Tumgik
mariliatg · 9 years
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Voltando da firma com fome, resolvi passar no Habibs. Comprei uns kibes para viagem e peguei o ônibus para casa. O doce aroma do kibe se espalhou pelo ar e aí o Brasil resolveu mostrar sua cara. Primeiro foi o cobrador:
- Cê não sabe que é um crime entrar no ônibus com kibe na hora do jantar? - Vish, moço, não sabia dessa lei. - Pois é, a multa é um kibe. Paga aqui comigo mesmo.
E aí a ousadia&alegria inundou o busão e todos os tios piadistas presentes resolveram participar.
- Não, a multa é beirute! Paga aqui! - Moço, é kibe! - Vai lá e compra. - Já passou o ponto do Habibs! - Volta e pega uma pizza para mim. - Não tem jeito, moça, multa é multa. Tem que pagar. - E traz umas esfihas! A gente espera. - Ai, gente, kibe é que tem para hoje. - Não sou eu, moça, é a lei.
E a conversa e as risadas continuaram até chegar meu ponto. Foi assim que meus kibes espalharam alegria por São Paulo e eu me tornei a Khaleesi do busão. Fim.
jun/2015
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mariliatg · 9 years
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Pegou uma mala bem grande, lá do alto do armário, e tentou fazer caber a vida. Dobrou bem as boas lembranças, para levar todas com ela. As ruins não jogou fora. Só colocou embaixo de tudo, porque eram alicerces e é lá que eles ficam. E porque usava pouco. Olhou tudo bem olhado, cada canto, cada fresta, para não deixar ninguém para trás. Tirou fora o que não servia mais, tudo que era medo. Se livrou de algumas dúvidas, empacotou umas certezas. E fechou com cadeado, fez seguro, fez promessa, fez foto de tudo que tinha dentro, para não extraviar. Quando estava pronta e arrumada, me acordou, me abraçou e arrancou um pedacinho.
Junho/2015
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mariliatg · 9 years
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Voltei para o Brasil depois de 12 horas num ônibus, 6 no aeroporto de Roma, 3 no vôo para Londres e mais um monte num vôo para Brasil. Foi tudo cansativo, mas muito tranquilo. Em Londres foi um pouco mais complicado. Complicado porque estouraram a bolha colorida de quem volta de viagem. A fila da alfândega estava grande e as pessoas já reclamavam da demora. Então veio um funcionário e explicou que tinham um problema que já estava sendo resolvido e que abririam uma outra fila "para agilizar".
Eu fui uma dessas pessoas que foi levada para a fila nova. De lá pude ver "o problema". O problema era uma família muçulmana com uma criança numa cadeira de rodas. Primeiro pediram para o menino, de não mais de dez anos, levantar e passar pelo detector de metais. A mãe explicou, com educação, que ele não podia andar. O funcionário pediu que a mãe o pegasse no colo e passasse com ele. Ela respondeu que a criança era grande e que ela não conseguiria andar com ele. O funcionário pediu que ele ficasse de pé e abrisse os braços. A mãe, de novo, explicou que ele não conseguia ficar de pé e nem abrir os braços. Já sem paciência, pegaram o detector manual e seguraram o menino de pé, com os braços abertos. Apalparam o corpo todo e o turbante do menino. Não tenho palavras para explicar a expressão no rosto dele. A da mãe, então, seria mais difícil ainda. E isso foi só o que pude ver. Parte da família já havia passado, a outra parte ainda estava na fila.
Foi aí que eu olhei para fila onde eu estava e para fila onde eles estavam. Na minha fila só tinha gente branca, acho que por isso andou rápido. Eu, branca, cabelo liso, sem adornos religiosos, passei direto. Não pediram meu passaporte. Não olharam duas vezes para mim. E um funcionário ainda pediu desculpas pela cena. Com meu inglês quebrado, só consegui dizer "peçam desculpa para aquela mãe". Ele não respondeu, pediu que eu guardasse minhas coisas e disse que no portão de embarque tinha um free shop.
O aeroporto de Heathrow é gigante e eu tive que correr para achar o portão. Na fila de embarque, o assunto era sobre como a alfândega londrina era exagerada. Uma mulher brasileira me disse que fizeram ela tirar todos os batons da bolsa. Perguntei se ela tinha visto o que aconteceu com a família mulçumana. Ela disse que sim, "mas são as normas de segurança, tem que entender o lado deles (ingleses)". Perguntei se ela não via a incoerência de chamar uma cena de "exagero" e a outra de "normas de segurança". Ela disse, de novo, que era só questão de segurança e que eu precisava entender o "trauma" deles (ingleses). Respondi que ela podia chamar do que quiser, no fim do dia ainda seria racismo e eu estava mais preocupada com o trauma da mãe e do menino. Se fosse uma criança branca cristã talvez o tratamento fosse diferente. Ela respondeu que aquilo era normal e eu estava vendo problema onde não tinha. E virou de costas.
Olhei para o meu livro, "I know why the caged bird sings", da Maya Angelou. Uma auto biografia sobre o racismo e sexismo que vivenciou no sul dos Estados Unidos do início do século XX. Fiquei pensando em como foi fácil para eu entrar e sair e viajar na Europa. E em como passar pela alfandega não era uma coisa que me preocupava. Em como ninguém questionou a minha presença e nem perguntou o que eu fui fazer lá. Em como perguntaram se eu queria morar na Europa, porque eu não tenho o perfil do imigrante que rejeitam. Pensei sobre o privilégio, também, de ter uma história de aeroporto para contar. No fim do dia eu era só mais uma branca da classe média da cidade mais rica do Brasil, que passou as ferias na Europa, passou direto na fila da alfândega e precisa ler sobre e ser confrontada com cenas como essa. No fim do dia, eu me indigno e leio um livro sobre Maya Angelou, mas continuo me beneficiando da estrutura racista que mantém o meu privilégio de ter um lugar na fila rápida.
Agosto/2015
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mariliatg · 9 years
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Homem, veja bem. Não me leve a mal. Fico feliz que queira desconstruir seu machismo. Dou todo meu apoio. Só não vou colar uma estrelinha no seu caderno. Nem dar um tapinha nas costas. Não vou te dar parabéns por fazer esse esforço incrível de me tratar como ser humano. Não vou te agradecer por me respeitar quando estava vulnerável, nem por ter criado consciência de que eu passo por alguns perrengues que você nunca vai passar na sua vida. Não vou gostar mais de você por, sei lá, tentar não me tratar como um objeto ou não me forçar a fazer o que não quero. A verdade é que não me interessa essa sua incrível jornada para rever seus privilégios. Não é que não goste de você: é só que nada disso torna você um homem especial. Nem mais interessante, e nem mais legal. Só menos babaca. E, deixa eu te contar uma coisa: querer e tentar ser uma pessoa melhor não é qualidade, não é virtude e nem demonstração de caráter. É obrigação.
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mariliatg · 9 years
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Hoje eu saí de casa pedindo. Vesti uma calça jeans e uma camiseta qualquer. Por cima, uma blusa de malha das velhas e um casaco mais pesado. E saí de casa assim para pedir, implorar até, atenção masculina. E também para ir à farmácia, mas esse é só um detalhe. O foco era pedir. Não era o fato de estar me sentindo mal há dias e precisar de algum remédio, alguma coisa, que aliviasse a dor infernal que eu sentia na cabeça, de uma sinusite que o antibiótico parecia não ter dado conta.
Não. Queria só pedir mesmo. Pedir um pouco, ir na farmácia e depois ir para casa. Pensei que às 17h de uma segunda-feira não seria uma boa hora para chamar atenção, mas não custava tentar. Não fiquei surpresa quando um carro com 3 homens desacelerou. Já imaginava que poderia acontecer, já que uma mulher como eu, sozinha, agasalhada até o último fio de cabelo, só poderia estar ali por um único motivo (não, não era ir à farmácia). Quando coloquei aquela calça larga na bunda, o que eu queria mesmo era que me seguissem com a intenção de me contar sua opinião a respeito dessa parte do meu corpo. Quem mandou nascer com bunda grande, né, Marília? Só me restava aguentar o assédio. "Aguentar" não é  melhor palavra, né? Porque no fundo toda mulher, eu incluída, só quer chamar atenção.
E sabe que eu sempre quis andar vários metros ao lado de um carro com 3 homens destilando o que acho que eram para ser elogios? Pena que eu sou ingrata. Não fiquei feliz. Não agradeci, nem saí rebolando essa bunda linda que deus me deu. Fiz a difícil. Fiquei brava a toa, me disseram. Falaram que eu estava nervosinha, que devia ser TPM. Não era, mas só podia ser, né? Por que diabos uma mulher assim, como eu, não ficaria lisonjeada com essa escolta indesejada? Essa honra de ser seguida na rua de casa, às 17h e pouco, por um carro com desconhecidos? Talvez eu tenha merecido isso. Talvez não devesse estar na rua da minha casa numa hora dessas. Ou só devesse parar de ser chata e ficar feliz de ser elogiada assim, tão enfaticamente. Eu devia é agradecer.
É que você exagera, Marilia. Reclama muito. Por que não ficou quieta na hora? Você precisa se acalmar. Isso acontece todo dia. Tem mulher que gosta. Nem todo homem é assim. Por que não luta por causas mais urgentes? Por que você odeia homem, Marília? O que eles fizeram com você, Marilia, para justificar tamanha misandria? É TPM? É falta de sexo? É falta do quê? Vê machismo em tudo.  Você sabe que machismo não existe mais, né, Marília? Ele acabou quando as mulheres começaram a votar. Ou quando começaram a trabalhar. Ou quando começaram a trabalhar, votar, cuidar da casa e sustentar famílias inteiras ao mesmo tempo, né? Ou quando deixaram de sofrer violência por ser, sei lá, mulheres, né? Mas por que você chama de violência contra mulheres se homens também sofrem violência, Marília? Por que você é assim? Por que não é assado?
Encontrei a cultura de estupro hoje, na rua da minha casa. Ela mandou um beijo para todo mundo e disse que vai ficar por aí mais um tempo.
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