Tumgik
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Perambulei pela casa vazia, como se aquela meia dúzia de passos fossem capaz de fazer brotar na minha cabeça alguma nova ideia mirabolante para lidar com tudo aquilo. Desisto. Me permiti esquecer que a questão da água é um problema mundial e me deixei ficar embaixo do chuveiro por um tempo muito além do necessário. Talvez se a vida fosse mais como um daqueles filmes adolescentes que a gente vive negando que ama, mas assiste sempre que pode... Talvez assim ele entrasse pela porta mais um vez, com um pacote do delivery e uma coca gelada, com aquele sorriso maroto que eu aprendi a identificar pelo tom de voz, muito antes de ver. Talvez eu tivesse a chance de pedir desculpas pela milionésima vez, só esse ano... Eu tento, ele sabe que eu tento, mas isso não basta, não mais.
Sai pela casa, enrolada na toalha que eu sabia bem que não era a minha. Parei na porta do quarto extra que usava como escritório. As coisas ainda estavam espalhadas pelos dois lados, que há alguns meses atrás era apenas um. E agora eu já quase não me lembrava mais como era não ter meu amontoado de papéis com começo infinitos, poucos meios e quase nenhum fim misturado aos os livros dele, cobertos de post its e marca texto colorido. Ele havia levado o notebook. O espaço vazia parecia muito maior, como quem disputa o tamanho com o ‘E se’ que vivia dentro de mim.
E se eu tivesse falado? E se eu tivesse aplicado tudo que tratei em todos os anos de terapia? E se eu não tivesse deixado os medos por velhos traumas se apossarem pouco a pouco de todos os planos que fazíamos entre uma conversa e outra? Eu queria poder fazê-lo entender o quanto sua chegada havia ‘iluminado’ minha vida. Certamente ele iria rir da minha escolha clichê de palavras e então disfarçar o assunto com algum outro papo. Eu queria poder dizer pra ele o quanto seu abraço era aconchegante e necessário, como um banho de mar no calor do Nordeste.
Entre um gole e outro de um vinho barato, eu tento arrumar a coragem necessária para finalmente dizer tudo que eu venho sentido nos últimos meses. Talvez num momento de coragem insana eu apareça na porta dele e saia gritando sobre todas as vezes que eu senti nele aquele calor gostoso de estar em casa, sobre como nossos corpos se encaixam de um jeito que eu nem acreditava que era humanamente possível, o clichê ‘conexão de almas’ nunca faz tanto sentido como quando ele acerta o toque, sem nenhum aviso prévio.
Entre um gole e outro de vinho eu suspiro pensando em tudo, mas sigo sem dizer nada. Caminho para o quarto, e me deito no lado esquerdo da cama, não é o meu. Me agarro ao seu travesseiro, o cheiro ainda está forte e isso me ajuda a dormir, como quem vai acordar com aqueles braços ao redor da cintura. Sonho que ele volta. Me entende e volta, de novo. Mas não.
Ele não vem. Eu não se ir e falar. As gavetas foram esvaziadas durante a semana. Era pra ser, não foi.
- Enila C
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Call out my name ___ 01
Ele chegou até a porta de seu apartamento. Com uma demora desnecessária, procurou a chave certa e deu as duas voltas e meia, que até então o separavam de seu paraíso particular. Mas não aquela noite.
A partir de agora aquilo seria como um treinamento qualquer de dias a fio no meio da selva. Sozinho, com frio e entregue à própria sorte. Jogou a mochila sobre o sofá e despiu parte do uniforme ali mesmo. Deixou o coturno no mesmo canto de sempre, onde ao lado deveria estar um vans surrado.
Caminhou até a cozinha, servindo-se de um vinho tinto qualquer. Doce.
Ligou a TV enorme, que costumava ser o motivo de ‘brigas’ infinitas por controle, agora estava em um jornal qualquer, em um volume baixo demais para ser entendido. Na tela imagens de mais um K-Idol aleatório flagrado na hora errada, no lugar errado. Quis que fosse ele ali. Que tudo se resumisse em a manchete sensacionalista de 'Idol é desmascarado com namorada estrangeira’. Quis trocar tudo aquilo pela dor de cabeça de ter sido pego com ela. Em uma tarde qualquer no parque que havia perto da base ou nas folgas em que os dois escapavam para Seul, muito bem disfarçados.
Mas agora era tarde, ela havia voltado para casa. Longe demais para que uma simples fugida de fim de semana desse jeito. Eles estavam separados por oceanos enormes, fusos horários diversos e um futuro imprevisível.
Sentou-se no sofá e ficou encarando o celular jogado sobre a mesa de centro. O bilhete escrito as presas ainda estava lá, ao lado de uma foto Polaroid do dia que eles se conheceram, no pequeno mercado a três quadras daquele apartamento. O telefone seguia vibrando de tempos em tempos, com os nomes de seus amigos mais próximos na tela. Entre uma ligação ignorada e outra ele via a tela se apagar lentamente, mas não sem antes ver a foto dos dois na proteção de tela.
Virou o resto da taça em um gole só, e se arrastou até o banheiro. Talvez um banho ajudasse a diminuir a dor praticamente insuportável que sentia.
Passou a mão por onde costumava ficar os produtos de beleza dela, a na primeira gaveta encontrou um dos milhares de elástico de cabelos que costumavam viver espelhados pela casa. A água gelada corria por seu corpo, mas no segundo em que se permitiu lembrar das mãos dela, sua pele pareceu esquentar completamente, tornando inútil qualquer que fosse a razão da água quase congelante.
Enquanto esperava uma refeição qualquer que havia pedido, tomou coragem para entrar no quarto extra que os dois dividiam. Sua guitarra estava encostada na parede, ao lado da pilha de livros que ela usava para estudar. Na mesa dele havia aparelhos diversos de mixagem e um computador potente para produzir suas musicas na hora vaga. No lado dela havia, agora, um espaço vazio onde costumava ficar seu notebook, que ele lembrava bem que era completamente coberto por adesivos. Um, inclusive, que contava com o rosto dele, sorridente ao lado dos amigos K-Idols. Suas canetas ainda estavam no pote em formato de panda que ela amava, juntos com diversos outros itens de papelaria, que ela fazia questão de comprar sem controle. ‘Olha isso, que fofo! Quero’, ela dizia enquanto sorria pra ele e colocava na cesta de compras. Era sempre assim, ele entendia. Ela amava itens de papelaria. Ele amava instrumentos. E aquele quarto era a lembrança vivida de como os dois funcionavam bem juntos. Se lembrou das noites em que passaram ali, cada um perdido no seu hobby, trabalhando por horas sem trocar uma palavra. Juntos.
Ouviu a campainha tocar ao fundo, e aproveitou a oportunidade para simplesmente respirar fundo e empurrar para dentro todo o choro que ameaça sair. De novo.
Não se espantou ao abrir a porta e encontrar, além do entregador, dois amigos segurando algumas garrafas de soju. Os dois entraram e se jogaram no sofá, como sempre costumavam fazer. Ele se sentou no chão, de costas para a Tv, que agora passava um episódio repetido de um drama que ele já havia decorados as falas. Era um dos favoritos dela.
‘Ela chegou bem’, S disse enquanto parecia focado demais em abrir uma simples garrafa. ‘Me mandou mensagem hoje de manhã e pediu desculpas pela milionésima vez, pelo menos nas minhas contas’.
‘Eu recebi a mesma mensagem’ C não fazia questão de disfarçar que estava de olho em cada movimento do amigo. ‘Você sabe que isso não foi culpa sua. Nem dela’
‘Como que não foi culpa minha? Se foi para me proteger que ela foi embora’, disse com um ar calmo, mas era óbvio que ele estava perto demais de seu limite.
A conversa e bebedeira de consolação entrou noite adentro, e na manhã seguinte enquanto se arrumava para voltar para base, ele passou por dois dos seus melhores amigos dormindo estendidos no chão da sua sala. No balcão perto da porta, ele pescou um dos chaveiros. Era o dela. E ele faria o que fosse necessário para devolver pra real dona. Aquilo não tinha acabado ali.
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...Continua.
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