rinoceronte, e estamos aptos a dizer o quão o artista aproximou-se realmente do animal. Diz ele: "A ilustração de Dürer é um convite a analisar uma das questões ainda pouco exploradas nos direitos autorais: como os artistas criam suas obras? Entramos, então, na discussão sobre a influência e originalidade no processo criativo, pois para afirmar o que é plágio é preciso analisar também quais são os limites da influência e da originalidade."
Um livro que leva a procurar outros livros é um dos ganhos da publicação de Marcelo Conrado. Ao seguir as indicações no seu texto ou pelas extensas notas bibliográficas, o leitor certamente expande sua busca despertada pelas suas narrativas. Por exemplo, o interessante livro Pós Produção, como a arte reprograma o mundo contemporâneo (Ed.Martins Fontes, 2009), do curador e crítico de arte francês Nicolas Bourriaud. O desafio do artista do nosso século é reescrever a modernidade. A análise do processo que a arte contemporânea está inserida. Para o pensador " Não se necessita mais partir novamente do zero, nem se sentir sobrecarregado pelo acúmulo da História, mas inventariar e selecionar, utilizar e recarregar." Em outras palavras, o artista serve-se de apropriações.
Outro personagem interessante, entre os inúmeros levantados pelo autor é a americana Sherrie Levine, também relacionada a apropriação de imagens, no que diz respeito quando a ideia da  originalidade é subvertida e que inclusive questiona o direito autoral. " Sherrie Levine desde a década de 1980 dedica-se à cópia, tendo um interesse bem definido nas obras de cópia. Ela reproduz trabalhos de artistas do gênero masculino, promovendo uma alusão direta ao patriarcado, reportando ao discurso de autoridade." Uma das obras que ela trabalhou é mictório, ready-made de Marcel Duchamp, chamado A Fonte, criando metadados sobre metadados. Mais  interessante ainda são as apropriações que ela fez do grande fotógrafo americano Walker Evans (1903-1975) , que são simplesmente a reprodução direta da imagem. Marcelo Conrado dedica muitas páginas a esclarecer estes processos, entre outros artistas contemporâneos. Por certo o leitor conseguirá entender o que é a chamada “Arte Conceitual” em sua derradeira permanência.
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Obra do artista Cildo Meirelles
Escrevendo sobre a questão da reprodução publicitária de grafites nas ruas e pendengas jurídicas, Conrado menciona no livro o popular grafiteiro Eduardo Kobra, recortando uma declaração do mesmo sobre direito autoral: "o mínimo esperado é que a empresa entre em contato com o artista, pelo menos por uma questão de respeito. Mas é muito difícil alguém ter esta consciência." ( a partir de texto de Paulo Toledo Piza,”artistas de São Paulo, cobram cachê por foto publicitária com Grafite em Beco." publicado no portal G1 em 26 de abril de 2012.)  Entretanto, vemos diversos trabalhos deste grafiteiro, como o retrato de Oscar Niemeyer (1907-2012) em uma empena de um prédio da Avenida Paulista, a partir de fotografia da carioca Nana Moraes, importante autora brasileira, a qual o mesmo não pediu permissão para reproduzir, ou o retrato do poeta maranhense Ferreira Gullar (1930-2016) (citado no livro em outra questão), em São Luiz, Maranhão de autoria do fotógrafo Eduardo Simões, da mesma maneira. Ou seja, o velho ditado "Faça o que eu digo mas não faça o que eu faço. Caso também do americano Jeff Koons queixando-se da cópia do seu Balloon Dog, Red, de 1994, mas sendo condenado por um tribunal de apelações de Paris por violação de direitos autorais. A escultura Fait d'hiver de Koons, de 1988, copia uma foto para a campanha publicitária de um fabricante de roupas francês. O que representa a importância de uma literatura deste tipo com fácil acesso.
"Arte, originalidade e Direitos Autorais", de Marcelo Conrado, é uma grande aula sobre os movimentos da arte e suas particularidades. A junção do autor como um artista consagrado e um advogado e professor idem, supera as publicações normais do meio ao associar critérios mais contemporâneos que discutem a propostas de diferentes artistas importantes do Brasil e do exterior, um compartilhamento de conhecimento, para além da classe de aula, dando acesso a um público bem maior, algo que a cultura brasileira anda precisando há tempos.
Imagens © dos autores.   Texto © Juan Esteves
* As imagens aqui publicadas não estão no livro, são representações de artistas mencionados no livro, escolhidas pelo blog.
Infos básicas:
Autor: Marcelo Conrado
Editora Edusp
Produção editorial: Marilena Vizentin
Projeto gráfico: Negrito Produção Editorial
Design da capa: Carolina Sucheuski
Impressão e acabamento: Gráfica CS
Para Adquirir o livro:  https://www.edusp.com.br/loja/produto/1610/arte,-originalidade-e-direitos-autorais
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blogdojuanesteves · 11 months
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BOB WOLFENSON
O livro falado
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Acima: Lina Bo Bardi
Concordando com Kiko Farkas e João Farkas, editores do livro Bob Wolfenson O livro Falado ( Instituto Olga Kos, 2023 ) Wolfenson é sem dúvida um dos fotógrafos brasileiros mais publicados. Ele mostra imagens que são referência há tempos para qualquer fotógrafo novato ou veterano e reconhecido não somente em seu meio profissional. A razão, em parte, é porque na sua produção ele inclui também referências importantíssimas do cânone da fotografia. Segundo, é um autor inquieto que em sua trajetória soube ser plural não ficando somente em segmentos nos quais consagrou-se como na moda, retratos e publicidade, mas sendo um criador que arriscou em diferentes produções no cinema e na arte, obra já representada em diferentes publicações. [ Leia review aqui https://blogdojuanesteves.tumblr.com/post/166536557006/o-paulistano-bob-wolfenson-sem-d%C3%BAvida-tem-um-dos ].
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Acima: Otto Stupakoff nos Estados Unidos
Certamente seus retratos o levaram  ao nosso cânone brasileiro. Indiscutível posição juntamente com outros consagrados profissionais do gênero como o seu amigo e contemporâneo, o catalão J.R.Duran ou seu conterrâneo Jairo Goldflus, vizinho de infância do bairro paulistano do Bom Retiro, onde ele nasceu em 1954, em meio a uma família de intelectuais de esquerda, o que era tradicional na região outrora ocupada massivamente por judeus ou como ele mesmo escreve um "gueto judaico": Em uma atmosfera estimulante, cheia de humor, sagacidade e inteligência. O que ele não sabe se aparece em sua fotografia, mas que aparece na forma com que se relaciona com os outros, elementos essenciais para seus retratos.
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Acima: da série Antifachadas
O retrato é o meio fotográfico que toma a maior parte do livro, o mais expressivo com certeza. Entretanto, as suas histórias abrangem outros segmentos nos quais é igualmente um virtuose: a moda e experiências com a arte. Retratar alguém que expõe todo o seu potencial é algo que exige um relacionamento que pode ser imediato, improvisado ou estudado. Não há mágica. Esta fica para os que se dizem "mágicos". As figuras de Wolfenson contam histórias visualmente, e estas são escritas por ele sem afetação e sem a exposição de uma falsa intimidade quando esta não existe. Ele lembra da frase do americano Richard Avedon ( 1923-2004): "Embaixo da pele não há nada”. Para aqueles que romanticamente ainda acham que retratar alguém é buscar a sua “alma” talvez isso possa assustar. 
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Contato de fotografias de Caetano Veloso
A publicação faz parte da Coleção IOK de fotografia (do Instituto Olga Kos de Inclusão Cultural de Arte). É seu quarto livro, o primeiro publicado em 2018 é Caretas de Maragojipe do fotógrafo João Farkas [ leia aqui review em https://blogdojuanesteves.tumblr.com/post/179872336636/maragojipe-est%C3%A1-a-pouco-mais-de-130-quil%C3%B4metros-de ];  o segundo Estudos Fotográficos, de Thomaz Farkas, de 2019, [Leia aqui review em  https://blogdojuanesteves.tumblr.com/post/186313247856/em-14-de-janeiro-de-1949-o-jovem-fot%C3%B3grafo ] e o terceiro, de 2021,  Olho Nu, de Rogério Reis de 2021 [ leia aqui review em https://blogdojuanesteves.tumblr.com/post/657805456882958336/olho-nu-rog%C3%A9rio-reis-instituto-olga-kos-2021-do ].
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Acima: o diplomata e poeta João Cabral de Melo Neto
Editadas pelo fotógrafo João Farkas e o designer gráfico Kiko Farkas, Bob Wolfenson o livro falado, conta as histórias de bastidores das fotografias. É a possibilidade de levar ao grande público os sucesso e os percalços que o fotógrafo teve na construção de imagens que podemos considerar icônicas no corolário de sua obra. É um elenco multifacetado em que figuram o compositor baiano Caetano Veloso, a atriz e roteirista niteroiense Fernanda Young (1970-2019), o diplomata e poeta pernambucano João Cabral de Melo Neto ( 1920-1999); o fotógrafo paulistano Otto Stupakoff (1935-2009); o jogador de futebol Edson Arantes do Nascimento, Pelé ( 1940-2022) ou a cantora americana Nina Simone (1933-2003) entre outras personalidade que fizeram história, além de seus comentários sobre séries de lavra  mais autoral que resultaram e seus livros  Antifachada e Encadernação dourada (Cosac & Naify, 2004); Apreensões ( Cosac e Naify, 2010) e Belvedere (Cosac Naify 2013).
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Acima Nina Simone, músico e manager da cantora no Free Jazz
Em sua narrativa curta e simples, Nina Simone estava cambaleante e exausta quando veio para sessão de fotografias após sua apresentação no Free Jazz Festival de 1988, talvez cansada do show. O fotógrafo improvisou um fundo infinito nos bastidores e fez poucas imagens dela sozinha, por que viu que ela não ia conseguir mais. A solução foi juntá-la com um músico e seu manager, que a ampararam e posaram beijando a genial cantora. Com um domínio claro, os dois retratos apresentados são nada menos que excepcionais. Não é qualquer profissional que com apenas sete imagens consegue o que Wolfenson conseguiu. Fica aqui a mensagem, que às vezes o improviso dá certo.
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Acima: Flagrante de Charles Chaplin
Radicalmente oposto aos retratos está a série  Apreensões publicada no livro homônimo em 2010. A ideia surgiu ao deparar-se com a frequência e a infinidade de apreensões feitas pela polícia e publicadas pela imprensa. Ele conta que "Se, por um lado, trata-se de experiência à parte da minha vivência mais prosaica, por outro, seria impossível ficar indiferente à presença acachapante desses fatos na vida entre nós." Aqui, o leitor fotógrafo ou amante da fotografia ganha um bônus, pela descrição da técnica usada pelo autor: "O aparato empregado para recapturar aquilo que vemos diariamente na mídia foi novo para mim. Cheguei a ele na busca de um procedimento que substituísse os sistemas analógicos tradicionais, para obter mais agilidade no set fotográfico e na pós-produção. Utilizei o sistema de varredura digital, ou seja, um fracionamento da cena no momento da tomada fotográfica para que a imagem final alcançasse uma definição alta, salvo nas fotos de animais, pelo fato de eles se moverem e impossibilitarem o uso dessa técnica."
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Acima: Retrato do artista Hélio Oiticica
A história do retrato de Caetano Veloso é curiosa. Um de seus portraits mais difundidos - assim como o da arquiteta italiana Lina Bo Bardi (1914-1992) segurando um pequeno bule que está no livro - no qual o músico estica sua sobrancelha. Wolfenson conta: "eu vinha já fazendo há algum tempo uma coisa em fotos de moda, baseado em fotos que eu tinha visto do Irving Penn (1917-2009), do William Klein (1926-2022), principalmente uma foto do Klein que eu tinha no meu estúdio, num pôster. Eu achava que arquear a sobrancelha conferia uma classe maior às modelos e eu fazia isso sempre quase como um método, e pedia isso a elas." 
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Acima: A fotógrafa Maureen Bisiliat
O fotógrafo dá uma pequena receita: "Quando você está diante de alguém, você precisa um pouco dirigir, inventar gestos e falar coisas. Nessas fotos do Caetano uma hora eu falei “levanta uma sobrancelha” e ele, que já fazia isso com uma destreza impressionante, imitando um ator de cinema americano desde a adolescência, fez variações pro lado esquerdo, pro lado direito, pra cima, pra baixo, enfim, uma profusão de variações e uma delas eu congelei. Enfim, virou a foto principal e é isso, a história é essa. Há pouco tempo alguém perguntou como é que eu tinha feito esse Photoshop... Eu deixo as folhas de contato junto para verem que a coisa é real mesmo..."
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Acima: Fernanda Young
Todo autor, mesmo os mais importantes, apesar de alguns renegarem dizendo que inventaram a roda (e não são poucos) tem suas influências e inspirações em alguns de seus predecessores, como já escreveu o genial crítico Harold Bloom (1930-2019) em seu A angústia da influência (1973), um livro sobre poesia, mas podemos fazer a transcrição para fotografia. Estamos perto dos 200 anos da invenção de um aparato que reproduz as coisas na nossa frente em imagens. Wolfenson como vemos acima, com sua modéstia e generosidade conhecida, não deixa de revelar algumas receitas e influências. É como uma receita de um grande chef, pode dizer os ingredientes com precisão, mas somente ele sabe aquele pouquinho de pimenta a mais que muda todo o sabor.  
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Acima: Luiz Frias > Otávio Frias Filho
Na fotografia do Grupo Oficina, comandado pelo ator José Celso, que estavam montando a peça Ela do dramaturgo francês Jean Genet (1910-1986), de 1997. Os atores estão de costas, agachados e nus, cobrindo seu derriére com as mãos. [Infelizmente não é possível de publicar neste blog por conta da censura]. Wolfenson diz: "Essa é a foto mais difícil, mais forte, mais agressiva de todas as fotos que eu tenho. No fim da leitura começamos a fazer umas fotos e eu falei “ah, vamos tirar a roupa?” Eles toparam – eu sabia já que eles tiravam a roupa na peça. Primeiro fizemos uma foto de frente – e eles é que deram a ideia dessa foto: “nós vamos melhorar... vamos fazer essa aqui”. A ideia é totalmente deles e fica um documento histórico desse momento Zé Celsiano." Podemos aqui fazer um saudável paralelo com a famosa imagem de Richard Avedon do grupo inglês Monty Python, quando Graham Chapman (1941-1989) e Terry Jones (1942-2020) sugeriram que os Monty Python fossem fotografados nus. 
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Acima: da série e livro Belvedere
Outro "desvio" das produções editoriais ou publicitárias, é a série Antifachadas de 2003, que tem o livro homônimo. Wolfenson conta que era inverno estava perambulando tristemente pelo centro de São Paulo, "a luz estava oblíqua, límpida, olhei praqueles edifícios carcomidos semiabandonados, a luz conferia a eles uma nova beleza na feiúra de seu abandono. Eu fotografava mais pessoas, o meu barato era sempre foto de gente. Mas fiquei com isso na cabeça: realizar um trabalho sobre esta paisagem que me era muito familiar, porque eu era do Bom Retiro, nesta região central, e morava num primeiro andar onde a paisagem era sempre um prédio à frente, tudo meio amassado, não havia horizonte e a atmosfera era, digamos assim, rarefeita." Para o fotógrafo essas antifachadas são o começo de todos os  trabalhos que começou a fazer, a partir de então, "que eu inventei e realizei a partir de uma mera observação de um lance fortuito." 
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Acima: “moda impressionista”
"O livro falado" traz uma oportunidade rara de "ouvir" um autor excepcional sobre suas inúmeras imagens em uma narrativa essencialmente informal e franca, afinal são mais de 50 anos de fotografia e um reconhecimento indiscutível. Seu encontro com personagens já mencionados e outros como os presidentes Fernando Henrique Cardoso e Lula; artistas geniais como Luiz Hermano, e Hélio Oiticica (1937-1980); conhecer os bastidores dos lindos nus e imagens sensuais da Playboy de atrizes como Maitê Proença e Bárbara Paz ou da cantora Anitta ou se preferir  o cantor Chico Buarque e o artista chinês Ai WeiWei seminus, além de imagens que foram resgatadas do estúdio do fotógrafo, inundado por duas vezes, que transformaram-se em obras de arte. A história do entretenimento contemporâneo brasileiro ( e as vezes internacional) por um raro e feliz raconteur.
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Acima, Cubatão, imagem em grande formato.
Imagens © Bob Wolfenson  Texto © Juan Esteves
Infos básicas:
Fotografias e textos: Bob Wolfenson
Edição de imagens : João Farkas e Kiko Farkas
Design: Kiko Farkas/ Máquina Estúdio
Digitalização e  tratamento das imagens: Chris Kehl
Pré impressão e impressão: Gráfica e editora Ipsis
Para adquirir o livro: https://shop.bobwolfenson.com.br/products/book-o-livro-falado
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