Tumgik
tryingtofoundpeace · 8 months
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tryingtofoundpeace · 8 months
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MANIFESTO CABALÍSTICO
"Voltando a Reuchlin, se ele publicou algum livro que ainda não está em nossas mãos, peço que nos seja trazido. Pois estou muito satisfeito com sua erudição (...) Eu mesmo escrevi para Reuchlin. Não sei se minha carta chegou até ele, mas não deixarei de escrever novamente. Recebi uma carta dele, uma longa de fato, para meu grande prazer. A meu ver, ele parece superar todos os autores vivos cujas obras li, principalmente por seu conhecimento dos «arcanos» tanto em teologia como em filosofia. (...)O Livro Cabalístico que me foi oferecido por Reuchlin, como você me diz, ainda não chegou. Seu amigo More enviou a carta, mas ainda está segurando o livro «suo more»: já o fez com o Oculare Speculum. Estou muito grato a você, Erasmo, primeiro por sua constante ansiedade em demonstrar bondade para comigo, e especialmente porque você se esforça tanto para me manter vivo na memória de Reuchlin. Abraço-o com muito carinho e, enquanto isso, peço a você, até que eu tenha lido o livro e escrito para ele, que ele saiba que minha gratidão a ele é a maior que posso conceber.”
- São John Fisher, em "Erasmus and Fisher, their correspondence, 1511-1524", Paris, Librairie Philosophique J. Vrin, 6, place de la sorbonne, Ve 1968, páginas 45, 51 e 53.
"Pode-se argumentar sobre os prós e contras por muito tempo neste relatório. Mas pode-se ver no livro intitulado ‘Apologia’ do já mencionado Conde de Mirandola, que foi aprovado pelo Papa Alexandre (VI), que os livros da Cabala não são apenas inofensivos, mas de grande utilidade para a Fé Cristã, e o Papa Sisto IV da Cabala não são apenas inofensivos, mas de grande utilidade para a Fé Cristã, e o Papa Sisto IV os traduziu para o latim para uso de nós, Cristãos. Há motivos suficientes, portanto, para concluir que livros como a Cabala não devem e não podem ser legalmente suprimidos e queimados (...) Os comentários judaicos não devem e não podem ser abandonados pela Igreja Cristã, pois mantêm diante dos nossos olhos as características especiais da língua hebraica. A Bíblia não pode ser interpretada sem eles, especialmente o Antigo Testamento, assim como não podemos prescindir da língua grega e das gramáticas e comentários gregos para o Novo Testamento, como é confirmado e indicado no Direito Canônico. (...) Se houver, no entanto, livros hebraicos que ensinem ou instruam os leitores nas artes proibidas, como feitiçaria, magia e bruxaria, se eles puderem ser usados para prejudicar as pessoas, eles deverão ser destruídos, rasgados e queimados porque são contra natureza. Mas se tais livros de magia são projetados apenas para ajudar e beneficiar a vida humana e não servem a nenhum propósito prejudicial, não se deve queimá-los ou destruí-los, exceto livros sobre tesouros enterrados."
- Johann Reuchlin, "Relatório sobre os livros dos Judeus" (em "The Case against Johann Reuchlin: Religious and Social Constroversy in Sixteenth-Century Germany", Rumme, Erika, 2002, University of Toronto Press, Página 93 sqq).
Definição do Bispo Giuseppe Cientes sobre a Cabalá
O termo Cabalá (קבלה) em hebraico significa nada mais do que "Tradição" no sentido mais geral, e embora geralmente designe a tradição esotérica ou iniciática quando usado sem maior precisão, às vezes também acontece que pode ser aplicado à própria tradição exotérica. Este termo pode, portanto, designar qualquer tradição; mas como pertence à língua hebraica, é normal reservá-lo apenas à tradição hebraica, como observamos em outras ocasiões. Se insistimos neste ponto é porque notamos que algumas pessoas têm a tendência de atribuir outro significado a esta palavra, de fazer dela o nome de um tipo especial de conhecimento tradicional, onde quer que este se encontre, e isto porque eles acreditam que descobriram na palavra todo tipo de coisas mais ou menos extraordinárias que realmente não existem. Não pretendo perder tempo trazendo à tona todas essas interpretações fantasiosas; é mais útil esclarecer o significado original da palavra, o que bastará para reduzi-las a nada, e é tudo o que proponho a fazer aqui.
A raiz QBL em hebraico (קבל) e árabe (قبل) significa essencialmente a relação de duas coisas colocadas frente a frente, e daí vêm todos os significados variados das palavras dela derivadas, como por exemplo aquelas de encontro e até oposição. Desta relação surge também a ideia de passagem de um para o outro dos dois termos, de onde nascem ideias como as de receber, acolher e aceitar expressas nas duas línguas através do verbo qabal; e a Cabala deriva diretamente disso, ou seja, “aquilo que é recebido” ou transmitido (em latim Traditium) de um para outro. Aqui aparece, junto com a ideia de transmissão, a de sucessão; mas deve-se notar que o significado primário da raiz indica uma relação que pode ser simultânea ou sucessiva, espacial e temporal. E isto explica o duplo significado da preposição qabal em hebraico e qabl em árabe, que significam tanto "na frente de" (isto é, "na direção” no espaço) e “antes” (no tempo); e a estreita relação destas duas palavras, “diante de” e “antes”, mostra claramente que há sempre uma certa analogia entre estas duas modalidades diferentes, uma em simultaneidade e outra em sucessão. Isto permite também a resolução de uma aparente contradição: embora a ideia habitual quando se trata de uma relação temporal seja a de anterioridade, que se relaciona portanto com o passado, também acontece que os derivados da mesma raiz designam o futuro (em árabe مستقبل - mustaqbal, isto é, literalmente aquilo em direção ao qual se vai, de استقبل - istaqbal - "ir em direção"). Em suma, é suficiente em todos os casos que um dos dois termos considerados esteja “à frente” ou “antes” do outro, quer se trate de uma relação espacial ou temporal.
Todas estas observações podem ser ainda confirmadas pelo exame de outra raiz, igualmente comum ao hebraico e ao árabe, e que tem significados muito próximos destes, poder-se-ia mesmo dizer idênticos em grande parte, pois embora o seu ponto de partida seja claramente diferente, o os significados derivados convergem. Esta é a raiz QDM, que em primeiro lugar expressa a ideia de “preceder” (קָדַם - qadam), de onde tudo o que se refere não apenas a uma anterioridade temporal, mas a uma prioridade de qualquer ordem. Assim, para palavras derivadas desta raiz encontra-se, além dos significados originais e antigos (קֶדֶם - qedem em hebraico, قدم - qidm ou qidam em árabe) o de primazia ou precedência e mesmo o de caminhar, avançar ou progredir (em árabe taqaddum); e aqui novamente, a preposição qadam em hebraico e quddam em árabe tem o duplo significado de “na frente de” e “antes”. Mas o significado principal designa o que é primeiro, seja hierarquicamente ou cronologicamente; assim, a ideia expressa com mais frequência é a de origem ou primordialidade e, por extensão, a de antiguidade quando a ordem temporal está envolvida. Assim, Kadmon (קַדְמוֹן) em hebraico e qadim em árabe significam “antigo” no uso corrente, mas quando estão relacionados ao domínio dos princípios, devem ser traduzidos por “Primordial”.
A respeito destas mesmas palavras, há outras razões que não são desprovidas de interesse. Em hebraico, os derivados da raiz QDM também servem para designar o Oriente, isto é, a direção da “origem” no sentido de que é ali que aparece o sol nascente (oriens, de oriri, de onde vem também origo em latim), o ponto de partida do curso diurno do sol; e ao mesmo tempo é também o ponto utilizado para se “orientar” voltando-se para o sol nascente. Assim, qedem também significa “Oriente” e Kadmon “oriental”; mas não se deve ver nestas designações a afirmação de uma primordialidade do Oriente do ponto de vista da história da humanidade terrestre, pois, como já dissemos muitas vezes, a tradição original é nórdica, até "polar", e nem oriental nem ocidental; além disso, a explicação que acabamos de indicar parece-nos plenamente suficiente. Acrescentarei a este respeito que estas questões de “orientação” são geralmente muito importantes no simbolismo tradicional e nos ritos baseados nesse simbolismo; são, além disso, mais complexos do que se poderia pensar e podem dar origem a certos erros, pois nas diferentes formas tradicionais existem muitos modos diferentes de orientação. Quando nos voltamos para o sol nascente, como acabamos de dizer, o Sul é designado como o “lado direito” (يمين - yamin ou yaman; cf. o sânscrito dakshina, que tem o mesmo significado) e o Norte como o “lado esquerdo” (שמאל - shemal em hebraico, شِمَال - shimal em árabe); mas também acontece que a orientação é estabelecida voltando-se para o sol no meridiano, e o ponto anterior não é mais o Leste, mas o Sul. Assim, em árabe, o Sul tem, entre outros nomes, o de qiblah, e o adjetivo qibli significa “sul” [meridional]. Estes últimos termos nos levam à raiz QBL; a mesma palavra qiblalt também é conhecida no Islã para designar a orientação ritual; em todos os casos é a direção que se tem diante de si; e o que também é bastante curioso é que a grafia da palavra qiblah é exatamente idêntica à da Cabalá hebraica.
Agora, pode-se perguntar por que em hebraico “Tradição” é designada por uma palavra que vem da raiz QBL, e não da raiz QDM. É tentador responder que, uma vez que a Tradição Hebraica constitui apenas uma forma secundária e derivada, um nome que evoca a ideia de origem ou primordialidade não seria adequado; mas este argumento não nos parece essencial, pois, direta ou não, toda tradição está ligada às suas origens e procede da revelação primordial, e vimos até em outro lugar que toda "língua sagrada", incluindo o próprio hebraico e o árabe, é pensada representar a linguagem primordial de alguma forma. A verdadeira razão, ao que parece, é que a ideia que aqui deve ser especialmente destacada é a de uma transmissão regular e ininterrupta, que é, portanto, devidamente expressa pela palavra “tradição”, como referimos no início. Esta transmissão constitui a “cadeia” (שַלְשֶלֶת‎ - shelsheleth em hebraico, سلسلة - silsilal em árabe) que une o presente ao passado e que deve continuar do presente ao futuro; é a “cadeia da tradição” (שלשלת הקבלה - shelsheleth ha-Kabbalah) ou a “cadeia iniciática” da qual recentemente tivemos ocasião de falar e é também a determinação de uma “direção” (encontramos aqui o significado da qiblah árabe) que, ao longo do tempo, orienta o ciclo para o seu fim e o une novamente à sua origem, e que, estendendo-se ainda além desses dois pontos extremos pelo fato de sua fonte principal ser atemporal e "não humana", o liga harmoniosamente a os outros ciclos, formando com estes uma “cadeia” maior, aquela que certas tradições orientais chamam de “cadeia de mundos” na qual se integra gradativamente toda a ordem da manifestação universal.
A Ciência dos Números
As "ciências sagradas" pertencentes a uma determinada forma tradicional são realmente parte integrante dela, pelo menos como elementos secundários e subordinados, e estão longe de representar apenas uma espécie de acréscimo acidental a ele ligado de forma mais ou menos artificial. É indispensável compreender bem este ponto e nunca perdê-lo de vista se quisermos penetrar, ainda que pouco, no verdadeiro espírito de uma tradição; e é tanto mais necessário chamar a atenção para isto, porque nos nossos dias se nota com bastante frequência entre aqueles que pretendem estudar doutrinas tradicionais uma tendência a não levar em conta estas ciências, seja pelas dificuldades especiais apresentadas pela sua assimilação, ou porque, além da impossibilidade de enquadrá-los no quadro das classificações modernas, a sua presença incomoda particularmente quem se esforça por reduzir tudo a pontos de vista exotericos e interpreta doutrinas em termos de "filosofia" ou "misticismo". Sem querer aprofundar mais uma vez a futilidade de tais estudos realizados "de fora" e com intenções totalmente profanas, repetiremos, no entanto, porque vemos diariamente a oportunidade, que as ideias distorcidas a que inevitavelmente conduzem são certamente piores do que a pura e simples ignorância.
Às vezes acontece até que certas ciências tradicionais desempenham um papel mais importante do que o que foi indicado e que, além do valor próprio que possuem em si mesmas na sua ordem contingente, são tomadas como meios simbólicos de expressão para a parte superior e essencial da doutrina, a tal ponto que esta se torna totalmente ininteligível se tentarmos separá-la delas. Isto é o que acontece em particular com a Cabalá Hebraica para a "ciência dos números", que aliás é em grande parte idêntica à "ciência das letras", tal como o é no esoterismo islâmico, e isto em virtude da própria constituição do hebraico e as línguas árabes, que, como dito anteriormente, são tão próximas umas das outras em todos os aspectos.
O papel preponderante da ciência dos números na Cabalá é um facto tão evidente que não pode escapar nem ao observador mais superficial, e dificilmente é possível, mesmo aos "críticos" mais cheios de preconceitos, negar ou ocultar isto. No entanto, eles não são negligentes em dar interpretações erradas deste facto, a fim de, de alguma forma, enquadrá-lo no quadro das suas ideias pré-concebidas; proponho aqui especialmente dissipar estas confusões mais ou menos deliberadas, devidas em boa parte ao abuso do demasiado famoso “método histórico” que apesar de tudo quer ver “empréstimos” onde quer que veja semelhanças.
Sabemos que está na moda nos círculos universitários afirmar que a Cabalá está ligada ao Neoplatonismo, de modo a diminuir tanto a sua antiguidade como o seu alcance; não é considerado um princípio inquestionável que tudo deve vir dos gregos? Infelizmente, esquecemos que o próprio Neoplatonismo contém muitos elementos que não são especificamente gregos, e que no período Alexandrino o Judaísmo em particular teve uma importância nada desprezível, de modo que se realmente houvesse empréstimos, eles poderiam ter ocorrido em uma direção oposta à alegada. Esta hipótese é ainda mais provável, primeiro porque a adopção de uma doutrina estrangeira dificilmente é conciliável com o "particularismo" que sempre foi um dos traços dominantes do espírito judaico, e depois porque, independentemente do que se possa pensar em outros aspectos do Neoplatonismo, representa apenas uma doutrina relativamente exotérica (mesmo que se baseie em ideias esotéricas, é apenas uma “exteriorização” delas), que como tal não conseguiu exercer uma influência real sobre uma tradição essencialmente iniciática e até muito “fechada” como a Cabalá é e sempre foi. Além disso, não vemos que haja qualquer semelhança particularmente notável entre isto e o Neoplatonismo, nem vemos na forma como o Neoplatonismo é expresso que os números desempenhem o mesmo papel que é tão característico da Cabalá. A língua grega dificilmente o teria permitido, embora seja, repito, algo inerente à própria língua hebraica, e deve, portanto, ter estado ligada desde o início à forma tradicional que por ela se exprime.
É claro que não há razão para contestar que uma ciência tradicional dos números possa ter existido entre os gregos, pois ela era, como sabemos, a base do pitagorismo, que não era apenas uma filosofia, mas também tinha um caráter propriamente iniciático; e é daí que Platão extraiu não apenas toda a parte cosmológica de sua doutrina, tal como exposta particularmente no Timeu, mas até mesmo sua "teoria das ideias", que na verdade é apenas uma transposição em terminologia diferente das ideias pitagóricas sobre os números considerados como os princípios das coisas. Se realmente quisermos encontrar entre os gregos um termo de comparação com a Cabalá, devemos recorrer ao pitagorismo; mas é precisamente aqui que a inanidade da tese dos “empréstimos” se torna mais claramente aparente. Estamos de fato na presença de duas doutrinas iniciáticas, ambas dando importância primordial à ciência dos números, mas essa ciência é apresentada por cada uma sob formas radicalmente diferentes.
Aqui valerão algumas considerações de ordem mais geral. É perfeitamente normal que a mesma ciência seja encontrada em tradições diferentes, pois a verdade em qualquer domínio não poderia ser monopólio de uma forma tradicional com exclusão de outras. Este facto não pode então ser motivo de espanto, excepto sem dúvida para os “críticos”, que não acreditam na verdade; e na verdade é o contrário que seria não apenas surpreendente, mas até mesmo dificilmente concebível. Não há nada aqui que implique uma comunicação mais ou menos direta entre duas tradições diferentes, mesmo no caso em que uma é incontestavelmente mais antiga que a outra; não pode uma certa verdade ser vista e expressa independentemente daqueles que já a expressaram antes, e, dada essa independência, não é ainda mais provável que esta mesma verdade seja de facto expressa de forma diferente? No entanto, deve ficar claro que isto não é de forma alguma contrário à origem comum de todas as tradições; mas a transmissão de princípios desta origem comum não implica necessariamente a transmissão explícita de todos os desenvolvimentos que nela estão implícitos e de todas as aplicações que eles podem produzir. Tudo o que é uma questão de “adaptação”, numa palavra, pode ser considerado como pertencente propriamente a esta ou aquela forma tradicional particular, e, se encontrarmos o equivalente noutro lugar, é porque dos mesmos princípios se extrairia naturalmente o mesmo conclusões, qualquer que seja a maneira especial como elas tenham sido expressas aqui ou ali (com a reserva, é claro, de que certos modos simbólicos de expressão, sendo iguais em todos os lugares, devem ser considerados como remontando à tradição primordial). Além disso, as diferenças de forma serão geralmente maiores à medida que nos afastamos dos princípios para descermos a ordens mais contingentes; e esta é uma das principais dificuldades na compreensão de certas ciências tradicionais.
É fácil compreender que estas considerações afastam quase todo o interesse pela origem das tradições ou pela proveniência dos elementos que elas contêm segundo o ponto de vista "histórico" tal como entendido no mundo profano, pois tornam perfeitamente inútil a suposição de qualquer filiação direta; e mesmo quando se nota uma semelhança muito maior entre duas formas tradicionais, essa semelhança é explicada muito menos por "empréstimos", que muitas vezes são bastante improváveis, do que por "afinidades" devido a um certo conjunto de condições comuns ou semelhantes (raça, tipo de língua, modo de vida, etc.) entre os povos aos quais estas formas se aplicam respectivamente. Quanto aos casos de filiação real, isto não quer dizer que devam ser totalmente excluídos, pois é evidente que todas as formas tradicionais não procedem directamente da tradição primordial e que outras formas devem ter por vezes desempenhado o papel de intermediárias; mas estas últimas são na maioria das vezes tradições que desapareceram completamente, e essas transmissões em geral remontam a épocas muito distantes para que a história comum - cujo campo de investigação é realmente muito limitado - seja capaz de ter o menor conhecimento delas, sem contar o facto de os meios pelos quais foram efectuadas não estarem entre os acessíveis aos seus métodos de investigação.
Tudo isto apenas parece afastar-nos do nosso assunto e, portanto, voltando agora às relações entre a Cabalá e o Pitagorismo, podemos agora colocar-nos esta questão: se a primeira não pode ser derivada directamente da última (mesmo supondo que seja não anterior a ele), e mesmo que isso se deva apenas a uma diferença de forma muito grande, algo ao qual retornaremos em breve de maneira mais precisa, não se pode pelo menos imaginar uma origem comum para ambos, que segundo alguns seria a tradição dos antigos egípcios (isso, claro, nos levaria a muito antes do período Alexandrino)? Digamos desde já que esta é uma teoria que tem sido muito abusada; e no que diz respeito ao Judaísmo, não somos capazes, apesar de certas afirmações mais ou menos fantasiosas, de descobrir a menor conexão com o que se conhece da tradição egípcia (estamos falando aqui da forma, a única coisa a ser considerada, uma vez que a substância é necessariamente idêntica em todas as tradições); sem dúvida teria ligações mais reais com a tradição caldeia, seja por derivação ou por simples afinidade, na medida em que seja possível apreender realmente algo destas tradições extintas há tantos séculos.
Quanto ao pitagorismo, a questão talvez seja mais complexa. As viagens de Pitágoras, quer sejam tomadas literal ou simbolicamente, não implicam necessariamente empréstimos de doutrinas deste ou daquele povo (pelo menos no que diz respeito ao essencial, seja qual for o caso de certos pontos de detalhe), mas antes o estabelecimento ou fortalecimento de certos vínculos com iniciações mais ou menos equivalentes. Parece que o pitagorismo foi, de facto, acima de tudo, a continuação de algo que existiu anteriormente na própria Grécia, e que não há razão para procurar noutro lugar a sua fonte principal; temos em mente os Mistérios, e mais particularmente o Orfismo, do qual talvez tenha sido apenas uma "readaptação" nesta época do século VI antes da era Cristã, que por um estranho sincronismo viu mudanças de forma ocorrerem ao mesmo tempo entre quase todos povos. Costuma-se dizer que os próprios mistérios gregos eram de origem egípcia, mas tal afirmação geral é demasiado "simplista", e embora isto possa ser verdade em certos casos, como os mistérios de Elêusis (que vêm particularmente à mente nas circunstâncias), há outros onde isso não é de todo sustentável. Quer se trate do próprio Pitagorismo ou do Orfismo anterior, não é em Elêusis que devemos procurar o "ponto de ligação", mas em Delfos. E isto nos leva diretamente ao ponto mais importante no que diz respeito à ciência dos números e às diferentes formas que assumiu.
Esta ciência dos números no pitagorismo parece intimamente ligada à das formas geométricas; e o mesmo acontece com Platão, que neste aspecto é puramente pitagórico. Poderíamos ver aqui a expressão de um traço característico da mentalidade helenística, que está especialmente ligada às formas visuais; e sabemos que entre as ciências matemáticas foi de facto a geometria que os gregos desenvolveram especialmente. Contudo, há algo mais envolvido aqui, pelo menos no que diz respeito à “geometria sagrada”; o Deus “geômetro” de Pitágoras e Platão, entendido no seu sentido mais preciso e, poderíamos dizer, técnico, não é outro senão Apolo. Não podemos empreender uma elaboração deste assunto, o que nos levaria muito longe, e talvez possamos voltar a esta questão numa outra ocasião. É suficiente neste momento assinalar que este facto se opõe fortemente à hipótese de uma origem comum tanto para o pitagorismo como para a Cabala, mesmo no ponto em que um esforço especial foi feito para ligá-los, e que é realmente o único ponto que poderia ter suscitado a ideia de tal conexão, ou seja, a aparente semelhança entre as duas doutrinas no que diz respeito ao papel que a ciência dos números desempenha nelas.
Na Cabala, esta mesma ciência dos números não está de forma alguma ligada ao simbolismo geométrico da mesma maneira; e é fácil ver que assim deveria ser, pois este simbolismo não poderia ser adequado para povos nômades como o eram originalmente os hebreus e os árabes. Por outro lado, encontramos aí algo que não tem equivalente entre os gregos: a estreita união, poderíamos mesmo dizer a identidade em muitos aspectos, da ciência dos números com a das letras em razão das correspondências numéricas destas últimas. Isto é o que é eminentemente característico da Cabalá e não se encontra em nenhum outro lugar, pelo menos sob este aspecto e com este desenvolvimento, a menos que, como já dissemos, seja no esoterismo islâmico, isto é, na tradição árabe.
Pode parecer surpreendente à primeira vista que considerações deste tipo tenham permanecido estranhas aos gregos, uma vez que as suas letras também têm um valor numérico (que é, aliás, o mesmo que os seus equivalentes nos alfabetos hebraico e árabe), e uma vez que, de facto, nunca tinha quaisquer outros sinais numéricos. A explicação deste facto é, no entanto, bastante simples. A escrita grega é realmente apenas uma importação estrangeira (seja "fenícia", como se costuma dizer, ou em qualquer caso "cadmeana", isto é, "oriental" sem qualquer especificação mais precisa, os próprios nomes das letras que testemunham isso), e nunca se tornou verdadeiramente um em seu simbolismo, numérico ou não, com a própria linguagem. Pelo contrário, em línguas como o Hebraico e o Árabe, o significado das palavras é inseparável do simbolismo das letras, e seria impossível dar uma interpretação completa quanto ao significado mais profundo das palavras, aquilo que realmente importa desde o ponto de vista tradicional e iniciático (pois não devemos esquecer que se trata essencialmente de “línguas sagradas”), sem levar em conta o valor numérico das letras que as compõem; as relações existentes entre palavras numericamente equivalentes e as substituições a que por vezes se prestam são, a este respeito, um exemplo particularmente claro. Há portanto aqui algo que, como dissemos no início, diz respeito essencialmente à própria constituição destas línguas, algo que lhes pertence de forma verdadeiramente “orgânica” e que está muito longe de lhe estar ligado desde o exterior e depois do na verdade, como no caso da língua grega; e como este elemento se encontra tanto no hebraico como no árabe, pode-se legitimamente considerá-lo como procedendo da fonte comum destas duas línguas e das duas tradições que elas expressam, isto é, o que pode ser chamado de tradição "abraâmica".
Das considerações acima podemos tirar a conclusão necessária, nomeadamente que se olharmos para a ciência dos números entre os gregos e entre os hebreus, vemos que ela está revestida de duas formas muito diferentes e baseada num caso num simbolismo geométrico, e noutro o outro sobre o simbolismo das letras. Conseqüentemente, não pode haver mais “empréstimos” de um lado do que do outro, mas apenas de equivalências tais como as que necessariamente podem ser encontradas entre todas as formas tradicionais. Deixamos de lado qualquer questão de "prioridade", que não tem nenhum interesse real nestas condições e é talvez insolúvel, pois o verdadeiro ponto de partida é talvez muito anterior às épocas para as quais é possível estabelecer uma estimativa, ainda que ligeiramente cronologia rigorosa. Além disso, a própria hipótese de uma origem comum directa também deve ser afastada, pois a tradição da qual esta ciência é parte integrante pode ser vista como remontando, por um lado, a uma fonte "apolínea", e por outro lado, a uma fonte "abraâmica", que parece estar ligada especialmente (como sugerem os próprios nomes dos hebreus e dos árabes) à corrente tradicional que veio da "ilha perdida do Ocidente".
Background
"I. Cabalá, nome hebraico, קבלה, significa ensino, doutrina que recebemos, ou seja, admitimos, sem exame, com plena fé, de uma autoridade digna de toda a nossa confiança. Este termo corresponde exatamente a 'acceptio' em latim e a ἀποδοχή (apodochí) em grego. Vem do verbo קבל na segunda forma de conjugação, chamada 'piel' que significa 'receber', e se aplica àquele a quem Deus revela uma verdade, ou ao discípulo que recebe alguma doutrina de seu mestre. Seu verbo correlato, que se aplica ao mestre, é ר‎ס‎מ‎, entregar, a partir do qual se formou o substantivo Massore ou Massorah. Assim, a primeira Mischná do tratado Avot (1,1) do Talmud diz: 'Moisés recebeu - קִבֵּל - a Lei no Sinai, e a transmitiu - וּמְסָרָהּ - a Josué.'
'Itaque cabalam', diz (Petrus) Cunæus, 'non cum vulgo eam dico quam alii aliis tradidere , sed quam cœlitus acceperunt viri sancti , est enim קבלה acceptio' - De Rep. Hebr. I. III, Cap. VIII.
II. É importante alertar que nos livros dos rabinos o termo Cabala é utilizado em três significados diferentes. Não conseguindo distinguir esses vários significados, vários estudiosos caíram em erros singulares.
1. O Talmud freqüentemente chama todos os livros do Antigo Testamento, exceto o Pentateuco, de Cabalá. Ele repete este princípio em vários lugares: 'Não se deve explicar um texto do Pentateuco por um texto da Cabala para se derivar dele uma obrigação legal' - דִּבְרֵי תוֹרָה מִדִּבְרֵי קַבָּלָה לָא יָלְפִינַן ('Baba Kamma', 2b 5). No tratado de Baba kamma, fol. 2 verso, R. Sal. Yarhhi faz essa glossa; 'Texto da Cabalá, ou seja, dos profetas e dos livros hagiográficos' - ד‎ב‎רי‎ ק‎‎בלה‎ נביאים וכתובים. É neste sentido que Maimônides diz no seu tratado sobre o estudo da Lei, cap. I, § 12: 'E o texto da Cabala faz parte da lei escrita, mas a sua interpretação pertence à lei oral, à tradição' - ו‎ד‎ב‎ר‎י‎ ק‎ב‎ל‎ה‎ ב‎כ‎לל ת‎ו‎ר‎ה‎ שב‎כתב‎ ‎וף‎‎יר‎ושן‎ ב‎כ‎לל ת‎ו‎ר‎ה‎ שבע‎ל ףה‎.
2. Os rabinos também chamam esta parte da tradição de Cabala, como em nosso prefácio, p. x, qualificamos como legal ou talmúdico. Os mestres da Cabala, ב‎ע‎לי‎‎ הק‎ב‎ל‎ה, são os doutores talmúdicos. Veja Carpzov, 'Introd. in theol. judaic.', c. III, § 7. Maimônides, em seu comentário ao tratado Abot, cap. I, diz que os chefes de cada uma das seitas que os doutores da Sinagoga designaram sob o nome de saduceus e baituseus, e que nas nossas regiões do Egito, diz ele, chamamos caraítas, que esses líderes, dizemos - declaramos que eles admitiam o Pentateuco e rejeitavam a Cabala como uma lei falsa - 'שה‎ו‎א‎ מ‎‎א‎מ‎י‎ן‎ ב‎ת‎ו‎ר‎ה‎ ו‎ח‎ול‎ק‎‎ ע‎ל הקב‎לה‎‎‎‎‎ שא‎ינה א‎מ‎‎‎ת‎י‎ת'. Ora, a heresia caraíta, o verdadeiro protestantismo da sinagoga, consiste em rejeitar o Talmud e admitir apenas a letra nua do texto mosaico, um texto que cada caraíta pode interpretar como quiser, como achar melhor; Lutero só teve que fazer o livre-exame. 3. Comumente entendemos por este termo a Cabala por excelência, ou seja, a parte misteriosa, esotérica, acroamática da tradição oral. Joseph de Voisin, ao tratar desta Cabala, diz muito bem: 'Et si vero totum Talmud Kabala dicatur, hœc tamen pars κατ· ἐξοχήν vocatur Kabala' - 'Observ. in proœm. Pugionis Fidei'. Citaremos um exemplo dos mal-entendidos que deu origem à confusão destes três significados do mesmo termo. Buxtorf, no artigo קבלה de seu Lexicon rabínico, diz que David Kimhhi exalta a misteriosa Cabala na introdução ao seu comentário sobre o Salmo CXIX (sal. Heb.), e que o Talmud, tratado Rosch-Hasschana, fol. 19 recto, concede à Cabala a mesma autoridade que o texto dos livros de Moisés. Isto é o que Buxtorf afirma; mas nada é mais impreciso. Neste lugar do Talmud não há a menor questão da Cabala propriamente dita, mas do poder espiritual da Sinagoga, já que toda a discussão gira em torno da mais ou menos solenidade de uma festa, a dos três de Tischri, instituída por este poder. O Talmud decide a questão lembrando que as instituições do aulorilè espiritual da Sinagoga, instituições que aqui chama de Cabala, são iguais às da lei escrita de Moisés. דִּבְרֵי קַבָּלָה הוּא, וְדִבְרֵי קַבָּלָה כְּדִבְרֵי תוֹרָה דָּמוּ ("Rosch-Hasschana" 19a 4). Quanto à introdução ao Kimhhi, basta ler esta peça para garantir que o rabino se refere apenas à tradição talmúdica, e que usa o termo Cabala no segundo sentido que indicamos acima. ele disse, 'que não depende da ciência humana, e que não espera as provas do raciocínio lógico, mas é por sua natureza um grande e sólido pilar para todo crente. Esta é a tradição (הקבלה, a Cabalá) na qual devemos ter fé absoluta. Através dela acreditamos firmemente, estamos intimamente convencidos de que Moisés nosso mestre, que a paz esteja com ele, escreveu o Pentateuco sob o ditado de Deus, bendito seja ele; que Deus criou o Universo do nada, que o criou em seis dias, etc. Os factos anunciados por esta Cabala (quem não vê que isto é ciência cabalística?) são constantes para nós, enraizados nos nossos corações, como se os nossos olhos e os nossos ouvidos os tivessem testemunhado, como se a nossa razão os provasse materialmente, e melhor ainda; porque os nossos sentidos muitas vezes nos enganam, o nosso raciocínio se desvia ou se baseia em princípios errados'. (1-XVII)
Escusado será dizer que o erro de Buxtorf foi repetido ad nauseam por esta multidão de estudiosos que copiam uns aos outros cegamente. A maioria tem o cuidado de não nomear o famoso professor de Basileia, para deixar o leitor acreditar que estas duas citações pertencem ao fundo de sua própria erudição hebraica. Nesse roubo, eles são tão avançados quanto o malandro que, tendo conseguido roubar o relógio de um Gascão, se viu o sortudo possuidor de uma bola achatada. A passagem de Maimônides do tratado sobre o estudo da lei, que citamos acima, também foi mal interpretada e, ao contrário do resto do texto do autor, foi aplicada à Cabala mística.
§ I
Uma contradição marcante impede desde os primeiros passos qualquer pessoa que empreenda estudos sobre a Cabalá Hebraica. Padres da Igreja, teólogos e estudiosos, tanto entre Católicos como Protestantes, falam desta ciência com honra, e encontram vestígios dela no texto sagrado do Novo Testamento, particularmente no Apocalipse e nos livros apócrifos que são recomendados como piedosos e leitura útil nos escritores eclesiásticos mais antigos. Por outro lado, o próprio nome da Cabalá inspira, mesmo em homens de inteligência e conhecimento, não sabemos que sentimento de medo misturado com horror. Mais de uma vez já o testemunhamos, e Pico de la Mirandola atesta que já era assim no seu tempo.(1 - XVIII) Teólogos, comentaristas das Escrituras e outros estudiosos afirmam que em certos lugares de suas Epístolas, São Paulo reprova a Cabala dos Judeus. A S. Congregação do Santo Ofício de Roma condenou-o formalmente. Por fim, um autor protestante, seguindo o exemplo da bondade do líder de sua seita, chega a mandá-lo ao diabo com seus inventores.(2)
Para explicar esta antilogia, devemos fazer duas partes claramente definidas da ciência cabalística.
1. A Cabala verdadeira e não adulterada, que foi ensinada na antiga Sinagoga e cujo caráter é francamente Cristão, como veremos mais tarde.
2. A falsa Cabala, cheia de superstições ridículas e que, além disso, trata de Magia, Teurgia, Goécia: numa palavra, tal como se tornou nas mãos dos doutores cabalistas da Sinagoga infiel que se divorciou dos seus próprios princípios.
Bonfrerius e Sisto de Siena, bem como um grande número de outros escritores de alto mérito, estabelecem esta distinção entre a boa e a má Cabala: Carpzovius, Pfeiffer, Wolfius, Glassius, Walther, Cunaeus, Buddeus, etc. 'Christiani, dit Holtinger, ut plurimum, inter Kabbalam veram et falsam distinguunt.', 'Thes. philol.', sect. V, p. 445.
É portanto com razão que o Padre Bonfrerius diz: 'Passim Cabala et cabalistœ apud catholicos maie audiunt; quam recte, oatendent quœ dicturi sumus scquentia : saepe enim fit ut quod bonum et probum est, ob affine maie repudietur, utque virtus-, si nomen commune cum vitio sortiatur, ipsa hujus fœditate adspersa censcatur ; quod in bac materia plane accidit, ut, ob impiam infamemque Cabalam, honesta puraque (îabala infamiam pateretur. Res igitur tota hœc ex bona distinctione pendet.'
Sisto de Sena, israelita e dominicano convertido, muito culto e estimado pelo Papa Pio V, seu protetor, escreveu precisamente no momento em que foi proferido o decreto da sagrada Congregação do Santo Ofício, de que falamos. Ele estava em perfeitas condições de conhecer a intenção da sagrada Congregação. Aqui está como isso é explicado: 'Caeterum, quia ex decrelo S. Romanœ Inquisitionis omnes libri, ad Kabalam pertinentes, nuper damnati sunt, sciendum est, duplicem esse Kabalam, alteram. veram, alteram falsam. Vera et pia est, quœ, ut jam diximus, arcana sacrae legis mysteria juxta anagogen élucidat. Hanc ergo nunquam damnavit Ecclesia. Faîsa atque inipia Kabala est ementitum quoddam judaicœ traditionis genus, innumeris vanitatibus ac falsitatibus refertum, nihil aut parum a necromantia distans. Hoc igitur superstitionis genus, Kabalam improprie appellatum, Ecclesia proximis ànnis merito damnavit.'
§ II
I. Tudo contribui para provar, como dissemos no prefácio, páginas XI e seguintes, que uma parte notável da tradição cujo depósito foi confiado à antiga Sinagoga, consistia em explicações místicas, alegóricas e anagógicas, a partir do texto da Escritura; ou seja, tudo o que a tradição ensinava sobre a metafísica sagrada, o mundo espiritual, a sua relação com o mundo material; ela o ensinou com autoridade ou o vinculou ao texto inspirado. Esta doutrina oral, que é a Cabalá, tinha por objeto as mais sublimes verdades da fé, que reconduziam constantemente ao Redentor prometido, fundamento de toda a economia da Religião Antiga. A Natureza de Deus e dos espíritos criados, a origem e o destino do mundo inferior, ou seja, o mundo material, o significado místico de todos os fatos, todas as observâncias religiosas e todas as profecias do Antigo Testamento. Se São Pedro, o primeiro Chefe da Igreja, como vigário de Jesus Cristo, disse ao comandante Cornélio que todos os Profetas dão testemunho de Nosso Senhor, - 'Dele todos os profetas dão testemunho' (At, X,43) - os dourtores hebreus por sua vez, nunca deixaram de proclamar que o Messias era o objeto final de todas as predições dos videntes de Israel. Veja no Tomo II, p. 18: 'Leges mosaicas ceremoniales, dit Buddé, reconditos habuisse sensus non puto quisquam negabit, nisi forte Spencer i aut Marshami (ajoutez aussi Salvador) politicas rationes subslitucntium, fabulis, adhibere fidem velit.'
II. Existe esta diferença entre o Talmud e a Cabala, embora se toquem sem que seja fácil atribuir limites precisos entre eles, e muitas vezes se fundem; a primeira limita-se geralmente ao que diz respeito à prática externa, à execução material da Lei Mosaica; A segunda, como teologia especulativa e mística, apodera-se da parte espiritual da religião e resolve os problemas mais formidáveis ​​da metafísica sagrada.
Manassés-ben-Israel cita um exemplo desta diferença. O texto do Deuteronômio VI,8 prescreve o uso de Totaphot, טֹטפת, entre os olhos. O Talmud explica que estes Totaphot são os filactérios; ele ensina detalhadamente do que devem ser feitos os filactérios, como fazê-los e, finalmente, o local preciso da cabeça onde devem ser aplicados. Se mesmo a menor destas coisas não for observada, a obrigação da lei não foi cumprida. Aqui a missão do Talmud, chamada de alma da lei, é limitada e dá lugar à Cabala, que é como a alma da alma da lei. Este é responsável por explicar a intenção mística do filactério e de cada uma de suas partes. Mencionaremos em particular a letra Shin que este ornamento traz em relevo sob duas figuras, a saber, com três cabeças, ש‎, e com quatro cabeças. Já vimos no volume I, página 405, que segundo a Cabala a primeira forma indicava o mistério da Santíssima Trindade, e a segunda forma, o mesmo mistério com a Encarnação da segunda Hipóstase Divina. Neste sentido, os filactérios eram verdadeiramente o resumo de toda a religião: Deus e a Redenção. É por isso que o texto diz no mesmo versículo: 'Hás de prendê-los à tua mão'.(1-XX)
III. A Cabalá, que podemos chamar de filosofia dos hebreus, quando ainda estava em toda a sua pureza, tinha esta particularidade, que dava essas noções sublimes às quais os gênios mais profundos entre os filósofos pagãos privados da ajuda da Revelação. A razão humana, falando de factos sensíveis, encontrará sempre fora da sua esfera o conhecimento que é a única coisa necessária ao homem - 'unum necessarium' (Marcos X,42); a saber: 1° a natureza de Deus; 2° as relações de Deus com a criatura; 3° as obrigações do homem para com Deus. Deste ponto de vista, os hebreus tinham uma imensa vantagem sobre os sábios de todas as outras nações.
No Zohar, parte 2, fol. 72, col. 288, o Rabino Simeon-ben Yohhaï declara que a superioridade da lei sagrada se deve apenas ao seu significado cabalístico; porque, acrescenta ele, se tivéssemos que nos ater à casca da carta, ainda hoje poderíamos escrever um livro semelhante, e até melhor.(1-XXI) Se o rabino estiver certo ao dar grande importância ao significado espiritual, ele vai longe demais ao menosprezar o mérito intrínseco da simples letra dos livros de Moisés.
§ III
I. Os Doutores da Sinagoga ensinam a uma só voz que o significado oculto das Escrituras foi revelado no Sinai a Moisés, que iniciou Josué e seus outros discípulos íntimos neste conhecimento; que este ensinamento oculto foi então transmitido oralmente de geração em geração, sem que fosse permitido colocá-lo por escrito. Sabemos que mesmo as outras nações antigas do Oriente tinham o costume de ensinar apenas doutrinas secretas ou de alta ordem oralmente, e de não confiá-las levianamente à escrita.(2) Nos primeiros séculos da Igreja, os Padres também exerceram uma sábia reserva ao falar com aqueles que não eram iniciados nos nossos santos mistérios.
Ao regressar do cativeiro da Babilônia, Esdras viu que as calamidades da nação poderiam um dia levar ao completo esquecimento da tradição cabalística, porque esta só deveria ser confiada a seguidores que cumprissem certas condições através das suas qualidades pessoais e pela idade, registraram esta tradição, por ordem de Deus, em setenta volumes. Mas esses livros não foram divulgados. O profeta recebeu ordem de colocá-los nas mãos dos sábios do povo em quem havia uma fonte de inteligência, uma fonte de sabedoria e um rio de conhecimento.(1-XXII)
II. Este último facto pode ser lido num livro que é na verdade apócrifo. Mas porque um livro é eliminado do cânon da Igreja, não se segue que tudo o que ele contém seja condenado. Vários Padres Gregos e Latinos, particularmente Santo Ambrósio(2), citaram com louvor o quarto livro de Esdras, e textos dele foram inseridos no Ofício Romano.(3) É reconhecido que o autor, um judeu que se tornou um cristão zeloso, inseriu em seu livro muitas tradições verdadeiras de sua nação. No entanto, o dos volumes secretos de Esdras é realmente encontrado na crônica judaica chamada Séder-Olam-Rabba. O IV° livro de Esdras não deve ser mais recente que o início do século II, pois parece que já adquiriu alguma autoridade desde a época de Santo Irineu, do mesmo século, de Tertuliano, de Clemente de Alexandria e de Santo Irineu, os dois primeiros morreram no início e o terceiro em meados do século III.
Já citamos no Tomo I, página 150, Santo Hilário que confirma que Moisés, além da lei que havia dado ao povo, confiou secretamente aos setenta anciãos, mistérios de ordem superior. 'Separatim quœdam ex occullis legis secretiora mysleria septuaginta senioribus, qui doclores deinceps manerent, intimaverat.'
À pergunta: 'Em que, então, se avantaja o judeu?' São Paulo responde: 'Muita, em todos os aspectos. Principalmente porque lhes foram confiados os oráculos de Deus.' (Rm III,1-2). Orígenes explica estas palavras do Apóstolo da seguinte maneira(4): 'Quamvis enim et Gentibus nunc credantur eloquia Dei, sed illis, ait, primo sunt crédita. Requiro tamen quid est hoc quod dicitur primis eis crédita esse eloquia Dei : utrumne de UUeris hoc dicat et libris, an de sensu et intelligentia legis? De Moyse et prophetis, caeterisque horum similibus haec intelligenda sunt dici, quibus crédita sunt eloquia Dei, et si quis apud eos sapiens et intelligens audilor et mirabilis consiliarius fuit, quos auferre dicitur Dominus a Jérusalem, offensus impietatibus populi'.(5)
Ficamos surpresos que ninguém ainda tenha notado que Adamantius, este prodígio da ciência e do gênio, ao aplicar aos cabalistas as qualidades expressas no versículo de Isaías que ele cita, está em perfeita concordância com o Talmud, segundo a qual os mistérios da Lei, סתרי תוֹרה, só eram entregues àqueles que combinavam as qualidades especificadas pelo profeta (tratado Hhaghiga, fol. 13 recto). É portanto uma tradição judaica que Orígenes repete aqui.
Em outro lugar, o mesmo Doutor diz: 'Visto que é manifesto e verdadeiramente admitido que os Profetas eram sábios, deve-se admitir que eles tinham uma compreensão perfeita do que as suas bocas pronunciavam; e é evidente que Moisés compreendeu o verdadeiro significado da Lei e as alegorias anagógicas dos fatos que ele mesmo relata… Neste aspecto, os Apóstolos não eram mais eruditos do que os Patriarcas, do que Moisés, do que os Profetas.' (1-XXIII)
Acrescentaremos São Gregório de Nazianzo que, a partir do testemunho dos doutores Hebreus (Ἑδραίων μὲν οὖν οἱ σοφώτεροι λέγονσιν), repete que os Judeus não entregaram a profundidade da Escritura (βαθυτέραν) e a sua beleza (valor) mística (τὸ μυστικὸν κάλλος) àqueles que não tinham pelo menos vinte e cinco anos de idade, e que não foram 'purificados espiritualmente' (μόνοις τοῖς κεκαθαρμένοις τὸν νοῦν).(2 - PG 35, 455-457)
III. Em São Lucas, XI, Nosso Senhor repreende os Doutores da Lei por roubarem(3) do povo a chave da sua ciência. Um grande número de Padres e comentadores explicam, de acordo com o sentido mais óbvio desta passagem, que a culpa destes pérfidos Doutores consistiu no facto de terem escondido do povo a tradicional exposição dos livros sagrados, uma exposição por meio de que poderiam ter reconhecido o Messias na adorável pessoa de Jesus Cristo. Pois, como diremos agora, desde o momento em que o Evangelho foi pregado, a interpretação misteriosa e profética das Escrituras, que tinha como único objeto a obra da Redenção, em vez de permanecer como sob a antiga Lei, concentrada em um pequeno círculo de iniciados, tinha que ser dado a conhecer a todas as idades e todas as condições. O Profeta Joel previu isso expressamente (II, 28): 'Depois disso, acontecerá que derramarei o meu Espírito sobre todo ser vivo: vossos filhos e vossas filhas profetizarão; vossos anciãos terão sonhos, e vossos jovens terão visões.' Profetizar, além do sentido próprio que São Pedro lhe deixa (At II,17), significa aqui, ter a inteligência das profecias e ser instruído nos formidáveis ​​mistérios da Fé. Ou melhor, citemos um grande intérprete das Escrituras, Estius: “Tempus novae legis”, diz ele neste versículo, “magis fut Propheticum, quoad Revelationem mysteriorum fidei; generaliter, quoad inlclligentiam omnium Scriplurarum, et procedentium Prophetiarum”. Ora, estes mistérios, como já vimos o suficiente no nosso primeiro volume, eram precisamente o domínio que a Cabala reservou para si.
IV. Finalmente, críticos habilidosos concordam com a opinião de Fagius; a saber, que São Paulo estava aludindo à Cabala, a boa tradição mística, quando disse (1Tm I,15): 'Eis uma verdade absolutamente certa (ἀποδοχῆς - apodoches) e merecedora de fé: Jesus Cristo veio a este mundo', etc.
Já mostramos que o termo 'certa' (ἀποδοχή), repetido na mesma Epístola (IV,9), corresponde exatamente à Cabalá (קבלה) hebraica. 'Por esse motivo', diz Chr. Woltius, na sua dissertação 'De Cabbala Judaeorum', 'a intenção do Apóstolo teria sido rejeitar a cabala corrupta e parcialmente falsa (porque já então os judeus tinham começado a alterá-la) que São Paulo condena mais fortemente noutros lugares, e trazer os Israelitas de volta à boa e verdadeira Cabala. Et revocari sic polerant Judœi a ralionibus Cabbalœ depravatis ad genuinas et veriores.'(1-XXIV) Acrescentaremos a paráfrase de Hammond: 'Hœc dèmum est longe maximi momenti veritas, et digna quae sola habeatur Cabbala, seu traditio, apud Christianos, nimirum Christum Servatorem ad homines venisse'. Em nota, o estudioso inglês se esforça para mostrar a identidade perfeita entre ἀποδοχή e Cabala.(2)
§ IV.
Aqui apontaremos o caráter que distingue essencialmente a Lei antiga da nova Lei. O primeiro tinha um ensino secreto que estava escondido do povo comum, mas que deveria ser pregado abertamente na vinda do Messias. Veja também o Tomo I, páginas 195, 199. Já mostramos qual era o objetivo deste ensino. Sob o regime do segundo, o último dos fiéis é iniciado nas mais sublimes verdades da religião; e, a este respeito, uma criança que conhece o seu catecismo não tem nada a invejar dos teólogos mais profundos. O Evangelho e os Doutores da Igreja formulam claramente o dogma cristão; mas os Cabalistas, ao repetirem a tradição de certos pontos do mesmo dogma, envolveram-no calculadamente numa linguagem obscura, usando expressões desconhecidas do vulgo, e mesmo dos Doutores comuns; só os adeptos tinham a chave para esses enigmas.
Moisés tinha o rosto velado, para proteger a visão fraca dos judeus (Ex XXXIX,35), mas Jesus Cristo mostrou-se com o rosto descoberto.(1-XXV)
§ V.
I. Quem, em nossa opinião, melhor caracteriza a espécie de Cabala de que falamos é Walton, em seus Prolegômenos, página 53, col.1: 'Primae Cabbalœ species est eorum qui ante Christum vixerunt.Continet vero mysticam et secretam Scripturœ expositionem , non scriptam sed ore traditam, idque non omnibus sed senioribus et sapientioribus. Nec multum differre volunt a myslica Scripturœ expositione quœ a christianis quibusdarn usurpatur.'
Colocaremos a seguir a definição dada por dois autores Católicos.
Sisto de Siena, estudioso judeu de quem já falamos: 'Est autem Kabala secretior divinœ legis expositio , ex ore Dei a Moyse recepta , et ex ore Moysis a Patribus, per continuas successiones, non quidem scripto, sed viva voce suscepta; quae similitudinem habet ejus expositions quam nos anagogicam nominamus, caeterisideirco sublimiorem quia sursum nos ducat a terrenis ad coeiestia, a sensibilibus ad intelligibilia, a temporalibus ad œterna, acorporeisad spirilualia, ab humanis ad Divina.' Bibl. S. L. II, art. Esdras."
Bonfrerius: "Est Cabala non admodum dissimilis Ecclesiae traditionibus: nam uti Divina Traditio in Ecclesia estquarumdam rerum ad fide m pertinentium per manus tradita reeeptaque notitia, ita Cabala apud Hebraos in génère défi ni ri polest, arcanorum et reconditorumr S. Scripturaî mysteriorum per ma nu s tradita reccptaque notitia." - "In totam Script. S.praeloquia". C. XXI, sect. I, T. I, do cours d'Ecrit. S. de M. Migne.
II. Esta tradição do povo de Deus, que antes do Cristianismo era o único depositário da verdadeira Fé, era inteiramente cristã, e deveria sê-lo. O que citamos no decorrer deste trabalho prova isso, e todos aqueles que fizeram um estudo especial sobre isso o confirmam.
Infelizmente, a velha e boa Cabala foi em grande parte perdida. Os rabinos não discordam. Maimônides, em seu More-Nebuhhim, parte I, cap. LXXI e introdução à parte III, atribui a esta perda, para sempre lamentável, três causas que para ela contribuíram: 1° os mistérios da Lei - סתרי תורה - só foram transmitidos com a maior discrição de alguns homens da elite para alguns homens da elite מיחידי סגולות ליחידי סגולות (1-XXVI); 2° não era permitido colocá-los por escrito; 3° as cruéis perseguições que os judeus sofreram entre as nações estrangeiras. Estas causas combinadas acabaram por levar ao esquecimento desta ciência - אבדו באורך הזמן.
Isto é o que diz o nosso rabino. Acrescentaremos outra consideração. Nos últimos dias da existência de Jerusalém, o culto dos judeus rapidamente se voltou para o farisaísmo, que invadiu quase todo o terreno da Sinagoga. Os presunçosos fariseus sufocaram, irritum fecere, a pura Lei de Deus sob suas sutilezas e sutilezas vãs, das quais resultou aquela multidão de observâncias minuciosas, baptisma urceorum et alia similia his mu lia, que encontramos nas práticas supersticiosas da corrente sinagoga. O coração secou e tornou-se estranho ao culto que logo consistiu apenas na realização de atos externos e materiais. Cor autem eorum longe est a me. Neste estado de coisas toda a atenção dos Doutores estava voltada para a teologia talmúdica que existia no estado de ensino oral. Não só a teologia especulativa e mística foi negligenciada, mas devido à sua tendência cristã, que logo foi notada, caiu em descrédito quando os fariseus começaram a opor-se à Doutrina pregada por Nosso Senhor e pelos Apóstolos. Mas já então a Cabala sofreu o destino da outra tradição. Tornou-se o que o Talmud chama de vinagre feito do vinho - ח‎ו‎מ‎ץ‎ ב‎ן‎ ץ‎י‎י‎, Parcialmente desnaturado no fundo, ainda recebia a liga impura dos devaneios fantásticos, das vãs sutilezas dos rabinos e de suas histórias sobre minha mãe gansa. Após a dispersão dos judeus, quando os rabinos se encontraram em contacto com os filósofos de outras nações, recuperaram o gosto pelas especulações metafísicas e naturalmente regressaram à sua Cabala. Ao ressuscitar esta ciência, que tiveram que recriar em grande parte, introduziram nela, desordenadamente, sem sequer compreendê-la completamente, fragmentos de filosofias gregas e orientais, sistemas opostos entre si e sobretudo incompatíveis com a revelação mosaica. Tal é a Cabala moderna, na qual os rabinos admitiram desajeitadamente, e bastante contra a sua intenção, fórmulas equívocas que emprestam tanto ao materialismo grego e ao panteísmo indiano (1-XXVII) como à unidade de um Deus pessoal, separado do universo pela sua essência. Certamente os Cabalistas não pretendiam renunciar à teodicéia mosaica: defenderam-na com ardor, e mais de uma vez, em tempos de perseguição, selaram esta crença com o seu sangue.(2)
III. Depois de ter explicado o desaparecimento da velha Cabala e a origem da nova, acrescentemos aqui uma reflexão. Que tal frase do Zohar, do livro Bahir, etc., e dos seus numerosos comentários, especialmente os de Isaac Luria, conduza, como dissemos, ao panteísmo ou a qualquer outro sistema que se desvie da Revelação Divina, isto é incontestável, porque o os autores desses livros não pesaram as expressões que tomaram emprestadas de livros pagãos; mas é preciso estar em sinal de má fé ao atribuir a intenção a homens fanáticos que dia e noite se entregavam às práticas mais minuciosas e embaraçosas do farisaísmo, na persuasão de que estavam assim se tornando agradáveis ​​à Divindade. Queremos remontar estas frases, com o significado ímpio que lhes atribuímos, à antiga Cabala? Então teríamos que concluir que o povo de Deus não acreditava em Deus: o que é o cúmulo do absurdo. E, no entanto, esta tese, por mais absurda que seja, foi seriamente apoiada! Será que o M. Salvador, caluniando o próprio texto do Deuteronômio, ousou sugerir que quando Moisés nos ordena a acreditar que Jeová é um - יהוה אחד‎, deve ser entendido que Jeová é composto de todo o universo (1-XXVIII)? E os maiores mistérios do Cristianismo, a Santíssima Trindade e o Verbo feito carne, não presumimos reduzi-los a uma proposição panteísta? É assim que num livro recente recompensamos os Cabalistas com o engano de esconder sob os termos sacramentais da lei mosaica os princípios mais revoltantes do ateísmo. Spinoza chama como garantia de seu sistema não apenas a Cabala dos Hebreus (2), mas também o grande Apóstolo dos Gentios, "a Omnia", diz ele, "in Deo esse et in Deo moveri cum Paulo afirmado, et auderem etiam dicere cum antiquis omnibus Hebraeis, quantum ex quibusdam tradicionalibus, tametsi multis modis adulteratis, conjicere licet." Epist. 21. J. Tolland não temeu transformar toda a Sagrada Escritura num código de espinosismo. Henri Morus, em sua "Fundamenta philosophiae seu Cabbala aëto-pœdo-melissaeae", reduziu toda a Cabala a dezesseis proposições panteístas. Isto preparou o caminho para o famoso livro Spinosism in Judaism ("der Spinosismus im Judenthum") com o qual Wachter respondeu às provocações de Jean-Pierre Speeth, uma espécie de louco que, criado na religião católica em Viena, sua terra natal , passou já maduro para o luteranismo em Stuttgart, e após retornar ao catolicismo na cidade de Frankfurt am Main, recebeu a circuncisão em Amsterdã com o nome de Moisés, o Alemão - משה אשכני‎. Um judeu alemão de forte incredulidade, Peter Béer, aproveitou estes dados com grande talento. O Sr. Franck quase não teve nenhuma dificuldade além de copiar o último. Se na sua Cabala (1-XXIX) ele não se mantém acima do seu modelo, como escritor e como filósofo capaz de provar o branco e o preto, ele revela quase em todas as páginas a sua incompetência na linguagem e na ciência cabalística que requerem estudos especiais aos quais nunca teve tempo de se dedicar. Além disso, diversas passagens que ele cita estão truncadas ou desviadas de seu verdadeiro significado. Não deixaremos, por favor, de justificar, no nosso trabalho sobre a Cabala, todas estas afirmações com exemplos retirados do seu livro.
Parece que a saudável Cabala, cuja perda Maimônides deplora, foi muito considerável e poderia muito bem ter fornecido o material para os setenta volumes de Esdras, uma vez que os fragmentos que nos foram preservados ainda são bastante numerosos e fornecem provas abundantes a favor de todos os principais artigos da Fé Católica, para que possamos combater vantajosamente os judeus com os seus próprios livros, como tão bem diz Pico de la Mirandola, cujo testemunho citamos no prefácio, página XII.
Carpzovius, falando das vicissitudes da Cabala, diz: "Posterior transiit in nugas kabbalisticas, quibus salutarem illam doctrinam de mysteriis, quae sub tôt legalium ceremoniarum involucris latebant, obnubilarunt (rabbini) , sed ita tamen, ut in istis veteris ὀρθοδοξίας; (a boa doutrina) reliquiae subinde se prodant, atque adeo neganrium non sit, multa e kabbalistarum monumentis ad asserendam christianam veritatem depromiposse." - Introd. intheol. jud., c. vi, § 9."
- David Paul Drach, "De L'Harmonie entre L'Église et la Synagogue, Tome Second", Paris, Paul Mellier, Libraire-Editeur, 1844, páginas XV-XXIX.
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1. O DEUS APOFÁTICO.
(Definição do Vulliaud do Ayn Soph antes de falar sobre o Conceito no Cristianismo).
(Tudo que sei).
Os autores que tratam do esoterismo hebraico começam pelo exame da idéia de Deus, considerada na profundidade de suas trevas, ou seja, do Ayn-Soph (אין סוף, "Ilimitado" ou "Infinito").
Sendo ilimitado em sua Natureza - o que necessariamente implica que Ele é uma unidade absoluta e inescrutável, e que não há nada sem Ele, ou que o To Pan (τὸ πᾶν - "Tudo") está Nele, - Deus é chamado Infinito, Ilimitado (ἄπείρος). A doutrina, no entanto, de que tudo está na Divindade não é peculiar à Cabalá, ela foi proposta pelos judeus desde tempos imemoriais, antes do Zohar, como pode ser visto na seguinte passagem do Midrash:
“O Santo, Bendito seja Ele, é o espaço do universo, mas o universo não é o seu espaço. R. Isaac submeteu: da passagem 'o Deus de outrora é o seu refúgio; aqui embaixo Ele é o braço eterno' (מְעֹנָה֙ אֱלֹ֣הֵי קֶ֔דֶם - Dt 33,27), não sabemos se o Santo, bendito seja, é a habitação do universo ou o universo a sua habitação; mas pela observação ‘Você que habita ao amparo do Altíssimo’ (Sl 90,1), é evidente que o Santo, Bendito seja, é a morada do universo, e não o universo a sua morada”.
- "Bereshith Rabbah", LXVIII.
No mesmo sentido está a observação de Fílon;
“O próprio Deus é o espaço do Universo, pois é Ele quem contém todas as coisas.”
- "De Somniis", I.
É por esta razão que Deus é chamado Magom (מקום - "Lugar") ou Ha-Magom (ה‎מקום‎‎ - "O Lugar"), que em grego corresponde á Locus (ὁ τόπος), e por isso a Septuaginta traduz וַיִּרְא֕וּ אֵ֖ת אֱלֹהֵ֣י יִשְׂרָאֵ֑ל ("Eles viram o Deus de Israel" - Ex 24,10) por καὶ εἶδον τὸν τόπον, o que tem ocasionado tantas dificuldades aos intérpretes.
Ayn Soph é o Estado Primordial que não pode ser formulado em Palavras ou termos. Deus sendo infinito não pode ser contido em nenhuma limitação Física ou Espiritual. Em Ayn-Soph, tudo é um e nada ao mesmo tempo.
Os Cabalistas têm horror a tudo o que se assemelha à idolatria; eles dão, entretanto, a Deus uma forma humana, mas é uma figura puramente hieroglífica. Eles consideram Deus como o Infinito inteligente, amoroso e vivo. Ele não é para eles nem a totalidade das existências, nem a abstração da Existência, nem um Ser filosoficamente definível. A Deidade, com eles, está em Tudo, mas é distinta de Tudo e é maior que Tudo. Mesmo o Seu Nome é inefável: e ainda assim este Nome apenas expressa a ideia humana da Divindade da Deidade. Aquilo que Deus é em Si mesmo não é dado à compreensão do homem. Deus é o Absoluto da Fé, mas o Absoluto da razão é o Existente. O Existente é por si mesmo e porque é o que é. A razão do ser da Existência é porque ela é a Existência. Podemos perguntar: Por que existe algo, isto é: Por que existe tal ou tal coisa? Mas não podemos, sem ser absurdos, perguntar: Por que existe a própria Existência? Isso seria afirmar a Existência antes da Existência. Tudo começa através da Existência Pura, na medida em que é, assim como o Pensamento Puro, essa Existência simples e imediata indeterminada; pois o primeiro começo não pode ser outra coisa. Mas essa Existência Pura é apenas a mais pura abstração; é um termo absolutamente negativo, que também pode, se o concebermos de maneira imediata, ser chamado de Não-Ser.
Ayn Soph é considerado na Cabalá como uma Unidade Absoluta Indivisível, acima de toda unidade de número.
"Tu és Um, mas não está nos números, o pensamento não pode compreender nada de Ti. Em Ti não existe nenhuma Coisa que não possa ser imaginada, nem forma nem forma." (…) “(Em Ayn Soph) não existe branco, nem preto, nem vermelho, etc. Não existe absolutamente nenhuma cor, ou seja, divisibilidade.”
- "Zohar", § Bereshit fol. 15.)
A diversidade imanente não é negada. "Antes de o universo ser criado, o Santo e Seu Nome eram Um." "Antes que o Santo criasse o seu mundo, Ele existia, e Seu Nome estava escondido Nele." (Zohar, Midrash HarNeelam, § Acharay Moth, fol. 40; Zohar Chadash, fol. 11; comp. Zech. x, 12.)
"À medida que media as dimensões, fazia cores (ou seja, divisibilidades, para brilhar e se manifestar) na luz interior do Castiçal. Dali saía um riacho, do qual as cores (diversidades) se coloriam Abaixo, que são escondido nos esconderijos de Ain Soph."
- Zohar, § Bereshit.
A Criação é denominada pela Cabalá, a Sombra ou Reflexo do Mundo Superior, neste último, é tudo Abaixo, em Zure (protótipo) perfeito. O Sepher Yetzirah diz: "Ele se formou a partir do vazio, do perceptível (essencial) e fez do Nada, de Alguma Coisa." (c. ii Mishna, 5.) Além disso: "(Deus) fez do Nada uma realidade, chamou a Não-entidade à existência e esculpiu, por assim dizer, pilares colossais do ar intangível (isto é, o éter)." "O ponto na criação é chamado; a Sombra." (Sepher Emek ha-Melekh, "O Livro do Vale do Rei", fol. 12.) "Da mesma maneira, a criação também é chamada, a esposa (passividade, o princípio plástico) do Mundo Atzilutico, ou seja, o da Divindade. " (Sepher Hadreth Melekh, fol. 88, col. 2.) "Este (o Superior) é o mundo masculino, o outro é o mundo feminino." (Zohar, § Terumah fol. 127, col. 2.) "Quando o Desconhecido de todo o Desconhecido desejou se manifestar, começou produzindo um ponto, desde que esse ponto de Luz não aparecesse através de sua energia, o Infinito ainda era completamente desconhecido e não espalhava nenhuma Luz." (Zohar I, 2a, 15a.)
EXISTÊNCIA NEGATIVA
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"Há um universo absoluto e um universo relativo. Entre eles Paira o véu da existência negativa. O absoluto está além até da eternidade. Ele é sem tempo, sem forma, sem substância — além da existência. É nada e é tudo. Não conhece mudança e no entanto não é imutável — ele apenas É.
O universo relativo é a manifestação da Criação, o desenvolvimento de um impulso Divino, um vasto canteiro vindo até a flor, então fruto que amadurece e morre, e retoma seu curso pronto para nascer outra vez.
Dentro desse grande complexo, tudo tem seu tempo e lugar, e embora algumas características e funções apareçam em escalas e modelos diferentes, cada uma delas compõe um todo, como nosso Sol compõe o esquema da Via Láctea, e uma célula hepática se relaciona com nosso organismo todo. Superficialmente, as substâncias do universo parecem semelhantes, mas a água do mar, por exemplo, não é como a de um lago, nem pode acolher o mesmo tipo de vida. É a posição relativa que altera sua função. Uma molécula de água, para continuar com o exemplo, pode conhecer diversos estados. Primeiro, como vapor, ela compõe uma nuvem. Depois, como uma gota de água, ela é absorvida na poeira e vai alimentar uma planta. Por algum tempo ela se fixará numa estrutura orgânica, parte do suco de uma fruta que será absorvido por um animal. Na corrente sanguínea desse animal ela permanecerá até que o homem o abata e coma. E eis que a molécula passa por mil diferentes experiências no corpo do homem, até que seja eliminada. Através de um percurso tão longo ela conheceu processos químicos, mecânicos e orgânicos, antes de ser liberada em algum rio, onde ficará juntamente com milhões de moléculas semelhantes, até que todas voltem ao mar. Alguns séculos se passarão até que ela seja levada à superfície das águas e evapore novamente, ganhando a antiga forma de nuvem. Assim é o mundo relativo, em miniatura.
No universo relativo tudo é uma questão de tempo e posição. O Sol é um jovem que amadurece, em comparação com a maior parte das estrelas, e a Terra é ainda adolescente, com os primeiros pelos verdes em seu rosto jovem. A humanidade, dado seu comportamento, está ainda na infância — a julgar por suas birras periódicas e pelo costume de quebrar seus brinquedos. Tudo é relativo, cada nível se acomodando no de cima e contendo o de baixo, o conjunto se ajustando num grande mosaico que vai da mais alta e poderosa energia até a mais baixa e densa forma dos elementos. Aqui nós temos o cume da árvore da vida, Kether — a coroa — e a base, Malkuth — o reino.
A árvore da vida explica o universo relativo em todos os seus niveis. É o seu padrão arquetípico. Acima e além de Kether, no entanto — a coroa côncava, através da qual o Criador se manifesta — jaz a imanifesta existência negativa.
A existência negativa é a zona intermediária entre a cabeça de Deus e sua criação. É a pausa antes da música. O siêncio entre cada nota, a tela em branco antes de cada quadro e o espaço vazio pronto para ser preenchido. Sem essa não-existente existência nada pode ter sua essência. É o vazio, mas, sem ele e seu potencial o universo relativo não poderia se manifestar.
A existência negativa está presente em todos os níveis da criação. Ela fica além do espaço e do tempo. Sem ela não poderia haver galáxias ou homens. Ela contém, como o espaço de um quarto, o vazio em que vivemos. O vazio é o fundo imóvel sobre o qual o tempo se move. A existência negativa possibilita ao homem ser o que ele é. Espelho dos espelhos, a existência negativa permite, através de sua não-interferência, o mais nítido reflexo da criação.
O véu mais próximo do universo relativo é Ayn Soph Aur (אין סוף אור)— a luz sem tempo —, isto é, aquele que está em toda parte e penetra até a matéria mais espessa, como certos raios cósmicos que passam através de nosso planeta como a luz passa através de uma janela de vidro.
Ao segundo véu, do qual sabemos ainda menos, é Ayn Soph (אין סוף) - O sem limites. Esse é O primeiro degrau para a manifestação do Criador. É o ponto onde Ayn (אין), o vazio final, começa a Sair do nada para o sem limite, ou infinito, onde há algo que é sem fim.
Além disso há coisa alguma e ainda além há o Absoluto. Esses três estágios constituem um estado condensado, cristalizado fora do ser que penetra o conjunto do todo; um ponto no centro de uma esfera não-circunferencial. Essa destilação, esse ponto, não conhece dimensão, seja no tempo, seja no espaço, embora contenha todos os mundos, do mais alto ao mais baixo, os gases interestelares, as galáxias, as estrelas, os planetas, à vida orgânica, o homem, os órgãos, as células, as moléculas, os átomos e o mundo subatômico — onde a matéria cessa de ser sólida e torna-se pura energia, antes de surgir um nada ilusório de novo.
Esse traço que tudo inclui é chamado Primeira Coroa (Kether), a primeira indicação do Absoluto, talvez melhor conhecido como Eu Sou, o primeiro dos muitos nomes de Deus.
Dessa alta Coroa fluem todos os seres que foram, são ou serão. Na existência negativa jazem miríades de possibilidades. O homem vê apenas uma fina seção dessa dimensão sempre presente. Nele estão todos seus filhos, e os filhos de seus filhos. De Adão vieram todos os homens. Teria Abraão compreendido o total significado de sua semente, seu potencial de nação? Ninguém, exceto talvez o mais sábio, pode perceber que vive nele um mundo inteiro, o qual está presente em forma negativa, pronto para se manifestar amanhã ou dentro de um milhão de anos.
Essa é a existência negativa, que está e não está ali, à qual por sua própria natureza é a mais próxima de nós, e no entanto é a mais difícil de ser percebida. Aqui o Absoluto está separado de sua criação, apesar de permanecer sempre presente dentro dela."
- Z'ev ben Shimon Halevi
Os críticos, muito interessados na originalidade desta expressão, onde a negação se transforma em afirmação, abandonoaram-se a um erro bastante comum: o de encontrar numa tradição antiga uma das mais famosas da filosofia moderna e germânica. Um ideólogo poderoso pode ter afirmado mal o que outros formularam melhor, ou talvez não quisesse expressar o que foi obrigado a dizer; seja qual for o caso, vemos um enxame de estudiosos confrontando e concluindo sobre a identidade da Cabalá e da teoria hegeliana. No entanto, qualquer que seja o julgamento da informação Cabalística e suas origens, os Cabalistas são Judeus. Eles são através da linguagem assim como são através das ideias. O seu esoterismo é o de um povo que baseia a sua religião na crença num Deus pessoal e cuja legislação tem a sua expressão fundamental na fórmula: "Vós vos santificareis e sereis santos, porque Eu sou Santo." (Lv 11,44). Toda a reflexão dos místicos judeus será, portanto, exercida sobre um Deus que, longe de ser um Nada que se tornará Tudo, como muitos supõem, é, pelo contrário, a Realidade absoluta e, em certo sentido, a única Realidade. Ayn-Soph não é zero absoluto. Ayn-Soph é apenas uma designação deste Ser real que, se o considerarmos sob outros aspectos, é chamado por sua vez por nomes diferentes. Assim, o Nome Divino Hou (“Ele”), é, para os Cabalistas, um dos nomes do mesmo Ser que eles chamam de Ayn ("Nada" ou "Não"), Ayn-Soph (Não-Fim ou Sem fim; o Infinito), mas considerado de vários pontos de vista.
O Ayn-Soph significa a causa primeira que não é o Nada sobre o qual recordaríamos, desta vez com razão, o adágio Ex Nihilo nihil fit. Ora, a causa ativa em questão, tudo emanava dela. Mas esta Causa, antes de qualquer manifestação, é nomeada pela Cabalá "o Infinito".
De acordo com a observação de Isaac Meyer, e de todos os Cabalistas, quem quer que sejam, o termo Ayn-Soph significa, portanto, "Non-Ens", isto é, não um "ser" daqueles que conhecemos, mas não significa "não-ente".
Isto não é uma negação da Inexistência infinita. É em relação à apreensão intelectual que este Ser é um “Nada” (Ayn [אין]) comparado ao universal criado; a aniquilação de todos os pensamentos, incontrolável por qualquer conceito.
"Ele (Ain Soph) é assim chamado (Ayn) porque não sabemos, e também não pode ser conhecido, o que estava neste princípio (o início de toda a Existência) como isto, para o nosso entendimento, sim, até mesmo pela nossa Sabedoria !é inatingível. (…) Portanto o Sagrado Ancião é chamado de Nada, já que o Nada depende Dele."
- "Zohar" IIII, "Idra Zuta", 288b.
“Ayn” é um nome simbólico da Divindade. Designa o grau supremo da Divindade que é para o homem como um "Nada" irante, já que ele não pode ter a mais fraca percepção disso. Na verdade, sua manifestação universal foi realizada. A Causa das Causas questiona:
“'A quem (Mi - מִ֥י) então poderíeis comparar-me, que possa ser a mim igualado?' (Is 40,25) o que significa, 'entre todas as coisas criadas não há nenhuma que possa ser comparada a Mim, mesmo entre o número daqueles que criei à semelhança dos sinais do Meu Nome; pois posso apagar a forma e depois criar de novo e de novo, mas não há Deus acima de Mim que possa apagar a Minha Semelhança'."
- "Zohar" II, "Bo", 42a-42b.
“Mi” (מי, "Quem?") é um nome, para os Cabalistas, do mesmo Ser que eles designam sob outros termos. Mi é o misterioso antigo e eterno objeto de pesquisa. Além disso, não se deve procurar aprofundar ("Zohar" I,1b). O mundo é aparência e mudança, mas sua Causa permanece eternamente o Real, “Ele”, “Você”, “Quem?”, “Não-Ser”, isto é, o Santo, bendito seja Ele. Todos esses nomes são relativos apenas ao ponto de vista a partir do qual a inteligência humana se posiciona para formar uma ideia deles. Assim, Ayn se opõe ao “o que é” (Esch). Em uma palavra, Ayn-Soph expressa a natureza transcendente do Real Divino. Além disso, a tradução óbvia de Ayn-Soph é “Infinito”. Ora, reconheceram os filósofos modernos (tanto Leibniz como Fénelon), que a palavra “Infinito” (que tem uma aparência negativa e que, etimologicamente, é de fato negativa), significa um ser essencialmente positivo, enquanto o verdadeiro significado da palavra "finito" é na realidade negativo. E os Cabalistas são unânimes em entender desta forma.
A crítica nos convida a examinar a posição deste princípio cabalístico em comparação com a filosofia moderna. Adolphe Franck - e ele foi dura mas corretamente criticado por isso - cedendo à futilidade de confrontar a tradição judaica com os ensinamentos contemporâneos, encontrou o hebraísmo esotérico no hegelianismo. O futuro vice-presidente do Consistório Judaico Central poderia, com melhor formação, ter apontado a ironia desta suposta analogia. Hegel, na verdade, tinha pouca estima pela Cabalá. Para ele era uma mistura de astronomia, magia, medicina e profecias. É verdade que ele observou que havia nele alguma doutrina fundamental interessante, segundo a qual tudo surgiu do ser único e infinito, que contém tudo eminentemente e do qual todas as coisas fluem pela limitação do Infinito. Em suma, teria sido no máximo permitido afirmar que Hegel foi inspirado pela Cabala, tal como a entendia. Mas não acreditamos de forma alguma, dada não apenas a pouca consideração que Hegel tinha pela Sabedoria mística dos Judeus, mas também a aversão que professava pelo Judaísmo, que ele tenha emprestado alguma coisa dele. A famosa identidade que Franck imagina é puramente arbitrária. Foi dito que Hegel tomou emprestado de Swedenborg. Pode ser que o Processo Divino que vai, segundo o visionário sueco, do Ser virtual ao Ser real para se tornar ele já seja Hegelianismo.
O Ayn-Soph na Cabala antiga ou moderna não é, portanto, o Nada no sentido privado. É o Infinito, Deus, o Poder absoluto. Ele se manifesta através de Seus atributos e de Suas obras. Isso é o que veremos adiante.
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tryingtofoundpeace · 8 months
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2. MANIFESTAÇÃO
"Muita, se não toda a especulação e doutrina cabalista, está relacionada com o reino das emanações Divinas ou Sephiroth, em que a força criativa de Deus se revela."
- Gershom Scholem ("On The Kabbalah and its Symbolism").
Em Sua imensidão, ou como o Ayn Soph, Deus não pode ser compreendido pelo intelecto, nem descrito em palavras, pois não há nada que possa compreendê-lo e representá-lo para nós, e como tal, Ele é, em certo sentido, “não-existente” (Ayn), porque, no que diz respeito às nossas mentes, aquilo que é perfeitamente incompreensível não existe. Para tornar a sua existência perceptível e para se tornar compreensível, o Ilimitado teve que se tornar ativo e criativo. Mas o Ayn Soph não pode ser o criador direto, pois Ele não tem vontade, intenção, desejo, pensamento, linguagem, nem ação, pois essas propriedades implicam limite e pertencem a seres finitos, enquanto o Ayn Soph é ilimitado. Além disso, a natureza imperfeita e circunscrita da criação impede a ideia de que o mundo foi criado ou mesmo projetado por Ele, que não pode ter vontade nem produzir nada além do que é semelhante a Ele mesmo, ilimitado e perfeito. Por outro lado, mais uma vez, o desenho apresentado no mecanismo, a ordem regular manifestada na preservação, destruição e renovação das coisas, proíbe-nos de considerar este mundo como fruto do acaso, e obriga-nos a reconhecer nele um design inteligente.
- "Comentário ás Dez Sephiroth", p. 2 b.
Somos, portanto, compelidos a ver o Ayn Soph como o criador do mundo de uma forma indireta.
A doutrina Cabalística da unidade dinâmica de Deus, tal como aparece nos Cabalistas Espanhóis, descreve um processo teogónico no qual Deus emerge do Seu ocultamento e do Seu Ser inefável, para se colocar diante de nós como o Criador. As etapas deste processo podem ser seguidas numa abundância infinita de imagens e símbolos, cada um relacionado com um aspecto particular de Deus. Mas essas imagens nas quais Deus se manifesta nada mais são do que as imagens primordiais de todo o ser. O que constitui a estrutura mítica especial do complexo cabalístico de símbolos é a restrição dos infinitos aspectos sob os quais Deus pode ser conhecido a dez categorias fundamentais, ou como quisermos chamar a concepção subjacente à noção das Sephiroth.
"Deus é Deus. Nada existe que se possa comparar a Deus. Deus é Deus.
Na Cabalá, o Deus Transcedental se chama Ayn. Ayn significa em hebraico 'Nada', pois Deus está além da Existência. Ayin não está abaixo nem acima; nem é movimento ou imobilidade. Ayin não está em lugar nenhum. Deus é o Nada Absoluto.
Ayin Soph significa 'Sem Fim'. Este é o nome de Deus que está em toda parte. Ayin Soph é o Um em relação ao Zero de Ayin. É a totalidade do que existe e do que não existe. Ayin Soph é o Deus Iminente, o Todo Absoluto. Ayin Soph não tem atributos, porque estes só podem manifestar-se no interior da existência, e a existência, é finita.
A tradição oral da Cabala afirma que a razão da existência é que 'Deus desejava contemplar Deus'. Houve, pois, previamente uma não-existência na qual, segundo a tradição escrita, 'o Rosto não contemplava o Rosto'. Num ato de vontade totalmente livre, Deus extraíu de seu lugar o Todo Absoluto, Ayin Soph, para permitir que aparecesse um vazio em que pudesse manifestar-se o espelho da existência. A este ato de 'Tzimtzum', ou contração, diz o ditado rabínico, 'o lugar de Deus é o mundo, mas o mundo não é o lugar de Deus'.
Este ato Divino se visualiza simbolicamente como segue: de Ayin Soph Aur, a Luz Infinita que rodeia o vazio, emanou um raio de luz que penetrou da a periferia até o centro. Este, o Kav (קַו - "linha"), ou Raio da Divina Vontade, se manifestou em dez etapas diferentes de Emanação. Assim refere também outra máxima rabínica: o mundo adquiriu vida através de Dez Palavras Divinas. Desde a Idade Média, estas dez etapas se conhecem como as 'Sephiroth' (ספירות). A palavra 'Sephirah' (ספירה‎ - sua forma singular) não tem equivalente em nenhuma outra linguagem, embora por sua raiz esteja aparentada com as palavras 'Cifra'(isto é, número) e 'Safira'. Alguns viram nas Sephiroth os Poderes ou Barcos Divinos; outros os vêem como os instrumentos ou ferramentas Divinas do Governo Divino. Os místicos descreveram-nas como as dez Faces, as dez Mãos ou mesmo as dez túnicas de Deus. Todos coincidem, no entanto, em considerar que as Sephiroth expressam os Atributos Divinos, os quais, desde o primeiro momento da Emanação, são eternamente mantidos numa série de relações até que por vontade divina voltem ao Nada, fundindo-se de novo no Vazio.
As relações entre as Sephiroth regem-se por três princípios Divinos não manifestos, os 'Esplendores Ocultos' (Zahzahot): a Vontade Primordial, a Misericórdia e o Rigor (ou Justiça). À Vontade mantém o equilíbrio, enquanto que a Misericórdia expande e o rigor contrai, relativamente ao fluxo da Emanação, e desta maneira organizam os dez Atributos Divinos segundo um arquétipo específico. A pauta assim estabelecida é o modelo no qual se baseia tudo aquilo que for chamado a se manifestar. Denominou-se a Imagem de Deus, mas é geralmente conhecida como Árvore da Vida (עץ חיים - "Etz Chaim"). Cada Sephirah se manifesta por sua vez sob a influência de uma das Zahzahot em particular. Assim, o fluxo que manifestam as dez Sephiroth pode ser visualizado como o movimento em zig-zag do 'Relâmpago' a partir de sua posição central (Equilíbrio) para a direita (Expansão), e transversalmente para a esquerda (Contração). Assim, as Zahzahot conformam as três linhas verticais do diagrama da Arvore da Vida, conhecidas como os Pilares: o do Equilíbrio (Graça, Vontade) ao centro; o da Misericórdia (Força ativa, Expansão) à direita e a Severidade (Forma passiva, Contração) à esquerda. As relações expostas na Árvore servem de base à totalidade da existência; assim, as propriedades das Sefirot podem ser consideradas em termos de qualquer ramo do saber. Assim, enquanto sua definição básica é a de Atributos de Deus, podem ser definidas em termos de experiência humana, porque nós também somos moldados à Imagem de Deus. Este método antropomórfico é comum à Cabala e a outros credos, e se aplica livremente como linguagem simbólica a partes da metafísica que não podem ser explicadas por abstrações puras.
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(Ir até a página 8, primeiro livro)"
Os Cabalistas procuraram resolver o difícil problema da criação. É por isso que imaginaram, entre Deus e o mundo, as Sephiroth, a única forma, pensavam, de salvaguardar a dignidade Divina sem comprometê-la no contacto imediato com a criação, e de explicar a existência do universo com o seu ser finito, imperfeito e natureza perecível. Mas permanece a questão de saber se podemos distingui-las de Deus ou se devemos confundi-las com Ele, se constituem essências pessoais ou se são apenas simples atributos, instrumentos de criação. Contudo, esta questão não foi claramente resolvida pelo Zohar. Porque sua linguagem sugere tanto que foram criados, como também que são uma emanação da substância de Deus, participando de Sua essência e servindo para criar.
Tanto a etimologia quanto o significado exato da palavra Sephirah são questões controversas. Azriel de Gerona deriva de Sepher (ספר - "numerar"), enquanto os Cabalistas posteriores o derivam alternadamente de Narrar (Saphir - ספיר) da passagem הַשָּׁמַ֗יִם מְֽסַפְּרִ֥ים כְּבֹֽוד־אֵ֑ל ("Narram os Céus a glória de Deus" - Sl 19 [18],1), e do grego σφαῖραι, e não têm certeza se devem considerar as Sephiroth como princípios (ἀρχαὶ), ou como hipóstases (ὑποστάσεις), ou como potências, poderes (δυνάμεις), ou como mundos inteligentes (κόσμοι νοητικοί), ou como atributos, ou como entidades, ou como órgãos da Divindade. No Sepher Yetzirah, as Sephiroth são mencionadas sobretudo como números, enquanto no Bahir, elas são comparadas aos atributos Divinos tais como Força, Energia, Luz e Sabedoria. As Sephiroth são também chamadas emanações já que elas reluzem e fluem da origem Divina.
Para sugerir a complexidade da questão, vamos agora dar parte da resposta que é a solução. A definição das Sephiroth varia dependendo da ordem em que são consideradas. Na ordem do conhecimento existem dez “luzes” que iluminam a inteligência; — na ordem dos nomes, estes são os dez nomes que significam os dez atributos de Deus; — na ordem da revelação estes são os dez aspectos sob os quais a essência divina se dá a conhecer, as dez “roupas” com que se reveste, os dez graus proféticos pelos quais desenvolve as suas comunicações reveladoras; — na ordem cosmogónica, estas são as dez “palavras” pelas quais Deus criou o mundo, os dez sopros pelos quais o move e vivifica, os dez números pelos quais tudo é número, medido e pesado; — na ordem da relação de Deus com o mundo, estes são os dez graus pelos quais Deus desce e pelos quais ascendemos até Ele; — na ordem beatífica estas são as dez espécies de glória que alegram todas as almas e espíritos puros.
Teremos o cuidado, no que diz respeito ao Messias, de mostrar o que os Cabalistas querem dizer quando querem falar sobre as Sephiroth messiânicas.
Deve-se admitir que a apresentação desta parte do hebraísmo esotérico não é isenta de dificuldades. Os comentaristas dão, de fato, muitas definições da palavra “Sephirah” no plural “Sephiroth”. Os Cabalistas ainda chamam as Sephiroth de: Belezas, Espíritos, Vozes, Verbos do Infinito, etc. O exame da palavra não esgota a questão, ao contrário, gera um novo exame.
Não é de surpreender que os historiadores da filosofia tenham sentido desconforto ao lidar com esta questão, uma vez que comentaristas habilidosos, iniciados nos dogmas cabalísticos, formularam definições que certamente não são imprecisas, mas incompletas, considerando o assunto apenas através de um dos seus lados. Assim, Drach, um cabalista de algum mérito, afirma, em seu panfleto sobre a Cabalá (página da tradução neste livro), vingando a falsa imputação do Panteísmo que a palavra Sephirah é traduzida por Numeração e por Esplendor.
O rabino Azriel de Gerona define a real natureza das Sephiroth como "a síntese de cada coisa e seu oposto". Elas são emanações que existem no todo, grande e pequeno. A primeira Sephirah corresponde à fase inicial em tudo e a última Sephirah corresponde à conclusão e a manifestação final. Entre elas estão as outras Sephiroth que simbolizam vários níveis de manifestação. Elas representam diferentes fases da criação, que não são temporárias, mas continuam a existir como níveis de existência e niveis individuais da criação parcial. O Espírito de Deus, entretanto, não é apenas o começo, mas também o fim do universo; pois as Sephiroth estão intimamente ligadas umas às outras, e seu fim está em sua origem, assim como a Chama está no Carvão.
Estas são metáforas que os Cabalistas gostam de repetir. Utilizam outras imagens para transmitir a doutrina da Unidade múltipla: raios solares unidos ao sol, um riacho que emana de uma fonte, uma pedra preciosa irradiando o seu jogo de cores, uma árvore com as suas raízes, ou uma videira com os seus cachos.
(Vulliaud I, 326-327)
Sem entrar com ele num labirinto de subtilezas essencialmente cabalísticas que certamente devem ter surpreendido Spinoza antes de atordoar Brucker, retenhamos algumas noções filosóficas que, menos humilhantes para as nossas fracas capacidades, ajudarão a compreender o que são as Sephiroth, em número de dez.
1°. São “Números” porque são compostas de essência e substância, substância e acidente, poder ou ato, inteligência e vontade, são inteligíveis e inteligentes, dependem de sua causa, atraindo a luz que transmitem. O múltiplo Mundo de Atzilut (emanação) é a imagem e semelhança do Infinito, não igual, mas semelhante a um número separado de sua unidade, e ainda assim recebendo sua influência em todas as suas partes, de modo que este número desenvolva de alguma forma sua causa e se manifeste para as criaturas em sua parte oculta, para que, como em um livro, a vontade divina esteja gravada e escrita ali.
2°. As Sephiroth são Belezas, porque irradiam para fora, mas juntas e numa ordem fixa de números, pessoas, propriedades e formas; que é uma beleza admirável, amável e desejável; emergindo da imensidão interna e. oculto do Simples e do Bem perfeito, que pelo seu esplendor, inteligível, se manifesta aos espíritos. E assim, pela sua bondade, o Uno atrai os corações para si, para que através dos seus intermediários eles sejam levados à sua luz incompreensível. Pois as Sephiroth não são apenas meios pelos quais a causa primeira atua sobre todos os seres, mas também passos pelos quais se ascende para alcançar esta Causa.
3°. Chamam-se “Medidas”, quer em relação ao Infinito, quer em relação às coisas inferiores, porque pela sua determinação limitam e infundem na matéria esta ou aquela forma adequada às suas operações, género, espécie ou sujeito.
(...)
As Sephiroth emanaram do Ilimitado da seguinte maneira:
I. KETHER, CHOKHMAH E BINAH
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O Zohar atribui as manifestações de Deus a uma concentração de si mesmo, a uma condensação do seu ser; por outro lado, ele também ensina a emanação, tendo o cuidado de colocá-la sob a dependência de sua vontade e ao longo do tempo.
Deus, portanto, se concentra. No início, o Ayn Soph, ou o Ancião dos Anciões (עתיקא‎ דעתיקין‎), ou o Santo Ancião (עתיקא‎ קד‎י‎ש‎א‎ - "Atika Kadisha"), como é alternadamente chamado, concentrou de sua luz infinita uma substância ou inteligência espiritual. Esta primeira Sephirah, que existiu no Ayn Soph desde toda a eternidade e que se tornou realidade por um mero ato, tem nada menos que sete denominações. É chamada: I. A Coroa (כתר - Kether), porque ocupa a posição mais elevada; II. O Ancião (עתיקא - Atika‎‎‎‎), porque é a mais antiga ou a primeira emanação de Ayn Soph. Este nome não deve ser confundido com o Ancião dos Anciões, que, como vimos, é a denominação do Ayn Soph e está oculto; III. O Ponto Primordial (קודה ראשונה), ou Ponto Suave (נקודה פ‎שוט‎ה‎); IV. A Cabeça Branca (Risha Havara - רי‎שא ה‎ו‎ו‎רה‎), porque é a Luz na qual estão todas as cores, i. e. as diversidades, concepções e modelos definidos de todas as existências em germe ou totalidade absoluta; V. "Arich Anpin" (אריך אנפין), Face Comprida ou Macroprosopon, porque todas as dez Sephiroth representam o Homem Primordial ou Celestial (‎א‎דם ע‎י‎ל‎א‎ה‎)‎, do qual a primeira Sephirah é a cabeça; VI. A Altura Inescrutável (רום‎ מ‎ע‎ל‎ה - "Rum Maleh"‎‎), porque é a mais elevada de todas as Sephiroth procedentes imediatamente do Ayn Soph. Portanto, na passagem "Saí, ó filhas de Sião, contemplai o Rei Salomão, ostentando o diadema (batarah - בָּעֲטָרָ֗ה)" (Ct 3,11) observa o Zohar;
“Está escrito; 'Saí, ó filhas de Sião, contemplai o rei Salomão, ostentando o diadema recebido de sua mãe no dia de suas núpcias, no dia da alegria de seu coração'. Este versículo já foi interpretado corretamente, mas ainda podemos perguntar: Como alguém pode entender as palavras 'Saí, e contemplai o Rei Salomão (Shlomoh - שְׁלֹמֹ֑ה)? Este título, sabemos, refere-se ao Rei da Paz (Shalom), mas quem pode contemplar o Rei da Paz (מַלְכָּא דִּשְׁלָמ דִּילֵיהּ), visto que Ele está acima das Hostes Celestiais em uma região que 'olho algum viu' (Is 64,3)? Aquele de cuja Glória os anjos acima perguntam: 'Onde está o Lugar de Sua Glória?' Observe, porém, que o texto não diz 'e a coroa', mas 'na coroa', do qual aprendemos que quem vê a Coroa vê a Glória do Rei da Paz.”
- "Zohar" (vol. III, 306-307), "Mishpatim" 3, 100b.
E, VII, é expresso na Bíblia pelo nome Divino "Ehyeh" (אֶֽהְיֶ֖ה), ou Eu Sou (Ex 3,14), porque é o Ser absoluto, representando o Infinito como distinto do finito, e na ordem angélica, pelas Criaturas de Ezequiel, chamadas Hayyot (חיות). Kether simboliza o Pensamento Abstrato, a Consciência individual do ser, o Ego ou Eu. Dentro desta Sephirah, a Luz manifestada de Ayn Soph no germe como uma primeira manifestação, a unidade; afirma-se que está contido em pleno conteúdo e em perfeita harmonia, tudo o que foi emanado, tudo o que existe e tudo o que o homem pode conhecer nesta terra. Kether é considerado assexuado, mas androgênico e contendo os sexos, como todo o conteúdo do positivo e do negativo e sua harmonia. Kether representa o Desejo e a Vontade da Divindade.
"Kether é o princípio de todos os princípios, a Sabedoria Secreta, a Coroa Mais Exaltada, com a qual todas as coroas e diademas são adornadas."
- "Zohar" III, fol. 288b.
Kether, contudo, não é a totalidade confusa, sem forma nem nome, o misterioso desconhecido que precedeu todas as coisas (até mesmo os atributos) – Ayn-Soph. Pelo contrário, a Coroa representa o Infinito como distinto do finito. É até considerado como a própria Existência Absoluta por alguns dos Cabalistas, mas como o Ego, está em contraste com o Não-Ego, que está Acima, e deve, portanto, ser contabilizado abaixo.
As qualificações de Kether não são possíveis no intelecto do homem (estão acima de sua cabeça, e por isso é chamada de "Coroa"), mas são perceptíveis ao seu pensamento na medida em que representa a consciência do ser. Está totalmente unida como o único em número, num ponto indivisível cuja circunferência está em toda parte e cujo centro não está em lugar nenhum. Seu nome nas Sagradas Escrituras é “Eu Sou” porque é o Ser absoluto. Ser que a análise não pode sondar, que não pode ser qualificado, mas no qual todas as qualificações se unem em uma só.
Isso se explica da seguinte maneira; o Ayn Soph a princípio estava preenchendo Tudo e depois fez uma concentração absoluta em Si mesmo que produziu o Abismo, Profundeza ou Espaço, o Avir Kadmon ou Ar Primitivo, o Azoth; mas isto não é considerado na Cabalá como um vazio ou vácuo perfeito, um Espaço perfeitamente vazio, mas é pensado como as Águas ou Mar Caótico Cristalino, no qual havia um certo grau de Luz inferior àquele pelo qual todas as criaturas foram feitas. Conseqüentemente, a primeira Sephirah também é chamada de “Ponto Primordial” ou simplesmente “ponto”:
“Quando o Oculto do Oculto desejou revelar-se, Ele primeiro destacou um único ponto: o Infinito era inteiramente desconhecido e não difundiu nenhuma luz antes que este ponto luminoso irrompesse violentamente na visão”
- "Zohar", "Bereshit" 1, 15a.
Isto é o que os Cabalistas posteriores explicaram como a concentração absoluta de Deus em Sua própria substância (Tzimtzum, צמצום). Esta concentração produziu o espaço, “ar primitivo” – não um verdadeiro vazio, mas um grau de luz inferior à Criação. Mas porque Deus se retirou para dentro de Si mesmo, Ele é distinto de tudo o que é finito, limitado e determinado, e porque o que Ele é ainda não pode ser determinado. Ele é designado por uma palavra que significa “nada” ou não-ser (Ayn).
"Ele é assim chamado porque não sabemos e não podemos saber o que há neste (princípio), porque é inatingível dentro de nossas limitações e está acima da própria Sabedoria.”
- "Idra Zuta".
Esta ideia de Kether como o representante da Existência, o Ser ou o Absoluto manifestado, constitui uma Forma Perfeita e Individualidade, e a isto a Cabalá chama Atika, ou seja, o Ancião, o Idoso e o identifica com o Ancião dos Dias ("Atik Yomin" [עתיק יֹומין]) da visão de Daniel.
(Texto)
Filosoficamente, Kether representa o conteúdo da simples ideia abstrata da consciência individual ou estado de ser e, portanto, contém todo o espiritual ou material emanado, existindo fora do Incognoscível Ayn Soph, mas no qual o Ayn Soph é ao mesmo tempo imanente e transcendental, em germe. Ibn Gabirol chama isso de: “A Forma de todas as formas na Mais Alta Potência”. Kether é provavelmente, a Cabeça Única na qual há Três Cabeças.
"O Ancião, Seu Nome seja louvado! Tem Três Cabeças que ainda são Uma Cabeça. Assim como Atika Kadisha é representado pelo número três, o mesmo ocorre com todas as outras luzes (Sephiroth) de natureza tríplice."
- "Zohar" III, "Idra Zuta", 288b.
Kether representa o estágio de desenvolvimento da existência, denominado Universal, e deve ser referido à dimensão do Comprimento. Na divisão tripla do espiritual no corpo corpóreo do homem, Kether representa o Neshamah, o espírito imortal no homem. A cor simbólica de Kether, diz o Cabalista Rabino Azriel de Gerona; "é como a Luz oculta." A Luz que está envolta nas Trevas. Kether é a primeira Hipóstase, mas aparentemente não é a Causa Primeira ou Causa das causas. O significado parece ser que a Causa Primeira contém em si duas Hipóstases, entendidas como Masculina e Feminina.
"O homem Atzilútico é homem e mulher, do lado de Abba e de Aima. É por isso que está escrito: 'Deus disse: 'Faça-se a Luz!'. E a Luz foi feita' (Gn 1,3). 'Faça-se a luz!' vem do aspecto de Abba e 'E a luz foi feita' vem do aspecto de Aima. Portanto, o homem foi feito com dupla face."
- "Zohar", "Bereshit", 22b.
De Kether, o Um, o germe e a harmonia, o Eu, o Ego, a consciência individual e o conhecimento do ser e da existência, portanto no Tempo; emanam as duas oposições, o Masculino e o Feminino, os princípios Positivo e Negativo.
Kether continha as outras nove Sephiroth, e emanou elas na seguinte ordem; a princípio, uma Potência Masculina ou Ativa, designada Sabedoria (חכמה - "Chokhmah"), procedeu dela. Diz-se que Kether e Chokhmah nunca estão separadas. Isto é verdade, entretanto, para toda a Tríade Superna, ou as primeiras Três Sephiroth.
No que diz respeito à Chokhmah, ela representa o surgimento da energia mental antes que ela esteja contida em qualquer ideia, pensamento ou plano. Ela está localizado no hemisfério direito do cérebro.
É pelo Mistério Sublime e Impenetrável desta Sephirah que o mundo existe, e todos os outros mistérios dependem dela.(Zohar, Prólogo, 7a)
"No princípio (Bereshit, בְּרֵאשִׁ֖ית), Deus criou o céu e a terra."
Gn 1,1
“Disse R. Yudai: 'Qual é o significado de Bereshith? Significa 'com Sabedoria', a Sabedoria na qual o mundo se baseia, e através disso nos apresenta mistérios profundos e recônditos. Nela, também, est�� a inscrição de seis direções supernas principais, das quais emerge a totalidade do existência. Dele saem seis Fontes de rios (i.e. Zeir Anpin) que fluem para o Grande Mar (i.e. Malkuth). Isto está implícito na palavra Bereshit, que pode ser analisada em Bara-Shith ("Criou seis", בָּרָא שִׁית). E quem os criou? O Misterioso Desconhecido.' R. Hiya e R. José estavam caminhando pela estrada. Quando chegaram ao campo aberto, R. Hiya disse a R. José: 'O que você disse sobre Bereshit significando bara-shith é certamente correto, uma vez que a Torá fala de seis dias primordiais e não mais. Os outros são sugeridos, mas não revelados; no entanto, pelo que nos é dito, podemos perceber o seguinte: O Santo e Misterioso gravou em um recesso oculto um ponto. Nele, Ele encerrou o todo da Criação como alguém que tranca todos os seus tesouros num Palácio, sob uma única chave, que é, portanto, tão valiosa quanto tudo o que está guardado nesse Palácio; pois é a chave que fecha e abre. Nesse Palácio há tesouros escondidos, um maior que o outro, O Palácio é dotado de cinquenta portões místicos. Eles estão inseridos em seus quatro lados em número de quarenta e nove. O único portão restante não está em nenhum de seus lados e não se sabe se está no alto ou abaixo: é por isso chamado de portão misterioso. Todos esses portões têm uma fechadura e há um pequeno local para a inserção da chave, que só podemos marcar pela impressão da chave. É este mistério que está implícito nas palavras 'No princípio criou Deus', 'No princípio': esta é a chave que encerra o todo e que fecha e abre. Seis portões são controlados por esta chave que abre e fecha. A princípio manteve os portões fechados e impenetráveis; isso é indicado pela palavra Bereshit, que é composta por uma palavra reveladora (Shith) com uma palavra ocultadora (Bara). Bara é sempre uma palavra de mistério, fechando e não abrindo.' Disse R. José: 'Certamente é assim, e ouvi a Lâmpada Sagrada dizer o mesmo, a saber, que bara é um termo de mistério, uma fechadura sem uma chave, e enquanto o mundo estivesse trancado dentro do termo bara ele não estava num estado de ser ou de existência. Sobre o todo pairava Tohu (caos), e enquanto Tohu dominasse, o mundo não existia nem existia. Quando foi que essa chave abriu os portões e tornou o mundo frutífero? Foi quando Abraão apareceu (nota; Abraão é identificado com Chesed), como está escrito 'Tal é a história da criação (Behibaream, בְּהִבָּֽרְאָ֑ם) do céu e da terra.' (Gn 2,4). Agora, Behibaream é um anagrama de Beaberaham (בְּאַבְרָהָם, "através de Abraão"), implicando que as letras que estavam totalmente escondidas e improdutivas na palavra bara (foram abertas) para ouvir. E o Pilar da Procriação, o membro sagrado (Aber, אֵבֶר) de Yesod, sobre o qual o mundo está estabelecido, foi revelado.(Nota: em hebraico, as palavras para "criar" e "membro" são escritas com as mesmas letras - Bara; Beit-Aleph-Resh vs Aber; Aleph-Beit-Resh) Além disso, da mesma forma Abraão (אַבְרָהָם‎) contém Aber, uma transformação de Bara, pois está com o esplendor do nome do Altíssimo e do Mais Oculto."
- "Zohar", Prólogo, 3b
A casa foi construída por Chokhmah; ela estava oculta como o Ponto Supremo antes da criação e é chamado Yod. É a Sabedoria Eterna, e nela está oculto o Pensamento Eterno, que é a Grande Voz, ou seja, a voz mansa e delicada que é a Casa da Sabedoria Eterna. Em contradição com estas indicações, diz-se que é a Irmã, significando assim a Shekinah. É também Filha e Mãe. Chokhmah É o começo de tudo. Entre os nomes Divinos, Chokhmah é representada por Yah (יה), e entre as hostes angélicas por Ophanim (אופנים - "Rodas").
Esta Sephirah emanou uma Potência oposta, Feminina ou Passiva, denominada Inteligência ou Entendimento (בינה - "Binah")
Binah é a Sephirah onde ideias e pensamentos específicos tomam forma, contendo a energia recebida de Chokhmah. Ela está localizada no hemisfério esquerdo do cérebro, e diz-se que seu número é cinquenta por causa dos Portões do Entendimento. É o mundo oculto e a Maternidade é a sua imagem. É também a penitência, o grau da lua, o Mistério do Mundo Supremo e a Comunidade de Israel. A primeira letra Hê do Tetragrama é atribuída a Binah. É o Trono da Misericórdia e o fogo Celestial que desce; assim como Malkuth é o Trono da Justiça e o fogo que sobe. É a doçura de Deus e constitui o Mistério do Levirato. A Casa é construída por Chokhmah e estabelecida por Binah. O nome de Deus aqui é pronunciado Elohim (אלהים‎), mas escrito com as letras hebraicas do Tetragrama (יהוה), e seu nome angélico é Arelim (אראלים).
Sabedoria e Inteligência aparecem como correspondências opostas e equivalentes nas Escrituras Hebraicas. Quase sempre quando uma é mencionada, a outra aparece como seu complemento.
"Observai-as, praticai-as, porque isso vos tornará sábios e inteligentes (Chokhmatkem UBinatkem - חָכְמַתְכֶם֙ וּבִ֣ינַתְכֶ֔ם) os olhos dos povos que, ouvindo todas essas prescrições, dirão: ‘Eis uma grande nação, um povo sábio e inteligente’."
Dt 4,6
"Mas a Sabedoria (WeChokhmah - וְֽ֭הַחָכְמָה) onde se encontra? Onde está o lugar da Inteligência (Binah - בִּינָֽה)?"
Jó 28,12
"Quem pôs Sabedoria (Chokhmah - חָכְמָ֑ה) nas nuvens e Inteligência (Binah - בִינָֽה) no meteoro?"
Jó 38,36
"Pois Deus lhe negou Sabedoria (Chokhmah - חָכְמָ֑ה) e não lhe concedeu Inteligência (Babinah - בַּבִּינָֽה)."
Jó 39,17
"Adquire Sabedoria (Chokhmah - חָ֭כְמָה), adquire Perspicácia (בִינָ֑ה - Binah), não te esqueças de nada, não te desvies de meus conselhos."
Pr 4,5
"Dize à Sabedoria (Chokhmah - לַֽ֭חָכְמָה): 'Tu és minha irmã', e chama à Inteligência (LaBinah - לַבִּינָ֥ה) 'minha amiga'"
Pr 7,4
"O temor do Senhor é o princípio da Sabedoria (Chokhmah - חָ֭כְמָה), e o Conhecimento do Santo é a Inteligência (בִּינָֽה)"
Pr 9,10
"Adquirir a Sabedoria (Chokhmah - חָכְמָ֗ה) vale mais que o ouro; antes adquirir a Inteligência (בִּ֝ינָ֗ה - Binah) que a prata."
Pr 16,16
"Sobre Ele repousará o Espírito do Senhor, Espírito de Sabedoria e de Entendimento (Chokhmah UBinah - חָכְמָ֣ה וּבִינָ֗ה), Espírito de prudência e de coragem, Espírito de ciência e de temor do Senhor."
Is 11,2
"por isso, continuarei a tratar esse povo de modo tão estranho que a sabedoria (Chokhmat - חָכְמַ֣ת) dos espertalhões se perderá e a inteligência (וּבִינַ֥ת - Ubinat) dos astutos desaparecerá."
Is 29,14
"Em qualquer negócio que necessitasse de sabedoria e sutileza (Chokhmat Binah - חָכְמַ֣ת בִּינָ֔ה), e que o rei os consultasse, este achava-os dez vezes superiores a todos os escribas e mágicos do reino."
Dn 1,20
"É Ele quem faz mudar os tempos e as circunstâncias; é Ele quem depõe os reis e os enaltece; é Ele quem dá Sabedoria aos sábios (lechokimin - לְחַכִּימִ֔ין) e talento aos Inteligentes (Lyadai Binah - לְיָדְעֵ֥י בִינָֽה)."
Dn 2,21
Ação e reação estereotipizam-se, impedindo, em conseqüência, novos desenvolvimentos, a não ser por meio da associação mútua das combinações. A força forma todas as possíveis unidades; a fase subseqüente de desenvolvimento dessas unidades consiste na sua combinação em estruturas mais complexas. Quando isso ocorre, tem início uma nova a mais organizada fase de existência; tudo o que já havia evoluído permanece, mas aquilo que agora evolui é mais do que a soma das partes previamente existentes, pois novas capacidades vêm à existência. Essa nova fase representa uma alteração do modo de existência.
Assim como Kether cristaliza a Luz Infinita de Ayn Soph, a segunda Sephirah, Chokhmah, cristaliza, da mesma forma, a Kether nesse novo modo de ser, nesse novo sistema de ações a reações, que deixaram de ser simples e diretas e se tomaram complexas a indiretas. Temos, então, dois modos de existência, a simplicidade de Kether e a relativa complexidade de Chokhmah; ambas são tão simples que nenhuma espécie de vida conhecida por nós poderia subsistir nelas; não obstante, elas são as precursoras de toda vida orgânica. Poderíamos dizer que Kether é a primeira atividade da manifestação, o movimento; é um estado de pura gênese, Rashith ha Gilgalim (os Primeiros Remoinhos), o início dos Movimentos Giratórios, como os chamam os cabalistas.
De maneira similar àquela pela qual Kether transbordou para Chokmah, esta, por sua vez, transborda para Binah, a Terceira Sephirah. Os Caminhos trilhados pelas Emanações nesses transbordamentos sucessivos de Luz são representados pelos cabalistas por um Relâmpago ou uma Espada.
(fonte)
A Sabedoria é chamada de Pai (אבא - Abba), pois a Sabedoria engendra todas as coisas. Infundido pelo universo, de trinta e duas maneiras maravilhosas, ela impõe forma e medida a tudo o que existe. E a inteligência é a Mãe (אמ‎א - Aima). E é da união dessas duas Sephiroth, que as sete Sephiroth restantes procedem. Ou, como o Zohar expressa:
"Quando Atika Kadisha, o Oculto de tudo Oculto, assumiu uma forma, Ele produziu tudo na forma Masculina e Feminina, pois as coisas não poderiam continuar em nenhuma outra forma. Daí a Sabedoria, que é o início do desenvolvimento, quando procedeu de Atika Kadisha, emanou em masculino e feminino, pois a Sabedoria se expandiu, e a Inteligência procedeu dela, e assim obteve Masculino e Feminino - isto é, a Sabedoria, o Pai, e Inteligência, a Mãe, de cuja união emanaram sucessivamente os outros pares de Sephiroth."
- "Zohar" III, "Idra Zuta", 19, 290a.
O Relâmpago que procede de Kether caminha para fora a baixo, no sentido da direita, alcançando Chokhmah, daí retomando horizontalmente, à esquerda, até estabelecer a Sephirah de Binah. Estas duas Potências opostas – isto é, Sabedoria e Inteligência – são unidas pela primeira Potência, a Coroa. O resultado é uma figura triangular sobre o diagrama, que recebe o nome de Triângulo das Três Supremas.
(...)
O Mistério das Três Supremas
"As três primeiras Sephiroth - Kether, Chokhmah e Binah -, formam uma unidade entre si; isto é, o conhecimento, o conhecedor e o conhecido são idênticos em Deus e, portanto, o mundo é apenas a expressão das ideias ou das formas absolutas de inteligência. Assim, a identidade do pensar e do ser, ou do real e do ideal, é ensinada na Cabalá da mesma forma que em Hegel. O pensamento em sua tríplice manifestação produz novamente (os) princípios contrastantes"
- Artigo "Kabbalah" dos Rabinos Kaufmann Kohler e Louis Grinzberg.
Os termos dessa Triáde são um tanto diferentes. Vemos o próprio Ayn Soph, mas não a Inteligência, sem dúvida porque é apenas um reflexo, uma certa expansão ou dimensão do Logos, aqui chamada de Sabedoria.
"São três cabeças esculpidas uma na outra e uma acima da outra. Uma cabeça é a Sabedoria secreta escondida, que nunca é revelada. Esta Sabedoria misteriosa é o princípio supremo de todas as outras sabedorias. Acima desta primeira cabeça está o Ancião (cujo Nome seja Santificado!), o mais misterioso de todos os mistérios. Finalmente vem a cabeça que domina todas as outras cabeças, uma cabeça que não é cabeça. Ninguém sabe ou pode saber o que essa cabeça contém, pois ela escapa aos eruditos e aos ignorantes. Conseqüentemente, o Antigo (cujo Nome seja Santificado!) é chamado de Ayn."
- "Zohar", "Idra Zuta".
Aqui temos uma Unidade no Ser e uma Trindade nas manifestações intelectuais ou no pensamento.
Às vezes, as Personas desta Tríade são representadas como três fases sucessivas e absolutamente necessárias da existência e também do pensamento, ou como um processo lógico que ao mesmo tempo codifica a geração do mundo. Qualquer que seja o espanto que isso possa causar, não pode ser contradito. As linhas a seguir confirmam isso:
"Eis que o pensamento é o princípio de tudo o que existe; como tal, é inicialmente ignorado e confinado dentro de si mesmo. Quando o pensamento começa a se espalhar, ele chega a habitar com o espírito; nesse ponto, ela toma o nome de inteligência e não está, como antes, confinada em si mesma. O próprio espírito ou mente se desenvolve no próprio seio dos mistérios que o cercam, e sai uma voz que é a união de todos os coros celestiais; a voz fala distintamente e com palavras claras, pois vem do espírito. Mas, refletindo, descobrir-se-á que o pensamento, a Inteligência, esta voz e esta palavra são uma e a mesma coisa; esse pensamento é o começo de tudo o que existe e que não pode haver interrupção nele. O próprio pensamento está ligado ao Não-Ser (Ayn) e nunca se separa Dele. Esse é o significado das palavras: 'Javé é Um e Seu nome é Um.'"
- "Zohar", "Vayechi", 74, 769.
"O nome que significa 'Eu Sou' mostra a união de tudo o que existe, o grau em que todos os caminhos da Sabedoria ainda estão ocultos e unidos em um lugar e ainda não podem ser distinguidos uns dos outros. Mas quando uma linha de demarcação é estabelecida, quando se pretende designar a mãe que carrega todas as coisas em seu ventre e está prestes a trazê-las para revelar o Nome Supremo, então, falando de Si mesmo, Deus diz: 'Eu, que Sou' Finalmente, quando tudo estiver bem desenvolvido e tiver deixado o ventre materno, quando tudo estiver em seu lugar, então, para descrever a vida particular, bem como a existência, Deus chama a si mesmo de Javé ou 'Eu Sou o que Sou'. Estes são os mistérios do Santo Nome revelados a Moisés; nenhum outro homem compartilhou esse conhecimento com ele."
- "Zohar" III, "Acharei Mot" 65b.
A Cabalá não baseia o seu sistema apenas no princípio da shepha, (isto é, emanação), nem apenas na unidade da substância, mas na identidade de pensamento e de existência, do ideal e do real. O mundo é apenas a expressão das Idéias ou Formas Absolutas do Intelecto. De acordo com Moisés Cordovero;
"As três primeiras Sephiroth, a saber: Coroa, Sabedoria e Intelecto, devem ser consideradas como a única e mesma coisa. O primeiro representa. Conhecimento ou Ciência, o segundo aquilo que Conhece, e o terceiro, aquilo pelo qual é Conhecido. Para explicar essa identidade é necessário saber que o conhecimento do criador não é o das criaturas; pois com o último. O conhecimento é distinto do sujeito do Conhecimento e apoia-se nos objetos que, por sua vez, se distinguem do sujeito. É aquilo que descrevemos pelos três termos: pensamento, aquilo que pensa e aquilo em que se pensa. Pelo contrário, o criador é Ele mesmo ao mesmo tempo. Conhecimento, aquilo que sabe e aquilo que é conhecido. Com efeito. A sua maneira de conhecer não consiste na aplicação do seu pensamento às coisas que estão fora de si; É em si o conhecimento, e em si o conhecimento, e em si que conhece e percebe tudo o que existe. Não existe nada que não esteja unido Nele e que não encontre em Sua própria substância. É o tipo (dist typus) de todo ser, e todas as coisas existem Nele sob sua forma mais pura e perfeita; de tal maneira que até a perfeição das criaturas está naquela existência, através da qual elas se encontram unidas à fonte do seu ser; e na medida (ou proporção) que são removidos Dela, eles caem daquela condição que é tão perfeita e sublime. É assim que todas as existências deste mundo têm a sua forma nas Sephiroth e as Sephiroth na fonte de onde emanam."
- "Pardes Rimonim" (Paraíso das Romãs), fol. 55a
As três hipóstases Sefiróticas contêm e unem tudo o que foi, é e será; mas elas, por sua vez, estão reunidas na Cabeça Branca, pois tudo é Ele, e Ele é tudo e em todos, e ainda assim, para a compreensão finita do homem, o Ayn Soph é Ayn. Elas estão unidas e fundidas na Cabeça Branca, que é a primeira unidade do número, o Um, de modo que, embora descritos pela Tríade, são, no entanto, a Unidade. A Unidade da primeira manifestação, a da existência e do ser, e a tríade das manifestações intelectuais, as ideias nela contidas; são o resumo de Tudo o que é, para a compreensão do homem. Simbolicamente, elas são aplicadas inteiramente à cabeça do Macrocosmo; às vezes elas são comparadas aos três lobos do cérebro humano, a sede do pensamento, que juntos formam um cérebro.
Juntas, elas são as mais elevadas, mais sutis e refinadas de todas as Sephiroth. Podemos compará-los com a Vontade, Matéria Universal e Forma Universal de Ibn Gabirol.
Daat
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A partir do final do século XIII, uma Sephirah complementar, chamada Daat ("conhecimento"), aparece entre Chokhmah e Binah, uma espécie de harmonização das duas que não era considerada uma Sephirah separada, mas sim "o aspecto externo (ou inferior) de Kether". Esta adição surgiu do desejo de ver cada grupo de três Sephiroth como uma unidade que compreende atributos opostos e como uma síntese que finalmente os resolveu; como a característica Capital do Zohar é a aplicação do princípio Metafísico da Lei sexual e Lei dos opostos, a união de Chokhmah e Binah produz um acoplamento denominado Daat (דעת - "Razão", "Ciência", ou "Conhecimento"); isto é, o contraste entre subjetividade e objetividade encontra sua solução na Razão, pela qual a cognição ou o conhecimento se tornam possíveis. Enquanto Kether é uma icógnita, Chokhmah, Binah e Daat constituem uma Tríade. A Sabedoria é o "Pai", o princípio Masculino, ativo engedrador, Binah é a "Mãe", o princípio Feminino Passivo Receptivo, Daat é seu "Filho". Chokhmah representa o Conhecimento, Binah o Conhecedor e Daat aquilo que é conhecido. Aqueles cabalistas que não incluem Kether entre as Sephiroth, tomam Daat como a terceira Sephirah; mas ela é antes uma mera combinação de Chokhmah e Binah e não uma Sephirah independente, também chamada de "não-Sephirah". As Sephiroth são de fato "dez e não onze, dez e não nove".
Se as Três Supremas estão relacionadas aos Processos Mentais, as sete Sephiroth restantes, que os Cabalistas modernos chamam de Sephiroth Construtoras (Sephiroth HaBinyan - ספירות הבניין) porque servem mais imediatamente para edificar o mundo, se relacionam com as qualidades Atributivas de Deus, e cada uma corresponde à um personagem Bíblico.
Elas são nomeadas conforme a Oração do Rei Davi em agradecimento a Deus para a construção do Templo:
"A vós, Senhor, a Grandeza (Ha-Gedulah, הַגְּדֻלָּ֨ה), o Poder (Ha-Geburah, וְהַגְּבוּרָ֤ה), a Honra (Veha-Tiphereth, וְהַתִּפְאֶ֙רֶת֙), a Majestade (Veha-Netzach, וְהַנֵּ֣צַח) e a Glória (Veha-Hod, וְהַה֔וֹד), porque tudo (Kol, כֹ֖ל) que está no Céu e na Terra vos pertence. A vós, Senhor, a Realeza (Hama-Malakah, הַמַּמְלָכָ֔ה [de Malkuth, מלכות, "Reino"]), porque sois soberanamente elevado acima de todas as coisas."
1Cr 29,11
É daqui que seus nomes são definidos. Na maioria das fontes, contudo, a primeira destas é chamada de Chesed ("Amor") ao invés de Gedulah. Similarmente, a penúltima destas é chamada de Yesod ("Fundamento") ao invés de Kol. Em textos cabalísticos antigos, no entanto, ambas as designações são usadas.(Fonte)
Estas Sephiroth desenvolvem-se, como as anteriores, na forma de tríades; em cada uma, dois extremos são unidos por um meio termo. Do pensamento Divino, quando é mais completamente revelado, procedem dois princípios opostos, um Ativo ou Masculino, o outro Passivo ou Feminino.
II. CHESED, GEBURAH E TIPHERETH
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Da junção das Sephiroth opostas anteriores emanou novamente uma Sephirah Masculina ou Ativa, denominada Misericórdia ou Amor (חסד - "Chesed"), também chamada de Grandeza (גדו‎לה - "Gedulah"), a quarta Sephirah. Ela é representada; entre os Nomes Divinos por El (אל), entre as hostes angélicas por Hashmalim (חשמלים), entre os personagens Bíblicos pelo Patriarca Abraão, e na forma do Corpo Humano como braço direito.
Chesed significa doação incondicional, o derramamento ilimitado de uma energia que pode ser chamada de “emoção” antes de se tornar específica como um sentimento particular. Aqui, esta energia simplesmente flui livremente sem reservas, uma dádiva contínua da Graça, de modo que a Sephirah representa a Misericórdia.
Disto novamente emanou a Potência feminina ou passiva; Justiça (דין‎ - "Din"), também chamada de Poder Restritivo (גבורה - Geburah) e Temor (פחד - Pechad), a quinta Sephirah. Ela é representada; pelo Nome Divino Elohim (אלהים), entre os anjos pelos Serafins (שרפים), entre os personagens Bíblicos pelo Patriarca Isaac, e na forma do corpo humano pelo braço esquerdo.
Se Chesed representa emoção, Geburah fornece as formas chamadas “sentimentos” que contêm e limitam a energia emocional indefinida oferecida por Chesed. Esta Sephirah fornece as formas que restringem o fluxo recebido de Chesed, e representa o Julgamento Divino.
Mas é facilmente visto pelo papel desempenhado pelos dois princípios no sistema como um todo que esta Graça e Julgamento não devem ser tomados literalmente; estamos lidando com o que deveríamos chamar de expansão e contração da vontade. Na verdade, é da primeira que brota a alma masculina, e da segunda a alma feminina. Esses dois atributos também são chamados de “dois braços de Deus”; um dá vida, o outro morte.
Chesed e Geburah combinam-se numa Potência unificadora; Beleza ou Suavidade (תפארת - Tiphereth), a sexta Sephirah. Ela é representada; pelo Nome Divino Yahweh (יהוה‎), entre os anjos por Shinanim (שנא‎נ‎ים), entre os personagens bíblicos pelo Patriarca Jacó, e na forma do corpo humano pelo peito ou o Coração.
Tiphereth é a Balança requerida entre Amor e Julgamento; representa o nosso Eu Superior, uma identidade maior através da qual se é capazes de amar incondicionalmente. Sem esta união a existência das coisas não seria possível, na medida em que a Misericórdia não temperada com Justiça, e a Justiça não temperada com Misericórdia seriam insuportáveis.
Assim a segunda tríade das Sephiroth é obtida.
III. NETZACH, HOD, YESOD E MALKUTH
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O Belo (Tiphereth) é considerado como expressão e resultado de todas as qualidades morais, ou como a soma de tudo o que é bom. Mas os próximos três atributos são puramente dinâmicos – isto é, representam a Deidade como a causa, como a força universal e como o princípio gerador de todos os seres.
O primeiro, representando o Princípio Masculino nesta tríade, é chamado de "Triunfo" (נצח - "Netzach"), a Sétima Sephirah. Ela é representada; pelo Nome Divino Yahweh Sabaoth (יהוה צבאות), pelos anjos Tarshishim (תרשישים‎), entre os personagens Bíblicos pelo Profeta Moisés e na forma do corpo humano pela perna direita.
Ela é entendida como a força por trás da expressão física.
A Sephirah Masculina novamente deu origem à Potência feminina ou passiva, "Esplendor" (הוד - "Hod"), a oitava Sephirah. Ela é representada; pelo Nome Divino Elohim Sabaoth (אלהים צבאות), entre os anjos por Bnei Elohim (בני אלהים), entre os personagens Bíblicos pelo Sumo-Sacerdote Aarão, e na forma do corpo humano pela perna esquerda.
Hod representa as formas de experiência física, i.e. percepções sensoriais, e cada uma destas pode ser entendida como um recipiente no qual se experimentam as energias maiores e sem forma de Netzach.
Seria difícil fixar o significado de Netzach e Hod se não fossem seguidas desta definição:
“Pelas palavras Triunfo e Esplendor entendemos medida, multiplicação e força; pois todas as forças do universo surgem do meio deles; portanto, essas duas Sephiroth são chamadas de hostes do Eterno.”
- "Zohar", "Idra Zuta", 169.
Triunfo e Glória combinam-se num princípio comum, normalmente representado pelo elemento gerador, ou a fonte, a raiz de tudo o que existe, e por isso chamada de Base ou Fundação (יסוד - "Yesod"), a nona Sephirah. Ela é representada; pelo Nome Divino El Chai (אל חי), entre as hostes angélicas por Ishim (אשים), entre os personagens Bíblicos pelo Patriarca José, e na forma do corpo humano pelos órgãos genitais.
Yesod é o ponto de união entre os opostos Netzach e Hod (produzindo assim a terceira tríade de Sephiroth), e representa o nível de identidade individual denominado personalidade ou Ego.
Netzach, Hod e Yesod também formam uma face, um aspecto da natureza Divina, representada na Bíblia pelo Deus "dos Exércitos" ("Sabaoth").
Da nona Sephirah, a Base de todas, emanou a décima Sephirah, chamada Reino (מלכות - "Malkuth") ou Shekinah (שכינה). Ela é representada pelo nome Divino Adonai (אדני), entre as hostes angélicas pelos Querubins (כרובים), entre os personagens Bíblicos pelo Rei Davi, e na forma do corpo humano pelos pés.
Todos os Cabalistas concordam que Malkuth não expressa nenhum atributo novo, mas simplesmente a harmonia que existe entre todos os outros atributos e seu domínio absoluto sobre o mundo.
Conclusão
A partir da representação de cada tríade, como consistindo de um princípio triplo (isto é, os dois opostos, Masculino e Feminino, e o princípio unificador), o desenvolvimento das Sephiroth, e da vida em geral, é simbolicamente chamado de Equilíbrio (מ‎ת‎ק‎ל‎א‎), porque os dois sexos opostos, são comparados com as duas escalas opostas, e a Sephirah que une é comparada com o feixe que une as escalas, e indica seu equilíbrio.
Antes de entrarmos em mais detalhes sobre a natureza, operação e classificação das Sephiroth, daremos as especulações do Zohar sobre o Ser Supremo, e seu relato da origem das Sephiroth, e sua relação com a Deidade.
O Profeta Elias teria aprendido no colégio celestial o profundo mistério e o verdadeiro significado das palavras em Is 40,25-26: "'Vocês por acaso, podem me comparar com alguém que se pareça de verdade comigo?' - pergunta o Santo. Ergam os olhos para o céu e observem: quem (מִי - mi) criou tudo isso (אֵ֔לֶּה - Eloah)?'", e revelado a Simon b. Jochai que Deus em sua Natureza Absoluta é desconhecido e incompreensível e, portanto, em certo sentido, inexistente; que este Quem (o Eloah, אלה, sujeito desconhecido) teve que se tornar ativo e criativo, para demonstrar sua existência, e que é somente por meio dessas (Eloah) obras de criação que Ele se deu a conhecer a nós. É, portanto, a combinação do Quem (mi - מי) desconhecido com essas obras visíveis (Eloah) que O mostrou ser Deus (Elohim - אלהים, que é produzido pelo מ [m] transposto, ou seja, ים [im], e unido a Eloah). Ou, como está na linguagem da Cabalá;
“Antes de dar qualquer forma a este mundo, antes de produzir qualquer forma, Ele estava sozinho, sem forma e sem semelhança com qualquer outra coisa. Quem então pode compreendê-Lo como Ele era antes da criação, visto que Ele era sem forma? Por isso é proibido representá-Lo por qualquer forma, semelhança, ou mesmo pelo seu Sagrado nome, por uma única letra ou por um único ponto; e a isso as palavras ‘No dia em que o Senhor (Yahweh - יְהוָ֧ה), vosso Deus, vos falou do seio do fogo em Horeb, não vistes figura (תְּמוּנָ֔ה - Temurah) alguma.’ (Dt 4,15) – isto é, não vistes nada que pudesse representar por qualquer forma ou semelhança. Mas depois que Ele criou a forma do Homem Celestial (ה‎א‎ל‎ע‎ ם‎ד‎א‎), Ele a usou como uma Carruagem (מרכבה - Merkabah) para descer, e deseja ser chamado por esta forma, que é o nome Sagrado Yahweh. Ele deseja ser conhecido pelos seus atributos, e cada atributo separadamente; e, portanto, ele mesmo foi chamado de Deus da Misericórdia, o Deus da Justiça, Todo-Poderoso, Deus dos Exércitos e Ser. Ele deseja assim tornar conhecida a Sua natureza e que vejamos como a sua misericórdia e compaixão se estendem tanto ao mundo como a todas as operações. Pois se Ele não tivesse derramado sua luz sobre todas as suas criaturas, como poderíamos tê-lo conhecido? Como poderiam ser cumpridas as palavras: 'A terra inteira proclama a sua Glória!' (Is 6,3)?
Ai daquele que O compara com Seus próprios atributos! ou pior ainda, com o filho do homem cujo fundamento está no pó, que desaparece e não existe mais! Conseqüentemente, a forma como O delineamos simplesmente descreve cada vez Seu domínio sobre um determinado atributo, ou sobre as criaturas em geral. Não podemos compreender mais de Sua natureza do que o atributo expressa. Conseqüentemente, quando Ele é despojado de todas essas coisas, Ele não tem nenhum atributo, nem qualquer semelhança ou forma.
A forma em que Ele é geralmente representado deve ser comparada a um mar muito extenso; pois as águas do mar não têm limite nem forma, e só quando se espalham pela terra é que assumem forma. Podemos agora fazer o seguinte cálculo: a fonte da água do mar e a corrente de água que dela procede para se espalhar são duas.
Forma-se então um grande reservatório, como se uma enorme depressão tivesse sido cavada; este reservatório é chamado de mar e é o terceiro. O abismo insondável divide-se em sete riachos, assemelhando-se a sete longos vasos. A nascente, o riacho, o mar e os sete riachos juntos formam dez. E quando o mestre quebra os vasos que Ele fez, as águas voltam para a fonte, e só ficam os pedaços desses vasos, secos e sem água.
É desta forma que a Causa das Causas deu origem às dez Sephiroth. A Coroa é a fonte da qual jorra uma luz infinita: daí o nome Ayn Soph (infinito), pelo qual a causa mais elevada é designada: pois então tinha nem forma nem figura, e não há nenhum meio pelo qual compreendê-lo, nem um modo pelo qual conhecê-lo. Por isso está escrito: ‘Não procures o que é elevado demais para ti; não procures penetrar o que está acima de ti.’ (Eclo III,21)
Ele então fez um vaso, tão pequeno quanto uma ponta, como a letra Yod (י‎); que é preenchido a partir desta fonte (ou seja, o Ayn-Soph). Esta é a fonte de Sabedoria, a própria Sabedoria (Chokhmah), após a qual a Causa Suprema é chamada de ‘Deus Sábio’. Sobre isso Ele fez um grande vaso como um mar, que é chamado de Inteligência (Binah): daí o nome ‘Deus Inteligente’.
Ele é Sábio e Inteligente em sua própria essência; considerando que a Sabedoria em si não pode reivindicar esse título, mas apenas através daquele que é Sábio e a encheu de sua fonte; assim como a inteligência não é compreendida por si mesma, mas através Daquele que é Inteligente e a preenche com Sua própria substância. Deus precisa apenas se retirar e isso secará. Este é também o significado das palavras 'As águas podem faltar nos lagos, o rio pode secar e sumir' (Jó 14,11).
Finalmente, 'Ele estenderá a mão sobre o rio e o dividirá em sete braços' (Is 11,15), isto é, Ele o dirige em sete vasos preciosos, aos quais chama Grandeza, Força, Glória, Vitória, Majestade, Fundação, Soberania; em cada um ele se designa assim: grande em Grandeza, forte em Força, glorioso em Glória, vitorioso em Vitória, 'a beleza do nosso Criador' em Majestade, justo em Fundação (cf. Pr 10,25). Todas as coisas, todos os vasos e todos os mundos Ele sustenta na Fundação. No último atributo, a Soberania, Ele se autodenomina Rei, e a Ele pertencem 'a grandeza, o poder, a honra, a majestade e a glória, porque tudo que está no céu e na terra lhe pertence. A Ele, a realeza, porque é soberanamente elevado acima de todas as coisas.' (1Cr 29,11)."
- "Zohar", Bo 15, 42a-43a.
Em outro lugar, novamente a mesma autoridade dá a seguinte descrição da Deidade e da emanação das Sephiroth:
"O Ancião dos anciões (עַתִּיקָא דְּכָל), o Desconhecido do Desconhecido, tem forma e ainda assim não tem forma. Ele tem uma forma pela qual o universo é preservado, mas não tem forma, porque não pode ser compreendido.
Quando Ele assumiu pela primeira vez a forma (da primeira Sephirah), Ele fez com que nove luzes esplêndidas emanassem dela, as quais, brilhando através dela, difundiram uma luz brilhante em todas as direções. Imagine uma luz elevada emitindo seus raios em todas as direções. Agora, se nos aproximarmos dela para examinar os raios, não compreenderemos mais do que eles emanam da referida luz. Assim é Atika Kadisha, uma luz absoluta, mas em si mesmo oculta e incompreensível, exceto através das luzes que se espalham Dele. Só podemos compreendê-lo através daquelas emanações luminosas que também são parcialmente visíveis e parcialmente ocultas. Estes constituem o nome Sagrado de Deus."
- "Zohar", III, "Idra Zuta", 2, 288a.
Quatro coisas devem ainda ser lembradas em relação às Sephiroth;
I. Que elas não foram criadas, mas emanadas do Ayn-Soph; a diferença entre criação e emanação é que na primeira ocorre uma diminuição da força, enquanto na última este não é o caso.
“Comentário sobre as dez Sephiroth”, 2b; 4a.
II. Que elas formam entre si, e com o Ayn Soph, uma unidade estrita, e simplesmente representam diferentes aspectos de um mesmo ser, assim como os diferentes raios que procedem da luz, e que parecem coisas diferentes aos olhos, formam apenas diferentes manifestações de uma mesma luz.
III. Que uma vez que elas simplesmente diferem umas das outras como as diferentes cores da mesma luz, todas as dez emanações participam igualmente das perfeições do Ayn Soph;
IV. Que, como emanações do Infinito, as Sephiroth são infinitas e perfeitas como o Ayn-Soph, e ainda assim constituem as primeiras coisas finitas e imperfeitas.
(Citação)
Em sua totalidade e unidade, essas dez Sephiroth não são apenas denominadas Mundo das Sephiroth (עולם ה‎ספירות - "Olam Ha-Sephiroth") e Mundo das Emanações (עולם אצילות - "Olam Atzilut"), mas representam e são chamadas de Homem Primordial ou Arquetípico e de Homem Celestial. Na figura, a Coroa (Kether) é a cabeça; Sabedoria (Chokhmah), o cérebro; e a Inteligência (Binah), que une os dois e produz a primeira tríade, é o coração ou o entendimento formando assim a cabeça. A quarta e a quinta Sephiroth, isto é, Misericórdia (Chesed) e Justiça (Geburah), são os dois braços do Senhor, o primeiro o braço direito e o último o esquerdo, um distribuindo a vida e o outro a morte. E a sexta Sephirah, a Beleza (Tiphereth), que une esses dois opostos e produz a segunda tríade, é o peito; enquanto a sétima e a oitava Sephiroth, isto é, Firmeza (Netzach) e Esplendor (Hod), da terceira tríade, são as duas pernas; e Fundação (Yesod), a nona Sephirah, representa os órgãos genitais, pois denota a base e a fonte de todas as coisas. Assim é dito;
“Cada coisa retornará à sua origem tal como dela procedeu. Toda a medula, toda a seiva e todo o poder estão reunidos neste local. Portanto, todos os poderes que existem originam-se através dos órgãos genitais”.
- "Zohar" III, 296a
Reino (Malkuth), a décima Sephirah, representa a harmonia de todo o Homem Arquetípico.
(imagem de Adam Kadmon e as Sephiroth)
Foi esta forma que o Profeta Ezequiel viu na carruagem misteriosa, e da qual o homem terreno é uma cópia tênue. Além disso, essas Sephiroth, como já observamos, criaram o mundo e todas as coisas nele contidas de acordo com seu próprio arquétipo ou à semelhança e semelhança do Homem Celestial ou do Mundo das Emanações. Mas, antes de propormos a doutrina cabalística da criação do mundo, é necessário descrever um segundo modo em que a tríade de tríades nas Sephiroth é representada, e mencionar as denominações e ofícios das respectivas tríades.
Considerando as Dez Sephiroth entre si e relativamente ao lugar que lhes foi atribuído:
Ambas as abordagens teosófica e teológica são igualmente evidentes na especulação cabalística sobre as Sephiroth em geral e a sua relação com o Emanador em particular. Por outro lado, quando se trata do desenvolvimento sequencial das Sephiroth e da função individual de cada uma, especialmente a partir da segunda Sephirah, um forte elemento mítico começa a predominar.
Os cabalistas enfatizaram continuamente a natureza subjetiva de suas descrições: “tudo é na perspectiva de quem recebe” (Ma'arekhet Ha-Elohut);
"tudo isso é dito apenas do nosso ponto de vista, e é tudo relativo ao nosso conhecimento"
(Zohar 2:176a).
No entanto, isso não os impediu de se entregarem às descrições mais detalhadas, como se estivessem falando, afinal, de uma realidade real e de ocorrências objetivas. O movimento progressivo da vida oculta de Deus, que se expressa numa forma estrutural particular, estabeleceu o ritmo para o desenvolvimento dos mundos criados fora do mundo da emanação, de modo que estas primeiras estruturas mais íntimas recorrem em todos os domínios secundários.
Portanto, há uma justificativa básica para um sistema simbólico único e abrangente. Uma realidade interior que desafia qualquer caracterização ou descrição porque está além da nossa percepção só pode ser expressa simbolicamente. As palavras da Lei Escrita e da Lei Oral não descrevem apenas questões e eventos mundanos, situados na história e preocupados com as relações entre Israel e seu Deus, mas também, quando interpretadas misticamente, falam da interação entre o Emanador e o Emanado, entre as diferentes Sephiroth, e entre as Sephiroth e as atividades dos homens através da Torá e da Oração. O que no sentido literal é chamado de relato da Criação é na verdade uma alusão mística ao processo que ocorre dentro do próprio Nundo da Emanação e, portanto, só pode ser expresso simbolicamente. De um modo geral, tal simbolismo interessou aos cabalistas muito mais do que toda a especulação teórica sobre a natureza das Sephiroth, e a maior parte da literatura cabalística trata deste aspecto e da sua aplicação detalhada. A maioria dos comentários à Torá, aos Salmos e a aggadot, bem como a volumosa literatura sobre as razões dos Mandamentos (Ta'amei ha-Mitzvot), baseiam-se nesta abordagem. Como observado acima; no entanto, nada desse simbolismo tem qualquer relação com Ayn-Soph, embora houvesse, no entanto, cabalistas que atribuíssem a estes últimos expressões específicas nas Escrituras ou no Sepher Yetzirah.
Divisão
Embora as Sephiroth sejam emanadas sucessivamente de cima para baixo, cada uma revelando uma etapa adicional no processo Divino, elas também possuem uma estrutura formalizada. Três desses agrupamentos são mais comumente encontrados. Na sua totalidade, as Sephiroth constituem a "árvore da emanação" ou "a árvore das Sephiroth", que a partir do século XIV é representada por um diagrama detalhado que lista os símbolos básicos apropriados para cada Sephirah. A Árvore Cósmica cresce para baixo a partir de sua raiz, a primeira Sephirah, e se espalha através daquelas Sephiroth que constituem seu tronco até aquelas que constituem seus ramos principais ou coroa. Esta imagem é encontrada pela primeira vez no Sepher ha-Bahir:
"Todos os Poderes Divinos do Santo, Bendito seja Ele, repousam uns sobre os outros e são como uma Árvore."
Contudo, no Bahir a Árvore começa a crescer ao ser regada com as águas da Sabedoria e, aparentemente, inclui apenas aquelas Sephiroth de Binah para baixo. Ao lado desta imagem temos a imagem mais comum das Sephiroth na forma de um homem. Enquanto a Árvore cresce com o topo para baixo, esta forma humana tem a cabeça corretamente no topo e é ocasionalmente chamada de "árvore invertida". As primeiras Sephiroth representam a Cabeça e, no Zohar, as três cavidades do cérebro; a quarta e a quinta, os braços; a sexta, o tronco; a sétima e a oitava, as pernas; o nono, o órgão sexual; e a décima refere-se à totalidade abrangente da imagem ou (como no Bahir) à mulher como companheira do homem, uma vez que ambos juntos são necessários para constituir um homem perfeito. Na literatura cabalística este simbolismo do Homem Primitivo em todos os seus detalhes é chamado Shi'ur Komah.
(imagem)
Organização Horizontal
No modelo da hierarquia neoplatônica, segundo a qual a transição do um para os muitos se realizava através dos estágios do intelecto, alma universal e natureza, muitos cabalistas, Azriel em particular, pensavam nas Sephiroth como também compreendendo esses estágios (embora ainda permanecessem dentro do domínio da Divindade).
Na direção Horizontal, as três Sephiroth Supremas (Kether, Chokhmah e Binah) são puramente intelectuais ou metafísicas. Elas expressam, como dito anteriormente, a identidade absoluta do Ser e do pensamento, e formam o que os Cabalistas modernos chamam de “Mundo Inteligível” (Olam Muskal‎‎ [עו‎ל‎ם‎ מ‎ו‎ש‎כל‎‎] ou Olam Hasekel [עו‎ל‎ם‎ ה‎‎ש‎כל‎‎] como Azriel [l.c. pág. 3b] o chama, correspondendo ao Cosmos Noético [κόσμος νοητός] dos neoplatônicos).
As próximas três Sephiroth (Chesed, Geburah e Tiphereth) têm caráter moral. Por um lado, concebem Deus como a identidade da bondade e da sabedoria; por outro lado, nos dizem que a fonte da beleza e da magnificência está na bondade, ou melhor, no bem supremo. Por isso foram chamadas de “Mundo Sensível” (Olam Mulgash [עו‎ל‎ם‎ מ‎ו‎ר‎ג‎ש‎], e que Azriel chama de "mundo da alma") no sentido mais elevado da palavra.
Finalmente, a última destas tríades (Netzach, Hod e Yesod), a que está acima de Malkuth, ensina que a Província Universal, o Arquiteto Supremo, é também a Força Absoluta, a Causa Todo-Poderosa, e que esta Causa é ao mesmo tempo o elemento gerador de tudo o que existe. Estas últimas Sephiroth constituem o “Mundo Natural” (Olam HaMutbá [עו‎ל‎ם‎ ה‎מ‎ו‎ט‎ב‎ע‎] ou, como em Azriel [lc], Olam HaGuf [עו‎ל‎ם‎ ה‎ג‎ו‎ף‎], e na terminologia de Spinoza "natura naturata"), ou a natureza em sua essência e princípio.
Como e em que termos esses diferentes aspectos são reconduzidos à unidade e, conseqüentemente, a uma tríade de tríades, o Zohar diz:
"Para compreender uma unidade sagrada, examine a chama que sobe de uma lareira ou de uma lâmpada acesa. Vemos inicialmente dois tipos de luz, uma branca brilhante e outra preta ou azul. A luz branca está acima e sobe em linha reta, a luz preta ou azul está abaixo e parece ser a fonte do branco; no entanto, as duas luzes estão tão intimamente unidas que formam uma única chama. Mas a fonte formada pela luz azul ou preta está, por sua vez, ligada ao pavio abaixo dela. A luz branca nunca muda, permanece sempre branca; mas vários tons são distinguíveis na luz mais baixa. Além disso, a luz inferior se move em duas direções opostas; acima, está ligado à luz branca, e abaixo, está ligado à matéria ardente; esta matéria se consome continuamente e sobe em direção à luz superior. É assim que tudo o que existe se reúne com a unidade."
- "Zohar", "Bereshit".
Aparentemente, pretendia-se que estes três estágios fossem entendidos como as fontes dos reinos independentes do intelecto, da alma e da natureza, que foram totalmente ativados e desenvolvidos apenas num nível inferior
Como as Sephiroth foram concebidas como a manifestação progressiva dos Nomes de Deus, foi estabelecido um conjunto de equivalências entre estes últimos e os nomes das Sephiroth:
(imagem dos Nomes)
De acordo com a Cabalá estes são “os dez Nomes que não devem ser apagados”, sete dos quais são mencionados no Talmud(Shevu'ot, 35a), e comparados com eles todos os outros Nomes são meros epítetos. O Zohar designa Shaddai como o nome particularmente relacionado à Sephirah Yesod, enquanto José Gikatilla associa esta Sephirah à El Chai.
A divisão das Sephiroth também foi determinada por outros critérios. Às vezes elas eram divididos em cinco e cinco, ou seja, as cinco Sephiroth superiores correspondendo às cinco inferiores, sendo mantido um equilíbrio igual entre o oculto e o revelado. Com base na afirmação do Pirke de R. Eliezer “com dez ditos o mundo foi criado, e eles foram resumidos em três”, eles também foram divididos em sete e três. Neste caso houve uma diferenciação entre três Sephiroth ocultas e “as sete Sephiroth da edificação”, que também são os sete dias primordiais da criação. Seis delas também foram equiparados aos seis lados do espaço no Sepher Yetzirah. Como esses seis foram complementados por um sétimo nunca foi estabelecido de forma decisiva. Alguns pensavam que o sétimo era o palácio sagrado que ficava no centro, como no Sepher Yetzirah. Outros consideraram que era representado pelo Pensamento Divino, enquanto para outros era um sábado simbólico. A correlação das “Sephiroth da Edificação” com os dias da criação tornou-se extremamente complexa. Muitos cabalistas, incluindo o autor da maior parte do Zohar, não conseguiam concordar com a associação automática de cada Sephirah com um dia específico, e consideravam a criação, que do ponto de vista místico era a conclusão da "construção" da emanação, como já tendo sido concluído no quarto dia. Eles ficaram particularmente perplexos com o problema do sábado, que muitos interpretaram como um símbolo de Yesod, uma vez que era paralelo ao sétimo lugar original desta Sephirah, enquanto muitos outros viam nele uma alusão à última Sephirah, especialmente desde que os poderes vieram para um fim aí. Assim como cada dia realizava um ato específico para Ele, exceto o sétimo, cada Sephirah realizava suas próprias atividades específicas pelas quais era caracterizada, exceto a última Sephirah, que não tinha tal força ativa, mas compreendia a totalidade de todas as Sephiroth ou o princípio específico que recebeu e uniu as forças ativas sem acrescentar nada de particular. Pelo contrário, é a ausência de atividade e a função da décima Sephirah como uma entidade todo-inclusiva que constitui a sua singularidade. A divisão das Sephiroth em três linhas ou colunas foi especialmente importante:
Organização Vertical
Encontramos, na direção vertical, as três Sephiroth masculinas à direita (Chokhmah, Chesed e Netzach), representando o princípio da Misericórdia, são chamadas de Pilar da Misericórdia; as três femininas da esquerda (Binah, Geburah e Hod), representando o princípio do rigor, são denominadas Pilar do Juízo; enquanto as quatro Sephiroth no centro (Kether, Tiphereth, Yesod e Malkuth) representando a suavidade, são chamadas de Pilar do Meio ("Kav emzai"). Os Pilares aqui são identificados com os Pilares que estavam na entrada do Templo de Salomão; a da Direita com a coluna chamada Jakin; a Esquerda, com aquela chamada Boaz; o Centro, a Harmonia, com o Templo. Sendo o Templo um Microcosmo, o Rei Salomão colocou os dois primeiros pilares diante do seu Templo para simbolizar os princípios opostos através dos quais, harmonizados, o Cosmos existe.
Todos esses agrupamentos atestam a crença dos cabalistas de que havia uma estrutura definida para as Sephiroth, não importa quão grandes possam ter sido as possibilidades de variação. Em contraste com todos eles, há ainda outro arranjo que apresenta as Sephiroth como arcos adjacentes de um único círculo circundando o Emanador central, ou como dez esferas concêntricas (chamadas "círculos") com o poder de emanação diminuindo à medida que se afasta do Centro. Este último conceito está relacionado com a imagem cosmológica medieval de um universo de dez esferas, que poderia ser imaginado em termos da rotação externa destes círculos espirituais. O conceito circular surge especialmente a partir do século XIV.
(Pseudo­ Rabad ao Sepher Yetzirah, 1 , 2)
Na Cabala Luriânica, cada um desses arranjos diagramáticos, circulares ou lineares, recebe um lugar específico no plano de emanação.
(Cinco Partzufim?)
Esses três aspectos supracitados nos quais o Ayn Soph se manifestou são chamados de Partzufim ("rostos" [פרצופים], plural de Partzuf [פרצוף], "rosto"). No arranjo desta trindade de tríades, de modo a produzir o que é chamado de árvore Cabalística, denominada Árvore da Vida, horizontalmente a primeira tríade é colocada acima, e a segunda e a terceira são colocadas abaixo, de modo que, na vertical, as três Sephiroth masculinas estejam também à direita, as três femininas à esquerda, enquanto as quatro Sephiroth unificadoras ocupem o centro. Como as tríades anteriores, cada rosto é representado por três termos, cada um dos quais já foi representado como a manifestação mais elevada de uma das tríades inferiores. Kether, Tiphereth e Malkuth. Kether, a Coroa, representa os atributos Metafísicos; Tiphereth, a Beleza, o atributo moral; Malkuth, o Reino, os atributos inferiores. O que se entende por "Coroa"? É a substância, o Ser Único e Absoluto. O que é a "Beleza"? É, diz expressamente o Idra Zuta, “a expressão mais elevada da vida moral e da perfeição moral”. Como emanação da Inteligência e da Misericórdia, é frequentemente comparado ao Oriente, ao Sol cuja luz é refletida igualmente por todos os objetos terrestres e sem o qual todos retornariam às trevas; em uma palavra, é o ideal. Finalmente, o que é o "Reino"? É a ação permanente e imanente de todas as Sephiroth combinadas, a Presença real de Deus na Criação.
Malkuth representa o Concreto e é a energia e o poder executivo da Mãe Superior - Binah, o Intelecto Abstrato. Esta ideia é plenamente expressa pela palavra Shekinah (a Glória que pairou sobre a Arca da Aliança, a Mulher ou reflexo de Zeir Anpin, e o Espírito Criador), que é um dos nomes de Malkuth. Os verdadeiros termos desta tríade são, portanto o Absoluto, o Ideal e a Face Imanente; ou então Substância, Pensamento e Vida; isto é, a união do pensamento com o objeto. Constituem o que se chama “Coluna do Meio” (porque em todas as figuras habitualmente utilizadas para representar as Sephiroth, são colocadas no centro, umas sobre as outras, na forma de uma linha ou coluna vertical). Como seria de esperar, estes três termos também se tornam “rostos” ou manifestações simbólicas. A Coroa não muda de nome; é sempre o Rosto Comprido (Arich Anpin - אריך אנפין), o Ancião dos Dias, o Atika Kadisha. A Beleza é o Rei Santo (מלכ‎א‎ ק‎ד‎י‎ש‎א‎) ou simplesmente o Rei (מלכ‎א‎); e a Shekinah, a presença Divina nas coisas, é a Matrona (מט‎ר‎ו‎נ‎י‎ת‎א‎), ou Rainha, também é chamada de Noiva (Nukva) do Cônjuge. Ela representa o Sábado ou 7º dia, o encerramento da Construção do Universo, o Dia de Descanso ou Harmonia de Todos.
Se a Beleza é comparada ao sol, a Matrona é comparada à lua, porque a lua toma emprestada toda a luz pela qual brilha de um lugar mais alto, apenas um grau acima dela. Em outras palavras, a existência real é apenas um reflexo ou imagem da beleza ideal. Matrona é chamada de Eva porque, diz o texto, “Eva é a mãe de todas as coisas, e tudo o que existe aqui abaixo amamenta em seu peito e é abençoado por meio dela”. O Rei e a Rainha, comumente chamados de “duas faces”, juntos formam um par cuja tarefa é constantemente derramar novos favores sobre o mundo e, através de sua união, continuar, ou melhor, perpetuar, o trabalho da Criação. Mas o amor mútuo que os impele a cultivar a criação move-se em dois sentidos e, conseqüentemente, produz duas espécies de frutos.
O Zohar fala frequentemente desta tríade, um resumo das outras três, e compara-a a uma árvore, da qual o Ayn-Soph seria a seiva e a vida. O todo finalmente se reúne, como os membros de um mesmo corpo. Assim constituído na sua forma superior e transcendente, na sua manifestação mais sublime, no Adão celeste ou no Adam Kadmon, Deus domina a Merkabah ou a Carruagem Celestial, de que fala Ezequiel.
32 Caminhos (?)
Como mostrado na seguinte reprodução do diagrama feito pelo Pe. Athanasius Kircher em seu Œdipus Ægyptiacus, de 1652:
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Como vimos anteriormente, de acordo com o Zohar, é em razão da tríplicidade de Atika Kadisha, cada Sephirah que compõe esta trindade de tríades é, por assim dizer, uma trindade em si; I. Tem seu próprio caráter absoluto; II. Recebe de cima; e III. Ela se comunica com a que está abaixo dele.
Dentro desta trindade, em cada unidade e trindade de tríades, há uma trindade de unidades, que deve ser explicada antes de podermos propor a visão cabalística da cosmogonia.
(...)
"O RELÂMPAGO
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A estrutura da árvore da vida é baseada em emanações que fluem da Primeira Coroa. Após o ímpeto inicial da criação, uma sequência se desdobra a partir da primeira Sephirah (ou envoltório) através de oito estágios para se dissolver na décima Sephirah, conhecida como Malkuth, ou o Reino, na parte inferior da coluna central.
Esse primeiro desenvolvimento deve ser semelhante a uma oitava musical, do dó ao dó, cada nota preenchendo uma função peculiar, como as emanações intermediárias entre energia e matéria, como o que foi expresso pelas colunas da direita e da esquerda da árvore da vida.
Essa progressão é conhecida como o relâmpago, o qual ziguezagueia árvore abaixo. Começando por Kether — a Coroa, ele flui para Chokhmah — Sabedoria, onde se manifesta com uma dinâmica potente no alto da coluna encimada por Abba, o Pai cósmico, o princípio masculino. Ele então atravessa o Binah — compreensão, o qual, como Aima, a Mãe cósmica, encima a coluna feminina. As colunas passiva e ativa são também chamadas os Pilares da Severidade e da Misericórdia, sendo a última masculina. Aqui, a Trindade da criação começa a funcionar, como a energia Divina, fora de seu perfeito equilíbrio, tenta encontrar seu nível e se dissolve novamente. O fluxo das emanações, não reduzido em sua natureza essencial, embora transformado em outra ordem, atravessa a coluna central de equilíbrio e passa para a Sephirah Chesed, ou Misericórdia. Aqui o poder, tendo sido recebido na coluna ativa novamente, assume a qualidade dinâmica e expansiva desse estágio, antes de evolar para Geburah, ou julgamento, na quinta estação. Aqui a força é testada, calculada e ajustada, antes de ser transmitida para Tipheret, a Sephirah vital, no Pilar médio da árvore. Nesse momento há um ponto crítico de equilíbrio. Tipheret, ou Beleza, tem uma relação especial com Kether, a Coroa, pela conexão com o eixo da coluna central. A única coisa que separa Tipheret de Kether, a Coroa, é uma Sephirah invisível conhecida como Daat (דעת), ou conhecimento, que atua apenas em condições particulares. Em Tipheret uma imagem é mantida, um espelho de Kether, porém operando em pequena escala. As emanações são passadas então à ativa Sephirah Netzach, ou Eternidade. Esse é o ponto onde as funções ativas repetem-se continuamente para manter o nível de energia. Desse transformador a emanação atravessa o Hod — o esplendor. Isso pode também ser traduzido da raiz hebraica como reverberação, o que é talvez uma melhor descrição da função de Hod, cujo trabalho é colher e passar a informação. A partir daí a emanação toca novamente a coluna central e se concentra em Yesod, ou a fundação. Aqui eles são novamente refletidos, mas obscuramente, um reflexo de um reflexo, embora ainda bastante fortes para produzirem intensas projeções — mas apenas projeções. Diretamente abaixo, a última Sephirah, Malkuth — o Reino. Ali estão acumuladas todas as energias, ativas e passivas, e todo o processo recebido das Sephiroth superior. Esse é o dó solucionado da oitava completa.
As Sephiroth na árvore devem ser encaradas como um sistema de funções num circuito através do qual flui a corrente Divina. Cada função cria não apenas um fenômeno mas transforma todos os subcircuitos adjacentes. Todas as Sephiroth podem mudar a direção do fluxo, criando variados campos e ações. A força pode ser dirigida para cima e para baixo em todas Sephiroth e com isso modificar os eventos, enquanto a corrente retorna ao curso, através da terra de Malkuth.
Um exemplo do relâmpago passando através da árvore pode ser encontrado no processo de escrever um livro. Kether é a Coroa, o Princípio criativo. A idéia é concebida em Chokhmah. Como uma visão, ela pode ser muito poderosa, a semente de um grande romance, mas em Chokhmah é meramente uma idéia, poderosa mas informe. Por um longo período ela começará a ser formulada em Binah. Será melhor como uma peça ou como um filme? Talvez melhor como um conto, curto e objetivo? O tempo e o princípio da receptiva e alta Sephirah de Binah dão-lhe forma de livro, digamos, de tamanho médio, dedicado a uma situação particular, no qual certos personagens serão incluídos. Nesse estágio ele pode permanecer por alguns anos, na mente do escritor, o qual talvez nunca chegue a escrevê-lo. Mas um dia ele ganha corpo, numa entidade definida. E Daat, conhecimento. Daí em diante será um processo completamente novo, chamado por alguns escritores de “bolação”. Ao período de incubação segue-se o Chesédico, ou de gestação, com características de crescimento e expansão. As situações se desenvolvem, fragmentos de diálogos aparecem na consciência do escritor, personagens começam a se desenvolver, toda a história começa a se completar e fazer sentido. Nesse ponto Chesed da operação é que o escritor atira-se ao trabalho ou perde, por pura dissipação mental, idéias que borbulham dentro dele. Ele começa a escrever um esboço, organizando as forças criativas presentes em seu espírito. Contudo, ele precisa julgar e orientar (função de Geburah) o material que Chesed lhe fornece, uma vez que ele é quase excessivo. Aos poucos, o livro começa a ganhar forma; a essência, ou Tipheret, começa a se manifestar. Talvez seja o mais importante trabalho de sua época, a destilação da experiência de toda uma vida, talvez se trate apenas de um humilde livro didático, mas seja como for ele trará sua própria marca registrada, sua qualidade particular. E assim que nós distinguimos um Tolstoi de um Hemingway. Em Tipheret, a síntese da forma e da energia está centrada na coluna do meio, e aqui está a razão pela qual essa Sephirah é conhecida como Beleza. De qualquer maneira, a esta altura o livro ainda não estará visível, estando ainda em grande parte na mente do escritor. Ele tem ainda que compô-lo em seu todo, ou a obra será mais uma obra-prima não escrita. Netzach, ou Eternidade, cumprirá essa parte da tarefa. As forças vitais do corpo, controladas por Hod, os processos voluntários, farão com que a pena se mova sobre o papel. Netzach sabe sua tarefa instintivamente, enquanto Hod, treinado com reflexos mentais e físicos, enfoca os conhecimentos adquiridos, ou a linguagem, no que serão sentenças compreensíveis. Yesod, ou a fundação, que é um amálgama de tudo o que já passou, organiza a operação de um modo bem pessoal, retendo o que já foi escrito e mantendo uma memória do conjunto, para efeito de consulta e referência. Malkuth é o corpo e o livro em si, a verdadeira manifestação física no mundo. O Céu encontrou a Terra.
Nesse resumo demos uma noção do relâmpago, conforme ele é descrito na árvore da vida do homem. Todo o processo criador no universo segue o mesmo padrão, embora em termos de seu nível respectivo."
- Shimon HaLevi
"Agora responda-me, quando essas Sephiroth surgiram? Se você agora me responder que elas foram quase contemporâneas a criação do mundo, então pode-se contestar: Por que Ele planejou sua emanação naquele momento preciso e não em algum ponto anterior - isso não seria uma mudança da mente na Perfeição? E se você responder que elas são Sua Eternidade, então elas subsistiriam em Sua indiferenciação; e se fosse esse o caso, qual seria a diferença entre Deus e as Sephiroth?
Resposta: Algumas das Sephiroth existiam em potencial dentro de Ayn-Soph antes de se tornarem atualizadas, como a primeira Sephirah (Kether) que é igual a todas as outras. Houveram algumas que eram inteligíveis que foram então emanadas, como a segunda Sephirah (Chokhmah) da qual a Torá preexistente surgiu. Algumas foram percebidas e algumas foram inatas, como aquelas Sephiroth necessárias para este mundo e que foram emanadas quase simultaneamente com a criação do mundo.
E como na existência das duas primeiras Sephiroth os poderes ocultos e inteligíveis (das duas) estavam totalmente misturados, sua realidade nutria as outras (Sephiroth). Como os Sábios, que suas memórias sejam abençoadas, disseram: 'Poderia [o mundo] não ter sido criado com uma declaração?'".
- Azriel ben Menahem, "Questões sobre as dez Sephiroth" (em "The Early Kabbalah", Paulist Press, New York, 1986, página 93).
As dez Sephiroth podem ser usadas como símbolos para descrever grande e pequeno. Em diferentes tabelas de correspondência, as dez Sephiroth e os vinte e dois caminhos representam tudo, de pedras, plantas e cores, ao próprio Deus e princípios cósmicos. Nenhum cabalista afirmaria que o universo é construído exatamente como a Árvore da Vida; a Árvore da Vida é simplesmente um mapa, e ilustra a estrutura mais fundamental da existência, e como todos os mapas, é baseada em simplificações. Mas é um mapa muito brilhante para obter conhecimento sobre os mistérios do universo.
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tryingtofoundpeace · 8 months
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3. OS QUATRO MUNDOS.
(primeiro livro do shimon halevi que li, 8-12)
Tendo chegado à trindade mais elevada que compreende todas as Sephiroth, e que consiste na Coroa, no Rei e na Rainha, poderemos entrar na cosmogonia da Cabalá. Agora, não foi Ayn Soph quem criou o mundo diretamente, mas esta Tríade, conforme representada na combinação das Sephiroth; ou melhor, a criação surgiu da conjunção das emanações. O mundo nasceu da união do Rei e da Rainha coroados; ou, de acordo com a linguagem da Cabala, esses sexos opostos da realeza, que emanaram do Ayn Soph, produziram o universo à sua própria imagem. Dizem-nos que os mundos foram de fato criados antes que o Rei e a Rainha ou as Sephiroth dessem origem ao presente estado de coisas, mas não puderam continuar e necessariamente pereceram, porque o Ayn Soph ainda não havia assumido esta forma humana em sua forma humana completa, que não implica apenas uma natureza moral e intelectual, mas, como condições de desenvolvimento, procriação e continuidade, também compreende opostos sexuais. Esta criação, que abortou e foi sucedida pela presente ordem de coisas, é indicada em Gênesis 36,31-40.
Os reis de Edom, ou os antigos reis, como também são denominados, que aqui se diz terem reinado antes dos monarcas de Israel, e são mencionados como tendo morrido um após o outro, estão aqueles mundos primordiais que foram sucessivamente convulsionados e destruídos; enquanto os soberanos de Israel denotam o Rei e a Rainha que emanaram do Ayn Soph e que deram origem e perpetuaram o mundo atual. Assim o Zohar diz:
"Antes do Idoso dos Idosos, o Oculto dos Ocultos, expandiu-se na forma de Rei, a Coroa das Coroas (i.e. Kether), não houve começo nem fim. Ele talhou e incisou formas e figuras nela da seguinte maneira: – Ele estendeu diante de si uma capa e esculpiu nela reis (isto é, mundos), e demarcaram seus limites e formas, mas não conseguiram preservar-se. Portanto está escrito: ‘Estes são os reis que reinaram na terra de Edom, antes que os fi­lhos de Israel tivessem rei’ (Gn 36,31). Isto se refere aos reis primordiais e ao Israel primordial. Todos estes eram imperfeitos: ele, portanto, os removeu e os deixou desaparecer, até que finalmente desceu até esta cobertura e assumiu uma forma."- "Zohar", III, "Idra Rabba".
Esta importante noção de que os mundos foram criados e destruídos antes da presente criação é repetidamente reiterado no Sohar. A noção, entretanto, de que os mundos foram criados e destruídos antes da criação atual, foi proposta no Midrash muito antes da existência da Cabala. Assim, no versículo: "Deus contemplou toda a sua obra, e viu que tudo era muito bom." (Gn 1,21). R. Abahu interpreta;
"A partir disso vemos que o Santo, bendito seja, criou e destruiu sucessivamente diversos mundos antes de criar o mundo atual, e quando ele criou o mundo atual Ele disse, 'isso me agrada, os anteriores morreram não me agradam'."
- "Bereshith Rabba", Parasha IX.
Esses mundos são comparados a faíscas que saem de um ferro em brasa batido por um martelo e que se extinguem conforme a distância que se encontram da massa em chamas.
“Houve mundos antigos que pereceram assim que surgiram: eram sem forma e eram chamados de faíscas. Assim o ferreiro ao martelar o ferro, deixa voar faíscas em todas as direções. Essas centelhas são os mundos primordiais, que não poderiam continuar, porque o Santo Ancião ainda não havia assumido sua forma (de sexos opostos – o Rei e a Rainha), e o mestre ainda não estava trabalhando.”
- "Zohar", "Idra Zuta", 292 b.
Mas como nada pode ser aniquilado esses mundos não poderiam ser totalmente destruídos
“Nada perece neste mundo, nem mesmo o sopro que sai da boca, pois este, como tudo o mais, tem seu lugar e destino, e o Santo, bendito seja o seu nome! transforma isso a seu serviço"
- "Zohar", II, 110b.
Portanto, quando a pergunta é feita – “Por que esses mundos primordiais foram destruídos?” a resposta é dada – “Porque o Homem, representado pelas dez Sephiroth, ainda não existia. A forma humana contém tudo e como ainda não existia, os mundos foram destruídos.” Acrescenta-se:
“Ainda assim, quando se diz que eles pereceram, isso significa apenas que lhes faltou a forma verdadeira, até que a forma humana veio a existir, na qual todas as coisas estão compreendidas, e que também contém todas essas formas. Conseqüentemente, embora a Escritura atribua a morte aos reis de Edom, ela apenas denota um declínio de sua dignidade, ou seja, os mundos até então não respondiam à idéia Divina, uma vez que ainda não tinham a forma perfeita da qual eles eram capazes.”
- "Zohar", "Idra Rabba", 135 b.
Foi, portanto, após a destruição dos mundos anteriores, e depois que En Soph ou o Ilimitado assumiu a forma Sephirica, que o mundo atual foi criado.
“O Santo, bendito seja Ele, criou e destruiu vários mundos antes que o atual fosse feito, e quando esta última obra estava quase concluída, todas as coisas deste mundo, todas as criaturas do universo, em qualquer época que elas deveriam existir, antes mesmo de entrarem neste mundo, estavam presentes diante de Deus em sua verdadeira forma. Assim devem ser entendidas as palavras de Eclesiastes: ‘O que foi, será, e o que foi feito, será feito.’”
- "Zohar", III, 61b.
“O mundo inferior é feito segundo o padrão do mundo superior; tudo o que existe no mundo superior pode ser encontrado, por assim dizer, numa cópia na terra; ainda assim, o todo é um.”
- "Zohar", II, 20a.
Este mundo, no entanto, não é uma criação ex Nihilo, mas é simplesmente um produto imanente e a imagem do Rei e da Rainha, ou, em outras palavras, uma expansão ou evolução adicional das Sephiroth que são as emanações do En Soph. Isto é expresso no Zohar na seguinte passagem;
“O ponto indivisível [o Absoluto], que não tem limite e que não pode ser compreendido por causa de sua pureza e brilho, expandiu-se de fora e formou um brilho que serviu de cobertura ao ponto indivisível, mas também não poderia ser visto em conseqüência de sua luz incomensurável. Ela também se expandiu de fora, e essa expansão foi a sua vestimenta. Assim, tudo se originou através de uma agitação constante e, assim, finalmente, o mundo se originou.''
- "Zohar", I, 20a.
O universo, portanto, é uma emanação imanente das Sephiroth, e revela e torna visível o Ilimitado e o Oculto do Oculto. E embora exiba a Deidade em menos esplendor do que seus pais, as Sephiroth, porque está mais distante da fonte primordial de luz contudo, como é Deus manifestado, todas as formas múltiplas do mundo apontam a unidade que representam; e nada nele pode ser destruído, mas tudo deve retornar à fonte de onde emanou. Por isso é dito que “todas as coisas das quais este mundo consiste, tanto o espírito como o corpo, retornarão ao seu princípio, e à raiz de onde procederam” (“Zohar”, II, 218b).
“Ele é o começo e o fim de todos os graus da criação. Todos esses graus estão carimbados com seu selo, e ele não pode ser descrito de outra forma senão pela unidade. Ele é um, apesar das inúmeras formas que nele existem."
- "Zohar", I, 21a.
Agora, da conjunção do Rei e da Rainha (isto é, as dez Sephiroth), ou o Mundo da Emanação ou o Mundo Atzilútico, procederam três Mundos, enunciados respectivamente na sua ordem pelo Profeta Isaías:
"E todos os que são chamados pelo meu Nome; para minha Glória eu os criei (בְּרָאתִ֑יו - Briahtil), eu os formei (יְצַרְתִּ֖יו - Yetzirahtil), eu os fiz (עֲשִׂיתִֽיו - Assiahtil)."
Is 43,7
Ou como o Zohar descreve:
"Depois das Sephiroth, e para seu uso, Deus fez o Trono (ou seja, o Mundo da Criação), com quatro pernas e seis degraus, perfazendo assim dez (ou seja, a década de Sephiroth que cada mundo tem). . . . Para este Trono e seu serviço ele formou as dez hostes angélicas (isto é, o Mundo da Formação), Malachim, Arelim, Chajoth, Ophanim, Chashmalim, Elim, Elohim, Benei Elohim, Ishim e Seraphim, e para seu serviço, novamente, ele criou Samael e suas legiões (isto é, o Mundo da Ação), que são, por assim dizer, as nuvens sobre as quais os anjos cavalgam em sua descida à terra e servem, por assim dizer, para seus cavalos. Por isso está escrito: ' Eis que o Senhor, montado numa nuvem rápida, vem ao Egito.' (Is 19,1)"
- "Zohar", II, 43a.
Existem, portanto, quatro mundos, cada um dos quais possui um sistema Sephirico separado, consistindo de uma década de emanações.
I. O Mundo Atzilutico, chamado alternadamente de Mundo das Emanações, da Imagem e do Homem Celestial, que, em virtude de ser uma emanação direta de Deus e mais intimamente aliado à Deidade, é perfeito e imutável.
II. O Mundo Briático, chamado Mundo da Criação e do Trono, que é a emanação imediata do primeiro, e cujas dez Sephiroth, sendo mais distantes do En Soph, são de uma potência mais limitada e circunscrita, embora as substâncias que compreendem sejam da mais pura natureza e sem qualquer mistura de matéria.
III. O Mundo Yetzirático, chamado Mundo da Formação e Mundo dos Anjos, que procedeu do mundo anterior, e cujas dez Sephiroth, embora de uma substância ainda menos refinada que a anterior, porque mais distantes da fonte primordial, ainda estão sem matéria. É neste mundo angélico onde residem aqueles seres inteligentes e incorpóreos, que estão envoltos em uma vestimenta luminosa e que assumem uma forma sensual quando aparecem ao homem.
IV. O Mundo Assiático, chamado de Mundo da Ação e Mundo da Matéria, que emanou do mundo anterior, cujas dez Sephiroth são constituídas pelos elementos mais grosseiros de todos os três mundos anteriores, e que afundou em conseqüência de sua materialidade e peso. Suas substâncias consistem em matéria limitada pelo espaço e perceptível aos sentidos em uma multiplicidade de formas. Está sujeito a constantes mudanças, gerações e corrupções, e é a morada do Espírito Maligno.
Vale ainda notar que o Primeiro Mundo de fato não é Atzilut, mas o Adão Primordial (Adam Kadmon), embora este ainda não tenha se manifestado, representando a Luz Divina sem vasos e manifestação do Plano Divino específico para a existência, mas este é frequentemente excluído pela sua Transcendência.
"Mundos", são categorias de reinos espirituais na cadeia descendente da Existência. O conceito de "Mundos" denota a emanação da força vital criativa de Deus, através de inumeráveis ​​e progressivos tzimtzumim. São eles; A função dos mundos de cima �� governar o mundo sensível em que vivemos - ou seja, o Mundo de Assiah, ou da Ação e dos Elementos.
O mundo de Assiah é o último dos quatro níveis a se manifestar. É o mundo físico em que as atividades dos mundos superiores se desenvolvem na prática. A presença dos quatro mundos completos neste mundo pode ser representada pelos quatro elementos;
Fogo - Emanação.
Ar - processo espiritual da criação.
Água - fluxo da formação.
Terra - Existência física.
O nível que está mais abaixo é justamente aquele submetido ao maior número de leis e receptáculo de tudo que acontece nos outros. Todos os fenômenos são efeitos ou causas que atravessaram todos os níveis de existência.
Um pôr do sol, com seus elementos de matéria sólida, formas mutáveis, atmosfera e luz, possui dimensões Físicas, Psicológicas, Espirituais e Divinas.
(Shimon HaLevi... o livro mais recente, ilustração do livro + texto sobre os quatro mundos)
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tryingtofoundpeace · 8 months
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4. ADÃO PRIMITIVO
"Portanto, você deve saber que a Luz Celestial, elevada além da elevação sem limitação, que é chamada de Divindade Infinita [Ayn Soph], tem um nome que testifica que Ele não pode ser apreendido de nenhuma maneira, seja pelo pensamento ou pela deliberação. Ele é removido e separado de todos os pensamentos e precede todas as coisas emanadas, criadas, formadas e feitas. Ele não tem um começo ou origem temporal, pois Ele existe sempre e persiste por toda a eternidade. Ele não tem começo nem fim. Eis que da Divindade Infinita surgiu a grande luz que é chamada de Homem Primordial (Adam Kadmon), precedendo todos os seres emanados. Depois emanaram luzes que dependem do Homem Primordial ...
Existem aqueles que cercam seu corpo, aspectos das sete dimensões inferiores [Sephiroth] (…) Depois disso os Quatro Mundos: Atzilut, Briah, Yetzirah e Assiah (…) foram emanados."
- "Etz Chaim", shaar 1, anaf 1.
Às vezes o Zohar, recorrendo a outra imagem, compara as Sephiroth a vasos em forma de varizes que Ayn Soph enche, mas sem se cansar, porque os transborda, ou a copos, de tonalidades variadas, pelos quais ele passa e colore de maneira diferente, degradante, mas sem perder a brancura: esses vasos representam os limites da essência divina; estes óculos, os graus de obscuridade sob os quais o Ayn Soph vela o seu brilho para se deixar contemplar.
O Zohar, partindo desta ideia fundamental de que a forma humana é a forma perfeita, contendo todas as outras formas, e que consequentemente deve ser encontrada em Deus de forma supereminente, aceita o antropomorfismo. Ele chama Deus de Adão Celestial, Adam Kadmon, o primeiro princípio, modelo e tipo de tudo, o Macrocosmo. Ele localiza as Sephiroth em cada um de seus membros, aplicando-lhes a lei dos opostos e a lei sexual.
"Ao longo dos séculos, o Mundo Divino de Atziluth recebeu numerosos títulos e foi descrito de diferentes maneiras. Alguns rabinos viram-no como a Túnica de Luz com que Deus envolve a Divina Presença; alguns o simbolizaram como o Shem ha Meforash, “o muito especial Nome de Deus”, representado pelas quatro letras YHWH (יהוה‎). Foi chamado a Glória de Deus e em certo momento da história da Cabala, foi projetado na imagem de uma grande figura humana radiante chamada o Kavod (כבוד). Este Homem Divino aparece na visão do profeta Ezequiel, que viu os Quatro Mundos como a imagem de um homem (Atziluth) sentado num trono celestial (Briah) colocado sobre um carro (Yetzirah) o qual, por sua vez, avançava sobre a terra (Assiyah).
O primeiro Homem Atzilútico, inspirado (como cada um de nós) na configuração das dez Sephiroth, foi, pois, um Adão antes de que o Adão do Gênesis fôsse criado e formado; seu nome é Adam Kadmon (אדם קדמון - Adão Primitivo). É o primeiro dos quatro reflexos de Deus que se torna manifesto ao estender a existência a partir da Divindade até a Materialidade, antes de voltar a unir-se de novo no fim dos Tempos. Adam Kadmon contém tudo aquilo que é necessário para completar a tarefa da semelhança Divina. É ao mesmo tempo espelho e observador, e dentro de seu ser possui vontade, intelecto. emoção e capacidade de ação. Mas, acima de tudo, Adam Kadmon está consciente do Divino, embora no momento de sua inspiração, apenas tenha conhecimento inocente disto, assim com um peixe está inconsciente do mar onde vive. Apenas depois de uma descida através de todos os Mundos chegará a conhecer por experiência todos os aspectos da Divindade, percebendo em si mesmo e no universo a Face de Deus; seu reflexo, contudo, como o de qualquer espelho, é apenas uma imagem, nunca a realidade. O contato direto apenas se dá por meio da Graça, ou através da Conclusão do ciclo completo, em ambos os casos, através da Manifestação e voltando à sua origem através de Teshuvah, ou redenção.
A composição de Adão Kadmon se baseia nas Sephiroth. Enquanto a Árvore da Vida cresce para baixo a partir da Coroa, Adam Kadmon permanece de pé. Por cima de sua cabeça está Kether, a Coroa, enquanto as duas Sephiroth laterais da Sabedoria e do Entendimento, Chokhmah e Binah, estão relacionadas com seus dois hemisférios e sua garganta, pois é aí onde ele vê, ouve, cheira e fala. As Sephiroth do coração, Geburah e Chesed, a justiça e a misercórdia, estão colocadas à esquerda e à direita de seu peito; enquanto a Sephirah central, Tiphereth ou o eu, se situa sobre seu plexo solar. As duas Sefirot interiores, exteriores e funcionais, Hod e Netzach, estão associadas às pernas e o Yesod, o Fundamento generativo, aos órgãos genitais; Malkuth, o Reino, encontra-se a seus pés.
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Geralmente, embora nem sempre, é representado de costas, tal como Moisés viu a imagem Divina (Êxodo 33,20: “pois o homem não me poderia ver [a face] e continuar a viver"), de modo que os lados ativo e passivo encontram sua posição natural à direita e à esquerda do Pilar central da espinha dorsal.
Encontram se referências a esta enorme figura Divina em numerosos trabalhos cabalísticos antigos, e algumas pessoas que a levam ao pé da letra ficam receosas do detalhe do rosto, barbas e membros sugerindo a gigantesca estatura de Deus. Na realidade, o símbolo de Adam Kadmon, como muitos outros, não é mais do que uma analogia, forma metafórica, das leis expressas pela disposição dos Divinos Atributos."
(- Shimon HaLevi, primeiro livro)
Na Cabalá, antes do início da criação, tudo o que existia era a Luz Infinita de Deus. O primeiro estágio da criação começou quando Deus contraiu Sua Luz Infinita para criar o vácuo. Então um raio de Luz Divina penetrou no vácuo e a persona de Adam Kadmon foi projetada no vácuo.
(Passagem)
O primeiro estágio de Adam Kadmon estava na forma de dez círculos concêntricos (igulim), que emanavam do raio. O raio de luz foi então envolvido pela forma antropomórfica de Adam Kadmon (yosher), que é um reino de Luz Divina infinita sem vasos, limitado por seu potencial para criar a Existência futura.
(explicação do Igulim)
Adam Kadmon às vezes é referido como Adam Ila'a (aramaico: "homem superior") ou Adam Elyon (hebraico: "homem superior").
A alma de Adam HaRishon ("o primeiro homem", feito do Limo do Pó da Terra) era a essência suprema da humanidade. Ele continha em si todas as almas ("Nephesh"?) da Humanidade.
(citação)
No Midrash, ele às vezes é referido como Adam HaKadmoni ("o homem antigo"), Adam Tata'a (aramaico: "homem inferior") ou Adam Tachton (hebraico: "homem inferior").
(Citação)
O nome antropomórfico de Adam Kadmon denota que ele contém tanto o propósito Divino final para a criação, ou seja, a humanidade, quanto uma personificação das Sephiroth. As duas palavras que formam o nome Adam Kadmon aludem à sua natureza paradoxal de ser, por um lado, um ser "criado" - Adão, enquanto por outro lado uma manifestação da Divindade Primordial - Kadmon (primário). Por esta razão, Adam Kadmon é frequentemente visto como representando a Alma Arquetípica do Messias, a Yechidah geral de todas as almas de Israel, a "Coroa" última da Criação de Deus, o intermediário Divino que revela o Infinito Primordial a realidade finita criada.
Adam Kadmon precedeu a manifestação dos Quatro Mundos, Atziluth ("emanação"), Briah ("criação"), Yetzirah ("formação") e Assiah ("ação). Enquanto cada um dos Quatro Mundos é representado por uma letra do Divino nome de Deus, Adam Kadmon é representado pelas quatro letras hebraicas que soletram o Santo Nome de Javé (יהוה‎ - Yod, Hê, Vav, Hê) quando escrito no modo horizontal. Aqui elas são verticais e não apenas dão a impressão de uma figura humanóide, mas também revelam os três pilares da Árvore da Vida e os quatro Mundos que compõem a Existência. A cabeça ou Yod também é o número dez, enquanto o Vav central define o coração de Adam Kadmon, assim como os dois Hês estabelecem os membros.
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4.1. Fílon
("De Confusione Linguarum", xxviii.)
O primeiro a usar a expressão "homem original" ou "homem celestial" é Fílon, em cuja visão é o γενικός, ou ουράντος ἄνθρωπος.
"Como nascido à Imagem de Deus, não tem participação em nenhuma essência corruptível ou terrena; enquanto o homem terreno é feito de material solto, chamado de massa de barro"
("De Allegoriis Legum", I. xii.).
O Homem Celestial, como a imagem perfeita do Logos, não é nem homem nem mulher, mas uma inteligência incorpórea puramente uma ideia; enquanto o homem terreno, que foi criado por Deus mais tarde, é perceptível aos sentidos e participa das qualidades terrenas.
("De Mundi Opificio", I. 46)
Filón está evidentemente combinando Midrash e Platonismo. Partindo do relato bíblico duplicado de Adão, que foi formado à imagem de Deus (Gn 1,27), e do primeiro homem, cujo corpo Deus formou do Limo do pó da terra (Gn 2,7), Filón usa a doutrina platônica das ideias; tomando o Adão Primordial como a idéia, e o homem criado de carne e osso como a "imagem". Que as visões filosóficas de Fílon são baseadas no Midrash, e não vice-versa, é evidente em sua declaração aparentemente sem sentido de que o "homem celestial" (οὐράνιος ἄνθρωπος), que é apenas uma ideia, não é "nem homem nem mulher". Esta doutrina, no entanto, torna-se bastante inteligível em vista do antigo Midrash seguinte. A notável contradição entre as duas passagens de Gênesis citadas acima não escapou à atenção dos rabinos, para quem a Bíblia era objeto de estudo minucioso. Ao explicar os vários pontos de vista sobre a criação de Eva, eles ensinaram ('Er. 18a , Gen. R. viii.) que Adão foi criado como homem-mulher ( "androgynos" ), explicando (Gn. 1,27) como "macho e fêmea" em vez de "homem e mulher", e que a separação do os sexos surgiram da operação subseqüente no corpo de Adão, conforme relatado nas Escrituras. Isso explica a afirmação de Fílon de que o homem original não era nem homem nem mulher.
Como em Fílon, o Logos é a imagem original do homem, ou o homem original, assim no Zohar o homem celestial é a personificação de todas as manifestações Divinas: as dez Sephiroth, a imagem original do homem. O Adão celestial, saindo da mais alta escuridão original, criou o Adão terreno.(citação)
(Zohar, ii. 70b)
Em outras palavras, a atividade da essência original se manifestou na criação do homem, que é ao mesmo tempo a imagem do homem celestial e do universo, assim como em Platão e Fílon a ideia do homem como microcosmo abarca a ideia de universo ou macrocosmo.
(Zohar, ii. 48.)
4.2. Midrash
Esta doutrina referente ao Logos, como também a do homem, à semelhança, embora tingida com a verdadeira coloração Filônica, também é baseada na teologia do Midrash. Pois é notado:
Midr. Teh to. 138. 5;
"Vós me cercais por trás e pela frente' [Sl 138,5] deve ser entendido como antes do primeiro e depois do último dia da Criação. Pois é dito: E o espírito de Deus moveu-se sobre a face das águas, significando o espírito do Messias [o espírito de Adam Kadmon] de quem é dito, 'Sobre Ele repousará o Espírito do Senhor' (Is 11,2)."
- Midrash Gênesis Rabbah 8:1.
Este contém o cerne da doutrina filosófica de Fílon sobre a criação do homem original. Ele o chama de ideia de Adão terrestre, enquanto que com os rabinos o espírito de Adam Kadmon não existia apenas antes da criação do Adão terrestre, mas era preexistente a toda a criação. Do Adam pré-existente, ou Messias, ao Logos foi apenas um passo.
Lemos no Midrash que o judaísmo já considerava a restauração geral à perfeição como contingente à vinda do redentor.
"Embora todas as coisas tenham sido criadas na plenitude de seu ser [em um estado de perfeição], pelo pecado de Adão elas foram corrompidas e não serão restauradas à sua perfeição até que o messias venha."
- Gênesis Rabbah 12:6.
4.3. O HOMEM UNIVERSAL
A realização efetiva dos estados múltiplos do ser refere-se à concepção daquilo que as diferentes doutrinas tradicionais, e notadamente a tradição hebraica, chamam de “Homem Universal” (isto é, o Adam Kadmon); esta concepção estabelece a analogia constitutiva entre a manifestação universal e sua modalidade individual humana, ou, na linguagem ocidental, entre o “macrocosmo” e o “microcosmo”. Esta concepção pode aliás ser vista em diferentes graus e com extensões variadas, mas a analogia permanece a mesma em todos os casos: assim, ela pode restringir-se à humanidade em si, encarada seja em sua natureza específica, seja mesmo na sua organização social. Em outro grau, mais extenso, a mesma noção pode abarcar o domínio de existência correspondente a todo o conjunto de um estado do ser determinado, qualquer que seja ele; mas este significado, sobretudo se se trata do estado humano (mesmo tomado no desenvolvimento integral de todas as suas possibilidades), ou de qualquer outro estado individual, é ainda “cosmológico”, e o que devemos essencialmente fazer aqui é uma transposição metafísica da noção de homem individual, que deve efetuar-se no domínio extra-individual e supra-individual. Neste sentido, a concepção de “Homem Universal” irá se aplicar antes de mais nada ao conjunto dos estados de manifestação; mas podemos tomá-la ainda mais universal, na plenitude do termo, estendendo-a igualmente aos estados de não-manifestação, portanto à realização completa e perfeita do ser total, entendido no sentido superior que já indicamos, o sempre com a ressalva de que o termo “ser” só poderá ser tomado então com um significado puramente analógico.
É essencial frisar aqui que toda transposição metafísica deste gênero deve ser vista como a expressão de uma analogia no sentido próprio da palavra; e lembraremos, para maior precisão, que toda verdadeira analogia deve ser aplicada em sentido inverso. Assim, por exemplo, do mesmo modo como a imagem num espelho é invertida em relação ao objeto, aquilo que é primeiro e maior na ordem principiai é, ao menos aparentemente, o último e o menor na ordem da manifestação. Para fazermos uma comparação no campo da matemática, é assim que o ponto geométrico é quantitativamente nulo e não ocupa nenhum espaço, embora seja o princípio pelo qual se produz todo o espaço, que é o desenvolvimento ou a expansão de suas próprias virtualidades. É assim também que a unidade aritmética é o menor dos números se a colocamos diante dá sua multiplicidade, mas é o maior em princípio, porque contém a todos virtualmente e produz toda a sua série pela simples repetição indefinida de si-mesma.
Existe, portanto, analogia, mas não similitude, entre o homem individual, ser relativo e incompleto, tomado aqui como o tipo de um certo modo de existência (ou mesmo de toda a existência condicionada), e o ser total, incondicionado e transcendente em relação a todos os modos particulares e determinados da existência, inclusive em relação à existência pura e simples, e que chamamos simbolicamente de “Homem Universal”. Devido a esta analogia, podemos dizer que, se o “Homem Universal” é o princípio de toda a manifestação, o homem individual deverá ser, na sua própria ordem, sua resultante e seu resultado - e é poroso que todas as tradições concordam em considerá-lo como formado pela síntese de todos os elementos e de todos os reinos da natureza.
Desta forma, a analogia se mostra exata; mas para justificá-la completamente, e com ela a própria designação do “Homem Universal”, seria preciso expor considerações sobre o papel cosmológico do ser humano, que nos levariam muito longe do presente estudo. Diremos, no momento, apenas que o ser humano tem, no seu domínio da existência individual, um papel que podemos chamar de “central” em relação a todos os outros seres que se situam no mesmo domínio; este papel faz do homem a expressão mais completa do estado individual em questão, cujas possibilidades se integram por assim dizer nele (ao menos sob um certo aspecto, e com a condição de tomá-lo, não apenas na sua modalidade corporal, mas no conjunto de todas as suas modalidades, na extensão indefinida de que são susceptíveis). Aí residem as razões mais profundas da nossa analogia; e é esta situação em particular que permite transpor a noção de homem, mais do que de qualquer outro ser que viva no mesmo estado, para transformá-la na concepção tradicional do “Homem Universal”.
Acrescentaremos ainda uma observação que é das mais importantes: é que o “Homem Universal” só existe virtualmente, e de certa forma negativamente, como se fosse um arquétipo ideal, até que a realização efetiva do ser total lhe dê uma existência atual e positiva; e isto vale para qualquer ser, considerado como efetuando ou devendo efetuar esta realização.Diremos ainda, que este modo de falar que apresenta como sucessivo o que é em si essencialmente simultâneo, só é válido quando nos colocamos do ponto de vista particular de um estado de manifestação do ser, tomado como ponto de partida da realização. Por outro lado, é evidente que expressões como “existência negativa” ou “existência positiva” , não devem ser tomadas ao pé da letra, mesmo porque aí a própria noção de “existência” só se aplica numa certa medida e até um certo ponto; mas as imperfeições inerentes à linguagem, pelo fato de que ela está ligada às condições do estado humano (e mais particularmente da sua modalidade corporal e terrestre), obrigam às vezes ao emprego, com todo o cuidado, de “imagens verbais” deste tipo, sem o que seria impossível expressar as verdades metafísicas em línguas tão pouco adaptadas para isto como o são as línguas ocidentais.
4.4. O HOMEM VERMELHO
O significado literal do nome Adam é “vermelho”. Por outro lado, no seu interessante artigo sobre “O Sangue e alguns dos seus Mistérios”, Argos prevê para este mesmo nome Adão uma derivação que pode parecer diferente. Depois de recordar a interpretação habitual de que significa “tirado da terra” (אדמה - adamah), ele pergunta se não poderia vir da palavra Dam (דם), “Sangue”; mas a diferença é apenas aparente, pois todas essas palavras têm realmente a mesma raiz.
Citação
Vale a pena observar antes de tudo que do ponto de vista linguístico a etimologia usual, que deriva Adão de adamah, traduzido como “terra”, é impossível; a derivação inversa seria mais plausível, mas na verdade os dois substantivos vêm da mesma raiz verbal adam, que significa “ser vermelho”. Adamah não é, pelo menos originalmente, a terra em geral (ארץ - eretz) ou o elemento terra (יבשה - yabashah, palavra cujo significado original indica "secura" como uma qualidade característica deste elemento). É propriamente argila vermelha, que pelas suas propriedades plásticas é particularmente apta a representar uma certa potencialidade, uma capacidade de receber formas; e o trabalho do oleiro tem sido frequentemente considerado um símbolo da produção de seres manifestados a partir da substância primordial indiferenciada. É pela mesma razão que a "terra vermelha" parece ter especial importância no simbolismo hermético, onde pode ser tomada como um dos símbolos da "matéria prima", embora quando entendida no seu sentido literal só possa desempenhar esse papel em de forma muito relativa, pois já é dotado de qualidades definidas. Acrescentemos que a relação entre uma designação da terra e o nome de Adão, tomado como um tipo de humanidade, se encontra sob outra forma no latim, onde a palavra Humus, “terra”, também está singularmente próxima de Homo e Humanus.(fonte) Por outro lado, se relacionarmos este mesmo nome Adão mais particularmente com a tradição da raça vermelha, esta última corresponde, entre os elementos, à terra, assim como ao Ocidente entre os pontos cardeais, e esta última concordância justifica ainda mais o que dissemos anteriormente.
Quanto à palavra dam, “sangue” (que é comum ao hebraico e ao árabe [دَم‬]), ela também deriva da mesma raiz adam: o sangue é propriamente o fluido vermelho, que é de fato sua característica mais imediatamente aparente. O parentesco entre esta designação de sangue e o nome de Adão é, portanto, incontestável e evidente por derivação de uma raiz comum; mas esta derivação parece ser direta para ambos, e não é possível, partindo da raiz verbal adam, passar pelo intermediário de dam até o nome de Adam. Poderíamos, é verdade, encarar as coisas de outra forma, menos estritamente linguística, e dizer que é por causa do seu sangue que o homem é chamado “vermelho”. Tal explicação não é muito satisfatória porque o facto de ter sangue não se limita ao homem, mas é comum à espécie animal, de modo que não pode realmente servir para caracterizá-lo. Na verdade, no simbolismo hermético a cor vermelha é a do reino animal, assim como a cor verde é a do reino vegetal e a cor branca a do reino mineral; e isso, no que diz respeito à cor vermelha, pode estar relacionado justamente ao sangue considerado como fundamento, ou melhor, suporte, da vitalidade animal propriamente dita.
Salientamos ainda que entre os derivados da raiz Adam está a palavra Edom (אדום), que significa “marrom-avermelhado” e que, em qualquer caso, difere do nome de Adão apenas pelos pontos vocálicos. Na Bíblia, Edom é sobrenome de Esaú, daí o nome "edomitas" dado aos seus descendentes, e o de Iduméia ao país que habitavam (e que em hebraico também é Edom, mas no feminino). Isto lembra os “sete reis de Edom” mencionados no Zohar, e a grande semelhança de Edom com Adão pode ser uma das razões pelas quais este nome é usado aqui para designar os povos desaparecidos.
Em todos os casos, as discussões que esta questão deu origem parecem ser bastante vãs, pois não deveria haver qualquer dificuldade sobre isso, e na verdade não há nenhuma.
Já que aludimos ao sangue como suporte da vitalidade, recordaremos que o sangue constitui efectivamente um dos elos do organismo corpóreo com o estado subtil do ser vivo, que é propriamente a "alma" (a nephesh chayah [נפש חיה - "alma viva"] do Gênesis), isto é, no sentido etimológico (anima), o principal animador ou força vivificante do ser.
(Citação)
O estado sutil, como o fogo é qualitativamente polarizado em luz e calor, está ligado ao estado corporal de duas maneiras diferentes e complementares: através do sangue quanto à qualidade calórica e através do sistema nervoso quanto à qualidade luminosa. Na verdade, mesmo do ponto de vista fisiológico, o sangue é o veículo de animação do calor; e isto explica a correspondência que indicamos acima do temperamento sanguíneo com o fogo clemente. Por outro lado, pode-se dizer que, no fogo, a luz representa o aspecto superior e o calor o aspecto inferior.
Conseqüentemente, pode-se dizer que o sangue está diretamente relacionado ao aspecto inferior do estado sutil; e daí vem a interdição do sangue como alimento, pois sua absorção transmite aquilo que há de mais grosseiro na vitalidade animal, e que, sendo assimilado e misturando-se intimamente com os elementos psíquicos do homem, pode realmente ter consequências muito graves. Disso deriva também o uso frequente do sangue nas práticas de magia e até de feitiçaria (como atração das entidades "infernais" por semelhança de natureza). Mas, por outro lado, isto também é susceptível, em certas condições, de uma transposição para uma ordem superior, de onde derivam ritos, quer religiosos, quer mesmo iniciáticos, envolvendo sacrifícios de animais; e como a esse respeito se diz que o sacrifício de Abel se opõe ao sacrifício incruento de Caim, talvez retornemos a este ponto em alguma ocasião futura.
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tryingtofoundpeace · 8 months
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5. PARTZUF
Um Partzuf é uma figura metafórica de semelhança humana, usada para representar a expansão de uma Sephirah individual (ou grupo de Sephiroth) em uma configuração independente com dez Sephiroth próprias.
Isto é organizado de tal forma que cada Sephirah contém dentro de si aspectos de todas as dez Sephiroth, e cada aspecto é subdividido em dez novamente.
- "Tikunei Zohar", Tikun 47, 84a.
- Ibid. 69, 116b.
Como tal, os Partzufim (plural de Partzuf) representam a retificação de duas “falhas” construídas no mundo de Tohu; o estado imaturo dos vasos e a sua falta de inter-relacionamento (não sendo “revestidos” um dentro do outro). Na verdade, as duas características principais dos Partzufim são os seus vasos totalmente expandidos e a sua inter-relação entre si, de tal forma que são até descritos por nomes que caracterizam a forma como funcionam como estruturas complexas e a forma como interagem com outros Partzufim. Por exemplo, Abba (literalmente "Pai") como o Partzuf de Chokhmah, e Aima (literalmente "Mãe") como o Partzuf de Binah, os dois interagem entre si para "dar à luz" um "filho", o Zeir Anpin (as seis Sephiroth entre a Trindade Celeste e Malkuth, isto é, Chesed, Geburah, Tiphereth, Netzach, Hod e Yesod) e uma "filha", Malkuth.
No universo dos Partzufim, pode-se dizer que a principal dinâmica da Criação não é a evolução, mas sim a interação. Isto significa que os estratos superiores da realidade estão constantemente a interferir com os estratos inferiores e a afeta-los como a alma dentro de um corpo, infundindo assim cada elemento da Criação com uma força interior que transcende a sua própria posição dentro da hierarquia universal.
(imagem com passagem do zohar sobre o Galgata)
"Os nomes das Sephiroth são: Kether, Chokhmah, Binah, Chesed, Gueburah, Tiphereth, Netzach, Hod, Yesod e Malkuth. Seis delas (Chesed, Geburah, Tiphereth, Netzach, Hod e Yesod), porém, se combinam em uma Sefirah, chamada Zeir Anpin (זְעֵיר אַנפִּין - "A face pequena"), de modo que ao todo há cinco Sefirot: Kether, Chokhmah, Binah, Zeir Anpin e Malkuth. Além disso, Zeir Anpin (normalmente considerada uma Sephirah masculina) é às vezes designado como Tiphereth, pois esta última é sua Sephirah principal, absorvendo em si as propriedades de todas as seis Sefirot de Zeir Anpin. Assim, o Criador concebeu apenas cinco Sephiroth.
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(... Resto do livro do Laitman sobre o Zohar, explicar o galgata + ver se o zohar fala do galgata)
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tryingtofoundpeace · 10 months
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6. TORÁ
A Cabalá pode ser corretamente designada como a soma das tentativas feitas para dar uma interpretação mística ao conteúdo do judaísmo rabínico tal como ele se cristalizou no período do Segundo Templo e posteriormente. Obviamente, o processo de cristalização teve que estar bastante avançado antes que tal desenvolvimento pudesse ocorrer. Isto é igualmente verdadeiro para o tipo de Judaísmo que se centrava na Lei e que Fílon de Alexandria se comprometeu a interpretar, e para o Judaísmo Talmúdico mais altamente desenvolvido em em que se basearam os esforços dos cabalistas medievais. Aqui não é minha intenção discutir os problemas históricos envolvidos no desenvolvimento da Cabalá. Basta dizer que o assunto que desejo discutir ocupa uma posição central.
A palavra Torá (תורה - cf. Hiph. de Yará - ירה - "instruir"), significa primeiro "direção, instrução", como, por exemplo, a instrução dos pais ou dos sábios.
"Ouve, meu filho, a instrução de teu pai: Não desprezes o ensinamento (תּוֹרַ֥ת -Torá) de tua mãe."
Pr 1,8
"Meu filho, não te esqueças de meu ensinamento (תּוֹרָתִ֣י - Torát) e guarda meus preceitos em teu coração"
Pr 3,1
O termo é usado principalmente em referência à instrução Divina, especialmente por meio da Revelação a Moisés. A Torá recebe seu título de seu conteúdo, o próprio nome conotando "Doutrina". Os judeus helenísticos, no entanto, a traduziram por nómos (νόμος) = "Lei" (como é visto na LXX, em Sirac, Fílon, Josefo, e também no Novo Testamento). Daí vir sua conotação de "Livro da Lei" - a "Lei", e o ensino dos Profetas sobre a vontade de Deus. No sentido de Lei, "Torá" refere-se apenas às Leis Divinas. A palavra "Torá" é aplicada aos livros que contêm o ensino da Revelação Mosaica e da Lei, ou seja, o Pentateuco (Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio).
Na teologia judaica, Torá significa, primeiro, a totalidade da doutrina judaica, seja tomada como base para o conhecimento religioso e conduta, ou como base para estudo. O corpo de escritos bíblicos, especialmente o Pentateuco, sendo a fonte do ensino religioso e da Lei. O termo "Torá" é aplicado também a todas as Escrituras (cf. Blau, "Zur Einleitung in die hl. Schrift", Budapeste, 1894, 16 sq.), ou a passagens dos Profetas e dos Hagiographa (por exemplo, "Ab. zara", 17a, em referência a Provérbios 5,8 e "Sanh." 91b, em conexão com Salmo 84,5). A expressão, no entanto, geralmente significa o Pentateuco.
"as Escrituras [Torá] consistem em três partes, Torá, Profetas e Hagiographa"
- "Midrash Tanchuma" para Êxodo 19,1.
"Torá" é usado em dois sentidos - um geral, significando todas as Escrituras, o outro especial, significando o Pentateuco. Em outro lugar (Siphre a 32, 13-135b 24), a Torá é claramente distinguida dos livros não-Pentateucos pela comparação de miqra (מקרא) e Torá. Tudo o que se encontra nos profetas e Hagiografos estaria contido na Torá, de modo que se os Israelitas não tivessem pecado, apenas os cinco livros de Moisés teriam sido dados a eles.
(Ta'an. 9a).
(Ned. 22b).
(Bacher, "Ag. Tan." ii. 203, 416).
Além da Torá "escrita" (Torá Shebiktav - תורה שבכתב), o judaísmo que mantém a tradição fala de uma Torá "oral" (שבעל פה - Shebeal-peh) os comentários e as ordenanças que põem em vigor as leis contidas no Pentateuco. Esta Torá oral, afirma-se, foi revelada a Moisés e foi preservada em Israel pela tradição.
Num sistema religioso baseado na Revelação Divina e na aceitação dos Livros Sagrados que definem o seu conteúdo, as questões relativas à natureza de tal Revelação, tal como estabelecida nos livros Sagrados, são inquestionavelmente da maior importância. Além disso, em tempos de crise – e o misticismo como fenómeno histórico é um produto de crises – estas questões tornam-se particularmente urgentes. Os místicos são homens que, através da sua própria experiência interior e da sua especulação relativamente a esta experiência, descobrem novas camadas de significado na sua religião tradicional.
Portanto, é importante que compreendamos os pressupostos básicos subjacentes à exegese concreta dos místicos. Na nossa busca, não dependemos de conjecturas ou inferências extraídas das exegeses, pois os cabalistas deixaram formulações extremamente precisas e esclarecedoras de suas ideias. A especulação mística sobre a natureza da Torá anda de mãos dadas com o desenvolvimento de certos princípios gerais.
Muito tem sido escrito sobre a exegese alegórica de Fílon de Alexandria e os pressupostos em que se baseia. Neste ponto não há necessidade de dizer mais nada. Ao discutir as concepções específicas dos Cabalistas no que diz respeito ao significado da Torá, inevitavelmente nos deparamos com certos paralelos impressionantes com passagens de Fílon.
"Que os livros sagrados do Senhor não são monumentos do conhecimento ou daquilo que pode ser visto, mas são o mandamento Divino e o Logos Divino, que admoesta o negligente e que está próximo, embora como se não estivesse lá. Mas fala sem a projeção de palavras, e fala com qualquer um sem som pronunciado, não se afastando de forma alguma daqueles que falam com ele ou de discípulos íntimos, mas pelo contrário trazendo-lhes ousadia com realidades incorpóreas, e uma transmissão de discurso sobre os inteligíveis contidos em si mesmo."
- Fílon, "Quaestiones in Genesim", Lib. IV, Q. 140.
Só recentemente um estudioso tão notável como Y. F. Baer tentou demonstrar um profundo parentesco estrutural e até mesmo uma identidade entre as concepções de Fílon e as dos Cabalistas, e interpretar ambas como desenvolvimentos perfeitamente legítimos da concepção estritamente rabínica subjacente à Halacá.
Mas este paralelismo, tanto quanto posso ver, não surge de qualquer influência histórica de Fílon sobre os cabalistas medievais, embora tenha havido numerosas tentativas – na minha opinião, todas sem sucesso – para demonstrar tal linha de filiação.(2) Na medida em que tais paralelos realmente existem, eles baseiam-se na semelhança de propósitos. Como veremos, os Cabalistas formularam seu propósito com clareza e penetração incomparáveis, e alguém pode facilmente se enganar ao ler Fílon à luz de suas formulações contundentes. A semelhança de propósito e, portanto, de estrutura fundamental das idéias místicas sobre a natureza das Sagradas Escrituras explica também os paralelos entre certas declarações cabalísticas sobre a Torá e aquelas dos místicos islâmicos sobre o Alcorão ou dos místicos Cristãos sobre a Bíblia. Somente um estudo das condições históricas sob as quais ideias Cabalísticas específicas se desenvolveram pode nos dizer se houve alguma conexão histórica entre a especulação dos Cabalistas Judeus e a dos não-Judeus sobre a natureza das Sagradas Escrituras. Acredito que posso demonstrar tal influência em pelo menos um caso, em conexão com a doutrina do quádruplo significado das Escrituras.
(Citação de Moisés de León sobre o Pardes)
Mas antes de passar ao nosso problema central, cabe retomar uma observação preliminar. A maior parte, senão toda a especulação e doutrina Cabalística, está preocupada com o reino das emanações Divinas ou Sephiroth, nas quais o poder criativo de Deus se desenvolve. Durante um longo período de anos, os Cabalistas desenvolveram muitas maneiras de descrever este reino. Mas ao longo da sua história permaneceu o conteúdo principal da sua visão, e sempre falaram dele na linguagem dos símbolos, uma vez que não é acessível à percepção direta da mente humana. Na medida em que Deus se revela, Ele o faz através do poder criativo das Sephiroth. O Deus de quem a religião fala é sempre concebido sob um ou mais destes aspectos do Seu Ser, que os Cabalistas identificaram com estágios no processo de emanação Divina. Este mundo cabalístico das Sephiroth abrange o que filósofos e teólogos chamam de mundo dos atributos Divinos. Mas para os cabalistas era a própria vida Divina, na medida em que se move em direção à Criação. A dinâmica oculta desta vida fascinou os Cabalistas, que a encontraram refletida em todos os domínios da Criação. Mas esta vida como tal não está separada ou subordinada à Divindade; antes, é a revelação da raiz oculta, a respeito da qual, uma vez que nunca se manifesta, nem mesmo em símbolos, nada pode ser dito, e da qual os Cabalistas chamam Ayn Soph, o infinito. Mas esta raiz oculta e as emanações Divinas são uma só.
Aqui não preciso entrar nos paradoxos e mistérios da teologia cabalística preocupada com as Sephiroth e sua natureza. Mas um ponto importante deve ser destacado. O processo que os Cabalistas descreveram como a emanação da energia Divina e da Luz Divina também foi caracterizado como o desenvolvimento da linguagem Divina. Isto dá origem a um paralelismo profundo entre os dois tipos mais importantes de simbolismo usados pelos Cabalistas para comunicar as suas ideias. Falam de atributos e de esferas de luz; mas no mesmo contexto eles falam também de Nomes Divinos e das letras que os compõem. Desde os primórdios da doutrina Cabalística estas duas maneiras de falar aparecem lado a lado. O mundo secreto da Divindade é um mundo de linguagem, um mundo de Nomes Divinos que se desdobram de acordo com uma lei própria. Os elementos da linguagem Divina aparecem como as letras das Sagradas Escrituras. Letras e nomes não são apenas meios convencionais de comunicação. Eles são muito mais. Cada um deles representa uma concentração de energia e expressa uma riqueza de significado que não pode ser traduzida, ou pelo menos não totalmente, para a linguagem humana. As letras únicas foram hipostatizadas e estavam ativas mesmo na criação do mundo. Diz-se que o mundo inteiro é apenas 1/3200 da Torá.
('Er. 21a).
É claro que existe uma discrepância óbvia entre os dois simbolismos. Quando os Cabalistas falam de atributos Divinos e Sephiroth, eles estão descrevendo o mundo oculto sob dez aspectos; quando, por outro lado, falam de Nomes e letras Divinas, operam necessariamente com as vinte e duas consoantes do alfabeto hebraico, em que a Torá está escrita, ou como diriam, em que sua essência secreta foi feita comunicável. Foram apresentadas diversas formas de resolver esta flagrante contradição. Uma explicação foi que, como as letras e as Sephiroth são configurações diferentes do poder Divino, elas não podem ser reduzidas a uma identidade mecânica. O que é significativo para os nossos propósitos atuais é a analogia entre a Criação e a Revelação, que resulta do paralelo entre as Sephiroth e a linguagem Divina. O processo de Criação, que prossegue de etapa em etapa e se reflete em mundos extra-Divinos e, claro, também na natureza, não é necessariamente diferente do processo que encontra sua expressão nas palavras Divinas e nos documentos da Revelação, nos quais acredita-se que a linguagem Divina tenha sido refletida.
Essas considerações nos levam ao cerne do nosso assunto. Existe uma relação necessária entre o significado místico da Torá e as suposições relativas à sua essência Divina. Os Cabalistas não partem da ideia de significado comunicável. É claro que o Pentateuco significa algo para nós. Ele comunica algo na linguagem humana. Mas isto, como veremos, é apenas o mais superficial dos vários aspectos sob os quais pode ser considerado.
As concepções Cabalísticas da verdadeira natureza da Torá baseiam-se em três princípios fundamentais. Não estão necessariamente ligados, embora nos nossos textos apareçam muitas vezes juntos, mas não é difícil perceber como se pode estabelecer uma relação entre eles. Esses princípios podem ser identificados como;
O princípio do Nome de Deus;
O princípio da Torá como organismo;
3. O princípio do significado infinito da Palavra Divina.
Historicamente e presumivelmente também psicologicamente, nem todos têm a mesma origem.
6.1. O Nome de Javé
(Shimon ben Lakish sobre o fogo preto e branco - Schekalim VI)
(Yer. Shek 49a).
O conceito do Nome de Deus como a mais alta concentração de poder Divino forma um elo de conexão à especulação mística como tal.
"Nós possuímos uma tradição autêntica mostrando que a Torá inteira consiste nos nomes de Deus, e que as palavras que lemos podem ser divididas de maneiras bem diferentes, de modo a formar nomes (esotéricos)... A afirmação, na Agadá, no sentido de que a Torá foi originalmente escrita em fogo preto sobre fogo branco, obviamente confirma nossa opinião de que a escritura foi contínua, sem divisão em palavras, o que tornou possível lê-la ou como uma sequência de nomes (esotéricos) (al derech ha-schemót), ou da forma tradicional como história e mandamentos. Assim, a Torá dada a Moisés foi divdida em palavras de forma tal a ser lida como mandamentos divinos. Mas, ao mesmo tempo, recebeu ele a tradição oral, de acordo com a qual era mister lê-la como uma sequência de nomes."
- comentário de nachmanides
Em face da estrutura esotérica da Torá, para Nachmânides, a tradição massorética a respeito da escritura da Bíblia, e especialmente dos rolos da Torá, deve ser preservada com o máximo cuidado. Cada uma das letras conta, e deve ser rejeitado para o uso na sinagoga um rolo da Torá onde falte ou haja a mais uma única letra sequer. Este conceito é bem velho. Já no século II, Rabi Meir, um dos mais importantes mestres da Mishná, relata:
"Quando eu estava estudando com Rabi Akiva, costumava pôr vitríolo na tinta, e ele nada dizia. Mas, quando fui ter com Rabi Ischmael, este me perguntou: “Meu f.lho, qual é sua profissão”? Eu respondi: “Eu sou um escriba “ [da Torá]. E ele me disse “Meu filho, seja cuidadoso em seu trabalho, pois é o trabalho de Deus; se você omite uma única letra sequer, ou escreve uma letra a mais, destruirá o mundo inteiro”
- Erubim 13a
A Torá não é apenas composta de nomes de Deus, mas é, como um todo, o grande Nome de Deus.
Esta tese é puramente mística. Aparece pela primeira vez entre os cabalistas espanhóis, e a evolução do ponto de vista antigo para o novo parece ter-se dado entre os mestres de Nachmânides. Comentando uma passagem do Midrash Bereshit Rabbah, na qual se menciona que a palavra “luz” (Aur) ocorre cinco vezes na história do primeiro dia da Criação, correspondendo aos cinco rolos da Torá, Ezra ben Salomão, um contemporâneo mais velho de Nachmáânides, que fregiuentava os mesmos círculos cabalísticos da cidade de Gerona, na Catalunha, escreve: “Como vão longe as palavras deste sábio; suas palavras são de fato verdadeiras, pois os cinco livros da Torá são o Nome do Santo, louvado seja Ele”7. A Luz mística que brilha nestes livros é, assim, o grande Nome de Deus. A mesma tese encontra-se nos escritos de vários membros do grupo de cabalistas de Gerona, e é evocada pelo próprio autor do Zohar.
Azriel, Perush Aggadot.
Zohar II, 87b.
Zohar III, 36a.
Zohar III, 80b.
Zohar III, 176a.
A Torá não era em essência outra coisa senão o grande Nome de Deus. A Torá é aqui interpretada como uma unidade mística, cujo propósito primordial não consiste em transmitir um significado específico, mas sim em expressar a imensidão do poderio de Deus, concentrado em Seu grande “Nome”. Dizer que a Torá é um nome não significa que este seja um nome que possa ser pronunciado como tal, nem tem algo a ver com qualquer conceito racional inerente à função social de um nome. O sentido é, antes, que, na Torá, Deus expressou Seu Ser transcendente, ou ao menos aquela parte, ou aspecto, do Seu Ser que pode ser revelado à Criação e através da Criação. Além disso, já que até na antiga Agadá a Torá era considerada um instrumento da Criação, por meio do qual o mundo veio a existir, este novo conceito da Torá deve ser considerado uma extensão e reinterpretação mística do conceito mais velho. Pois o instrumento que fez o mundo vir a existir é muito mais do que um mero instrumento, uma vez que, como vimos acima, a Torá é o poderio concentrado de Deus, expresso como tal em Seu Nome.
Mishná Abot III, 14.
Sifre Dt 48.
Midrash Gênesis Rabbah I, I.
Mas esta idéia tem outras implicações. O último Midrash acima diz que Deus “olhou dentro da Torá e criou o mundo”. O autor destas palavras deve ter pensado que a Lei que governa a Criação como tal, o cosmos, e, portanto, toda a natureza, estava prefigurada na Torá, de modo que Deus, olhando dentro da Torá, podia vê-la, embora para nós este aspecto da Torá permaneça oculto. Esta concepção é de fato formulada por Fílon, que explica o fato de a Lei Mosaica começar com um relato da Criação, dizendo que;
“Moisés queria expor a Gênese do grande estado mundial (megalópolis), já que as suas próprias leis eram a melhor cópia possível da estrutura da natureza toda”
- Fílon, Vita Mosis, 11, 51.
Na mente dos cabalistas aglutinavam-se numa só idéia estas antigas noções, transmitidas na tradição agadista. O Nome contém poder, mas ao mesmo tempo abarca as leis secretas e a ordem harmoniosa que permeiam e governam toda a existência. Ademais, foram os cabalistas capazes de ler, nos livros esotéricos e apocalípticos da época talmúdica, que céu e terra foram criados "pelo Nome de Deus". Não foi nada mais do que natural, combinar afirmações deste gênero com a noção da Torá como o instrumento da Criação, i.e. o Grande Nome de Deus.
Subentende-se que a afirmação acerca da Torá como Nome de Deus não se refere ao documento escrito a tinta sobre um rolo de pergaminho, mas à Torá como um ser preexistente, que precedeu qualquer outra coisa no mundo. Decorre isto, por exemplo, da Agadá, segundo a qual a Torá foi criada 947 gerações ou 2.000 anos antes da Criação.
- Zeb. 116a.
- Midrash Bereshit Rabbah, 7,2.
Para os cabalistas, esta “Criação da Torá” foi o processo pelo qual o Nome Divino, ou as Sephiroth, das quais temos falado, emanou da essência oculta de Deus. A Torá, conforme o conceito dos cabalistas, não é, portanto, algo separado da essência Divina, não é criada no sentido mais restrito da palavra; é, antes, algo que representa a vida secreta de Deus e que a teoria cabalística da emanação tenta descrever. Em outras palavras, a vida secreta de Deus é projetada para dentro da Torá; a sua ordem é a ordem da Criação. Este aspecto mais secreto da Torá, ou, talvez se possa dizer, a Torá em sua forma oculta, é às vezes mencionado na literatura Cabalística como Torá Kedumah (תורה קדמה), a Torá primordial, e é às vezes identificada com a Chokhmah (Sophia) de Deus, Sua “sabedoria”, a segunda emanação e manifestação do poderio Divino, que brotou do secreto “nada”.
Carta de Ezra ben Salomão
Os cabalistas conceberam o estado da Torá quando ainda contida na unidade mística da Sabedoria de Deus. Houve cabalistas para quem este conceito da Torá como o Nome de Deus significava simplesmente que ela era idêntica à Sabedoria de Deus ou que era um aspecto parcial daquela mesma Sabedoria. Porém houveram também outras opiniões.
Citações que ligam Torá à Chokhmah (Incluindo a de Azriel sobre Chokhmah e a Torá, e "Tan.").
Uma das variantes mais importantes desta teoria ocorre em José Gikatila, cabalista espanhol de projeção, que escrevia em fins do século XIII. Na sua concepção, a Torá não é propriamente o nome de Deus, mas a explicação do Nome de Deus. Para ele, o Nome significava exatamente o mesmo que havia significado para a tradição judaica, ou seja, O Tetragrama, que é o único verdadeiro nome de Deus. Escreve ele:
“Saiba que a Torá inteira é, e sempre foi, uma explicação e comentário do tetragrama YHWH. E este é o verdadeiro sentido da expressão bíblica 'Torá de Deus' [Torát YHWH]."
- "Schaareh Orá", 51a.
Em outras palavras, à frase Torát YHWH não significa a Torá que Deus deu, mas a Torá que explica YHWH, o Nome de Deus. Torá, aqui, é entendida como "hora'á", uma exposição didática. Mas a idéia de Gikatila vai mais longe ainda. Em que sentido é a Torá uma “explicação” do Nome de Deus? No sentido, responde ele em várias passagens, de que a Torá foi tecida a partir do nome de Deus. Gikatila parece ter sido o primeiro a empregar esta noção de tecitura, "ariga", para ilustrar a recorrência do Nome no texto da Torá. Escreve ele, por exemplo:
“Observai o modo miraculoso pelo qual a Torá foi tecida a partir da Sabedoria de Deus”.
E numa outra passagem:
"A Torá inteira é uma tecitura de designações, kinuiim — o termo genérico dos cognomes de Deus, tais como compassivo, grande, misericordioso, venerável — e estes cognomes por sua vez são tecidos dos vários nomes de Deus [tais como El, Elohim, Shaddai]. Mas todos estes nomes sagrados são ligados ao tetragrama YHWH e dependem dele. Assim, é, em essência, a Torá inteira, tecida do Tetragrama."
- "Schaareh Orá", 2b.
A Torá é o Nome de Deus porque é um tecido vivo, um textus na acepção literal da palavra, no qual o um e verdadeiro nomes, o tetragrama, é tecido de modo secreto, indireto, mas também diretamente como uma espécie de leitmotiv. O núcleo, de qualquer maneira, é o Tetragrama. Se perguntassem à Gikatila exatamente como esta tessitura foi feita, teria sem dúvida respondido, como. seu mestre Abraão Abulafia, que os elementos básicos, o Nome YHWH, os outros Nomes de Deus, e mais os cognomes, os kinuiím, ou melhor, suas consoantes, atravessaram várias fases de permutações e combinações, de conformidade com as fórmulas expostas pelos talmudistas, até que, ao fim, tomaram a forma das orações hebraicas da Torá, tal como as lemos atualmente. Os iniciados, que conhecem e compreendem estes princípios de permutações e combinações, podem seguir o texto ao revés e reconstruir a tessitura original de nomes. Todas estas metamorfoses de nomes têm uma função dupla. Por um lado, servem para dar à Torá seu aspecto de comunicação, uma mensagem de Deus ao homem, acessível à compreensão humana. Por outro, apontam para a operação secreta do Poderio Divino, reconhecível apenas pelo traje tecido com os Nomes Sagrados quando eles servem a determinados propósitos especificos dentro da obra da Criação.
Concluindo, seria necessário dizer que este conceito da Torá como uma tessitura de nomes não trouxe contribuição para a exegese concreta. Foi, antes, um princípio puramente místico, e tendeu a remover a Torá de toda compreensão humana de seus significados específicos, que são, no fim das contas, a única preocupação da exegese. Mas isto não perturbou os cabalistas. Para eles, o fato de Deus ter expressado a Si Mesmo, ainda que Seu pronunciamento escape à compreensão humana, é muito mais importante do que qualquer “significado” passível de ser transmitido. Assim considerada, constitui a Torá um absoluto e tem primazia sobre todas as interpretações humanas que, por mais fundo que penetrem, podem apenas aproximar-se da absoluta “ausência de significação” da Revelação Divina.
Certos cabalistas, como Menahem Recanati (c. 1300), foram mais longe ainda. Partindo de um velho ditado: “Antes que o mundo fosse criado, só Deus e Seu Nome existiram” (Pirké Rabi Eliezer. III) ensinaram eles que o nome aqui referido não era apenas o Tetragrama YHWH, mas a totalidade das manifestações do poder Divino — este, assim afirmaram, era o significado místico do verdadeiro Nome de Deus. Daí foi necessário apenas mais um passo para dizer que Deus, Ele mesmo, é a Torá, “pois a Torá não é algo além Dele, e Ele não está além da Torá”.(Recanati, Taamé ho-Mitrrót, Basiléia, 1581, 3a).
(A afirmação "Deus Mesmo é chamado Torá” ocorre também no Zohar, II, 60a).
Recanati atribui esta citação aos cabalistas, e uma afirmação semelhante consta de fato no trabalho de Gicatila sobre os fundamentos místicos dos mandamentos: “Sua Torá está Nele, é o que os cabalistas afirmam, isto é, o Santo, louvado seja Ele, está no Seu Nome e Seu Nome está nele, e Seu Nome é Sua Torá”.19 Em outra parte do mesmo livro, esclarece esta afirmativa aludindo a uma velha formulação nos hinos dos místicos da Merkabah:
“É um princípio importante, expresso pelos antigos da seguinte forma: 'Teu Nome está em Ti, e em Ti está Teu Nome'. Pois as letras do Seu Nome são Ele Mesmo. Ainda que se afastem Dele, elas permanecem enraizadas firmemente” (literalmente: voam embora e permanecem com ele)
- Ibid, Fol 228b: lh otitot porhot ve-omdot bó.
Ele explica isso, dizendo que as letras representam o corpo místico de Deus, enquanto que Deus, por assim dizer, é a alma das letras. Esta comparação, de um lado, entre Deus e Sua Torá e, de outro, entre a alma e o corpo, leva-nos ao segundo princípio, a ser discutido a seguir.
III.
O princípio de que a Torá é um organismo vivo está de acordo com várias linhas do pensamento cabalístico. A referência a corpo e alma, na passagem de Gicatila, que acabamos de citar, sugere tal conceito, e a noção de que a Torá é tecida de nomes sagrados é meramente uma maneira metafórica de dizer que ela é um tecido vivo. Mas a idéia da Torá como um organismo vivo é mais velha do que Gikatila. Ela foi formulada com penetrante clareza pelos primeiros cabalistas espanhóis. Em seu comentário ao Cântico dos Cânticos, Ezra ben Salomão, de Gerona, escreve que a Torá não contém uma única letra ou ponto sequer supérfluos, “porque em sua Divina totalidade, ela é um edifício talhado a partir do Nome do Santo, bendito seja Ele”.(MS Leiden, Warner 32, Fol. 23a) A natureza desse edifício Divino, binian Elohí, pode ser depreendida de uma longa discussão a respeito do assunto, pelo contemporâneo mais novo de Ezra, Azriel, de Gerona, em seu comentário cabalístico da Agadá talmúdica. Também ele parte da suposição de que a Torá é o Nome de Deus, e que ela é um corpo vivo dotado de alma. As peculiaridades da escrita massorética da Torá, os tipos diferentes de seções, parágrafos, etc., sugerem-lhe uma comparação com um organismo completo e independente.
"Exatamente como existem membros e juntas no corpo de um homem, exatamente como alguns órgãos do corpo são mais vitais e outros menos, assim parece ocorrer com a Torá. Para alguém que não entenda seu significado oculto, certas seções e versos da Torá merecem, aparentemente, ser jogados ao fogo; mas para quem adquiriu ciência do seu verdadeiro significado, representam componentes essenciais da Torá. Conseguentemente, omitir uma única letra ou um ponto sequer da Torá equivale a remover uma parte de um edifício perfeito.22 Daí se segue também que, com respeito ao seu caráter Divino, nenhuma distinção essencial pode ser feita entre a seção do Gênesis 36, enumerando as gerações de Esaú (passagem aparentemente supérflua), e os Dez Mandamentos, porquanto tudo é uma unidade e um edifício."
(Azriel, Perusch Agadót, p. 37)
Temos aqui uma clara combinação dos dois princípios. A Torá é um nome, mas este nome é construído como um organismo vivo. O Nome que é a raiz de todas as coisas não é apenas um absoluto, mas, conforme fica manifestado na Torá, ele se distribui nas distintas partes de um ser orgânico. A única diferença é que um organismo comum inclui órgãos vitais e outros que não são vitais, ao passo que na Torá esta distinção é apenas aparente, pois um místico autêntico descobre significados secretos mesmo nas partes que parecem inteiramente despidas de importância;, aliás, é precisamente a partir de passagens assim que lhe é dado respigar palavras-chaves, ou simbolos, para intuições profundas ou doutrinas, como, por exemplo, o Zohar e a Cabalá luriânica o fizeram, com base no capítulo 36 de Gênesis.
Este conceito da Torá como um organismo mistico já se encontra no relato de Fílon acerca da seita judaica dos Terapeutas, no Egito: “Pois a Torá inteira (nomothesia) parece a esta gente como algo afim a um ser vivo; o sentido literal é o corpo, enquanto que a alma é o significado secreto debaixo da palavra escrita”.(De Vita Contemplativa) E em várias ocasiões Filo baseia seus próprios desenvolvimentos numa concepção semelhante.25 Uma linha direta de influência, a partir dos Terapeutas do Fgito ou de Filo, até os cabalistas, se me afigura muito improvável. De um modo inteiramente independente um do outro, místicos adotaram atitudes semelhantes para com as Sagradas Escrituras e expressaram-nas em imagens parecidas.
Este conceito da Torá como um organismo é também fundamental para o Zohar, surgido cinquenta anos depois da obra de Azriel. Lemos nele, por exemplo:
"Aquele que trabalha na Torá sustenta o mundo, e capacita cada uma das partes a executar sua função. Pois não há um membro sequer no corpo humano que não tenha sua contraparte no mundo como um todo. Pois assim como o corpo humano consiste em membros e partes de graus variáveis, todos eles agindo e reagindo uns sobre os outros de modo a formar um organismo, assim também sucede com o mundo em conjunto: ele consiste em uma hierarquia de coisas criadas que, ao agirem e reagirem apropriadamente uns sobre os outros, formam, juntos, um corpo orgânico."
- Zohar, I, 134b.
Outra metáfora acerca da mesma idéia, desta vez baseada na imagem de uma árvore, ocorre em outro trecho do Zohar (III 202a) e encontra expressão mais marcante ainda numa das obras hebraicas de Moisés de Leon, a quem considero autor da maior parte do Zohar. "Pois a Torá”, assim escreve ele;
"é denominada a Árvore da Vida... Assim como uma árvore consiste em ramos, folhas, casca, entrecasca e raizes, sendo que cada um desses componentes pode ser chamado de árvore, pois não há diferença substancial entre elas, verificarás também que a Torá contém muitas coisas internas e externas, e todas formam uma única Torá e uma árvore, sem diferença entre elas... E ainda que entre os sábios do Talmud um proíba o que outro permite, um declare ritualmente impuro algo que outro considera impermissível, um diga isto e outro aquilo, não obstante, é necessário saber que o todo forma uma única unidade."
- Moisés de Leon, Sefer ha-Rimon, MS Museu Britânico, Margoliouth n. 759, Fol. 100b
O autor dos Tikunei Zohar, que escreveu apenas alguns anos após a conclusão da parte principal do Zohar, também afirma: “A Torá tem uma cabeça, um corpo, um coração, uma boca e outros órgãos, da mesma forma como Israel”.(Tikkunei Zohar, Tikun 21, Fol. 52b) Temos aqui um paralelo entre os dois organismos místicos: a Torá e Israel. O Zohar, ele próprio fala de cada um destes órgãos em diferentes passagens, e eles não são postos em relação direta, Um paralelo entre eles parece pela primeira vez ter sido estabelecido pelo autor dos Tikkunim. O organismo místico da Torá, que encarna o nome de Deus, é correlacionado, assim, com o corpo místico da comunidade de Israel, que os cabalistas consideravam não somente um organismo histórico do povo judeu, mas também um símbolo esotérico da Shekinah, sendo seus membros como que membros da Shekinah (cf. Cap. 3, pp. 103-9). Cabalistas posteriores, como haveremos de ver, tiram conclusões ainda mais explícitas desta correlação.
Mas existe ainda mais um simbolismo no qual se exprime a idéia de um organismo, e no qual apareceram pela primeira vez certas opiniões especialmente audaciosas a respeito da natureza da revelação contida na Torá. A fim de compreender estas idéias, devemos ter em mente a velhíssima distinção tradicional entre a “Torá escrita” e a “Torá oral”. De acordo com o uso comum nas fontes talmúdicas, a Torá escrita é o texto do Pentateuco. A Torá oral é a soma total de tudo o que foi dito por eruditos ou sábios a título de explicação deste corpus escrito, pelos comentadores talmúdicos da Lei e por todos os demais que interpretaram o texto. A Torá oral é a tradição da Congregação de Israel, ela desempenha o papel necessário de completar a Torá escrita e torná-la mais concreta. De acordo com a tradição rabíaica, Moisés recebeu ao mesmo tempo ambas as Torás, no Monte Sinai, e tudo quanto um erudito subsegiiente encontra na Torá ou legitimamente dela deduz, já estava incluído nesta tradição oral fornecida a Moisés. Assim, no judaísmo rabínico, as duas Torás são uma só.30 A tradição oral e a palavra escrita completam-se mutuamente, uma não é concebível sem a outra. Desde o começo as duas concepções desempenharam um papel significativo no pensamento dos cabalistas, que os ligou ao simbolismo místico das Sephiroth. A Torá escrita foi considerada principalmente como um símbolo da esfera doadora da Divindade, identificada primordialmente com a Sephirah Tiphereth, enquanto que a Torá oral foi vista como um símbolo da esfera receptora, que é ao mesmo tempo a esfera da Shekinah e da “Congregação de Israel”. Em suas associações ativas, estas duas Sephiroth manifestam a atuação de Deus, e, similarmente, toda a revelação da Torá ocorre somente nesta unidade da Torá escrita e oral. As formas nas quais a Torá escrita e oral são dadas aqui na terra — por exemplo, o rolo da Torá e as coletêneas de tradições talmúdicas — apontam para trás, para aquelas esferas mais profundas das quais elas essencialmente emergiram. Na passagem acima citada dos Tikunei Zohar, o autor prossegue identificando o coração com a Torá escrita, e a boca, com a Torá oral.
Especulações a respeito destes dois aspectos da Torá figuram nos livros mais antigos dos cabalistas, por exemplo o Sepher Bahir; nos (?) 97 e 137, a última Sephirah é denominada “o tesouro da Torá oral”, contendo todos os Mandamentos. Cf. também 99 (de acordo com o texto emendado): “A Torá escrita [chamada luz”), necessita da Torá oral, que é uma lâmpada [portadora da luz), a fim de resolver as dificuldades e explicar seus segredos”. Porém a discussão mais interessante acerca do relacionamento entre eles ocorre num fragmento que pode ser atribuído a um dos primeiros cabalistas provençais, isto é, Isaac, o Cego. Este fragmento, que chegou até nós unicamente em forma de manuscrito, fornece um comentário místico do Midrash Konen, tratando da cosmogenia.(In Jellinek, Bet ha-Midrash, II, Leipzig, 1853, pp. 29-24) Este midrash repete o conceito acima mencionado, de que a Torá preexistente foi escrita em fogo preto sobre fogo branco, o que, como já vimos acima, já Nachmânides tomava como uma indicação do status místico da Torá. A Torá aqui parece arder diante de Deus, em letras pretas, ardentes, sobre fogo branco, e é esta a concepção que inspirou Rabi Isaac a escrever, provavelmente antes de Nachmânides, o seguinte:
"Na mão direita de Deus estavam gravadas todas as gravações (formas intrínsecas) destinadas a ascender um tia da potência ao ato. À partir da emanacão de todas (superiores) as Sephiroth elas foram gravadas, riscadas e moldadas na Sephirah da Graça (Chesef), primeira interior, inconcebivelmente sutil. Esta formação é chamada Torá concentrada, ainda não desdobrada, bem como Torá da Graça. Juntamente com todas as outras gravações (principalmente) duas foram feitas sobre ela. Uma tem a forma da Torá escrita, a outra, a da Torá oral. A forma da Torá escrita é a das cores do fogo branco e a forma da Torá oral tem formas coloridas como que de fogo preto. E todas estas gravações e a Torá ainda não desdobrada existiam potencialmente, não sendo perceptível nem à vista espiritual nem à sensorial, até que a vontade (de Deus) inspirou a idéia de ativá-las por meio da sapiência primordial e conhecimento oculto. Assim, no princípio de todos os atos, havia, preexistencialmente, a Torá ainda não desdobrada (Torá kelula), que está na destra de Deus, junto com todas as formas primordiais (literalmente: inscrições e gravações) nela ocultas, e é a isto que o Midrash alude quando diz que Deus tomou a Torá primordial (Torá kedumá), que se origina na mina do “arrependimento” e na fonte da sapiência original 33, e num único ato espiritual emanou a Torá ainda não desdobrada, a fim de proporcionar permanência às fundações de todos os mundos."
O autor prossegue relatando como a partir da Torá ainda não desdobrada, que corresponde à Sephirah da Graça, emergiu a Torá escrita, que corresponde à Sephirah da Compaixão Divina, que vem a ser Tiphereth, bem como a Torá oral, correspondendo ao poder do juízo Divino em Malkuth, a última Sephirah. Ele interpreta o organismo ígneo da Torá, que ardia diante de Deus em fogo preto sobre fogo branco, como segue: o fogo branco é a Torá escrita, na qual a forma das letras ainda não é explícita, pois a forma das consoantes e dos pontos vocais foi dada primeiro pela força do fogo negro, que é a Torá oral. Este fogo negro equivale à tinta sobre o pergaminho. “E assim, a Torá escrita só pode tomar forma corpórea por meio da força da Torá oral, vale dizer: sem a Torá oral, ela não pode ser fielmente compreendida.” Basicamente só Moisés, mestre de todos os Profetas, penetrou em contemplação intata nessa mística Torá escrita, que na realidade continua oculta dentro da forma invisível de luz branca. Mesmo os outros Profetas apenas conseguiram lançar-lhe uma fugaz olhadela, num instante de intuição passageira.34
O simbolismo místico desta passagem profundamente significativa esconde a opinião de que, a rigor, não existe Torá escrita aqui na terra. Uma idéia de longo alcance! Aquilo que chamamos de Torá escrita passou através da mediação da Torá oral, já não sendo mais uma forma oculta em luz branca, ao invés, emergiu ela da luz preta que determina e limita e, portanto, denota o atributo da severidade e juízo divinos. Tudo o que percebemos nas formas fixas da Torá, escrita a tinta sobre pergaminho, consiste, em última análise, em interpretações e definições daquilo que é oculto. Existe apenas uma Torá oral: eis o sentido esotérico dessas palavras, e a Torá escrita é um conceito puramente místico. Ela é corporificada numa esfera acessível unicamente a profetas. Ela foi, por certo, revelada a Moisés, mas o que ele deu ao mundo como sendo a Torá escrita adquiriu sua forma atual passando pela mediação da Torá oral. O branco místico das letras sobre o pergaminho é a Torá escrita, mas não o preto das letras escritas a tinta.35 No organismo místico da Torá, as duas esferas sobrepõem-se, e não existe Torá escrita, livre do elemento oral, que possa ser conhecida ou concebida por criaturas que não sejam Profetas.
IV.
Este princípio da Torá como organismo vincula-se estreitamente ao terceiro princípio, que podemos agora passar a discutir. É o princípio dos múltiplos, para não dizer infinitos, significados da Torá. Muitas vezes os diferentes membros da Torá, vista como um organismo, não eram considerados órgãos de valor e importância idênticos, mas sim camadas diferentes de significado dentro da Torá. Eles guiam o estudante místico dos textos sagrados, desde os significados externos até níveis de compreensão cada vez mais profundos. Assim, a idéia do organismo fica identificada com a concepção de uma hierarquia viva de significados e níveis de significado.
Neste contexto, adotaram os cabalistas uma linha de pensamento que encontraram nos filósofos judeus da Idade Média, os quais, por sua vez, haviam-na tomado da tradição filosófica dos árabes. Refiro-me aos dois níveis de significado nos textos sagrados, o interior e o exterior, Este dualismo foi igualmente em-vindo para, de um lado, o racionalismo esotérico dos filósofos e dos reformadores, ao qual Leo Strauss recentemente dedicou vários trabalhos importantes 36, e, de outro lado, para os interesses religiosos dos misticos, que se puseram a redescobrir seu próprio mundo nas profundezas das Sagradas Escrituras. Não preciso entrar, aqui, em pormenores acerca dos grupos islâmicos, especialmente de seitas tão esotéricas como os ismaelenses, que acentuavam o significado interno, alegórico ou místico do Corão, em contraste com o sentido externo ou literal, que nos estádios mais elevados de iniciação perdia todo significado. Os autores árabes denominam os adeptos destas seitas de batiniia, ou advogados do significado interior, vale dizer, esotérico ou espiritualista. É interessante notar que os termos empregados por muitos filósofos judeus para designar estes dois níveis de significado (Aitson e penimi, exterior e interior), nunca ocorrem neste contexto nas fontes judaicas mais antigas, porém são traduções literais dos termos árabes correspondentes. É evidente, assim, que esta terminologia originou-se no Islão, de onde foi adotada pelos filósofos judeus, que passaram a identificar o significado interno com a interpretação filosófica do texto, fato que não era exatamente místico. Uma interpretação mística só surgiu quando a terminologia foi adotada pelos cabalistas espanhóis e, finalmente, pelo autor do Zohar, que a traduziu para o aramaico. Em muitas passagens do Zohar, desenvolve-se o princípio de que a Torá é ao mesmo tempo oculta e manifesta, esotérica e exotérica, "oraita setiím ve-galia".
(Zohar, II: 230b, exatamente a mesma formulação já consta em Gikatila, Guinat Eroz, Hanau. 1615, 3b, III: 75a e I59a. A mesma fórmula aparece com a passagem do uso filosófico para O cabalístico dos termos “esotérico” e “exotérico”, por Isaac ben Latif, in Gumze ha-Melech, ed. Jellinek, XXV, impresso em Stern, Kochbé Itzhak, XXXII, Viena, 1865, p. 9)
O autor encontra este dualismo não apenas na Torá, mas em toda esfera concebível de existência, a começar por Deus e abarcando todo domínio e aspecto da Criação.
Por outro lado, cumpre não esquecer que. à época dos cabalistas espanhóis, o clima era tal que permitia um fácil intercâmbio de idéias entre as comunidades Cristã e judia. Dois ramos diferentes, brotando da mesma raiz, encontram-se na doutrina da Torá, de acordo com a forma que ela finalmente tomou no Zohar. A raiz antiga é indubitavelmente Fílon de Alexandria, a quem podemos, em última análise, atribuir todas estas distinções entre significado literal e significado espiritual, que foram adotadas pelos Padres da Igreja e pela Idade Média Cristã, bem como pelo Islão (que as derivou de fontes Cristãs orientais). Embora seja perfeitamente possível que semelhantes idéias tenham sido preservadas também por grupos judaicos que não nos foi dado até agora identificar, sua expressão histórica visível é, sem dúvida, atribuível à influência cristã e islâmica.
Surge, então, a pergunta: existiu um elo histórico entre a doutrina do Zohar, dos níveis diferentes de significado, e a teoria similar, porém mais velha, do significado quádruplo das Escrituras Sagradas desenvolvida pelos autores Cristãos do início da Idade Média?38 Uns setenta anos atrás, Wilhelm Bacher, num trabalho valioso acerca da exegese bíblica do Zohar, tentou demonstrar a existência de uma linha histórica de filiação.39 Mas como não tinha uma idéia clara das várias camadas literárias de que o Zohar se compõe, não conseguiu formular suas averiguações com aquela precisão que, a meu ver, se tornou possível no estado atual das pesquisas.
Mas antes de examinarmos as concepções que formam a base do Zohar, é preciso fazer mais uma observação. De acordo com o que dissemos acima, houve muitos filósofos judeus que identificaram o significado interno da Torá com alegoria filosófica. E, de fato, muitas das suas explanações alegóricas sabem fortemente a Fílon. Idéias filosóficas são redescobertas na Bíblia. Mas a alegoria, neste sentido, não foi de modo algum a pedra de toque da exegese cabalística, que foi estritamente simbólica. O que a exegese cabalística descobre, atrás do significado literal da Bíblia ou das interpretações talmúdicas da Biíblia, é algo bem diferente. O que os cabalistas procuravam na Bíblia não eram primordialmente idéias filosóficas, mas uma descrição simbólica do processo oculto da vida Divina, conforme ela emerge das manifestações e emanações das Sephiroth. Seu interesse fundamental na Bíblia pode ser designado como teosófico. No que diz respeito à alegoria propriamente dita, encontramos no meio dos cabalistas atitudes bem divergentes. Uma autoridade tão exponencial como Nachmânides evitou deliberadamente as interpretações alegóricas dos filósofos em seu comentário da Torá. Estava bem cônscio de que uma espiritualização pura da Torá, decorrente da aplicação consistente do método alegórico, podia resultar num perigo para a observância do ritual judaico. Advertiu expressamente contra tal perigo numa passagem em seu comentário ao Deuteronômio, 29,29, que por razões ignoradas não consta das nossas edições.40 Na sua opinião, este mesmo risco não se apresentava na interpretação mística do texto bíblico, onde o símbolo se faz significativo tão-somente através do real cumprimento do mandamento. Mas nem todos os cabalistas mantinham a mesma reserva face à alegoria. Muitos a consideraram um instrumento legítimo. O autor do Zohar, ainda que interessado principalmente na descrição mística e simbólica do mundo oculto da Divindade, não se absteve de interpretar alegoricamente certas passagens bíblicas. Assim, o Livro de Jonas, bem como, no Gênesis, as histórias dos Patriarcas, transformam-se em relatos alegóricos do destino da alma humana — embora isto não impeça que estas mesmas histórias dos patriarcas recebam do autor uma interpretação puramente mística (e de maior alcance). Depois que a interpretação esotérica das Escrituras Sagradas assumiu dois aspectos diferentes — um alegórico e outro místico — o caminho estava aberto para a doutrina dos quatro níveis de significado. Enquanto que Joseph ibn Agnin, por exemplo, um contemporâneo de Maimônides, fala, em seu comentário ao Cântico dos Cânticos, de tr��s níveis assim de interpretação —. literal, agádico e filosófico-alegórico — os cabalistas acrescentam um quarto nível, o do mistério teosófico no sentido acima exposto. Este nível, o Zohar denomina raza de-nehemanuta — compreensão conforme o “Mistério da Fé”.
Esta concepção do significado essencialmente quádruplo da Torá apareceu em fins do século XIII mais ou menos ao mesmo tempo, na obra de três autores cabalísticos diferentes, que provavelmente pertenciam ao mesmo grupo ou, pelo menos, estavam em contato um com o outro. São eles: Moisés de Leon, que também foi o autor da maior parte do Zohar, Bahia ben Ascher, e Joseph Gikatila. Suas definições dos quatro níveis de significado divergem até certo ponto. Mas a concepção teve seu desenvolvimento mais significativo na literatura zoharística; e foi esta tendência que também exerceu a influência mais duradoura sobre o misticismo judaico posterior.
As primeiras referências aos quatro níveis aparecem no Midrash ha-Neelam, relativo ao Livro de Rute, uma das obras mais antigas do autor do Zohar. Nela, escreve: “As palavras da Torá são qual uma noz”. Como é que se entende isso? Do mesmo modo que uma noz tem uma casca e um cerne, assim cada palavra da Torá contém fato externo (maassé), midrash, hagadá, e mistério (sod), cada um dos quais possui um significado mais profundo que o anterior.
(Zohar Hadasch, Jerusalém, 1959, 89a)
Trata-se de passagem digna de nota por várias razões. Ela não utiliza qualquer termo ou fórmula específica, tal como posteriormente foi a praxe para designar os quatro níveis. Hagadá parece referir-se a alguma forma alegórica ou figurativa de interpretação, enquanto que midrash significa o método hermenêutico pelo qual os halahistas, ou legalistas do Talmud, derivaram suas definições do texto bíblico. A comparação da Torá com uma noz não é nova dentro da literatura judaica. Ela já fora empregada pelos hassidim alemães e franceses de princípios do século XIII, especialmente em relação à mercabá descrita no capítulo I do Livro de Ezequiel. A metáfora era particularmente adequada porque a noz possui não apenas a casca externa, dura, mas ainda duas camadas internas, mais finas, protegendo o cerne. A mesma figura, vale notar, foi saudada, no século XII, por Joaquim de Floris, o afamado mosge da Calábria, em sua obra Enchiridion in Apocalypsim.42
Essencialmente o mesmo grupo de significados, embora formulado mais explicitamente, e exposto numa afamada passagem do Zohar que se tornou um locus classicus para os cabalistas.
"Na verdade, a Torá deixa escapar uma palavra, e emerge um pouco de seu invólucro e depois torna a esconder-se. Mas procede assim somente com os que a conhecem e lhe obedecem, Pois a Torá se parece com uma bela e formosa donzela, escondida numa câmara reclusa de seu palácio, e que tem um namorado secreto, desconhecido de todos. Por amor à donzela, ele vive passando à porta da casa dela, olhando para cá e para lá, à procura dela. Ela sabe que o bem-amado ronda o portão da sua casa. O que é que ela faz? Abre a porta da sua câmara reclusa, um pouquinho só, e por um momento revela o rosto ao bem-amado, porém logo o esconde de novo. Estivesse alguém com o amado, nada veria e nada perceberia. Só ele a vê e ele é atraído por ela com o coração e a alma e todo seu ser, e ele sabe que por amor a ele, ela se lhe mostrou por um instante, ardendo de paixão por ele. Assim acontece com a palavra da Torá, que se revela somente aos que a amam. A Torá sabe que o místico (hakim liba, literalmente, o sábio de coração) ronda o portão de sua casa. O que é que ela faz? Do “interior de seu palácio oculto desvela o semblante, acena-lhe e retorna logo ao palácio onde se esconde. Os que lá se encontram nada vêem e nada sabem, somente ele, e ele é atraído para ela com todo o coração e toda a alma e todo seu ser.
Assim a Torá se desvela e se esconde, e emerge em amor pelo seu amado e desperta o amor nele. Venha e veja: este é o caminho da Torá. De início, quando deseja revelar-se a um homem, faz-lhe um rápido sinal. Se ele entende, muito que bem; se não, manda-o vir e chama-o de simplório, Ao mensageiro que ela envia, a Torá diz: diga ao simplório que venha até aqui para que eu possa conversar com ele. Assim como está escrito (Pr 9,4): 'Quem for simples apresente-se!. Aos insensatos ela disse'. Quando ele vem para junto dela, ela começa a falar-lhe por detrás de uma cortina, palavras à altura da sua compreensão, até que, lentamente, ele começa a entender, e isto chama-se deraschá.43 Depois ela fala, através de um véu, palavras alegóricas (milin de hida) e isto é o que se chama hagadá.44 Só então, depois que ele se familiariza com ela, esta se lhe revela, face a face, e fala-lhe de todos seus segredos escondidos e seus caminhos obscuros, que desde o começo estiveram em seu coração. Um tai homem, então, é chamado de perfeito, um “mestre”, ou seja, “um noivo da Torá”, no senti do mais estrito, o dono da casa, a quem ela desvenda totos os segredos, nada escondendo. Ela lhe diz: Está vendo agora quantos segredos havia naquele sinal que lhe fiz no primeiro dia, e qual o seu verdadeiro sentido? E ele entende, então, que àquelas palavras nada se pode acrescentar e delas nada se pode tirar. . E pela primeira vez, então, compreende o verdadeiro significado das palavras da Torá, tal como elas aí se encontram, aquelas palavras às quais nenhuma sílaba ou letra pode ser acrescentada e das quais nenhuma pode ser tirada. E, por isso, os homens deveriam tomar o cuidado de perseguir a Torá (isto é, estudá-la com grande exatidão), a fim de se tornarem seu bem-amado, do modo como foi relatado."
- Zohar II: 99a-b.
Esta delicada analogia, entremeada de figuras da tradição cavaleiresca da Idade Média, oferece um excelente desenvolvimento da curta sentença do midrash relativo ao Livro de Rute, que se refere à Torá como uma noz. Ela emprega a mesma terminologia, exceto pelo fato de que aqui a maassé, o fato externo, é substituído pelo termo mais costumeiro de peschat, designando o significado literal ou simples, que é preservado mesmo na transfiguração mística, embora tornado transparente pela luz mística que o permeia. Um outro passo é dado numa passagem diferente do Zohar, no qual os vários níveis de significado são expressamente representados como partes do organismo da Torá, que é a Árvore da Vida.
(Zohar III: 202a)
Aqui, contudo, o antigo termo hagadá é substituído por uma termo novo, remez, que no hebraico medieval veio (sob influência árabe) a designar alegoria. Aqui, ainda, somado aos acima mencionados quatro níveis de significado, menciona-se um quinto, a guematria, ou interpretação por meio do valor numérico a que correspondem as letras do alfabeto hebraico, mas que alhures não é considerado um nível independente de significado.
A esta altura o autor do Zohar ainda não havia concebido uma fórmula concisa expressando a íntegra da concepção. As passagens acima citadas foram escritas entre 1280 e 1286. Porém, depois de completar a parte principal do Zohar em forma pseudoepigráfica, como sendo uma coletânea de diálogos entre Rabi Shimeon bar Yochai e seus discípulos, no século segundo. Moisés de Leon escreveu numerosas obras cabalísticas, em hebraico, e sob seu próprio nome. Nelas, desenvolve um certo número de idéias, primeiro expostas no Zohar. Sabemos que já antes de 1290 havia composto um livro intitulado Pardes, literalmente, “paraíso”, hoje perdido. O título baseia-se num trocadilho, que se tornou amplamente conhecido e foi muito usado na literatura hebraica subsegiiente. O trocadilho tem por fundamento o famoso relato sobre quatro grandes rabis que, no século II, se dedicaram a estudos esotéricos. Os quatro, é dito, tinham “entrado no paraíso”. Foram eles os rabinos Akiva, Ben Zoma, Ben Azai e Aher.
“Um deles viu e morreu; o segundo viu e perdeu a razão, o terceiro devastou as plantas novas (quer dizer: tornou-se um apóstata e desencaminhou os jovens). Só Rabi Akiva entrou em paz e saiu em paz”
- Hagiga. 14b.
O significado de pardes, nesta passagem, tem sido há muito tempo objeto de especulação, porém não há necessidade de entrar nisso aqui. De qualquer modo, Moisés de Leon empregou este termo altamente sugestivo, tão rico em matizes de significado, como uma chave cifrada dos quatro níveis de interpretação. Cada consoante da palavra PaRDeS designa um dos quatro níveis: P representa peschat, o sentido literal, R representa remez, o sentido alegórico, D representa deraschá, a interpretação talmúdica e agádica, e S representa sod, o sentido místico. O pardes no qual os quatro antigos eruditos entraram passou, assim, a designar as especulações a respeito do verdadeiro significado da Torá em todos os quatro níveis. Numa obra composta bem mais tarde, Moisés de Leon utilizou mais uma vez esta imagem, combinando-a com a noção acima mencionada da Torá como uma noz composta de casca e cerne. Alguns anos depois, aproximadamente entre 1295 e 1305, um autor anônimo, provavelmente um discípulo de Moisés de Leon ou um membro do seu grupo, escreveu os últimos dos livros zoháricos, Raia Mehemna, “O Verdadeiro Pastor”, e Tikunei Zohar, uma obra contendo várias interpretações da primeira seção da Torá (Gên. 1-5). Este autor adotou o termo pardes como designação dos quatro níveis de significado e é desta origem que todos escritores subsequentes o derivaram.
Em seu comentário sobre o Gênesis, 2,10 e ss., tratando dos quatro rios que correm no jardim do Éden, ou paraíso, o autor anônimo dá um novo jeito à antiga anedota talmúdica acerca dos quatro rabis, Nesta versão, um dos rabis entrou no rio Pishon, nome este interpretado como "pi schone halahót", ou seja, “uma boca que aprende o sentido exato das Halahót". Pischon, aqui, representa o sentido literal. O segundo rabi entrou no rio Gihon, cujo nome representa uma referência à alegoria. O terceiro entrou no rio Hidekel, nome interpretado como uma combinação das duas palavras had e kal, “agudo” e “hábil”, uma referência à agudeza e habilidade da interpretação talmúdica, deraschá. O quarto rabi entrou no Eufrates, representando o âmago do cerne, a medula que abriga a semente da vida, ou seja, onde sempre novos mistérios são descobertos e desenvolvidos. Ben Zoma e Ben Azai chegaram apenas à casca e às camadas internas em volta da Torá; aí permaneceram e incorreram em danos, nestes reinos; só Rabi Akiva penetrou até a medula da Torá; só ele entrou e emergiu são e salvo.
(Zohar 1: 26b)
O autor do Raia Mehemna tem ainda uma outra variante. Em várias passagens emprega ele a palavra-chave pardes, mas substitui remez, alegoria, por reiiót, instituições.49
O autor dos Tikunim identifica a Schehiná, a presença de Deus, a última a ser concebida entre as dez emanações, ou sefirót, com a Torá em todas suas manifestações, abarcando todos seus significados e níveis de significado. Por conseguinte, chama ele a Shekinah de “paraíso da Torá”, pardes há-Torah.
(Zohar Hadasch, seção Tikunim, 102d).
Da mesma forma que Moisés de Leon, combina ele este conceito com o tema da noz:
“A Shekinah no exílio é chamada de pardes (porque é como que trajada com os quatro níveis de significado), mas é ela mesma que é o cerne mais íntimo. Consequentemente, também a chamamos de noz e quando o rei Salomão entrou no paraíso (da especulação mística), disse: 'Eu desci ao jardim das nogueiras' (Ct 6,11)."
- Tikun, n. 24, Fol. 68a-b.
Aqui, as cascas, kelipin, já são relacionadas diretamente com as forças demoniíacas e seu poderio, sendo que deste, a Shekinah, é libertada somente no Sábado, quando ela se veste de trajes sefiróticos.
O significado exato de “Shekinah no exílio”, neste contexto, será esclarecido mais adiante nesta nossa investigação. No seu Livro da Alma Racional, escrito em 1290, o próprio Moisés de Leon ligou a idéia do Pardes com o primeiro princípio acima discutido, ou seja, o princípio da Torá enquanto Nome de Deus. Diz ele:
"Sob o título Pardes, escrevi um livro acerca do mistério dos quatro caminhos; conforme o próprio título informa, trata-se dos quatro que entraram no pardes, que é nada mais senão Peshat, Remez, Deraschá e Sod. Nesse livro comentei extensamente a respeito desses assuntos em relação ao mistério das histórias e fatos relatados na Torá, a fim de demonstrar que todas se referem, num sentido místico, à vida eterna, e que nada há na Torá que não esteja contido no mistério do Seu Nome".
- Moisés de Leon, ao final do seu Sefer ha-Nefesch ha-Hachamá, Basiléia, 1608.
O mesmo princípio básico da interpretação quádrupla das Sagradas Escrituras é empregado por Bahia ben Ascher de uma ponta a outra do minucioso comentário a respeito da Torá, escrito por ele em 1291, em Saragoça. Bahia não utiliza o termo remez mas denomina este método alegórico de interpretação, que para ele é idêntico a uma interpretação conforme os princípios da Filosofia Medieval, de “o caminho racional”, derech ha-sekhel. A palavra Pardes, contudo, era-lhe desconhecida ainda, pois embora estivesse familiarizado com certas seções da parte principal do Zohar, as partes posteriores, onde este termo ocorre, ainda não haviam sido escritas quando Bahia iniciou seu comentário.
Mais um outro meio de definir quatro de semelhantes níveis de significado pode ser encontrado no fragmentário comentário cabalístico ao Guia dos Perplexos de Maimônides. O texto tem sido atribuído a Joseph Gikatila e parece, em todo caso, que foi escrito por volta dos fins do século XIII.53 Diz o autor: “A Torá pode ser interpretada de três ou até mais maneiras”. Estas maneiras, ou métodos, ele denomina de perusch, beur, pescher, e derasch. Perusch é para ele o sentido estritamente gramatical, análogo ao que acima foi chamado de Peshat. Pescher, “interpretação”, significa uma penetração mais profunda ao sentido literal. Derasch compreende tanto a alegoria como o método talmúdico de deduzir a Halahá das palavras das Escrituras e alegoria. O sentido místico ele chama de beur. Literalmente, isto quer dizer apenas explanação, mas por meio de um jogo místico de palavras, à maneira cabalística, relaciona-se aquela com outra palavra hebraica, beer, que é poço, e desta forma a Torá é comparada a um poço de água fresca do qual irrompem sempre novos níveis de significado oculto. Uma idéia semelhante ocorre no Raia Mehemna, cujo autor leu ao menos uma parte dos primeiros trabalhos de Gikatila. Aqui também a Torá é um poço inesgotável de água fresca que nenhuma jarra (kad) conseguirá jamais esvaziar. A palavra hebraica kad tem o valor numérico 24, isto significa para o autor que nem mesmo os vinte e quatro livros do tradicional cânon bíblico podem exaurir a profundidade mística da essência oculta da Divindade, que é manifestada através dos livros da Bíblia.
(Zohar, II, 114b, e o comentário de Gikatila a respeito de Maimônides, na segunda parte do trabalho de Saul Kohen, “Perguntas Dirigidas a Abarbanel”, Veneza, 1574, 21a)
É significativo, neste contexto, que em sua atitude face à alegoria, o Zohar preserve todo o esoterismo aristocrático dos filósofos racionalistas, demonstrando o Midrash ha-Neelam uma particular inclinação para a interpretação alegórica. Uma passagem das mais notáveis é dedicada à interpretação da bem conhecida Agadá acerca do banquete messiânico no qual Israel se deleitará com o Leviatã.
(Baba batra, 74b-75a; cf. L. Ginzberg, The Legends of the Jews, V, pp 43-6)
O autor concorda plenamente com a interpretação filosófica dada a este banquete e por Maimônides, utilizando-a textualmente.
(Hikhot Teshuvá, VIII,4)
Bem no espírito dos filósofos, justifica o grosseiro modo de expressão figurativo empregado pelos rabis, argumentando que a esperança deste banquete e de outras recompensas similares contribui para ajudar o povo simples a suportar as misérias do exílio. Um dos oradores afirma expressamente que a fé popular não deve ser destruída mas, pelo contrário, reforçada.
(Zohar, I, 135b-136a).
É interessante, e não deixa de ter um certo significado irônico, que para designar a fé popular o autor empregue o termo mehemanutha dekolá, que em muitas outras passagens do Zohar é usudo cem sentido místico, significando não “o que todos acreditam”, mas a força da fé que penetra o mundo, o sistema das Sephiroth.
O aspecto quádruplo da Torá possui uma similaridade marcante com os conceitos de certos autores da antiga Idade Média, como São Beda (século VIII). Tais idéias se alastram entre os autores Cristãos da Idade Média tardia. Falam eles, neste contexto, de história, alegoria, tropologia (que para eles significa homilias moralizantes), e analogia (que em geral quer dizer a interpretação escatológica das Sagradas Escrituras). Mas aqui também variam as classificações. A interpretação estritamente mística é identificada às vezes com anagogia e às vezes, por outro lado, alegoria e anagogia tornam-se uma coisa só.58 Famosos, neste contexto, são os versos de origem desconhecida, citados por Nicolau de Lira, no século XIV: "Littera gesta docet, quid credas allegoria, Moralis quid agas, quo tendas anagogia".
Derivaram os cabalistas este conceito dos Cristãos? A pergunta tem sido respondida de várias maneiras. No artigo acima citado. Wilhelm Bacher admite a existência de uma tal conexão histórica, enquanto que Perez Sandler, recentemente, tentou provar que a doutrina cabalística do pardes foi desenvolvida de maneira independente.
(P. Sandler, “Le baiát Pardes”, in Jubilee Volume for Elias Auerbach, Jerusalém, 1955, pp. 222-235)
Ainda que seja por certo possível que os cabalistas tenham chegado à teoria dos quatro níveis sem influência externa, simplesmente dividindo a interpretação alegórica em seus dois aspectos, um filosófico e outro teosófico-místico, estou inclinado a concordar com Bacher. O aparecimento simultâneo da idéia em três autores cabalísticos, todos eles vivendo na Espanha Cristã e todos eles trabalhando com a mesma teoria dos quatro níveis, embora divergindo na respectiva classificação, sugere que tenham deparado em algum lugar com esta idéia dos quatro significados e a tenham adotado. Somos quase forçados a concluir que foram influenciados por hermeneutas Cristãos. O relato do Zohar sobre os quatro níveis denota uma semelhança marcante com a concepção Cristã. Por outro lado, Gikatila (ou o pseudo-Gikatila) não teria boas razões para distinguir entre duas variedades de sentido literal, se não tivesse estado interessado, a priori, em extrair um significado quádruplo da Torá.
Segundo parece, vale a pena assinalar que esta relação entre a teoria cabalistica e o similar conceito cristão já foi notada por Pico della Mirandola, o primeiro humanista cristão a ter interesse profundo na Cabala. Em sua obra Apologia, escrita em 1487, escreve ele:
“Da mesma forma como nós possuimos um método quádruplo de exegese biblica, o literal, o misttco ou alegórico, o trónico e o anazógico, assim também ocorre entre os hebreus. Eles chamam o sentido literal de Peshat, o alegórico de Midrash, o trópico de sehel, e o anagógico, o mais sublime e Divino de todos, de Cabalá"
- Cf. Opera, Basiléia, 1557, pp. 178-9.
Os termos hebraicos são exatamente os mesmos que os usados por Bahia ben Ascher, cujo trabalho, consequentemente, deve ter sido utilizado por Pico. A identificação errônea de midrusch com alegoria, e de schel, que em Bahia de tato significa alegorta, com tropologia, mostra que os conhecimentos destas fontes, por Pico, eram bastante limitados. O mesmo erro é repetido, de forma mais pronunciada, na Apologia de Pico, escrita pelo monge franciscano Archangelo de Burgo Novo. Ele cita a literatura do Midrash sob o titulo de alegoria, porém trabalhos como os. de Maimônides e Gersônides são classificados como tropologia;
(cf. Apologia fratris Archangeli de Burgonoro... pro defentione doctrinae Cabalae, Bolonha, 1564, 8b).
A cristalização desta idéia dos quatro níveis no organismo hierárquico da Torá não foi a única contribuição do Zohar para o problema que aqui nos preocupa. Uma outra tese importante aí exposta é que cada palavra, e mesmo cada letra, possui setenta aspectos ou, literalmente, “faces”. Este conceito não se originou entre os cabalistas. Encontra-se no midrash Números Rabá e já era citado no século XII por Abraão ibn Ezra, o afamado comentador da Bíblia, na introdução ao seu comentário sobre o Pentateuco.
(Números Rabbah, XII, 15)
Ele não ocorre no Talmud mas foi desenvolvido a partir de um tema talmúdico, Setenta é o número tradicional de nações que habitam a terra. O Talmud afirma que cada mandamento emanado da boca de Deus no Monte Sinai foi dividido e pôde ser ouvido em todos os setenta idiomas.(Schabat, 88b) Um elo entre este conceito e o posterior, dos setenta aspectos, aparece claramente numa passagem do Alfabeto de Rabi Akiva, um tratado semimístico, datando dos começos da era pós-talmúdica, que nunca foi anteriormente considerado neste contexto. Lemos nele:
“Todos os tesouros da sabedoria foram entregues ao principe angélico Seganzagael, e todos foram desvendados a Moisés no Monte Sinai, de modo que durante os quarenta dias que lá passou foi instruído em todos os setenta aspectos dos setenta idiomas”.
- Ottiot de Rabi Akiva, ed. Wertheimer, Jerusalem, 1914, p. 12.
Mais tarde, os setenta idiomas foram eliminados e a nova forma nascia. O Zohar faz uso liberal dela, Os diferentes aspectos são os segredos que podem ser descobertos em cada palavra.
“Muitas luzes brilham em cada palavra”.
- Zohar, III, 202a.
Esta tese foi de fato avançada por um autor do século XII, tido em a'ta estima pelos cabalistas da Espanha. Abraão bar Hiia escreve:
“Cada letra e cada palavra em cada seção da Torá têm uma raiz profunda na sabedoria e contêm um mistério dentre os mistérios da compreensão (Divina), em cuja profundidade somos incapazes de penetrar. Queira Deus que possamos saber um pouco só desta abundância”
- Abraão har Hiia, Meguitat ha-Megalé, Berlim, 1924. p. 75.
O significado do texto sagrado não pode esgotar-se em qualquer número finito de luzes e interpretações, e o número setenta representa aqui naturalmente a totalidade inesgotável da palavra divina. Além do mais, a luz e o mistério da Tom são um só, pois a palavra hebraica or, luz, e a palavra hebraica raz, mistério, possuem o mesmo valor numérico, 207. Quando Deus falou “Que se faça luz”, referia-se ao mistério que brilha na Torá, como o exprime o autor do Midrash ha-Neelam.
(Zohar, I: 140a; Zohar Hadasch, 8h)
E foi esta oculta luz primordial da Criação, tão nobre que rão podia ser reba'xada ao uso de criaturas. que Deus encerrou dentro da Torá. Em suas meditações místicas acerca das Escrituras Sagradas, o cabalista consegue captar um raio, “luz da luz inesgotável”. Uma notável aplicação desta noção ao próprio Zohar encontra-se na obra do afamado cabalista Haiim Vital (morto em 1620). A palavra Zohar significa literalmente Esplendor. De acordo com o referido autor, o esplendor da luz Divina da Torá se reflete nos mistérios desse livro. Mas quando tais mistérios são amortalhados pelo significado literal, sua luz fica ofuscada. O sentido literal é escuridão, mas o significado cabalístico, o mistério, é o zohar que resplandece em cada linha das Escrituras Sagradas.67
Esta depreciação do sentido simples, literal, não é nenhuma invenção dos cabalistas posteriores. Ela é claramente enfatizada em certas passagens do próprio Zohar. Rabi Simão disse:
"Ai do homem que considera a Torá um livro de contos e coisas profanas. Se assim fosse, mesmo hoje seríamos capazes de escrever uma Torá tratando de tais assuntos, ou melhor até, No que se refere às coisas mundanas, os reis e príncipes do mundo (em suas crônicas?) possuem materiais mais valiosos. Poderíamos usá-los como modelo para redigir uma Torá desse tipo. Mas, na realidade, as palavras da Torá são palavras mais elevadas e mistérios mais elevados. Mesmo quando os anjos descem à terra (para cumprir uma missão) eles se vestem com os trajes deste mundo, e, se não o fizessem, não poderiam sobreviver neste mundo e q mundo não os suportaria. E se isto é verdade no tocante aos anjos, tanto mais o é no tocante à Torá, por meio da qual Ele criou os anjos e todos os mundos, e por meio da qua! tudo subsiste. Quando ela desce à terra, como é que o mundo a suportaria se não vestisse trajes terrestres? Os contos da Torá são apenas seus trajes externos. Se alguém quer supor que a própria Torá é o traje e nada mais, deixe que ele se entregue ao fantasma. Um tal homem não terá parte no mundo vindouro. É por isso que Davi disse: 'Abri meus olhos, para que veja as maravilhas de vossa Lei.' (Sl 119 [118],18), ou seja, aquilo que está por trás dos trajes da Torá. Venham e vejam: há trajes que cada um vê e, quando tolos vêem um homem em trajes que lhes parecem belos, então já não olham mais de perto. Porêm, mais importante que o traje, é o corpo, e, mais importante do que o corpo, é a alma.
Da mesma forma, a Torá possui um corpo, que consiste nos mandamentos e ordenações da Torá, que são denominados Guf Torá, 'corpos da Torá'68, Este corpo é revestido de trajes que consistem em estórias mundanas. Tolos só vêem os trajes, que é a parte narrativa da Torá; eles nada mais sabem, e deixam de ver o que está por trás dos trajes, Aqueles que sabem mais vêem não apenas o traje, mas também o corpo que está por baixo dele. Mas os verdadeiros sábios, os servos do Rei Supremo, aqueles que estiveram ao pé do Monte Sinai, olham somente para a alma, que é a verdadeira base de toda a Torá, e um dia, decerto, ser-lhes-á dado entrever a alma mais íntima da Torá."
A Torá, o autor acrescenta, necessita de uma vestimenta externa que consiste de narrativas, assim como o vinho, se se quer conservá-lo, necessita de uma jarra. Mas é sempre preciso penetrar até o segredo que está por trás dela.
(Zohar, III, 152a)
O último passo, e o mais radical, no desenvolvimento deste princípio do significado infinito da Torá, toi dado pela escola palestinense de cabalistas, que floresceu no século XVI, em Safed. Eles partiram do velho conceito de que as almas de Israel que saíram do Egito e receberam a Torá ao pé do Monte Sinai eram em número de 600.000. De acordo com as leis da transmigração e da distribuição das centelhas nas quais a alma se desintegra, estas 600.000 almas primordiais estão presentes em cada geração de Israel.
"Conseguentemente, existem 600.000 aspectos e signif.cados na Torá. De acordo com cada uma dessas maneiras de explicar a Torá, a raiz de uma alma foi moldada em Israel. Na Era Messiânica, cada um entre os homens de Israel lerá a Torá de conformidade com o significado peculiar de sua raiz. E assim, também, é a Torá compreendida no Paraíso."
- Isaac Lúria, Sepher ha-Kavanát, Veneza, 1620, 53b.
(Mais sobre o assunto em Vital, Schadr Guilgulim, XVI, Jerusalém, 1918, 17b; in Nathan Shapira, Megalé Amuchot, Cracóvia, 1937, IX; e in Naphtali Bacharach, Emek ha-Melech, Amsterdã, 1648, 42a)
Esta idéia mística de que cada alma individual tem seu modo peculiar de entender a Torá foi enfatizada por Moisés Cordovero, de Safed (morto em 1570). Disse ele que cada uma destas 600.000 almas santas tem sua porção especial da Torá, “e a ninguém mais, exceto a ele, cuja alma daí brota, será dado compreender nesta maneira especial e individual que lhe é - reservada”.71 Com o auxílio do Zohar, os cabalistas - de Safed desenvolveram ainda a idéia de que a Torá, que em sua forma visível contém apenas umas 340.000 “letras, teria, de alguma forma misteriosa, 600.000. “Cada indivíduo, em Israel, possui uma letra desta misteriosa Torá, à qual se prende sua alma, e ele lê a ' Torá de um modo particular predeterminado por sua raiz superior que está na Torá. Menahem Azariá de Fano, um dos grandes cabalistas italianos (c. 1600), expõe em seu tratado sobre a alma, que a Torá, tal como foi originalmente entalhada nas duas tábuas (as que foram partidas), continha essas 600.000 letras e que somente nas segundas tábuas ela assumiu a forma abreviada que, contudo, graças a um meio secreto de combinar letras, ainda indica o número original de 600.000 letras que formam o corpo místico da Torá".72
V.
Examinamos os três princípios básicos que se pode dizer governam a concepção geral dos cabalistas acerca da Torá. Mas isto de maneira alguma encerra o assunto. Em certos trabalhos cabalísticos, tais princípios tomam uma direção nova e abrem perspectivas de longo alcance. Os cabalistas não recuavam diante de inferências audaciosas em tais assuntos. Todos estes novos desenvolvimentos tiveram seu ponto de partida em duas perguntas que vinham de maneira bastante natural à mente de um judeu piedoso mas de inclinação especulativa: 1. Qual teria sido o conteúdo da Torá, que deve ser considerada a mais alta manifestação da Sapiência Divina, não fosse a queda do homem? Ou, numa formulação mais radical: Se a Torá era preexistente, se ela precedeu a Criação, qual era a sua natureza antes da queda? 2. Qual será a estrutura da Torá, na Era Messiânica, quando o homem fosse restaurado a seu estado pristino? - Essencialmente as duas perguntas são uma só, ou seja, qual é a relação da Torá com a história fundamental do homem? Surpreende um pouco que esta questão tenha preocupado grandemente certos cabalistas. Repercutiu amplamente nos escritores cabalistas subsequentes, cujas idéias sobre este assunto exerceram profunda influência no desenvolvimento posterior do misticismo judaico, tanto em seu aspecto ortodoxo quanto herético.
Mesmo que o autor do corpo principal do Zohar não exaltasse essas questões, elas assumiram uma importância fundamental na mente de seu contemporâneo mais jovem que escreveu a Raia Mehenina, “O verdadeiro pastor” (uma obra sobre as razões esotéricas dos mandamentos da Torá) e o Tikkunei Zohar. Seus livros revelam duas sequências de idéias que são relevantes com relação a isto.
A primeira delas se relaciona com os dois aspectos diferentes da Torá, que nesses livros são chamados Torá de-beriá, “a Torá no estado de criação” e Torá de-atzilut, “a Torá no estado de Emanação”. A última é caracterizada pelas palavras do salmista (19,8): “A Lei do Senhor é perfeita”, o que significa que ela está autocontida em seu caráter Divino e ainda intacta. A Torá de-beriá, por sua vez, está caracterizada pelo verso dos Provérbios (8,22): “O Senhor me criou, como primícia de suas obras”. Isto é, a Torá apareceu quando Deus se afastou de sua essência Divina oculta e se revelou na criação de obras e mundos.
(Tikunei Zohar, Prefácio, 6b)
E em outra passagem: “Há uma Torá que não se pode dizer que foi criada; ela é emanação de Deus”. Apenas com relação a esta Torá de-Atzilut não-criada é que se aplica a tese mística que Deus e a Torá constituem um só.
(Tikkunei Zohar 22: 64a)
O autor não desenvolve detalhadamente esta idéia, salvo nas passagens em que ela está relacionada com a segunda questão, que ele discute frequentemente e largamente. Assim, lemos numa terceira passagem que a Torá criada, Torá de-beriá, é a vestimenta externa da Shekinah.
(Zohar, I, 230-b. Esta parte pertence ao Tikunei Zohar)
Se o homem não tivesse sucumbido ao pecado, a Shekinah poderia ser dispensada desta cobertura. Acontece que ela precisa de uma cobertura, como um homem que deve esconder sua pobreza. Deste modo, todo pecador pode estar ligado ao homem que rouba os trajes da Shekinah; mas o homem que cumpre os mandamentos da Torá é como uma pessoa que veste a Shekinah com os trajes dela e fá-la aparecer no mundo terrestre. Daí segue que aquilo que o autor chama de Torá de-beriá corresponde à Torá como ela é realmente manifestada e pode realmente ser cumprida, isto é, a Torá da tradição talmúdica. Ela contém mandamentos positivos e negativos e traça uma nítida linha divisória entre o bem e o mal, o puro e o impuro, o permitido e o proibido, o sagrado e o profano. Esta idéia da vestimenta da Torá repete-se sempre nesta última parte do Zohar, ainda que com nuanças de significado muito divergentes. Ela se baseia na identificação da Shekinah (que também é a Rainha ou Matrona) à Torá tal como ela foi revelada aos homens. É afirmado repetidas vezes, por exemplo, que a cor de sua vestimenta, após a queda do homem, mas particularmente durante o período do exílio, é preta, em sinal de luto. Mas em outras passagens a cor preta é relacionada ao sentido literal da Torá, sendo este a primeira camada de sentido a ser discernido nela. Assim, numa passagem no Raia Mehemna, falando da Matrona como sendo a Torá, o autor declara que através de suas boas ações e também, é claro, através da sua intuição mais profunda, um homem virtuoso ilumina a Shekinah, "despindo-a do traje sombrio do significado literal e casuístico, adornando-a com trajes radiantes que são os mistérios da Torá".(III, 215b, Raia Mehemna)
Em outras passagens aplica-se um simbolismo diferente a estes dois aspectos da Torá, um o factual e pragmático, e outro o contemplativo e místico. Vimos que a Torá foi comparada à Árvore da Vida, no Paraíso. Mas a Bíblia fala de duas árvores no Paraíso, cada uma das quais é agora relacionada a uma esfera diferente do domínio Divino. A Árvore da Vida foi identificada (mesmo antes da publicação do Zohar) à Torá escrita, ao passo que a Árvore do Conhecimento do bem e do mal foi identificada à Torá oral. Neste sentido, a Torá escrita, obviamente, é considerada um absoluto, enquanto que a Torá oral trata das modalidades da aplicação da Torá no mundo terreno. Esta concepção não é tão paradoxal quanto à primeira vista possa parecer. Para os cabalistas, a Torá escrita era, de fato, um absoluto, que como tal não pode ser total e diretamente apreendido pela mente humana. E a tradição que torna primeiro a Torá acessível à compreensão humana, indicando as maneiras e os meios através dos quais a Torá pode ser aplicada à vida judaica. Para um judeu ortodoxo — e não devemos esquecer que na sua própria opinião os cabalistas eram judeus ortodoxos — tão-somente a Torá escrita, sem a tradição, que é a Torá oral, estaria sujeita a toda espécie de interpretações errôneas. É a Torá oral que de fato determina a conduta do judeu. É fácil ver como a Torá oral veio a ser identificada — como o era pelos primeiros cabalistas — com a nova concepção mística da Shekinah, considerada a potência divina que governa a Congregação de Israel e nela se manifesta. Já discutimos certo número de inferências audazes que um dos primeiros cabalistas tirou deste simbolismo das duas manifestações da Torá.
O autor do Raia Mehemna e dos Tikunim, contudo, deu ao referido simbolismo uma nova direção, pejada de consequências. Para ele, a Árvore do Conhecimento do bem e do mal veio a simbolizar aquela parte da Torá que distingue entre bem e mal, puro e impuro, etc. Mas esta árvore sugeriu-lhe, ao mesmo tempo, a força que o mal pode adquirir sobre o bem em épocas de pecado e especialmente em épocas de exílio. A Àrvore do Conhecimento transformou-se, assim, na árvore das restrições, proibições e delimitações, enquanto a Árvore da Vida era a árvore da liberdade, uma árvore simbólica de uma idade em que o dualismo de bem e mal ainda não (ou não mais) era concebível, e tudo dava testemunho da unidade da vida Divina, intocada ainda por quaisquer restrições, pelo poder da morte ou por qualquer outro dos aspectos negativos da vida que apareceram tão-somente após a queda do homem. Tais aspectos restritivos, limitativos, da Torá, são perfeitamente legítimos no mundo de pecado, no mundo não redimido, e num mundo desses a Torá não podia ter assumido qualquer outra forma. Tão-somente após a queda e suas consequências de longo alcance assumiu a Torá o aspecto material e limitado no qual hoje nos aparece. Em inteiro acordo com esta visão é que a Árvore da Vida veio a representar a feição utópica da Torá.
(Cf. “Zum Verstaendnis der messianischen Idee im Judentum”, in Eranos-Jahrbuch, XXVIII, 1960, pp. 221-223).
Deste ponto de vista era perfeitamente plausível identificar a Torá como Árvore da Vida com a Torá mística, e a Torá como Árvore do Conhecimento do bem e do mal com a Torá histórica. Temos, aqui, evidentemente, um exemplo marcante da exegese tipológica à qual era tão dado o autor do Raia Mehemna e dos Tikunim.
Mas devemos efetuar um passo à frente. O autor liga este dualismo das árvores a dois conjuntos diferentes de tábuas conferidas a Moisés no Monte Sinai. Conforme uma velha tradição talmúdica, o veneno da serpente que corrompera Eva, e por meio dela toda a humanidade, perdeu a força com a Revelação do Monte Sinai, mas reconquistou-a quando Israel começou a adorar o bezerro de ouro. O autor cabalístico interpreta isto a seu modo. As primeiras tábuas, dadas antes que Israel pecasse com o bezerro de ouro, mas que, afora Moisés, ninguém havia lido, vieram da Árvore da Vida. As segundas tábuas, dadas após as primeiras terem sido partidas, vieram da Árvore do Conhecimento. O significado é claro: as primeiras tábuas continham a revelação da Torá em conformidade com o estado original do homem, governado pelo princípio corporificado na Árvore da Vida. Esta era uma Torá verdadeiramente espiritual, outorgada a um mundo em que Revelação e Redenção coincidiam, em que tudo era santo e não havia necessidade de manter em xeque as forças da impureza e da morte por meio de proibições e restrições. Nessa Torá o mistério estava plenamente revelado, Mas o momento utópico logo se desfez. Quando as primeiras tábuas foram partidas, “as letras nelas talhadas voaram embora”, isto é, o elemento puramente espiritual retrocedeu; desde então, tem sido visível apenas para os místicos, que podem percebê-lo mesmo debaixo dos novos trajes externos em que apareceu nas segundas tábuas.
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(Zohar, I, 26b, [Tikkunim], II, 117b; III, 124b, 153a, 255a [todos do Raia Mehemna]; Tikkunei Zohar, ns, 56 e 60; Zohar Hadasch, 106c).
Nas segundas tábuas, a Torá surge em vestimenta histórica e como força histórica. Na verdade, ela ainda encerra suas profundezas ocultas, seu mistério infinito. O bem ainda é translúcido, enquanto o mal deve ser cercado e combatido por todas as proibições concebidas como suas contrapartidas. Esta é a casca dura da Torá, indispensável num mundo governado pelas forças do mal. Mas a casca não deve ser confundida com o conjunto, ela não é tudo. Cumprindo os mandamentos, um homem é capaz de romper através da casca e atingir o cerne. Esta concepção também nos ajuda a desfazer em parte a ambigiidade de certas afirmações acerca da ordem hierárquica da Bíblia, da Mishná, do Talmud e da Cabalá, que aparecem fregientemente no Raia Mehemna e nos Tikunim e que têm confundido não poucos leitores desses textos. Seria um engano, porém, chamar estas passagens de antinomísticas ou antitalmúdicas.79 O autor está longe de pretender pôr de lado a lei talmúdica, à qual concede plena validade e legitimidade como forma histórica em que a Torá foi dada. As discussões pormenorizadas de elementos da Halahá, nesses livros, são de caráter puramente positivo e não apresentam sinal de hostilidade. Mas não pode haver dúvida alguma de que o autor esperava que os aspectos utópicos e puramente místicos da Torá se tornariam plenamente manifestos e entrariam em vigor pleno no dia da Redenção.
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7. O CRISTIANISMO
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(Vulliaud sobre o Ayn Soph e o Cristianismo)
Deus é não-ser, não porque Deus careça de ser, mas porque Deus está além de todos os seres.
(Ayn Soph e São Tomás - se possível - e Mario Ferreira dos Santos)
Religião
A derivação da palavra "Religião" tem sido uma questão de disputa desde os tempos antigos. Nem hoje é uma questão fechada. Cícero, em seu "De natura deorum", II, xxviii, deriva religião de relegere (tratar com cuidado):
"Aqueles que cuidadosamente tomaram em mãos todas as coisas pertencentes aos deuses foram chamados religiosi, de relegere."
Max Muller favoreceu esta visão. Mas como a religião é uma noção elementar muito anterior ao tempo do ritual complicado pressuposto nesta explicação, devemos procurar em outro lugar por sua etimologia. Uma derivação muito mais provável, que se adapta à ideia de Religião em seu começo simples, é aquela dada por Lactâncio, em seus "Institutos Divinos", IV, XXVIII. Ele deriva religião de religare (ligar):
"Estamos ligados a Deus e ligados a Ele [religati] pelo vínculo da piedade, e é disso, e não, como Cícero sustenta, de consideração cuidadosa [relegendo], que religião recebeu seu nome."
A objeção de que religio não poderia ser derivada de religare, verbo da primeira conjugação, não tem grande peso, quando lembramos que opinio vem de opinari e rebellio de rebellare. Santo Agostinho, em sua Cidade de Deus X.3, deriva religio de religere no sentido de recuperar: "tendo perdido Deus por negligência [negligentes], nós O recuperamos [religentes] e somos atraídos a Ele." Esta explicação, implicando a noção de Redenção, não é adequada à ideia primária de religião. O próprio Santo Agostinho não ficou satisfeito com isso, pois em suas "Retratações", I, xiii, ele o abandonou em favor da derivação dada por Lactâncio. Ele emprega o último significado em seu tratado "Sobre a Verdadeira Religião", onde diz: "A religião nos liga (religat) ao Deus Todo-Poderoso." São Tomás, em sua "Summa", II-II, Q. lxxxi, a. 1, dá todas as três derivações sem se pronunciar a favor de nenhuma. O correto parece ser o oferecido por Lactâncio. A religião em sua forma mais simples implica a noção de estar vinculado a Deus; a mesma noção é predominante na palavra religião em seu sentido mais específico, aplicada à vida de pobreza, castidade e obediência à qual os indivíduos voluntariamente se vinculam por votos mais ou menos solenes. Portanto, aqueles que estão assim ligados são conhecidos como religiosos. Religião, falando de forma ampla, significa a sujeição voluntária de si mesmo a Deus.
Dat e Daat
Se o mundo da Criação é o Céu, o dá Formação é o Éden. Aqui, as coisas provocadas e criadas, tais como o espírito, se revestem de certas qualidades e características, como uma idéia que toma forma. Neste reino, todas as coisas atravessam metamorfoses sem fim, conforme à Criação avança desde o início até o fim dos tempos. Aquí, o Adão da Criação se dividiu nos dois sexos, que representam o Pilar esquerdo e o direito, enquanto a Árvore do Conhecimento (Daat) ou a Criação se eleva pelo meio do jardim. Encima se encontra a Árvore da Vida, o Mundo Divino da Emanação; embaixo, a serpente da traição tenta o espírito e a alma.
"Deu-lhe este preceito: “Podes comer do fruto de todas as árvores do jardim; mas não comas do fruto da árvore da ciência (וּמֵעֵ֗ץ הַדַּ֙עַת֙ - Umetz Ha-Daat) do bem e do mal; porque no dia em que dele comeres, morrerás indubitavelmente”.
Gn 2,16-17
Adão é a acusado na literatura rabínica de "destruir as plantas".
(Citação...)
O que isso quer dizer? Adão não comeu o Fruto do conhecimento do Bem e do Mal?
O Fruto Proibido, que Adão é acusado de "cortar" de algum lugar é Daat (דעת), o acoplamento de Chokhmah e Binah no Mundo de Briah, onde Adão estava. Basicamente, Adão se apoderou de algo que não lhe pertencia.
E o que aconteceu? Algo foi tirado de Daat. A letra Ayin (ע). Ayin significa "Olho". Por isso Moisés escreve que após Adão e Eva comerem o fruto "os seus olhos abriram-se" (Gn 3,7). Sem Ayin, Daat se torna Dat (דת). Dat é usada nas Escrituras Hebraicas para denotar "Religião", "Mandamentos", ou simplesmente a Lei de Deus.
“Artaxerxes, rei dos reis, a Esdras, Sacerdote e escriba versado na Lei (דָּתָ֜א - Data) do Deus do céu, saudações."
Esd 7,12
"E tu, Esdras, segundo a Sabedoria de teu Deus que te foi dada, estabelecerás juízes e magistrados para fazer justiça a todo o povo da outra banda do rio, a todos aqueles que conhecem a Lei (דָּתֵ֣י - Date) de teu Deus; e tu deverás ensinar aos que não as conhecem."
Esd 7,25
"Esses homens disseram, então: 'Não acharemos motivo algum de acusação contra esse Daniel, a não ser naquilo que diz respeito à Lei (בְּדָ֥ת - Bedat) de seu Deus'."
Dn 6,6
O valor numérico da letra Ayin é 70, idêntico ao de Sod (סוד), que significa "Mistério". O corte das plantas realizado por Adão foi a transformação do Conhecimento de Deus em Religião.
E sem esse lamento esquerdista que amaldiçoa a Religião o tempo todo. À ela só falta uma letra. Na verdade, não falta nela. Falta em nós. Um olho para ver os Mistérios Divinos. Esse olho se fechou quando os olhos de Adão e Eva foram abertos, e foi reaberto por Cristo. Precisamos de "Religação" enquanto estamos aqui pois não estamos unidos à Deus. A Religião existe em sua mais alta perfeição no Céu, onde os Anjos e Santos amam, louvam e adoram a Deus, e vivem em absoluta conformidade com Sua Santa vontade. O único lugar onde a Religião não existe absolutamente é o inferno, pois a subordinação das criaturas racionais ao seu Criador não é de livre arbítrio, mas de necessidade física. Neste mundo a Religião é praticamente coextensiva com a raça humana, porém, onde não foi elevada ao plano sobrenatural através da Revelação Divina, trabalha sob sérios defeitos.
Porque pecou, Adão recebeu vestes de pele (עור) em lugar de suas vestes de luz (אור); ambas se pronunciam "Aur" com a diferença, mais uma vez, de uma letra. Um Aleph - luz - no lugar de um Ayin - pele.
Mas o que significa essa "cobertura de luz" que revestia Adão? A primeira palavra antes dos Dez Mandamentos é "Eu" no capítulo 20 do livro do Êxodo. Em hebraico se diz "Anochi" (אָנֹכִי). O rabino Yohanan diz que Anochi é um acrônimo, um código em Notarikon.
"O próprio rabino Yoḥanan disse que a palavra anokhi que começa os Dez Mandamentos é uma abreviação de ana nafshi ketivat yehavit (אֲנָא נ ַפְשִׁי כְּתַבִית יְהַבִית)."
(Shabat 105a3)
A frase significa numa tradução livre: "Eu mesmo me escrevi e me entreguei (na Torá)". As letras hebraicas são feitas de luz, carregam luz em suas entranhas, haja visto serem elas os "tijolos" da Criação. São chamadas "אות" (as ou os) por conta da passagem de Isaías;
"E a sentinela responde: “A manhã chega (אָתָ֥ה בֹ֖קֶר), igualmente a noite. Se quereis sabê-lo, voltai a interrogar"
Is 21,12
(explicação)
As letras são a luz e o Zohar diz que Adão estava vestido nelas, coberto por elas.
(passagem do zohar)
Adão estava em Deus. Deus que se escreveu como Torá. Porque Adão não está mais lá (nós não estamos mais lá), a Torá tem proibições e permissões, vida e morte, bem e mal, como a Árvore proibida no Éden.
(significado de "sacerdócio da morte" nos comentários bíblicos, e porquê o judaísmo foi feito para a Humanidade não redimida)
O Deus que sobe e desce
"E eis que ouviram o barulho (dos passos) do Senhor Deus que passeava (יְהוָ֧ה אֱלֹהִ֛ים מִתְהַלֵּ֥ךְ - YHWH Elohim Mihalech) no jardim, à hora da brisa da tarde."
Gn 3,8
Mihalech (מִתְהַלֵּ֥ךְ) significa mover-se, de maneira especial, para cima e para baixo (fonte). Ou seja, a Presença de Deus com Adão e Eva era intermitente, porém muito mais real do que a que experimentamos hoje.
"Rabi Abba Bar Kahana (séc. III) disse: Não se usa a palavra Mahalach (מהלך - caminhar) aqui, mas sim Mihalech (מתהלך), que implica saltar e subir.
A Shekinah estava originalmente nos mundos inferiores (de Adão), mas quando Adão pecou, ​​partiu para o Primeiro Céu. Quando Caim pecou, ​​partiu para o Segundo, na geração de Enos até o Terceiro, na geração do Dilúvio até o Quarto, na geração da Torre de Babel até o Quinto, na geração de Sodoma até o Sexto, na geração dos egípcios até o Sétimo.
Sete homens justos surgiram correspondentes a eles: Abraão, Isaac, Jacó, Levi, Caat, Aarão e Moisés. Abraão a desceu até o sexto, Isaac a desceu do sexto ao quinto, Jacó a desceu do quinto ao quarto, Levi a desceu do quarto ao terceiro, Caat a desceu do terceiro para o segundo, Aarão a desceu do segundo para o primeiro, e Moisés a desceu de cima para baixo (este mundo)."
- Midrash Gênesis Rabbah 19:7.
Mas sabemos o que houve quando Moisés desceu "de cima para baixo". Os israelitas se corromperam com o Bezerro de Ouro. As Tábuas da Lei escritas em Safira (segundo o Zohar) foram quebradas e outras foram escritas pelo Profeta e não pelo Dedo de Deus. A própria Torá agora estava envolta em Conchas de Impureza, regida pela Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal.
(Interpretação Patristica da Quebra das Tábuas)
Séculos mais tarde, nasce Jesus Cristo. Enviado para purificar a Lei. Mas os judeus O rejeitam e O matam.
A Shekinah (שְׁכִינָה) é a tradução literal da palavra "Morada" ou "Presença". Ou seja: Deus vivendo entre nós. Por isso Jesus é Emmanuel (עִמָּ֥נוּאֵֽל - "Deus conosco" [Mt 1,23, C.f. Is 7,14]). Ele mesmo é a Shekinah.
Mas a Torá cria um mundo que não é esse onde estamos em Exílio.
"Na Torá, 'criação do mundo'não significa 'criação do mundo físico', o momento em que a matéria nasce. Não, trata-se de criar o mundo em uma narrativa: é a primeira vez que um texto escrito é considerado uma criação do mundo. Não é a primeira vez que um texto escrito fala da criação do mundo, mas é a primeira vez que as pessoas consideram que escrever é uma forma de criar: 'Eu escrevo, logo crio!' A escrita se torna uma ferramenta pela qual o mundo é criado 'em histórias'..."
- rabino Marc Alain-Quaknim; "A Torá explicada para crianças", página 127.
Resumindo: saímos de um livro. O livro de Deus que é o próprio Deus. Por causa disso, Deus é "um Deus ciumento" e nós somos náufragos existenciais.
Bereshit
Em Gênesis, lemos que antes da criação, a Terra era Tohu va Bohu (תהו ובהו - "Sem Forma e Vazia"). É ensinado que os mundos de Tohu va Bohu, ou mundos "Sem Forma e Vazios" que existiram antes da criação da Luz, pereceram ou foram destruídos por Deus justamente por não terem sido criados nessa palavra, Bereshit, que é a Palavra da Lei (Torá).
"O Senhor me possuiu no Princípio de seus caminhos, desde então, e antes de suas obras."
Pr 8,22.
A palavra para "Princípio" é Bereshit (בְּרֵאשִׁ֖ית) em hebraico. A parte mais importante do Zohar, o "Tikkunei HaZohar" (תיקוני הזוהר - "Complementos do Zohar") é um comentário sobre os 70 significados dessa única palavra, consequentemente, os 70 significados de toda Torá.
Entretanto, um desses sentidos se destaca, por ser mencionado muitas vezes antes, no Tratado de Bereshit.
Citando Provérbios 8,22, o Zohar explica que essa que esteve com o Senhor "no Princípio" foi a Torá Primordial que Ele usou para fazer mundo.
(passagem do Zohar que cita Provérbios 8,22 e diz isso)
Esse mundo, estabelecido sobre a Torá (ou seja, sobre o Pacto) permaneceu firme e não foi destruído como os anteriores.
(Tikkun, mundo da retificação)
Agora observe: se tirarmos de Bereshit (בראשית) as duas letras que estão no meio da palavra, ou seja, א (Aleph, aqui com som de "e") e ש (Shin), outra palavra aparecerá, Berit (ברית), que é Pacto ou Aliança.
(Citação que liga Bereshit a Berit)
Poderemos ler Gênesis 1,1 da seguinte maneira: "No Pacto criou Deus os Céus e a Terra". Ou ainda: "Em Berit criou Deus os Céus e a Terra".
Foi o Pacto, Berit ou Torá Primordial no Princípio que garantiu a estabilidade do Mundo que é criado no começo do Livro da Torá. E aqui tambem cabe estabelecer a diferença entre o livro da Torá e a própria Torá.
A palavra Torá é mais geralmente traduzida como "Lei". Mas também significa "Ensino" ou "Instrução". O que é muito significativo para nossa análise, uma vez que Deus usou essa Torá (Sabedoria) na criação do mundo que vemos nas Escrituras. Entretanto, os livros do Pentateuco que contém suas histórias e mandamentos são chamados no Zohar de "vestes e corpo" da Verdadeira Torá. O Cabalista deve avançar para além deles, para a Alma da Torá e então para a Alma da Alma que é o Senhor.
(texto sobre as vestes)
Os Cinco Livros de Moisés que formam o Corpo da Torá são sagrados não pelo que neles está registrado, mas por conta da Alma dentro deles. A Sabedoria de Deus, com a qual Ele fez o mundo.
“Está escrito 'Foi pela Sabedoria (בְּחָכְמָ֥ה - Ba-Chokhmah) que o Senhor criou a terra' (Pr 3,19). A Sabedoria nada mais é do que a Torá devido ao número de seus mandamentos. Também seu nome era Amon (אָ֫מ֥וֹן) antes que o mundo fosse criado, como está escrito 'junto a Ele estava Eu como artífice (אָ֫מ֥וֹן)' (Pr 8,30)."
(Rabino Isaac, o Cego, Fonte)
A Torá como Sabedoria e Palavra de Deus faz parte da própria Divindade – os mandamentos da Lei são, como diz o Zohar, apenas uma vestimenta terrena desta Torá Primordial.
(Scholem? ou algum autor Católico que fale da Torá primordial e suas vestes)
(A idéia central do Cristianismo é que... [Dicionário de Vacant sobre Redenção - Vol 13 - em especial, sua necessidade, e sobre o próprio Cristianismo])
Jesus como Sabedoria (Chokhmah no hebraico e Sophia no grego) e Verbo (Dabar no hebraico e Logos no grego) de Deus é a Torá Viva e Primordial que se fez Carne na Encarnação. A vestimenta que a Torá vestia era apenas temporária, enquanto Jesus como Torá Viva assumiu a natureza humana por toda a eternidade – elevando assim o homem ao nível da Divindade.
"Bendito seja Jeová que até aqui me auxiliou na tarefa de mostrar aos filhos do antigo Jacó a identidade da Fé pregada pelo Messias Jesus com a crença de nossos pais, de nossos primeiros Patriarcas. O Evangelho apenas mudou a forma do Culto Divino; pois a Lei proclamada no Monte Sinai, diferente do que era desde o início (nota), foi revestida com a casca adequada à dureza de coração dos nossos antepassados; mas, despojando-se das cerimônias externas que a tornavam uma Lei rigorosa, tornou-se, na plenitude dos tempos, sob a Mão Divina do Redentor, um Culto de amor, a Lei escrita no Coração.(nota) Pela sua Encarnação na nossa débil humanidade, a Palavra de Deus encarnou-se, de algum modo, na letra dos nossos livros sagrados. Então se cumpriu o que o Senhor havia falado por meio do profeta Jeremias com estas palavras:
'Dias virão – oráculo do Se­nhor – em que firmarei nova aliança com as casas de Israel e de Judá. Será diferente da que concluí com seus pais no dia em que pela mão os tomei para tirá-los do Egito, aliança que violaram embora eu fosse o esposo deles. Eis a aliança que, então, farei com a casa de Israel – oráculo do Senhor: Eu lhe incutirei a minha Lei; eu a gravarei em seu coração.'
(Jr 31,31-33)."
- Drach
Segundo Isaac, da Torá Primordial foi extraído um único nome – חֶסֶד (Chesed - Amor/Misericórdia).
É sabido que São João diz que Deus é Amor (1Jo 4,16). A palavra usada é Agape (ἀγάπη).
Isaac explica que esse atributo é dividido em três forças - dessas três forças emanam as dez Sephiroth.
(Citação)
A Torá Primordial é baseada no Amor (חֶסֶד), e para tanto, Jesus resume a Torá como Amor a Deus e ao próximo. Deus é Amor e Jesus é o Amor encarnado.
(Não só isso, mas Cristo realiza...)
Cristo usa a carne de Maria como veste para nos redimir, fazendo dela co-redentora. (...)
Esta é uma verdade implicitamente contida no ensino do Novo Testamento. O arcanjo Gabriel negocia com Maria o grande acontecimento do qual deve depender a Salvação do mundo. Como condição para a realização da Encarnação, o embaixador Celeste pede o consentimento de Maria: espera a resposta de Maria e só sai depois de tê-la obtido.
O que é especialmente importante observar é que a Encarnação para a qual é solicitado o consentimento de Maria é a Encarnação redentora que envolve, para Maria, uma participação nos Sofrimentos do seu Divino Filho e na sua obra regenerativa. Isto é particularmente demonstrado por Leão XIII e São Pio X.
Pelas finalidades providenciais para as quais foi solicitado, e para que pudesse ser dignamente associado ao Sacrifício íntimo de Nosso Senhor, o consentimento de Maria à Encarnação devia referir-se, pelo menos em substância, à Encarnação como o foi a ser realizado, com o Sacrifício da Cruz para o qual foi ordenado, com a parcela de Sofrimento que deveria resultar para Maria. Este conhecimento eminente era necessário para que Maria pudesse ordenar todos os seus méritos com esse propósito, e para que com um amor puríssimo ao Sacrifício e à imolação fosse dignamente associada, mesmo que apenas a título secundário, ao Sacrifício do seu Divinno Filho.(Vacant, vol 9, ver ainda as palavras de São Pio X)
Nisso, escreve Pietro Galatino;
"Se Deus previu que Adão pecaria, por causa de tal pecado o mundo inteiro seria de alguma forma corrompido, ou até mesmo destruído, como foi provado muito bem no precedente. Por que então ele criou o próprio mundo? Para tanto, não direi nada sozinho, apenas relatarei o que os antigos judeus dizem. Pois entre os demais aquele Rabino (Judá HaNasi), cuja autoridade entre eles é tão grande, que eles o chamam de רבנו הקדוש‎ - 'Rabbenu Hakkadosh', isto é, 'nosso santo Mestre' - no livro que ele chamou גלי רזיא - 'Gale Razaya', isto é, 'o Revelador dos Mistérios', respondendo a Antonino, sexto cônsul da cidade a pedido de Roma, ele diz entre outras coisas, que antes da criação do mundo, o Santo e Bendito Deus previu que Adão pecaria, transgrediria o mundo que era dele, e portanto o mundo inteiro se condenaria, por isso o próprio Deus disse que não queria criar um mundo. E suas palavras insistiam: "Que o mundo seja criado." E o Santo e Bendito Deus viu que uma rocha seria cortada sem mãos de Israel. E esta é a rocha primária da qual nascerá o Messias, que estenderá suas misericórdias sobre o mundo inteiro. E por esta razão Israel foi chamado o pai de todo o mundo e um povo especial. Pelo amor desta pedra, e do Messias, filho de seu rei Davi, o Santo e Bendito Deus criou este mundo, razão pela qual se diz ser misterioso na leitura. כֹּה אָמַר יְהוָה אִם־לֹא בְרִיתִי יוֹמָם וָלָיְלָה חֻקּוֹת שָׁמַיִם וָאָרֶץ לֹא־שָֽׂמְתִּי - 'Agora, a menos que minha Aliança (fosse cumprida) dia e noite, Eu não teria estabelecido as leis do Céu e da Terra' (Jr 33,25). Isto é o que diz Rabbenu Hakkadosh.
Mas para a explicação das palavras de Jeremias, que ele mesmo introduz, devemos notar que os nomes hebraicos ומרים ישו, isto é, Jesus e Maria, equivalem matematicamente ao número de ברית - Berith, que significa aliança. Pois ישו ומרים, isto é, Jesus e Maria, entre os hebreus, vale 612. Pois י - Yod contém 10, ש - shin 300. ו - vav 6. E então ישו isto é, 'Jesus' contém 316. Mais a frente ו - vav contém 6. ם - Mem 40. ר - resh 200. י - Yod 10. מ - mem 40. E então, 'e Maria' 296. O mesmo ברית - berith, isto é, aliança, será cantado entre eles com este mesmo número. Pois ב - beth contém 2, ר - resh 200. י - Yod 10. ת - tau 400. A partir disso, fica claro que Jesus e Maria entre os hebreus, segundo o raciocínio matemático, ascendem ao número de Berith, ou seja, a aliança, isto é, ao número de 612, cujo número não é comum na Cabala, que em qualquer caso tais números podem ser encontrados e são os mais numerosos, eles não são medianos. Eles usam a Fé. Por esta razão, as próprias palavras de Jeremias são assim interpretadas; 'Se não fosse por minha aliança, isto é, se não fosse por meus Jesus e Maria, eu não teria estabelecido as leis do céu e da terra dia e noite'. Este é um mundo não criado. Do qual a razão das coisas está desfigurada. Este é, porém, o propósito para o qual Deus criou o mundo, o homem. O fim verdadeiro do homem é a salvação e a beatitude. Porém o pecado de Adão de certa forma corrompeu toda a terra.
Portanto Deus disse, não criaria o mundo sozinho. Dele o verdadeiro Verbo, isto é, o Filho de Deus ele mesmo contestou o mundo para ser criado. Porque, tendo assumido a carne humana, Ele próprio estava prestes a morrer pelo pecado de Adão. E, portanto, por amor de Jesus, Deus criou o mundo a partir de Maria. O rabino Ankelos também confirma isso, enquanto na glosa caldaica em Gen. 1 ca. disse: 'No princípio criou Deus os céus e a terra'. בחכמה ברא יהוה ית שמיא וית ארץ, i.e., pela Sabedoria Deus criou o céu e a terra. Isto é, Deus criou o céu e a terra pelo amor da virgem imaculada, que é a sabedoria do mundo. E com o amor do Messias, seu filho, a quem se atribui a Sabedoria Divina. Não só o mundo inteiro foi fundado pelo amor da Virgem Santíssima, mas também é sustentado.
Pois o próprio mundo, por causa de nossas ações iníquas, não poderia manter nenhum acordo, a menos que a própria Virgem gloriosa o apoiasse por sua misericórdia e clemência, orando por nós. E também segue disso que ela e seu filho estavam completamente livres do pecado de Adão."
- Pietro Galatino, "Opus de Arcanis Catholicæ Veritatis", 1550, Basileæ, páginas 488-489.
São João Eudes, precursor das Devoções aos Sagrados Corações de Jesus e Maria, afirmava que Nossa Senhora foi Mãe de Cristo em seu intelecto antes de ser no corpo. Mas o que é um Coração?
(o que é um coração)
Segundo o Santo, Maria foi educada na Lei de Moisés, na esperança messiânica e cultivou em sua imaginação como Ele seria. Quando essa imagem chegou à sua maturidade, Deus enviou o Arcanjo para gerar nela o Messias.
Estamos aqui em pleno Mistério da Redenção e da Subcriação. No Reino dos Possíveis na Mente de Deus.
O tema dos Possíveis, desenvolvido inicialmente por São Tomás de Aquino, é espinhoso e impossível de ser explicado aqui de forma completa. Mas, resumidamente, seriam os seres e mundos não-criados que "existiriam" apenas no intelecto Divino. Ora, segundo o pensamento escolástico, Deus é simples, ou seja, não tem partes. Ele é todos os seus atributos. Deus não tem Bondade, Ele é. Deus não tem amor, Ele é. Deus não tem Sabedoria, Ele é. Logo, os seres e mundos possíveis não estão no intelecto Divino, eles são o Intelecto Divino.
Nossa Senhora, preservada do Pecado Primordial, capta esse possível (O Messias) que para Deus era Ato. E ao fazer isso, une Céu e Terra em seu ventre.
O Reino de Maria, profetizado por São Luís Maria Grignon de Monfort, será governado por seus apóstolos. Homens e mulheres que recuperaram não apenas a Graça de Deus que abre outra vez as portas do Paraíso, mas a Inocência Primordial que fará deles crianças no Reino de Deus.
Nossa Senhora foi a primeira Subcriadora Plena. Por isso o Anjo, olhando dentro de sua mente plena do Messias, a chama "Cheia de Graça" (κεχαριτωμένη/kecharitōmenē). Ela é a Fonte de onde o Possível feito Ato, o Salvador, emergiu, restaurando-nos da Queda.
(Graça e Chesed nas citações do Antigo Testamento no Novo e Tradução da Septuaginta)
A palavra Tohu (תהו) - sem forma) indica não apenas um lugar ou ausência de forma no espaço. A raiz de Tohu indica algo vazio, inútil, sem nenhum sentido tanto espacial como existencial.
"Agora não vos desvieis do Senhor e servi-o de todo o vosso coração. Não vos afasteis dele para seguirdes coisas vãs (הַתֹּ֗הוּ - Hat-Tohu), que não salvam nem livram, porque são vãs (תֹ֥הוּ - Tohu)."
1Sm 12, 20-21
Essa é uma ‘qualidade’ do deserto como expõe a concordância de Strong. Dele ser "deserto".
"Em terra deserta (מִדְבָּ֔ר וּבְתֹ֖הוּ - Midabar uba-Tohu) o encontrou, entre bramidos de regiões desoladas, e o cercou de cuidados e o acalentou, e o guardou como a menina dos olhos!"
Dt 32,10
Podemos então ler o texto de Gênesis como "a terra era um deserto vão".
Para compreender mais profundamente esse tema, precisamos voltar as descrições Cabalísticas sobre a Criação de todas as coisas.
Deus é o Ayn-Soph, o Todo de Tudo. Era efetivamente o Ilimitado. O primeiro ato criativo de Deus tinha de ser, dessa forma, a produção de um ‘espaço vazio’. A Cabalá chama esse ato de "Tzimtzum" (‘צמצום’) ou “Contração”.
Foi nesse Espaço, o Deserto (Tohu) sem Forma (Bohu) que Deus emitiu Sua Palavra Criadora. Por isso mesmo, a palavra para Deserto em hebraico é Midabar (מדבר) oriunda da raiz Dabar (דבר) que significa "Palavra" (i.e. Verbo, Logos em Grego, "Memra" em Aramaico). As aventuras dos hebreus no deserto após atravessarem o Yam-Suph (יַם-סוּף/ Mar Vermelho), são não apenas o relato literal de um povo atravessando terras inóspitas, mas reflexo do progresso da criação pela Palavra de Deus "no deserto" até chegar á "Terra Prometida" onde o Messias seria crucificado "na fundação do mundo" (Ap 13,8).
"É Eterna, Senhor, vossa Palavra (דְּ֝בָרְךָ֗ - Dabar-Eka [κύριε ὁ λόγος - Kyrie o Logos na LXX]), tão estável como o Céu."
Sl 119 (118),89.
Desde a Criação, A Palavra de Deus continua a dar existência a todos os seres do mundo.
"A Torá (Lei ou Pacto) é personalizada como uma espécie de artesão, um meio pelo qual a criação do mundo foi iniciada e todo o processo criativo planejado. Nesse sentido, pode ser visto como Logos, ou a Palavra Divina. Conectada com a ideia de que a Torá estava presente ao lado de Deus na criação, está a visão de que as letras do alfabeto hebraico foram em si mesmas instrumentais na formação do mundo. Esta visão é colocada mais diretamente no início do Sefer Yetzirah. Ele afirma que o mundo foi criado pelas 22 letras do alfabeto hebraico e os dez números, que juntos formam os 32 caminhos do entendimento."
- David Goldstein, "Jewish Mythology".
Jesus é o Aleph e o Tav (א e ת‎, ou em grego, Alfa e Ômega), a primeira e a última letras do alfabeto hebraico que abrangem todas as letras e são, portanto, a Palavra Divina. A primeira linha da Bíblia declara “Bereshit Bara Elohim Et” ("אֵ֥ת אֱלֹהִ֑ים בָּרָ֣א בְּרֵאשִׁ֖ית" - "No princípio criou Deus"). "Et" é escrito Aleph-Tav (אֵ֥ת). É através deste Aleph e Tav - que é a Palavra Divina - que a criação ocorreu.
"No Princípio era o Verbo, e o Verbo estava junto de Deus e o Verbo era Deus."
- Jo 1,1
Não existe a menor possibilidade de Jesus não ser tudo o que Ele afirmou.
A História de toda a Humanidade é o processo de transformação da Consciência por meio de idéias (sejam escritas, narradas ou em forma oral), que são a verdadeira força dialética movimentando os seres humanos. O Logos foi a Narrativa Encarnada. Esta por si foi tão poderosa que redefiniu as demais no pensamento humano (produto cultural, espírito, linguagem, teoria e conhecimento) alimentado por nosso pensamento e comunicação. Isso resignificou a essência delas sob nova roupagem. O Judaísmo (e também todas as religiões pagãs) é para tanto, uma heresia pós-cristã tanto quanto é o Islã.
(destruição do Templo)
A Lei (Torá) foi entregue ao homem em razão de sua natureza caída. O Cumprimento da Lei salvou não apenas a Raça Humana, mas toda a Criação. Assim como os eventos narrados na Torá são símbolos da criação (que se deu através da própria Torá) contados através de eventos históricos, o Evento da Morte e Ressurreição da Torá Encarnada (seu isolamento) refez toda a criação; é a Transubstanciação de todo o Universo em nível ontológico e invisível que o Corpus Christi alcançou.
Deus dá luz ao universo por meio de sua lesão, sofrimento e morte, daí o Cristo Sofredor. Criar é dar à luz e isso lhe causa sofrimento. A visão de Deus sofrendo no e pelo mundo mostra que agora o sofrimento é tão grande que Ele, o Criador, pode morrer e portanto se retira de sua criação. (É o Tzimtzum?).
"E adora-la-ão (a besta) todos os que habitam sobre a Terra, esses cujos nomes não estão escritos no Livro do Cordeiro que foi morto desde a Fundação do mundo (ἐσφαγμένου ἀπὸ καταβολῆς κόσμου - Esphagmenou apo Katabolēs Kosmou)"
Ap 13,8
6.1. Aquele que É, que era e que vem, e os Sete Espíritos que estão diante do Seu Trono.
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(Kabbalistic mirrors of Trinity).
Agnostos Theos
Deus não pode ter, como infinitude, a plenitude de seres, Ele é sem limitações. Ele enquanto Ser é puramente Ser, é puramente Ato na Plenitude do que é, sem qualquer restrição, sem qualquer limitação, sem qualquer co-ação, sem qualquer necessidade extrínsica á Ele. Então, em defesa da sua tese na Summa contra Gentiles, São Tomás de Aquino diz o seguinte:
"Atestam também as afirmações dos antigos filósofos essa verdade, porquanto todos eles, como que forçados pela própria verdade, admitiam um primeiro princípio infinito das coisas ( Cf III Física 4, 203a-b; Cmt 6, 330, 335).
Ignoravam, porém, a palavra própria, considerando assim a natureza infinita do primeiro princípio à maneira de quantidade discreta, como Demócrito, ao apresentar os átomos infinitos como princípio das coisas; e como Anaxágoras, o qual admitia como princípio das coisas partes infinitas e semelhantes; ou à maneira da quantidade contínua, como aqueles que sustentavam ser o primeiro princípio de tudo algum elemento, ou algum corpo confuso e infinito. Porém, como pelo estudo dos filósofos posteriores ficou demonstrado não haver nenhum corpo infinito, infere-se daí que nem o primeiro princípio é corpo, nem virtude corpórea."
- "Suma Contra os Gentios", I, 43, XIII (89-90).
Se estabelecermos que Deus é infinitamente atual, Ele deve estar em todas as partes e em todas as coisas. Porque esta infinitude não poderia estar restringida a um local, porque então não teria a sua infinute. Ela tem de estar toda em toda parte. Então, as perguntas que vão ser colocadas por São Tomás na seguinte questão são as seguintes - se está em todas as coisas; se está em todas as partes; se está em todas as partes por essência, potência e presença; e se estar em todas as partes é próprio de Deus.
A idéia de estar em uma coisa é estar contido nessa coisa, mas as coias não podem conter Deus; ao contrário, Deus é que pode conter a coisa, portanto Ele não pode estar nas coisas, mas sim as coisas Nele. Esta é uma objeção importantíssima. E dentro desta objeção existem outras que giram em torno da mesma idéia. Então São Tomás responde a essa objeção do seguinte modo:
"Deus está em todas as coisas, não como uma parte da essência delas, ou como um acidente, mas como o agente presente naquilo em que age. É necessário que todo agente se encontre em contato com aquilo em que imediatamente age e o atinja com seu poder. Por isso, no livro VII da Física se prova que o motor e o que é movido têm de estar juntos. Ora, sendo Deus o ser por essência, é necessário que o ser criado seja seu efeito próprio, como queimar é efeito próprio do fogo. Este efeito, Deus o causa nas coisas não apenas quando começam a existir, mas também enquanto são mantidas na existência, como a luz é causada no ar pelo sol enquanto o ar permanece luminoso'. Portanto, enquanto uma coisa possui o ser, é necessário que Deus esteja presente nela, segundo o modo pelo qual possui o ser. Ora, o ser é o que há de mais íntimo e de mais profundo em todas as coisas, pois é o princípio formal de tudo o que nelas existe, como já se explicou. É necessário, então, que Deus esteja em todas as coisas, e intimamente."
S.T. Ia, Q.8, Art. 1.
Ora, Deus está em todas as coisas por excelência de Sua Natureza. Ele está como causante do ser dessas coisas, mas não se poderá dizer que Ele está limitado dentro dessas coisas.
A dúvida que vai surgir é a seguinte; então Ele poderia estar em todas coisas como princípio formal, final, e sustentáculo das coisas, mas não está em todas as partes. Pois alguns dizem que se Ele estivesse em todas as coisas, Ele estaria dividido nessas partes. Então São Tomás responde da seguinte maneira:
"Como o lugar é algo determinado, estar em um lugar pode ser entendido de duas maneiras: ou da maneira das demais coisas, como quando se diz estar uma coisa em outras de qualquer modo: como os acidentes do lugar estão no lugar; ou da maneira própria do lugar, como as coisas localizadas estão num lugar. De uma e outra maneira Deus está em todo o lugar, isto é, em toda parte. Primeiro, Ele está em todas as coisas na medida em que lhes dá o ser, o poder de agir e a ação. Assim, Ele está em todo lugar, dando-lhe o ser e o poder de estar em um lugar. Do mesmo modo as coisas localizadas estão num lugar enquanto ocupam o lugar, mas Deus ocupa todo lugar. Não, porém, como se fosse um corpo, pois diz-se que o corpo ocupa o lugar na medida em que não o divide com outro. Mas, pelo fato de Deus ocupar determinado lugar, não se exclui que outros aí estejam; mais ainda, Ele ocupa todos os lugares por ser Ele que dá o ser a todas as coisas localizadas que juntas ocupam todos os lugares."
S.T. Ia, Q.8, Art. 2.
Ademais, Deus está em todos os seres por potência porque tudo está submetido a Seu poder; está por presença porque tudo está desnudado á Sua Inteligência; e está por essência porque atua em todos como causa do seu ser, como foi demonstrado. Portanto Deus está em todas as coisas por essência, mas não é a essência das coisas como formando parte delas, mas pela sua essência. Se pois, como diz São Tomás, sua substância está em tudo que existe como causa do ser que tem.
Se houvesse, no mundo, um corpo infinito, esse estaria em todos os lugares mas mediante suas partes. Então de que modo estaria Deus em todas as partes? Ora, como nenhum ser pode existir senão por Ele e pela Sua sustentação, consequentemente corresponde a próprio de Deus estar primariamente por Si em todas as partes, já que, seja qual for o número dos lugares, é preciso que esteja em cada um deles, e não uma parte Sua; Ele está todo totalmente em toda parte. Por isso que a Religião fala nos vestígios de Deus, isto é, nas marcas que Ele deixa impresso em todas as coisas, pelas quais o homem pode penetrar para encontra-Lo, ou melhor, re-encontra-Lo. Pois nós o perdemos pela nossa inteligência, vontade e entendimento, mas não o perdemos pela nossa existência. Quem re-encontra Deus (e esse é o caminho da Religião) é o homem enquanto tem inteligência, vontade e entendimento, a partir dos seus vestígios em todas as coisas, que ele pode e deve procurar penetrar.
A Árvore da Vida está baseada num sistema numérico universal; o Ternário. Todo o Universo criado é balanceado por duas forças que o mantêm em equilíbrio, a que atrai e a que repele; existem em Religião, Filosofia e Física. Em Física produzem o equilíbrio, em Filosofia a Crítica, e em Religião a Revelação Progressiva. Esta marca é o que São Tomás define como Vestigio Trinitatis.
"Todo efeito representa de alguma ma­neira sua causa, mas diversamente. Pois, um efeito representa somente a causalidade da causa, não sua forma. Por exemplo, a fumaça representa o fogo, e tal representação é chamada representação de vestí­gio, pois o vestígio mostra o movimento de alguém que passou, mas não qual seja. Há efeitos, contu­do, que representam a causa enquanto é semelhante à sua forma. Por exemplo, o fogo gerado representa o fogo gerador, e a estátua de Mercúrio o represen­ta. Essa é a representação de imagem. As processões das Pessoas Divinas, contudo, são consideradas segundo os atos do intelecto e da vontade, como acima foi dito. O Filho proce­de como Palavra do intelecto e o Espírito Santo como Amor da vontade. Portanto, nas criaturas dotadas de razão, que têm intelecto e vontade, encontra-se uma representação da Trindade, à maneira de imagem, na medida em que se encon­tra nelas uma palavra que é concebida e um amor que procede. Mas em todas as criaturas encontra-se uma representação da Trindade à maneira de vestígio, na medida em que se encontra nelas alguma coi­sa que se deve necessariamente referir às Pessoas Divinas como à sua causa. De fato, toda criatura subsiste em seu ser, possui uma forma que deter­ mina sua espécie e está ordenada a algo distinto. Enquanto substância criada, ela representa sua causa e seu princípio, e assim mostra a Pessoa do Pai, que é um princípio que não tem princípio. Enquanto ela tem certa forma e espécie, repre­ senta o Verbo, pois a forma da obra de arte pro­ vém da concepção do artífice. Enquanto ordena­ da a outros, representa o Espírito Santo enquanto Amor, pois a ordenação de um efeito a algo dis­tinto provém da vontade do Criador. Por isso Agostinho diz que se encontra algum vestígio da Trindade em cada criatura, na medida em que ela é algo uno, tem a forma de uma es­ pécie e certa ordem. - É também a isso que se reduz a tríade, número , peso e medida, da qual fala o livro da Sabedoria, pois a medida se refere à substância de uma coisa limitada por seus prin­cípios, o número à espécie, o peso à ordem. - A isso também se reduz outra tríade proposta por Agostinho: o modo, a espécie e a ordem. - E ainda esta outra: O que é constituído, o que é distinguido e o que é condizente. De fato, uma coisa é constituída por sua substância, é distin­guida por sua forma e é condizente por sua or­dem. - Tudo aquilo que se diz nesse sentido pode facilmente se reduzir a isso."
- São Tomás de Aquino, "Summa Theologiae", Prima Pars, q. 45, art. 7.
A Revelação é o Binário, todo verbo é duplo ou supõe dois. A moral que resulta da revelação é fundada sobre o Antagonismo, que é consequência do Binário. O Espírito e a Forma se atraem e se repelem como a ideia e o símbolo, como a verdade e a ficção. A verdade suprema necessita do Dogma para se comunicar às inteligências finitas, e o Dogma, passando do domínio das ideias ao das formas, se faz participar dos dois mundos, e tem, necessariamente dois sentidos que falam sucessivamente ou ao mesmo tempo, quer ao Espírito, quer à Carne.
(...)
"Todo Cabalista Hebreu, seguindo os princípios e ditos da Ciência da Cabala, é inevitavelmente forçado a conceder, sem acréscimo, omissão ou variação, precisamente o que a Fé Católica dos Cristãos mantém a respeito da Trindade e de cada Pessoa Divina, Pai, Filho. e Espírito Santo."
- Pico, "Conclusiones Cabalisticae", secundum opinionem propriam, V.
A Árvore da Vida é organizada verticalmanete em três colunas e horizontalmente em três tríades de três Sephiroth (ou seja, 9) junto á uma décima (Malkuth) que é a reflexão da primeira, assim iniciando um novo ciclo (como o 11,12,13... vem após o 10). Uma tríade porém é chamada de Suprema; Kether, que é Ayn Soph, e Chokhmah e Binah, que são co-eternas com Kether.
A interpretação cabalística da Trindade tem desde a época do Pico a forma mais comum de demonstrar este Dogma “secundum modum et principia cabalae”, associando as três Sephiroth supernas da “Face Maior” às três Pessoas da Santíssima Trindade Cristã, para que ainda o Rabino Drach pudesse escrever sobre a “Tríplice Coroa” de Kether-Chokhmah-Binah.
O Mistério das Três Supremas
Tradução da exposição feita por Drach sobre Kether, Chokhmah e Binah em "De L'Harmonie".
"O sistema cabalístico do Sepher-Yetzirah (livro da formação), que os rabinos atribuem ao patriarca Abraão, baseia-se inteiramente no Dogma da Divina Trindade. Ele distingue em Deus três Numerações; ספירות (Sephiroth), gerais, que se unem na Numeração Suprema e juntos formam apenas uma essência; a saber:
1. Ayn-Soph, אין סוף, o Infinito, a Eternidade, ou melhor, o Ser Eterno, também chamado Kether-Elyon, עליון‎ כתר, a Coroa Suprema;
2. Chokhmah, חכמה, a Sabedoria;
3. Binah, בינה, a Inteligência.
Essas três Numerações Supremas são às vezes chamadas, nos livros dos cabalistas, 'as três luzes acima' e também 'os três caminhos', 'os três graus'; 'os três ramos superiores' (da árvore cabalística), 'as três colunas', etc. E para que saibamos bem que todos as três estão verdadeiramente em Deus e são o próprio Deus, damos-lhes os três nomes próprios de Deus, esses nomes, perfeitamente idênticos, que Deus não quer ceder a ninguém que não seja a Si mesmo. Portanto, chamamos a primeira, Ehyeh, אהיה‎, ou seja, o Tetragrammaton na primeira pessoa do verbo ser, 'Eu Sou', Deus que sozinho conhece a si mesmo. A terceira é chamada Yahweh, יהוה‎, ou seja, o Tetragrammaton na terceira pessoa do verbo ser, 'Ele É'. A segunda, que é a coluna do meio, leva o nome Yah, יה, que segundo os rabinos é a abreviatura de ambos os Nomes.
Não há Deus acima de Ayn-Soph, dizem os Cabalistas, porque o Pai é princípio para os outros dois, e ninguém é princípio para Ele.
Eis agora como representamos, sob a figura do triângulo, os três ramos supremos da árvore cabalística
(Imagem)
Daremos alguns trechos deste importante livro, Sepher-Yetzirah, bem como seus principais comentários.
I. Texto do Sepher-Yetzirah.
'O primeiro caminho chama-se inteligência inescrutável, שכל מופלא‎‎‎‎ (Seykhl Muphlah), Coroa suprema. Ela é a luz intelectual primordial; a primeira Glória, incompreensível a todos os homens criados.'
Comentário de R. Abraham-ben-David, comumente chamado de Raabad:
'O mistério deste caminho é indicado pela letra Aleph (a). As letras a partir das quais o nome desta letra, אלף (Aleph)‎, é formado, também constituem a palavra Péle, פלא, o Admirável. Este nome é apropriado para o primeiro caminho, pois está escrito, Isaías 9,6: e ele se chama Conselheiro Admirável (פֶּ֠לֶא יֹועֵץ֙ - Péle Yoetz), Deus forte.'
Esta passagem de Raabad é muito importante. Isso prova que o versículo 'porque um menino nos nasceu…' do capítulo nono de Isaías, deve ser entendido como o Messias, e que o Messias é verdadeiramente Deus, um Deus-Homem. Duas proposições que os rabinos tentaram negar desde que a sinagoga se separou da Igreja, ou seja, desde que a sinagoga deixou de ser a antiga e verdadeira Sinagoga.
II. Texto do Sepher-Yetzirah.
'O segundo caminho é a Inteligência Iluminativa. Ela é a Coroa da Criação, o esplendor da unidade igual. Ela é elevada acima de todas as coisas. Os Cabalistas chamam isso de Segunda Glória.'
Outro rabino, queremos dizer Rabino Saul (São Paulo), se expressa absolutamente nos mesmos termos, falando desta segunda maneira. 'Ultimamente nos falou por seu Filho, que constituiu herdeiro universal, pelo qual criou todas as coisas. Esplendor da Glória de Deus e Imagem do seu ser, sustenta o universo com o poder da Sua Palavra. Depois de ter realizado a purificação dos pecados, está sentado à direita da Majestade no mais alto dos Céus, tão superior aos anjos quanto excede o deles o nome que herdou.' (Hb 1,2-4).
O nome 'caminho' (netiv [נתיב], netivot [נתיבות] no plural), adoptado pelos rabinos, é uma nova homenagem que prestam à verdade do Evangelho. Lemos em São João 14,5, que São Tomé perguntou ao Senhor: 'Como podemos conhecer o caminho?' Jesus lhe respondeu: 'Eu sou o caminho, a verdade e a vida'.
O Profeta Isaías, no capítulo 35, onde trata da vinda do Messias, anuncia que naquele tempo haverá um caminho, דרך (Derek), e um caminho, que será chamado de 'Caminho Santo' ( וְדֶ֤רֶךְ הַקֹּ֙דֶשׁ֙ - VeDerek HaKodesh [Is 35,8]).
Ó Caminho Santo, digno das nossas adorações, único caminho pelo qual chegamos ao Pai (Jo 14,6), que os filhos do teu povo de outrora, há tanto tempo perdido, orientem finalmente os seus passos no caminho que tu mesmo traçaste, este caminho que, embora estreito e árduo, é no entanto o único que conduz à morada de Glória que foste preparar para nós (Jo 14,2)!"
III. Texto do Sepher-Yetzirah.
'O terceiro caminho é chamado de Inteligência Santa (שכל מק‎ו‎דש‎, Seykhl Mekudash). É o fundamento da Sabedoria primordial que se chama Fidelidade inabalável (אמונה אומן - Emunah oman [C.f Is 25,1]). Amém (אמן) é a raiz da qualidade desta Fé (אומן - Oman). Este caminho é a Mãe da Fé, porque a Fé emana da virtude (isto é, do poder) que nela existe.'
A Igreja está de pleno acordo com os rabinos quando ensinam que a Fé é um dom da Terceira Via de Deus, do Espírito Santo, o que é impossível não reconhecer neste último texto do Sepher Yetzirah.
Os judeus lêem frequentemente neste livro a definição que seu pai Abraão, segundo os rabinos, deu dos três caminhos gerais da Divindade, e ainda assim não reconhecem de forma alguma as três Pessoas Divinas que a Igreja adora, como a antiga Sinagoga, na unidade da Numeração Suprema! Quem não ficaria impressionado com este Milagre? São Paulo disse aos Romanos, falando dos judeus que se tornaram infiéis, ramos cortados da oliveira: 'Deus lhes deu um espírito de torpor, olhos para que não vejam e ouvidos para que não ouçam, até o dia presente.' (Rm 11,8 C.f Dt 29,4)
Depois de tantos séculos desde que estas palavras foram escritas, elas ainda podem ser repetidas até hoje!
IV. Texto do Sepher-Yetzirah, cap. I, mischna 1 re.
'Pelas trinta e duas maneiras maravilhosas Jeová gravou seu nome nas três numerações.'
1. Comentário de R. Méir, filho de Todros (Theodoros):
'A primeira numeração é o Pensamento da Coroa Suprema, da qual fluem todas as outras numerações. A segunda numeração é a Sabedoria. A terceira numeração é o Entendimento. O mundo não poderia existir sem essas três cabeças, que são as três numerações também chamadas de Graça, Justiça e Misericórdia.'
2. R. Abraham-ben-David:
'Todos esses caminhos estão contidos nos números que são os três nomes da Divindade: Ehyeh, Yahweh e Adonai. E essas formas também são todas encontradas na numeração tripla, assim figurada ס‎פר‎‎ (Sepher), סו‎‎פר‎‎ (Sopher) e ספו‎‎ר‎‎ (Siphur); Quero dizer nas letras do Bendito Nome que são Yod, Hê e Vav, e correspondem à concepção, conceber e concebido, bem como ao conhecimento, conhecer e conhecido.'"
- "De l'Harmonie entre l'Eglise et la Synagogue, ou Perpétuité et Catholicité de la Religion Chrétienne" Tome Premier, 1844, Paul Meller, Libraire-Éditeur, páginas 438-443 (ir até a 446).
Três Pessoas e Sete Atributos.
No Apocalipse de São João, o “Senhor Deus” (Kyrios ho Theós [κύριος ὁ θεός], ou seja, Yahweh-Elohim [Nota: LXX Gênesis 2,22]) se revela como “Aquele que é, que era e que vem” (1,8). Da mesma forma, logo no início de sua visão, o Apóstolo é saudado pelas seguintes palavras:
"João às sete igrejas que estão na Ásia: a vós, graça e paz da parte Daquele que é, que era e que vem da parte dos Sete Espíritos que estão diante do Seu Trono"
Ap 1,4
O nome “Aquele que é, que era e que vem” (hayah hoveh yi'yeh) é, obviamente, uma versão do Nomen Dei YHVH (bem como daquele de Ehyeh) e o tempo triplo que ele compreende é, na literatura cabalística, também comumente associada às três Sephiroth supernas, a saber, Chokhmah (passado), Kether (presente) e Binah (futuro).
(Yetzirah 1:5)
Quanto aos “Sete Espíritos que estão diante do Seu Trono” (τῶν ἑπτὰ πνευμάτων ἃ ἐνώπιον τοῦ θρόνου αὐτοῦ, ton Heptà Pneumaton ha enopion toû Thronou Autou), estes sempre foram identificados pelos Cristãos que estudaram a Cabalá como as sete Sephiroth inferiores (completando assim as dez numerações), pois como todos os exegetas mais sutis apontaram, estes “Espíritos” não são “anjos” no sentido mais estrito, mas de uma forma misteriosa identificados com o próprio Deus, como Seus “Sete Olhos” (Ap 5,6; Zc 4,10), as sete “luzes” (Ap 1,12, Zc 4,2) ou “raios” que emanam do Sol tri-hipostático.
("O Nome de Jeová e Seus sete Espíritos" [Pe. Alcazar, 174-193])
Assumindo, portanto, que a imagem que São João nos apresenta aqui é a das Três Sephiroth superiores e das Sete inferiores. E isto diz respeito também ao significado oculto da palavra “az” (ז‎א‎ [alef-zayin = 1-7]) que, segundo Pico (Op. cit. XX), “ilumina grandemente o mistério da Trindade”.
O que Pico parece sugerir é a triunidade da letra Aleph (א) – uma única letra composta de três “partes”, nomeadamente Yod, Vav e Yod (י,‎ו e ‎י‎);
(Explicação de Drach sobre a forma do Aleph)
Aleph, Vav e Yod são ainda as três letras da palavra Ayn (אין), ou seja, Não-ser (ou além do Ser) – conjugado às sete qualidades ou atributos como o reflexo ontológico da Tríade Superessencial, ou seja: “Daquele que é, que era e que vem da parte dos Sete Espíritos que estão diante do Seu Trono”.
Agora, antes de passarmos para perspectivas alternativas sobre a Trindade, vamos primeiro dar uma rápida olhada em até que ponto a assimilação das Três Pessoas Divinas à Tríplice Coroa pode ser substanciada a partir das próprias fontes Cabalísticas.
No Sepher Yetzirah já lemos sobre a “Palavra” (Dabar) e o “Sopro do Deus vivo” (Ruach Elohim Chayim) ou “Espírito Santo” (Ruach ha-Kodesh) e, de fato, o Livro já foi frequentemente considerado a mais antiga teologia trinitária colocada no papel (o que é bastante interessante, considerando que os Padres também ensinam que Abraão foi o destinatário de uma das primeiras revelações trinitárias da Antiga Aliança: “Et ipse Abraham tres vidit, et unum adoravit”). Do Verbo é dito que ele está “correndo e retornando” através e nas Sephiroth (I:6) e a respeito do Espírito que lemos (I:9):
"Dez Sephiroth do Nada: Uma é o Sopro do Deus Vivo. Abençoado e abençoado é o Nome da Vida do Mundo: A Voz da Respiração (Ruach) e da Fala (Dabar): Este é o Espírito Santo."
Aqui o Pneuma Divino está ligado à primeira Sephirah Kether e visto como precedendo até mesmo Chokhmah ou Binah, conforme o versículo:
“Eu o enchi do Espírito Divino (ר֣וּחַ אֱלֹהִ֑ים - Ruach Elohim) para lhe dar Sabedoria (בְּחָכְמָ֛ה - BeChokhmah), Inteligência (וּבִתְבוּנָ֥ה - UbitBinah) e habilidade (וּבְדַ֖עַת - UbeDaat [i.e. Conhecimento]) para toda a sorte de obras”
Ex 31,3
Este é o “Espírito do Santo Ancião” (Atika Kadisha), o Sopro vivificante de Arich Anpin, seu “influxo” (ou “influência”), que desce sobre o Adão Celestial Zeir Anpin (Gn 2,7): “O Espírito de vida que sai das duas narinas do Macroprosopus” (como é frequentemente descrito no Idrot).
Outra coisa que se torna imediatamente óbvia a partir da passagem acima citada é que, nos textos cabalísticos, ainda não há uma distinção clara feita entre o “Sopro” e a “Palavra” (pelo menos da mesma maneira que a Teologia Cristã se desenvolveu) que são frequentemente usados mais ou menos como sinônimos. Poderíamos dizer que a Respiração é aquilo que “carrega a Palavra”, o que a “articula”, e assim na tríade “Voz, Respiração e Fala” sobre a qual lemos no Sepher Yetzirah (cf. supra), a Voz é às vezes identificada com o poder criativo puro e inarticulado (Chokhmah), a possibilidade de falar (Bereshit; “No princípio”), a Respiração é o “Espírito sobre as águas” (Gn 1,2), e a Fala é o “Fiat Lux !” (ou seja, Chesed), o fluxo compassivo que revela a fonte mais que luminosa de Chokhmah (e, por extensão, o próprio Ayn Sof Aur).
“Esta luz é um mistério oculto, uma expansão em expansão, irrompendo do segredo misterioso do espaço luminoso superno oculto”
- "Zohar", I:16b
Quanto ao “Verbo” em si, o seu “correr” (exitus) está por vezes ligado a Chokhmah (como o princípio da expansão) e o seu “retorno” (reditus) a Binah (o princípio da contracção).
(Yezirah, 1:6)
A Palavra aparece assim como o “cordão” no qual as Sephiroth são amarradas “como pérolas em um fio”, bem como a famosa “corrente do Éden” que flui do centro primordial para regar a Árvore mística, conforme o versículo: “A sua Palavra corre veloz” (Sl 147,15[4]).
Embora o Espírito esteja, portanto, principalmente ligado a Kether (ou ao seu reflexo inferior, Daat), como aquilo que paira sobre Tohu e Bohu, viz. a potência indiferenciada de Chockmah e Binah, o receptáculo universal da manifestação (Bo-Hu, literalmente “nele”, significando a matriz ou “Espaço Divino” da Shekinah), em outros autores cabalísticos há uma atribuição mais clara do “Espírito ”do Gênesis a Chokhmah como o Princípio masculino e criativo, “fertilizando” as águas (o “útero” de Binah) ou como o “fogo” (ש = 300 = Ruach Elohim), o Raio Divino, descendo até as profundezas primordiais. Assim, por exemplo, Isaac, o Cego:
"'Foi pela Sabedoria (Chokhmah) que o Senhor criou a terra' (Pr 3,19) significa que por meio do Espírito do Deus vivo os 'Céus do Senhor' (Sl 115,16 [113,24]) foram emanados. Estes dois céus são os superiores. céus e os inferiores abaixo deles"
- "A Torá Mística".
No entanto, a imagem do Espírito pairando sobre as águas tem, é claro, também um aspecto feminino e, como tal, o Ruach Elohim (uma palavra feminina) do Gênesis é também descrito na literatura rabínica como uma “Pomba” materna chocando seus ovos (cf. Talmud, Chaghiga 15a), sendo a pomba, claro, também um símbolo comum para a Shekinah (neste caso, a “Shekinah Superna”, Binah). E enquanto o Ruach ha-Kodesh emana, segundo o Yetzirah, do Kether mais elevado, visto “de baixo”, do ponto de vista da manifestação, é através de Binah que ele é delegado aos reinos inferiores.
Mas, em última análise, uma distinção clara entre “esquerda e direita” não é possível neste nível, pois “Tohu-va-Bohu” é simplesmente um, indiferenciado e indivisível (assim como o passado e o futuro estão em Deus eternamente unidos no eterno presente), e um nunca está sem o outro, daí porque Binah às vezes também é chamada de “água masculina”, sendo eternamente impregnada pela “semente” de Chokhmah.
"O Yod e o Hê (i.e. Chockmah e Binah), no Nome Divino (YHWH) estão misturados, e um está contido no outro e eles nunca são separados, estando para sempre unidos no amor, sendo a fonte de onde emanam todas essas correntes e fontes de bênção e satisfação para o universo."
- "Zohar", II: 55a.
E assim também podemos concluir a respeito do Ruach Elohim – o “Espírito do Ancião”, o “Espírito de Chockmah e Binah” (Is 11,2) – que ele apresenta a soma das três sefirot supernas projetadas como toda atividade criativa Como tal. E isto se aplica, de acordo com a nossa estimativa, da mesma forma à “Palavra” e ao “Sopro” como são mencionados no Sepher Yetzirah6, nenhum dos quais parece estar ligado a qualquer Sephirah específica per se, sendo antes aquele pelo qual a manifestação sefirótica realiza-se em primeiro lugar, segundo o Salmo:
"Pela palavra do Senhor foram feitos os céus, e pelo Sopro (וּבְר֥וּחַ - UbeRuach) de sua boca todo o seu exército."
Sl 33 [32],6
Parece, portanto, que a equação entre Binah e o Espírito Santo é principalmente uma inovação de exegetas cristãos que não encontra – pelo menos de acordo com o nosso conhecimento muito limitado da literatura – nenhum modelo direto em fontes anteriores. Certamente, a correspondência entre o mais elevado Kether e o Pai é bastante óbvia, assim como a da “Sabedoria” (Chokhmah) e do Filho – sendo este, claro, um dos nomes pelos quais Ele é comumente conhecido tanto nas Escrituras como na Tradição. Mas quando se trata da assimilação de Binah (Compreensão, Inteligência, Discernimento) e do Espírito Santo, as coisas ficam mais complicadas, até porque Binah, “a Grande Mãe”, é obviamente uma Sephirah feminina, um gênero não comumente associado ao terceira Pessoa da Trindade.
No entanto, a identificação Cristã entre Binah e o Espírito é, de acordo com a nossa estimativa, certamente mais do que uma mera “solução improvisada” e não sem uma sólida base Metafísica e Bíblica. Como já mostramos antes, existem de fato muitas tradições antigas que conhecem a feminilidade do Espírito, ou a sua “Maternidade Hipostática”; uma linha de pensamento também retomada por muitos autores mais recentes (muitas vezes num contexto “sofiológico”). Assim, de acordo com Borella, o Espírito é o Espelho Virginal no qual o Pai concebe imaculadamente Sua Imagem perfeita, ou seja, o Filho, e isso está intimamente ligado à Sephirah de Binah, que também é frequentemente descrita em termos de um espelho que quebra o puro luz branca de Chockmah no reflexo sétuplo das Sephiroth inferiores, os “sete dons do Espírito Santo”, a quem Isaías chama de “o Espírito da Compreensão”.
"Por Binah, ou o Espírito de sua Inteligência, ele primeiro produziu a luz, isto é, as Substâncias Angélicas, ou o Mundo Intelectual."
- Athanasius Kircher, "Oedip. Aegyp." II, 298
É Binah quem primeiro “discerne” (bineh) as ideias na corrente absolutamente simples de Chockmah e “produz a diferenciação dos arquétipos primordiais”, como Oetinger coloca em seu Lehrtafel.
"A Sabedoria atua diante de Deus, e Deus confirma Sua intenção (Pr 8); o Espírito Santo [Binah] discerne os segredos da Sabedoria e faz três de dois e depois sete destes e ainda mais ad infinitum (Jó 11,6)."
Outro nome para Binah é “Palácio” ou “Jerusalém Celestial” – “a Jerusalém acima da qual está nossa Mãe”, como disse o Apóstolo (Gl 4,26) – e neste aspecto como o “Grande Sábado”, viz. como o mundo vindouro (olam ha-ba), ou o que poderíamos chamar de “era do Espírito”, ela é de fato muitas vezes muito próxima do Sopro Sagrado. Como lemos, por exemplo, no Siphra Dtzenioutha (V.42; citado aqui com o comentário de Knorr von Rosenroth);
"Yobel (Jubileu) é Hê (o primeiro Hê do Tetragrammaton [ou seja, Binah]); e Hê é o Espírito correndo sobre tudo (porque a Mãe é o mundo vindouro, quando na Ressurreição todas as coisas receberão o Espírito); e todas as coisas retornarão ao seu lugar (como no jubileu, como no mundo vindouro)."
Esta passagem parece referir-se especialmente ao simbolismo numérico do 5 (heh), que é o número do jubileu (no 50º ano), bem como ao valor de Yam (= 50), “Mar” ou “Oceano”, sendo este um dos nomes de Binah. Tendo Binah 50 Portões, Pico afirma ainda que Orígenes e Santo Hilário convergem convergem com os Mistérios Cabalísticos concernentes ao número 50 como emblema do Espírito Santo.
Citações
Daí porque Pico dizer que “quem conhece o Mistério dos Portões do Entendimento conhecerá também o mistério do Grande Jubileu”. Poderíamos finalmente salientar que (na árvore vista “de baixo para cima”) Binah é a oitava Sephirah, aproximando-a ainda mais do mistério do “Oitavo Dia”.
Agora, o processo de emanação, tal como é concebido na Cabala, pode ser visto de duas perspectivas inversas: na maioria das vezes vemos um círculo preto inscrito sobre um fundo branco com um raio de luz indo do centro para a periferia; aqui o fundo é o Infinito de Ayn Soph e a superfície negra é o “espaço” materno no qual ela se contrai (de acordo com a doutrina do tzimtzum). Consequentemente, o ponto onde a Luz Incriada (Ayn Soph Aur) perfura a periferia marca a primeira Sephirah Kether e o centro é a Sephirah Malkuth, onde tudo está reunido no “Mar da Sabedoria”.
Embora esta perspectiva se coloque no ponto de vista do Absoluto, também se poderia assumir a posição inversa, o ponto de vista da manifestação. Aqui se parte do centro primordial Kether-Chokhmah, ou seja, “Bereshit, o ponto além do qual nada se sabe” (Zohar, I.1a), que então se irradia para fora em uma difusão cada vez maior, “do centro místico primordial até o próprio mais externa de todas as camadas”.
"Todos são coberturas, uns para os outros, conchas dentro de conchas, cada uma contendo a outra; o mundo inteiro é assim: tudo consiste em um kernel interno, com várias cascas cobrindo o kernel."
Esta é a posição que o Zohar assume quando diz:
"O centro primordial (Kether-Chokhmah) é a luz mais íntima, de uma translucidez, sutileza e pureza além da compreensão. Esse ponto interno estendido torna-se um ‘Palácio’ (Binah) que atua como um recinto para o centro, e também tem um brilho translúcido além do poder de conhecê-lo. O 'Palácio', uma vestimenta para o ponto interno incognoscível, embora seja um brilho incognoscível em si mesmo, é, no entanto, de menor sutileza e translucidez do que o ponto primordial. O 'Palácio' se estende como uma vestimenta própria, a luz primordial. Daí para fora, isto se expande para isto, isto é vestido com isto, de modo que isto é uma vestimenta para isto, e isto para isto. Este, o kernel; isso, a casca. Embora seja uma peça de roupa, ela se torna o núcleo de outra camada."
- "Zohar", I ,19b-20a
Assim, Binah aparece aqui como o primeiro reflexo da Luz superessencial em manifestação, o “Paraíso Celestial”, a vibração existencial primordial que emana do ponto mais elevado (“o Sopro vindo do Norte” de Ez 1,4), mas que ainda é substancialmente divino, isto é, compreendido dentro do Mundo da auto-diferenciação Divina (Atzilut).
O Pai representa o Não-Ser, o Filho o Ser, e o Espírito a Existência Divina. Esta Trindade “vertical” é intimamente análoga àquela desenvolvida por Van Helmont e Rosenroth (que foram mais diretamente inspirados nos ensinamentos de Isaac Luria). Para citar o Adumbratio Kabbalae Christianae (III.2):
"Nesse primeiro estado, Deus, que é infinito (ou seja, Ayn Soph), pode ser entendido pelo nome Pai, como é frequentemente usado nas escrituras da nossa Nova Federação. Uma luz, então, do Infinito foi emanada e unida no Primeiro Adão, isto é, o Messias, através de canais (ou Sephiroth). Isso pode ser aplicado à denominação do Filho. E os influxos enviados para a direção inferior podem referir-se ao caráter do Espírito Santo."
Também aqui a Trindade é concebida como diferentes estágios de auto-manifestação Divina (que transcendem as inter-relações sefiróticas particulares como tais). O Pai é o Absoluto inqualificável, o Filho é Adam Kadmon, o “Protogonos” ou “Homem Universal”, a síntese de todas as qualidades (Ser puro), viz. a totalidade da manifestação sefirótica, ou seja: "Esplendor da glória (de Deus) e imagem do seu ser" (Hb 1,3), e "a imagem de Deus invisível, o Primogênito de toda a Criação. Nele foram criadas todas as coisas nos céus e na terra, as criaturas visíveis e as invisíveis. Tronos, dominações, principados, potestades: tudo foi criado por ele e para ele. Ele existe antes de todas as coisas, e todas as coisas subsistem nele." (Cl 1,15-17).
O Espírito Santo é finalmente “o influxo mais Divino que se comunica com as coisas inferiores, e através do qual elas são atraídas ao conhecimento e ao amor, isto é, à união com a Causa primeira” (Adumbratio, III.53); um teologumenon que é obviamente bastante semelhante à noção de Böhme do Espírito como o movimento e a vida dentro da auto-manifestação Divina Sophia.
Poderíamos também dizer que o Filho aparece aqui como o ponto primordial, significando o Ser como a autoafirmação do Não-ser (o aleph claro e escuro escondido em Bereshit), e o Espírito como Existência e Vida Divina, radiação ad extra. O Espírito representa “Resplendor”, ou seja, o princípio dinâmico e emanante, e o Filho a “Reverberação”, ou seja, o princípio estático e formativo (Ser, Logos, Intelecto) que procede do Princípio superno (ou o “Pai”), como o “Calor” e a “Luz”, o “Amor” e o “Conhecimento” (ou seja, os raios ondulantes e retos) que emanam do Sol Divino.
Existe uma dualidade primária, que é a Substância, e – principalmente dentro dela, mas na verdade fora de sua Realidade absoluta – existe a Relatividade; contudo a Relatividade compreende os dois aspectos que acabamos de mencionar, Radiância e Reverberação: o “Espírito Santo” e o “Filho” que são atualizados na e através da Relatividade. A Substância Absoluta se estende, através da relativização, sob os aspectos de Radiância e Reverberação; isto é, é acompanhado – em menor grau de realidade – por duas formas de emanação, uma que é dinâmica, contínua e radiante, e a outra estática, descontínua e formativa.
Assim, se tomarmos a imagem Zohárica das “conchas dentro de conchas”, o Espírito é o princípio da radiação, enquanto o Filho corresponde ao Princípio da limitação, ou seja, as peras (πέρας) e o apeiron (ἄπειρον) dos Pitagóricos, que, em sua interação, se unem para formar a série indefinida de círculos concêntricos que constituem a manifestação universal.
Vemos que os papéis estão invertidos: na interpretação convencional dos Cabalistas, é a Palavra que figura como o Princípio dinâmico e criativo (Chokhmah), enquanto o Espírito é o Princípio restritivo e doador de forma (Binah), localizado no “ Pilar da Severidade”. Mas isto não deveria nos incomodar muito neste momento, pois é simplesmente uma questão de perspectiva; isto é, enquanto no pensamento hebraico o princípio radiante é visto como masculino e o princípio da forma como feminino, mas aqui é exatamente o contrário (o princípio criativo, a relatividade, é tradicionalmente atribuído ao gênero feminino). O que é essencial aqui é a concepção do Filho e do Espírito como a face dinâmica dual do Um, isto é, como o princípio da forma (masculino) e o princípio da inspiração (feminino). E aqui, claro, somos lembrados da concepção de Evdokimov do Verbo como o “Eterno Masculino” e do Espírito como “Eterno Feminino”, que poderíamos chamar com Santo Irineu de “as duas mãos de Deus” (recordando mais uma vez o Salmo 33,6).
(Passagem de Santo Irineu sobre as duas mãos)
A noção de “radiância” e “reverberação” está intimamente ligada a outra tríade relacionada, nomeadamente a do Absoluto, do Infinito (toda-possibilidade como princípio da relatividade tanto Divina como cósmica) e Perfeição, que são principalmente dimensões intrínsecas da o próprio Absoluto (“o Bem Supremo é absoluto e, portanto, é infinito e perfeito”), mas também se afirmam de maneira “descendente” ad extra (sendo os princípios masculino e feminino as manifestações primordiais dos dois pólos de Absoluto/Necessidade e Infinitude/todas as possibilidades respectivamente).
O Absoluto é Infinito; portanto, irradia e, ao irradiar, projeta-se; o conteúdo desta projeção é o Bem [viz. Perfeição]… O Infinito – no grau da relatividade, ou, mais precisamente, no ápice da Relatividade – projeta o Absoluto e assim produz a imagem, e a partir do momento em que há imagem – este é o Logos – há polarização, que é dizer refração da Luz que em si é indivisa. O Bem refratado, ou o Logos, contém todas as Perfeições possíveis, traduz a potencialidade da Essência num desdobramento inesgotável de possibilidades, sendo assim o ‘lugar’ Divino dos arquétipos.
Geometricamente falando, poderíamos dizer que o ponto, pela sua própria natureza, contém tanto o círculo como os raios; sendo esse o caso, ele os projeta. O ponto aqui representa o Absoluto; o aglomerado de raios, para o Infinito operativo; o círculo, para o Bem Projetado, portanto para a totalidade das perfeições.
O princípio de radiação ou projeção – inerente ao Absoluto, ao ‘Pai’ – corresponde ao "Espírito Santo"; e o princípio da polarização ou refração, ao "Filho". O "Filho" é para o "Pai" o que o círculo é para o centro; e o "Espírito Santo" está para o "Pai" assim como o raio está para o centro. E como o raio, que "emana" do centro, não para no círculo, mas o atravessa, pode-se dizer que a partir do círculo o raio é "delegado" pelo círculo, como o "Espírito" emana do "Pai" e é delegado pelo "Filho"; o carácter do Filioque, ao mesmo tempo justificável e problemático, torna-se claro com a ajuda desta imagem.
Esta imagem, segundo a qual o Pai (centro) dá origem à sua Imagem (periferia) por meio do Espírito (raios), é, naturalmente, uma reminiscência da visão de van Helmont (et al.) do Filho como a auto-manifestação total de Ayn Soph, ou seja, Adam Kadmon, e o Espírito como o “Influx Divinissimus”, o “Sopro de Atika Kadisha” que vivifica o Grande Adão e é então “delegado” por e através dele ao Reino inferior (sem mencionar que a Imagem das três Sephiroth supernas como centro-raio-periferia também é bastante difundida entre os Cabalistas).
A Projeção do Infinito através de seu Poder (feminino) para “gerar” o Logos como sua "Prole" também está presente na tradição Pitagórico-Platônica; o Um (ou Mônada) se estende até a díade indefinida (aoristos dyas), um poder gerador feminino que os Oráculos Caldeus simplesmente chamam de “dynamis”, o que então gera a hipóstase do Nous. A Mônada/Absoluta (Âtmâ) é concentração, transcendência, centralidade; a Díade/Infinito (relatividade) é extensão, imanência, radiação, o conjunto indefinido de formas geométricas; tudo o que prefigura a imensidão do tempo e do espaço etc.
O “fluxo Divino” (ou “influxo”), “a fonte geradora da qual toda a vida Divina – inteligível, espiritual e mundana – é gerada”, não apenas faz a mediação entre o Pai e o Filho como o “poder” produtivo pelo qual a Divindade gera, mas, ao ser “delegada” por Nous e se estender ainda mais longe do Princípio, ela também se torna a Hécate caldeia, a alma do mundo, ocupando o “lugar intermediário” entre a realidade noética e a sensível que “se comunica com as coisas inferiores e as atrai para cima”, para usar novamente as palavras de van Helmont:
Em todos os lugares o poder (dynamis) foi atribuído ao lugar intermediário; e mesmo entre o inteligível, conecta o Pai e o Intelecto (fr. IV).
Esta “Trindade Caldeia” – que mesmo entre os pagãos era “honrada como mônada triádica” (mounáda trioûkon ou tridynamos)(fonte sobre os pagãos) – foi explicada por Mario Vitorino, que concebeu o Pai como pura Existência (Esse), o Filho como Intelecto (Intelligere), e o Espírito como a Vida (Vivere) mediando entre eles, a quem ele também chama de “mater” e “conexio”.
(fontes).
Aqui novamente nos encontramos com o motivo (agora suficientemente familiar) do Espírito Santo como um poder mediador “feminino” entre o Pai – que é “Omnipotentia”, o “poder potencial do ser” (dynamis panton de Plotino, ou seja, “Todo -Possibilidade” ou a condição capacitadora de ser como tal) – e o Filho como Seu “Ato” ou o “primeiro-existente” (ou seja, a auto-manifestação do Pai super ou pré-existente); a saber, do Espírito como a “Maria Eterna” que gera o Cristo-Logos desde a Eternidade.(nota sobre a Cabalá e a Heresia Ariana)
(cf. Victorinus, Adv. Arian. 1B. LVI.36ss.).
6.2. A Face Maior, A Face Pequena e a Noiva.
Agora, além da concepção diádica e horizontal de Palavra e Espírito como Chokhmah e Binah, os arquétipos Masculino e Feminino, Pai e Mãe (Abba weAima), de que tratamos acima, há também uma última leitura Cabalística das relações Trinitárias que queremos discutir brevemente. Aqui o Filho é identificado com Tiphereth e o Espírito com Malkuth. Isto não é contraditório com a interpretação anterior, no entanto, mas apenas apresenta uma “explicação” dela, na qual os Partzufim do “Pai” (Chokhmah) e da “Mãe” (Binah) são espelhados verticalmente naquele do “Filho” (Tiphereth) e “Filha” (Malkuth), de modo que poderíamos dizer que a “Face Menor” apresenta apenas um reflexo invertido da “Face Maior” inclinando-se sobre a superfície espelhada das águas primordiais.
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Chokhmah (mediadora entre Kether e Binah na Tríade Superna) torna-se “encarnada” em Tiphereth como o “Coração Divino” (no meio, entre as águas superiores e inferiores) e o Espírito Santo (Binah: a Mãe Maior, o Paraíso Celestial , as Águas Superiores) se manifesta como Malkuth (a Mãe Menor, o Paraíso Terrestre, as Águas Inferiores). Ela é o Espírito Santo como a Shekinah (inferior), a Presença residente de Deus na criação, a Imanência Divina, e também a Igreja como o “Reino de Deus na Terra”, viz. a Noiva Celestial de Cristo.
O Verbo (ou agora mais especificamente o “Verbo encarnado”, Cristo) como Tiphereth é o Logos, o Sol Divino refletido na manifestação como o centro e o coração de todas as coisas a partir das quais se estendem as seis Sephiroth de Zeir Anpin como as seis direções da extensão da universalidade. Como lemos no Bahir (§30):
"Eles lhe disseram: Mas o que é Vav?
Ele disse: O mundo está selado em seis direções.
Eles disseram: Vav não é uma única letra?
Ele respondeu: Está escrito 'envolvido de luz como de um manto. Vós estendestes o Céu qual pavilhão' (Sl 104 [103],2)."
- "Bahir", 30
A letra Vav (correspondente ao valor numérico de 6) representa as seis Sephiroth entre as três Supremas e a última, que são resumidas na única Sephirah Tiphereth (também às vezes chamada sinteticamente de “Adam Kadmon” ou “YHWH”) e esta Sephirah que liga o “Reino” inferior (Malkuth) para a Divindade Suprema não é, naturalmente, outro senão o Verbo Divino como o “Mediador Dei et hominem”, ou melhor: “Relação como tal” arquetípica (sendo não apenas aquilo que nos liga a Deus, mas também o princípio mediador em a própria Divindade). Como Aryeh Kaplan comenta na seção do Bahir citada acima:
"Todas as seis Sephiroth de Zeir Anpin são na verdade um único conceito, nomeadamente 'relacionamento'. Ele responde que os ‘Céus’ (um nome para Tiphereth) estão espalhados. Mesmo sendo um conceito único, é representado por seis conceitos independentes, que são as seis Sephiroth."
Assim é reunido todo o Grande Nome do Tetragrama YHWH: Chokhmah é Yod, Binah é o Hê superior e Malkuth é o Hê inferior, sendo estes conectados pelo Vav médio de Tiphereth/Zeir anpin. E nesta dupla estrutura diádica (YaH-WeH) traçamos perfeitamente o sinal do Sinal da Cruz. A Ele seja dado Glória e Domínio para sempre!
(Imagem dos 5 partzufim na árvore)
"O Nome Ehyeh (Kether) é o do Pai, o Nome YHWH (Tiphereth) do Filho, o Nome Adonai (Malkuth) do Espírito Santo; quem é versado na ciência Cabalística compreenderá isto”
- Pico, Op.cit. VI.
É possível que Pico esteja se referindo aqui à “Trindade” escondida no nome da letra Yod. Esta “letra Divina”, comumente considerada como símbolo da Deidade, não é apenas a menor de todas as letras, o “ponto primordial”, mas também escrita em três letras (ד‎ו‎י ‎[Yod]), que às vezes são consideradas como significando o Princípio Kether -Chokhmah (י) – pois é precisamente em sua conjunção com Chokhmah que Keter é chamado Ehyeh, “Ser”, enquanto em si é Ayn, “Não-ser” (ou seja, simplesmente idêntico a Ayn Soph como tal) – o “Filho ” Zeir Anpin (ו), e sua noiva Malkuth (ד). Como lemos no Zohar;
"Venha e veja! Este princípio (Reshit - ראשית‎‎), que se chama Pai (Chokhmah), está compreendido em Yod, que depende da Influência Sagrada (de Kether). E portanto é Yod, a Mais Oculta de todas as outras letras. Para Yod, é o princípio e o fim de todas as coisas… Está escrito: ‘Um rio saía do Éden para regar o jardim’ (Gn 2,10). Para Yod, inclui duas letras. Nos ensinamentos da escola de Rav Yeyeva, o Velho, assim é a tradição.
Por que Vav-Dalet (“od” [ד‎ו]) é compreendido em Yod? Certamente a plantação do jardim é propriamente chamada de Vav (Zeir Anpin); e há outro jardim que é Dalet (Malkuth), e por esse Vav é regado Dalet, que é o símbolo do quaternário. E desta passagem se prolonga um Arcano, onde está escrito: ‘Um rio saía do Éden’. O que é o Éden? É a Sabedoria Suprema (Chokhmah), e esta é Yod. ‘Para regar o jardim’. Esse é Vav. 'E dividia-se em seguida em quatro braços'. Esse é Dalet (cujo valor numérico é 4). E todas as coisas estão incluídas no Yod e, portanto, o Pai é chamado ‘Todos’, o Pai dos Pais."
- "Zohar", VIII, "Idra Zuta", 242-256.
A fonte primordial Yod (י) se estende até o “Rio” Vav (ו‎) que se espalha através das quatro correntes de Daleth (ד‎) e se torna um “Mar de Sabedoria” (Malkuth), de acordo com a passagem:
"Eu, a Sabedoria, fiz correr os rios. Sou como o curso de água imensa de um rio, como o canal de uma ribeira, e como um aqueduto saindo do paraíso. Eu disse: 'Regarei as plantas do meu jardim, darei de beber aos frutos de meu prado'; e eis que meu curso de água tornou-se abundante, e meu rio tornou-se um mar."
Eclo 24,40-43
No Yod, todas as Sete Sephiroth inferiores já estão presentes, por assim dizer, In Potentia. Chokhmah é como uma luz branca pura contendo todas as cores do espectro, mas precisa do “Palácio-Espelho” de Binah para se manifestar.
"O começo de tudo é chamado de Lar de Todos. De onde Yod é o começo e o fim de tudo; como está escrito: ‘Feitas, todas, com sabedoria’. (Sl 104 [103],24). Em Seu lugar Ele não se manifesta, nem é conhecido; quando Ele está associado à Mãe (be-Aima), então Ele é dado a conhecer na Mãe."
- Fonte.
Assim, somente quando o Yod (10) é adicionado à “Mãe” (Aima = 42) o “Filho” é gerado (Ben = 52). Esta é a conjunção de Yod (10) e Heh (5), que forma Vav (1+0+5 = 6). Agora, este Vav pode ser entendido de duas maneiras distintas; ou é considerado (como no Bahir) para designar as seis sefirot de Zeir Anpin (por isso é chamado de “Vav inferior”), ou é considerado um símbolo para o “gancho” (ו‎) de Daat (o “Vav superno”) que une AB-V-AM: Pai e Mãe (ou Tohu-va-Bohu, THV-V-BHV). Este é o significado de “Trigrammaton” YHV como o nome da Tríade superna Chockmah-Binah-Daat, que, quando escrita ou totalmente “estendida” (YVD-HeH-VaV) também produz 52, ou seja, o Filho (BeN).
Esta “extensão” ou “espelhamento” da Tríade Superna nas “águas inferiores” é também o tema de uma passagem na Siphra Dtzenioutha (cf. II.29-43) que poderíamos citar aqui também, uma vez que (explicar a relação, se discorre ou não) da passagem do Idra Zuta dada acima:
"O Yod superno (Chokhmah), que é coroado com a coroa do Mais Antigo (isto é, cujo ápice mais elevado denota a Coroa mais elevada, Keter) brilha e está oculto. O YOD (Yod) do Ancião está oculto em sua origem porque o nome não foi encontrado (isto é, Yod não pode ser escrito duplicando sua letra como HeH e VaV podem).
Hê é estendido por outro (HeH) e é descoberto através das formas. Vav é estendido por outro (VaV). Como está escrito: ‘Descendo docemente para o meu deleite' (Ct 7,9). Esse é o Vav superno (Daat) e o Vav inferior (Zeir Anpin). E assim também o Hê Superno (Binah) e o Hê inferior (Malkuth). Mas Yod está acima de tudo, e com ele não há nenhum outro associado; ele é Yod, como no início; nem ascende em si mesmo. Pois quando as formas duplas são manifestadas (isto é, HeH e VaV) e estão unidos em um caminho, em uma combinação, para que possam ser explicados (isto é, quando estiverem totalmente escritos), então Od, Vav e Dalet (e não outro Yod) são adicionados a Yod. Ai! ai de quando este (Yod) é retirado, e quando os outros dois (Daleth e Vav) são manifestados sozinhos (separando assim as Sephiroth inferiores das superiores e privando a ‘Árvore’ de sua fonte vivificante). Abstenha-se! abstenha-se! Longe, longe de nós esteja esse efeito!"
A ideia geral aqui relativa ao significado do Yod é obviamente a mesma do Idra Zuta; mas aqui também vemos como, por um processo de “espelhamento”, a Tríade superior YHW se estende até o Tetragrama YHWH completo que é, como vimos, também um nome de Tiphereth (Zeir Anpin, o “Filho”). Novamente poderíamos empregar a imagem da “cruz” (+) ou das “quatro correntes”: Yod é a fonte primordial, o centro, o Único que “não se associa” (isto é, torna-se duplicado), e se estende para Vav (↑), Vav (↓), Heh (←), Heh (→), isto é: YHVH (pois o “Vav superno” da não-Sephirah de Daat está eternamente oculto). O que é especialmente interessante para confirmar o Dogma Cristão, é que, de acordo com o Siphra (II.32), esta extensão quádrupla (isto é, “cruciforme”) é descoberta “no Gólgota (Crânio)”, que também já está escondido no Yod (YVD), ou seja, o “Filho” (Vav) unido à “cruz” de Dalet (= 4). Este é o “Cordeiro morto desde a fundação do mundo” (Ap 13,8), ou seja, o Logos crucificado nas quatro direções cardeais de extensão universal no “Eterno Gólgota”.
"Na cavidade do Crânio (do Microprosopus) brilham três luzes (Chokhmah-Binah-Daath: YHW). E embora possas chamá-los de três, ainda assim há quatro (YHWH)”.
- "Zohar", "Idra Zuta", XI, 451.
“Quand on est à trois, on est à quatre”; o três (YHV) gera o quatro (YHVH), assim como três nós borromeu se unem para formar quatro espaços que se cruzam entre eles, viz. três cores primárias RGB (vermelho, verde e azul) formam quatro cores secundárias com o branco no centro.
A passagem da tríade superna (YHV) para o quaternário inferior (YHVH) reflete obviamente o conhecido simbolismo do triângulo e do quadrado (mais famoso empregado no Timeu), ou seja “ céu e terra”, e também as três virtudes teológicas e as quatro virtudes cardeais, o trivium e o quadrivium, ou mesmo os sete versículos da Oração do Pai Nosso, sendo os três primeiros relativos às coisas divinas, e os quatro últimos descendo aos assuntos terrenos.
Na Oração do Pai Nosso, São Gregório de Nissa remete o primeiro verso (“Pater Noste”) ao Pai, o segundo ao Filho ("Nomen tuum” ), e a terceira ao Espírito (“Regnum tuum”). Esta interpretaçãoconverge com os Cabalistas, uma vez que o “Nome” (ha-Shem) obviamente se refere ao Tetragrama (Tiphereth), enquanto o “Reino” é obviamente a Shekinah (Binah-Malkuth). E somando o valor numérico dos dois últimos Nomes atribuidos a estes, YHWH (Tiphereth) & Adonai (Malkuth) temos 91, o mesmo valor da palavra Amém (אמן), que, como diz São João, é um nome de Cristo.
"Eis o que diz o Amém, a Testemunha fiel e verdadeira, o Princípio da criação de Deus."
Tάδε λέγει ὁ Ἀμήν, ὁ μάρτυς ὁ πιστὸς καὶ ἀληθινός, ἡ ἀρχὴ τῆς κτίσεως τοῦ θεοῦ·
Ap 3,14
Cristo verdadeiramente é o Senhor do Céu (Tiphereth) e da Terra (Malkuth) e o verdadeiro Maná (MNA = AMN) que desceu do céu. Santificado seja o Seu Nome, agora e para sempre, Amém!
Melekh Mashiach, o Legislador Primordial Universal.
O "Pontifex" ("Construtor de Pontes") entre o "Céu" e a "Terra", que reúne em si mesmo a Realeza e o Sacerdócio e a partir dos Céus comanda tudo.
(Imagem)
A Manifestação do Um se dá pelo Três, mas para isso é preciso que se passe pelo Dois; isto é, ela precisa se Polarizar, respectivamente nos Princípios Masculino e Feminino - o Andrógino Cósmico Primordial Adam Kadmon. Este é o Mediador do Deus Altíssimo; a Lei (Torá) que rege toda a existência, tanto como Agente Criador quanto Ato da Criação que regula as condições do nosso mundo e do nosso ciclo de existência e é, ao mesmo tempo, o arquétipo do homem considerado sobretudo enquanto ser pensante.
Tomado na mais alta e completa e ao mesmo tempo a mais rigorosa acepção, a Tradição aplica Adam Kadmon como a Alma do Messias, o Regente Universal... (definição de Messias).
*Passagem do Midrash sobre o Messias ser Adam Kadmon*
Na Instituição Primordial, a causa primeira, isto é, o Glorioso Deus, pode ser considerado em Si mesmo ou fora de Si mesmo.
A Natureza de Deus é descrita simbolicamente como uma Luz Infinita que preenche completamente todo o espaço possível, de modo que não existe lugar vazio. Mas num determinado momento, esta luz retirou-se para dentro de si mesma para produzir um espaço de perfeita unidade, simplicidade e uniformidade, que tornou tudo comparável a si mesmo.
(Herrera, I.iii.3–30. 3)
Este tipo de expressão encontra-se na Primeira Epístola de Timóteo onde São Paulo explica a mesma coisa sobre Deus (conforme o texto siríaco):
“O  único que possui a imortalidade e habita em Luz inacessível, a quem nenhum homem viu, nem pode ver. A Ele, honra e poder eterno! Amém."
1Tm 6,16
Sobre a mesma coisa, a Primeira Epístola de João (1,5) diz: “Deus é Luz e Nele não há treva alguma.”. E Tiago (1,17): “Toda dádiva boa e todo dom perfeito vêm de cima: descem do Pai das luzes, no qual não há mudança, nem mesmo aparência de instabilidade.”
Esta Luz suprema denota vários atos extremamente simples, de tal natureza que a diferença entre o radiante central e os raios emitidos é nula e, além disso, cada um desses raios é igualmente um centro para si mesmo.
Este ato é chamado de Vida, como disse João (1,4): “Nele havia vida, e a vida era a Luz dos homens.” Também é chamado de Espírito, como disse João (4,24): “Deus é Espírito.”
Todos estes nomes aplicam-se excelentemente a Deus porque esta ordem de ideias contém um grau que nos é incompreensível e que ultrapassa todas as coisas existentes.
Embora verdadeiros, todos estes conceitos, que servem principalmente para designar o Espírito, são de uma natureza tão infinitamente abstrata que deles se pode inferir que é impossível comparar Deus a qualquer um daqueles outros seres que foram produzidos pelo Seu poder, e que cercam e giram em torno Dele. Esta é uma luz cuja natureza é iluminar outros objetos, uma vida que pode dar vida, um ato que pode ser atualizado, assim como um espírito que, pela sua involução, produz sempre um determinado espírito. E embora eu nada diga aqui sobre a natureza do bem, ela está necessariamente compreendida neste ser dos seres, conforme Mateus 19,17: “Só Deus é bom.”. Disto pode-se inferir excelência.
A comunicabilidade representa Deus, em parte cognoscível, em parte suscetível de amor; e foi convertido num ato pela criação das criaturas, a maneira pela qual Deus pode ser considerado parcialmente fora de Si mesmo.
Agora devemos considerar primeiro, a causa eficiente. A causa eficiente desta produção é o próprio Deus, o Infinito. Segundo os Cabalistas, afim de fornecer um lugar onde pudessem existir criaturas que de outra forma não seriam capazes de resistir à força de Sua luz infinita, Deus contraiu Sua presença em alguns graus, para esvaziar um espaço; e isto é o que os Cabalistas chamam de Tzimtzum.
Isto converge com Deus sendo chamado Locus, como disse Paulo em Atos 17,28: “Nele que temos a vida, o movimento e o ser”. Neste espaço, a Alma do Messias – cuja amplitude era tal que ocupava todo o Espaço – foi a primeira coisa produzida.
Nesta contração está a explicação formal imediata da criação; tomado em conjunto com a preparação daqueles vasos, nos quais sucessivamente as influências Divinas foram comunicadas.
O influxo da Alma do Messias comunicou-se com o mais alto grau de Luz Divina, que identificamos como a Natureza Divina do Messias - Adam Kadmon. Com efeito, esta posição intermédia do mesmo primeiro Adão ou Messias, produziu sucessivamente as restantes criaturas, que foram distribuídas numa determinada ordem abençoadamente submissa a essa forma.
Essas condições gerais foram concebidas de tal forma que os centros eram às vezes maiores, às vezes menores, ou possivelmente como globos, alguns maiores, outros menores, até mesmo completamente até certo ponto. Na criação, essas próprias capacidades fizeram com que as esferas emitissem luz, às vezes amplificada, às vezes restringida, de acordo com as variações de suas disposições originais ou de seus próprios graus particulares de restrição. Assim, de fato, essas próprias esferas poderiam ser penetradas reciprocamente.
Este mesmo Adam Kadmon, ou Messias, foi originalmente organizado para distribuir dentro e abaixo de si as dispensações da Divindade, conforme explicado na Sifra di-Zeni'uta e em ambos Idrot, a serem descritos abaixo.
(fontes)
Contudo, observo isto em geral: de tudo o que foi e será dito sobre Deus, de sua diversidade e aparente multiplicidade, nada mais pode ser inferido a não ser que as manifestações desses vários graus foram suscitadas como os vários assuntos de contemplação.
A Tradição Cabalística fala da pessoa do Messias como sendo Adam Kadmon pois Ele efetuaria a aniquilação dos poderes demoníacos e a restauração das almas perdidas, ou melhor, a recolha dos elementos dispersos da Alma universal do Adão Primordial. Pois ao Messias, em quem habita uma Alma Pura e Imaculada, são reveladas as profundezas misteriosas dos mundos superiores, das essências e da Criação Divina, até mesmo do próprio Ser Divino. O Messias da semente de Davi seria portanto o Adam Kadmon Divino encarnado.(Nota, C.f. Graetz, "History" 5)
O que fundamentalmente interessa assinalar aqui é que o princípio (de regente cósmico) pode ser manifestado por um centro espiritual estabelecido no mundo terrestre, por uma organização encarregada de preservar na íntegra o espólio da Tradição Sagrada, de origem "não humana" pela qual a Sabedoria Primordial se comunica através das idades àqueles que se tornam aptos a recebê-la. O chefe dessa organização, o qual de certo modo, representa o próprio Messias, poderá legitimamente usar o título e os atributos deste; pelo grau de conhecimento atingido para poder exercer essa função, ele identifica-se, com efeito, com o princípio de que é como que a expressão humana e face ao qual se anula enquanto indivíduo.
O carácter "Pontifical" no sentido mais verdadeiro do termo, é apanágio, por excelência, do chefe da hierarquia iniciática, fato que requer uma explicação: Pontifex significa literalmente "construtor de pontes", título romano que simbolicamente designa aquele que opera a função de Mediador, o que estabelece a comunicação entre este mundo e os mundos superiores.
(Para São Bernardo «o Pontífice, como indica a etimologia do seu nome, é uma espécie de ponte entre Deus e o homem». -Tractatus de Moribus et Officio episcoporum, III, 9).
Por analogia, o arco-íris, a “Ponte Celeste” que (re)liga o mundo sensível ao supra-sensível, pode ser encarada como um símbolo natural do Pontificado; o seu significado é o testemunho da Aliança de Deus com todo o Gênero Humano.
A ideia de um personagem que é simultaneamente Sacerdote e Rei, nunca foi muito divulgada no Ocidente, embora se encontre representada, de modo flagrante pelos «Reis Magos» na própria origem do Cristianismo; mesmo na Idade Média, o poder supremo (pelo menos aparentemente) estava dividido entre o Papado e o Império - opostamente a Roma Antiga, onde o Imperador era ao mesmo tempo Pontifex Maximus, e a teoria muçulmana do Califado que reunifica igualmente os dois poderes, pelo menos em certa medida, tal como a concepção extremo-oriental do Wang. Esta separação é como que a marca de uma organização incompletada pelo topo, se nos é permitida a expressão já que não vemos aparecer aí o princípio comum de que procedem e dependem, de modo regular, os dois poderes; o verdadeiro poder supremo, deveria, pois, encontrar-se noutro lugar. Pelo contrário, no Oriente, essa separação no próprio topo da hierarquia surge como excepcional.(Nota: algo que se lhe assemelhe apenas poderá encontrar-se em determinadas concepções búdicas. Anote-se a incompatibilidade afirmada entre a função de Buda e a de Chakravarti ou «monarca universal»)
Do que acabamos de expor, percebe-se já porque é que o Messias tem uma função essencialmente ordenadora e reguladora, função que se pode resumir em palavras como "Lei" ou "Instrução" precisamente os significados do termo "Torá", e que a Cabalá entende como sendo o reflexo, no mundo manifesto, da imutabilidade do Princípio Supremo.
(Confirmação do Messias como Logos/Adam Kadmon enquanto Regente e ordenador de tudo)
Por estas mesmas considerações, compreende-se igualmente porque é que o Messias tem por atributos fundamentais a Justiça e a Paz, que outra coisa não são do que as formas revestidas mais usualmente por esse equilíbrio e essa harmonia no mundo do homem.
"A bondade e a fidelidade outra vez se irão unir, a justiça e a paz de novo se darão as mãos."
Sl 84,11
(explicações)
Os Intermediáros Celestes
O título do Messias se aplica correntemente ao próprio Deus, e porque podem fazer-se considerações interessantes a este respeito, iremos observar de perto as teorias da Cabalá sobre os Intermediários Celestes, as quais se relacionam, muito diretamente com o tema central do nosso estudo.
Comecemos por dizer que os intermediários celestes são Shekinah e Metatron. Shekinah representa, no sentido mais geral, a "Presença Real da Divindade". As passagens da Escritura que lhe referem de modo particular são as que fazem menção da instituição de um centro espiritual: a construção do Tabernáculo e a edificação dos Templos de Salomão e Zarobabel. Esse centro, constituído em condições regularmente definidas, era um lugar de manifestação divina, sempre representada como "Luz". Não aprofundaremos aqui a teoria das "Influências espirituais" (preferimos esta expressão à palavra "Bênção" para traduzir o termo hebraico Berakoth [ברכות], tanto mais que é esse o sentido que conservou em árabe a palavra Barakath [بركات]), mas mesmo cingindo-nos a ver as coisas sob uma única perspectiva, seria possível explicar o que Elias Levita diz e Vulliaud cita na sua obra a Cabala judaica: "Os Mestres da Cabala guardam, a este respeito, grandes segredos".
A Shekinah apresenta-se-nos sob múltiplos aspectos, entre os quais dois principais, um interno e outro externo. Existe na tradição cristã, uma frase que designa, tão claramente quanto possível, esses dois aspectos: "Gloria in excelsis Deo et in terra Pax hominibus bonae voluntatis". Glori e Pax referem-se respectivamente ao aspecto interno, no que respeita ao princípio e ao aspecto externo, no que respeita ao mundo manifesto; consideradas assim, compreende-se então porque é que elas são pronunciadas por "Anjos" (Malakim) para anunciar o nascimento do "Deus conosco" ou "em nós" (Emmanuel). Lembremos a respeito do primeiro destes dois aspectos, as teorias dos teólogos àcerca da "Luz da Glória", na qual e pela qual se opera a visão beatífica (in excelsis); quanto ao segundo, deparamos aqui com a "Paz" que, no seu sentido esotérico, é referida por todas as tradições como sendo um dos atributos fundamentais dos centros espirituais estabelecidos neste mundo (in terra). De resto, o significado do termo árabe, Sakinah (سكينة) é claramente idêntico ao hebreu Shekinah e pode traduzir-se por "Grande Paz". Por todas estas relações se poderia interpretar de modo preciso os numerosos textos evangélicos que falam da "Paz" (Nota: No próprio Evangelho é dito muito explicitamente não se tratar nunca da paz, entendida no sentido profano. S. João; XIV, 27), tanto mais que "a tradição secreta relativa a Shekinah teria alguma relação com a Luz do Messias".(Vulliaud, I, 503) Será por acaso que Vulliaud quando faz esta última observação, acrescenta tratar-se da tradição "reservada aos que seguiam pelo caminho que conduz ao Pardes", isto é, como mais adiante veremos, ao centro espiritual supremo?
Isto leva-nos a uma outra consideração: Vulliaud fala em seguida de um Mistério relativo ao Jubileu; o que corresponde, num dado sentido, à ideia de "Paz". A propósito a própria ideia central do Jubileu é o regresso de todas as coisas ao seu estado primitivo.
"Todo este mistério diz respeito ao Jubileu. Sua aplicação é espiritual e temporal (individual e socialmente). O ano jubilar é, na verdade, o quinquagésimo. Os místicos derivam a palavra Jubilel (Jobel) de Jobal (rio). Pois está escrito que ele 'estende as raízes para o arroio' (Jr 17,8). Com esta expressão queremos dizer que todas as gerações retornarão ao seu primeiro Princípio (Portanto, Binah expressa o significado de: retorna). O Zohar diz: 'O rio que sai do Eden tem o nome de Jobel como está escrito: e espalhará suas raízes perto de Jobel' (III, 52b) A ideia central do Jubileu, do ponto de vista coletivo, é a restauração de todas as coisas ao seu estado primitivo. Este é o momento em que as dívidas são apagadas. Os escravos recuperam a liberdade, a terra deve ser devolvida. Uma palavra resumirá a doutrina. Durante o ano de interrupção (Shemitá) e através do Jubileu, Deus quer igualar os pobres e os ricos.
Todo decreto Divino é estabelecido no Beit-Din (Tribunal Superior). É aprovado pela Sephirah de Binah – a Shekinah Suprema – e confirmado pelas Sephiroth Netzach (vitória); e Hôd (esplendor) que são o Mistério do Deus dos Exércitos Celestiais (Jeová Sabaoth). O retorno das coisas ao seu Estado Original marca a Era Messiânica. Também Netzach e Hod são Sephiroth eminentemente messiânicas. Devemos observar que através de uma exegese que lhe é especial, a Cabalá repete informações bíblicas, mas o decreto divino do Tribunal acima pode ser revogado por Mi (= Quem) conforme esteja escrito: "o senhor Tsebaoth o resolveu e quem (= Mi) se oporá a isso. A explicação destas palavras é que Mi designa Arrependimento, Mi designa o mundo de Jobel (Z.. IL 115 Z);. A solução para todo o mistério cabalístico é que a liberdade e a escravidão estão relacionadas com o distanciamento ou aproximação do homem com Binah ou Mi (isto é, a Shekinah)."
- Vulliaud I, 506-507.
A bem dizer, o que está sempre implicitamente presente em todas estas considerações, em diversas fases da manifestação cíclica, é o Pardes, o centro deste mundo, do ser e "Residência Divina", sendo o Tabernáculo uma imagem desse centro e que, por esta razão, é chamado em hebreu Mishkan, o "Habitáculo de Deus", palavra cuja raíz é a mesma de Shekinah.
Noutra perspectiva, Shekinah é a síntese das Sephiroth; no Pilar da Direita está o lado da Misericórdia e no Pilar da Esquerda, o do Rigor; estes dois aspectos estão presentes na Shekinah e podemos dizer, desde já, para retomar o que afirmámos, que, pelo menos, numa dada perspectiva, pode identificar-se o Rigor com a Justiça e a Misericórdia com a Paz.(nota: texto que diz que Deus tem dois tronos, o da Justiça e o da Misericórdia)
"Se o homem peca e se afasta de Binah (Shekinah), ele tomba sob o poder das forças (Sârim) que dependem de Binah, isto é, Rigor, e os culpados caem no cativeiro. Notemos que a Shekinah é chamada de Mão do rigor. Se um homem se aproxima de Binah (Shekinah), ou seja, se faz penitência, ele se liberta. A Shekinah converte-se também na Mão abençoadora (Z., 23a), isto é, Misericórdia e Amor."
- Vulliaud, 507.
Eis aqui os mistérios da "Casa da Justiça" (Beit-Din), ainda uma outra designação do centro espiritual supremo. Este pode descrever-se simbolicamente, ao mesmo tempo, como um templo [aspecto Sacerdotal, correspondente à Paz] e como um palácio ou um tribunal [aspecto real, correspondente à justiça]); vale a pena referir que estes dois lados são aqueles por que se repartem os eleitos e os condenados no Juízo Final.
A Cabalá dá a Shekinah um "irmão-gêmeo", o qual toma nomes idênticos aos seus e possui, por conseguinte a mesma natureza (Vulliaud I, 497-498) e tem naturalmente tantos aspectos diferentes como ela. O seu nome é Metatron (מטטרון‎), nome que na Gematria tem o mesmo valor equivalente ao de Shaddai (שדי, 314), o "Todo Poderoso", Nome do Deus de Abraão.
Tanto Metatron quanto a Shekinah são imagens da Face de Deus e do anjo de Javé, anjo das Faces, etc. Ambos cumprem a função angélica: a de mensageiro ou delegado (scheliah) do Poder ou Misericórdia Celestial. O nome deste intermediário paredral é Metatron. Ele é o servo de Deus assim como ela é sua serva, ele é o princípio das criaturas assim como ela é sua causa. Existem dois Metatrons, assim como existem duas Shekinah. Algumas de suas atribuições são tão idênticas que, nas exegeses dos textos escriturísticos, os comentaristas as interpretam em relação à Schekinah ou a Metatron, indiferentemente. Estas são atribuições relativas às missões angélicas, às teofanias. Mas, além disso, estes dois intermediários têm o seu papel especial. Observa-se que Metatron escrevendo com Yod é a própria Shekinah, e no caso em que Metatron é escrito sem Yod, ele cumpre a função angelical por parte da Shekinah. Metatron é o envelope da Shekinah (Z., 94 b) e a Shekinah é o “Metatron” de Javé porque neles estão as dez Sephiroth. Toda essa teologia distorcida aponta para relacionamentos. Limitemo-nos às visões gerais.
Em relação ao Memra (Verbo) comparado ao Schekinah, Abelson afirma que o Memra expressa a manifestação na terra e entre os homens de diferentes aspectos de Deus: poder, bondade, sabedoria e justiça. A “Palavra” é uma força que reside em todo o mundo, uma realidade no mundo da matéria e do espírito, o aspecto imanente de Deus, sustentando tudo com a sua influência onipresente. Este orientalista afirma então que Memra tem afinidades de significado com a Shekinah e o Espírito Santo, exceto que estes últimos termos são usados ​​nos Targums para significar a Divindade imanente em relação à glória da majestade, e enquanto Memra significa mais frequentemente o imanente princípio criativo, controlador e governante em relação à força e não ao amor, embora muitas vezes apareça neste último sentido.
Abelson, Imman. of God. t p. 159.
Acrescentemos, segundo o Zohar (III, 228b), que o Yod do Tetragrammaton designa o Pensamento, o He designa Shekinah que é o Coração.
A etimologia da palavra Metatron é muito incerta entre as várias hipóteses formuladas. Os gramáticos ainda debateriam por muito tempo se a etimologia de met ha thronos (ao lado do trono) não satisfizesse rapidamente a curiosidade básica da maioria dos críticos. De acordo com Vulliaud, esta palavra pode derivar do latim Metator (guia), ou do grego menutôr (mensageiro), pode expressar o significado de Senhor, Mestre para corresponder ao título simbólico dado à Matrona que é a Shekinah, ou Mitra, que é Chuva em Caldeu.(fonte) Mesmo assim sendo não é de crer que esta similitude com o Mitra hindu e Zoroastriano constitua uma razão suficiente para afirmar haver um empréstimo do Judaísmo a outras doutrinas, na medida em que não é deste modo exterior, que devem analisar-se as relações que porventura se tecem entre as diferentes tradições; o mesmo diríamos em relação ao papel atribuído à chuva em quase todas as religiões, enquanto símbolo da descida das influências espirituais do Céu sobre a Terra. A doutrina hebraica fala de um "Orvalho de Luz" emanando da Árvore da Vida, pelo qual se opera a ressurreição dos mortos, bem como de uma "Efusão de Orvalho" que representa a influência celeste comunicando-se a todos os mundos.
Não perturbemos os filólogos nos seus jogos. É um fato: o vocábulo Metatron comporta todas as acepções de Guardião, Senhor, Enviado, e Mediador; ele é descrio como o autor das Teofanias no Mundo Sensível, o Anjo da Face (no sentido de que pode falar com Deus Face a Face) e também O Príncipe do Mundo (Sûr ha-hôlain) - esta última expressão prova que em nada nos afastámos do tema central deste estudo.
“Metatron é o Servo de Deus (Makom), o mais velho de sua Casa; ele é o Princípio das criaturas de Deus, governando tudo o que lhe foi dado. O Santo, Bendito seja, devolveu-lhe o império sobre todos os seus exércitos."
- "Zohar"
O Rabino Bechaï, que cita esta passagem Zohárica, salienta que as duas letras teth valem 18, ou seja, equivalentes ao Nome Divino Haï (vivo), e que estas duas letras retiradas de Metatron, resultam Maron, que é análogo a Moré, isto é, a Adon, Senhor.
(Texto)
Estas ideias não são tanto da Idade Média como os Anti-Cabalistas afirmam desesperadamente. O Talmud designa Metatron como Príncipe do mundo, Anjo da Presença, Senhor cujo nome é igual ao de Deus, aquele que registra os méritos dos israelitas, etc. Poderíamos facilmente adicionar outras referências àquelas fornecidas por Buxtorf, o mais velho, em seu "Lexicon chaldaicum, talmudicum et rabbinicum". Assim, em Abodah Zara (3b) Metatron é o professor que ensina os infantes nos dias messiânicos.
citações
Ao reconhecerem em Metatron, na Shekinah, o caráter angelical, os seguidores da Tradição fazem uma observação de certa gravidade. “Que o sentido Cabalístico abra os olhos da sua mente para compreender que este Anjo não é da categoria dos Separados, mas sim das Plantações que não é permitido dividir ou cortar." A exegese de certos versículos das Escrituras é inspirada neste princípio. Assim, em Êxodo (14,19), o texto diz: “o Anjo do Senhor precedeu"; os cabalistas observam que o Nome dado é Maleak ha-Elohim, ou seja, que a palavra Elohim não está no estado que os gramáticos chamam de construído, as duas palavras maleaq e haElohim estão em oposição, isso equivale a dizer: o anjo em que Deus está. Este é o que se fala em Êxodo (XXIII, 21): "Meu Nome está nele". "Meu Nome", ou seja, Deus, é o anjo libertador (Maleak ha-goel) do Gênesis (XLVIII,16). É no Senhor que há misericórdia… Tudo isso, segundo R. Bêchai nos versículos correspondentes do texto das Escrituras. Da mesma forma, em relação ao Anjo-Shekinah. O anjo que chama Jacó e lhe diz: Eu, o Deus de Beit-El, designo a Shekinah, segundo R. Menahem Rekanati. Ela é chamada de Anjo porque este mundo está sujeito à sua vontade governante, e note que ela é chamada de Maleak ha-Elohim (ou seja, como dito antes: Anjo-Deus).
Segundo o simbolismo tradicional, já anteriormente explicado, o chefe da hierarquia iniciática é, indubitavelmente, o "Pólo Celeste", reflectindo-se este naquele, com quem está em contacto directo segundo o "Eixo do Mundo". O seu nome é Miguel, Grande Sacerdote» que é holocausto e oblação para Deus. Tudo o que a Religião faz na terra cumpre-se segundo os cânones do acontecido no Mundo Celeste. O Sumo Pontífice deste mundo simboliza São Miguel, Príncipe da Clemência.
(Fontes)
Todas as passagens da Escritura que se referem à aparição de São Miguel, falam da Glória de Shekinah. A tudo isto liga-se o simbolismo da "Terra Santa", como já dissemos, imagem do Mundo Celeste. De acordo com o exposto, Metatron além do aspecto da Clemência, comporta também o da Justiça; não é apenas o Sumo-Sacerdote (Kohen-ha-Gadol), é também o "Grande Príncipe" (Sar-ha-gadol) e Chefe das Milícias Celestes, que dizer, não contém só o princípio do poder real, mas também o do poder Sacerdotal ou Pontifical, a que corresponde precisamente a função de "Mediador". De resto, Melek, «Rei», e Maleak, «anjo» ou «enviado», não são mais do que duas formas de uma só e mesma palavra, mais: Malaki, «o meu enviado», (ou seja, o "enviado de Deus" ou "o anjo em que Deus está", Malak-ha-Elohim) é o anagrama de Miguel.
Esta última observação recorda a expressão "Bendito Aquele que vêm em Nome do Senhor"; palavras aplicadas a Cristo, que o Pastor de Hermas identifica com São Miguel de um modo à primeira vista estranho, mas que não pode surpreender os que compreendem a afinidade existente entre o Messias e Shekinah. Cristo é também chamado "Príncipe da Paz" e é, ao mesmo tempo, o "Juíz dos Vivos e dos Mortos".
(Pe. Maistre [Tomo II, 244-251] e Drach [II, 385-453])
MELQUISEDEC
(Imagem)
Com a queda, o homem perdeu sua Imortalidade, de modo que foi necessário substituí-la, nos ritos sacrificiais, por algo que já não era mais do que sua representação. O principal substituto encontrado foi o Vinho. O ritual de tomar o Vinho contém, em muitos casos, uma tradição iniciática; em hebraico, os termos Yain, "Vinho" e Sod, "Mistério", substituem-se um ao outro, como tendo o mesmo valor númerico (70). (Os Sacerdotes, a proibição do Vinho e o acesso ao Sagrado).
(texto que diz que o Vinho solta segredos)
O Vinho simboliza o conhecimento esotérico, a doutrina reservada à elite que não convém ser revelada ao conjunto da humanidade, porque não é impunemente que o vinho é tomado por todos. Daí se conclui que o seu emprego num determinado rito confere a este último um carácter nitidamente iniciático, como é o caso do Sacrifício de Melquisedec, questão fundamental sobre a qual nos debruçaremos agora.
O nome de Melquisedec não é senão o nome que designa a função do Cristo. Ainda hesitámos um pouco nesta afirmação, pois ela exige que seja explicada uma das passagens mais enigmáticas da Bíblia hebraica, mas a partir do momento em que decidimos tratar da questão do Messias, já não nos era possível calá-la por mais tempo.
Eis o texto dessa passagem bíblica:
"Melquisedec, Rei de Salém e Sacerdote do Deus Altíssimo (El Elyon), mandou trazer Pão e Vinho,e abençoou Abrão, dizendo: 'Bendito seja Abrão pelo Deus Altíssimo, que criou o Céu e a Terra! Bendito seja o Deus Altíssimo, que entregou os teus inimigos em tuas mãos!'. E Abrão deu-lhe o dízimo de tudo."
Gn 14,18-20
Melquisedec é, pois, ao mesmo tempo, Rei e Sacerdote; o seu nome é uma junção dos termos Melek ("Rei") e Tzedek ("Justiça"); ele é também o Rei de Salém, isto é, da "Paz". Deparamos aqui com os termos "Justiça" e "Paz", precisamente os dois atributos fundamentais do Messias. O termo Salém, mais do que de facto uma cidade real é o nome simbólico da residência do Cristo. O nome de Jerusalém surge quando os Hebreus aí fundaram um centro espiritual e significava que a cidade passava a ser, a partir desse momento, como que uma Imagem visível da verdadeira Salém; atente-se que o Templo foi edificado por Salomão cujo nome (Shlomoh) "o Pacífico", deriva igualmente de Salém.
Eis em que termos São Paulo se refere a Melquisedec;
"Este Melquisedec, Rei de Sa­lém, Sacerdote do Deus Altís­simo, que saiu ao encontro de Abra­ão quando este regressava da derrota dos reis e o abençoou, ao qual Abraão ofereceu o dízimo de todos os seus despojos, é, conforme seu nome indica, primeiramente 'Rei de justiça' e, depois, Rei de Salém, isto é, 'Rei de Paz'. Sem pai, sem mãe, sem genealogia, a sua vida não tem começo nem fim; comparável sob todos os pontos ao Filho de Deus, permanece Sacerdote para sempre. Considerai, pois, quão grande é aquele a quem até o Patriarca Abraão deu o dízimo dos seus mais ricos espólios. Os filhos de Levi, revestidos do sacerdócio, na qualidade de filhos de Abraão, têm por missão receber o dízimo legal do povo, isto é, de seus irmãos. Naquele caso, porém, foi um estrangeiro que recebeu os dízimos de Abraão e abençoou o detentor das promessas. Ora, é indiscutível: é o inferior que recebe a bênção do que é superior."
Hb 7,1-7
Melquisedec é representado como superior hierárquico de Abraão, porque o abençoa e indubitavelmente é o inferior que é abençoado pelo superior; por seu turno, Abraão reconhece esta superioridade visto ser ele quem lhe dá o dízimo que representa a marca da sua dependência. Eis uma verdadeira investidura, quase no sentido feudal do termo, mas com a diferença de esta ser de natureza espiritual. A bênção de que falámos é, em propriedade, a comunicação de uma "influência espiritual", na qual, doravante, Abraão irá participar; a fórmula empregue coloca Abraão em contato direto com o "Deus Altíssimo" que o mesmo Abraão invoca em seguida identificando-o com Javé.
“Levanto a minha mão para o Senhor Deus Altíssimo (Yahweh El Elyon, יְהוָה֙ אֵ֣ל עֶלְיֹ֔ון) que criou o céu e a terra"
Gn 14,22
Se Melquisedec é ele próprio, superior a Abraão, é porque o "Altíssimo" (Elyon) que é o Deus de Melquisedec, é, Ele próprio superior ao "Todo-Poderoso" (Shaddai) que é o Deus de Abraão, ou por outras palavras, porque o primeiro destes dois nomes representa um aspecto Divino mais elevado do que o segundo. Por outro lado, o que é extremamente importante e contudo dá a sensação de nunca ter sido referido, é que El Elyon é o equivalente de Emmanuel, tendo estes dois nomes exatamente o mesmo valor conforme a Gematria (197), aspecto que aproxima claramente a história de Melki-Tsedeq da dos Reis Magos. Ainda uma outra ilação: o Sacerdócio de Melquisedec é o Sacerdócio de El-Elyon e o Sacerdócio Cristão é o de Emmanuel; mas se, El Elyon é Emmanuel, estes dois Sacerdócios são um só, sendo que, o Sacerdócio Cristão que, de resto, comporta essencialmente a Oferenda Eucarística do Pão e do Vinho é conforme a ordem de Melquisedec.
A Tradição Cristã distingue dois Sacerdócios, um conforme a ordem de Aarão, outro conforme a ordem de Melquisedec, sendo este superior àquele, tal como Melquisedec é, ele próprio, superior a Abraão, de quem descende o Sacerdócio Judaico. Esta superioridade, afirma-a S. Paulo ao dizer:
"De mais, aqui, os levitas que recebem os dízimos são homens mortais; lá, porém, se trata de alguém do qual é atestado que vive. Por fim, por assim dizer, também Levi, que recebe os dízimos, pagou-os na pessoa de Abraão"
Hb 7,8-9
Este "homem que vive", que é Melquisedec, é o Cristo, o que vive "para todo o sempre" (em hebreu le-êlam), ou seja, para toda a duração do mundo especialmente regido por ele. Eis porque existe "sem genealogia", pois a sua origem é "não humana", visto ele próprio ser o arquétipo do homem, feito à imagem e semelhança do Filho de Deus, já que, pela Lei que formula, ele é, para este mundo, a expressão e a própria imagem do Verbo Divino.
(Fílon identifica Melquisedec com o Logos como Sacerdote de Deus).
Ainda outros considerandos: na História dos Reis Magos vemos três personagens distintos que são os três chefes da hierarquia iniciática; na de Melquisedec há apenas um, que une em si, os aspectos correspondentes ao Tríplice Ofício do Cristo. Assim, alguns autores fazem a distinção entre Adonai-Tsedek, o "Senhor da Justiça", que, por sua vez, se desdobra em Kohen-Tsedek, o "Sacerdote da Justiça" e Melek-Tsedek o "Rei da Justiça"(fontes); a estes três aspectos podem fazer-se corresponder respectivamente ao Tríplice Ofício, que a Tradição da Igreja identifica nos três Astrólogos que vieram do Oriente(fonte com citação do Teólogo); Baltazar oferece-lhe Mirra, e sauda-o como Profeta (suporte das almas no Espírito de Deus), Gaspar oferece-lhe Incenso, e sauda-o como Sacerdote (representante da Alma Universal) e Melchior (מלכיאור‎, isto é, Melek [מלך‎, Rei] e Aur [אור‎, Luz], ou seja, o "Rei da Luz", o que nos é bastante signifactivo) oferece-lhe Ouro, e sauda-o como Rei (símbolo de toda a organização Material do Cosmos). Embora Melquisedec corresponda apenas, neste esquema, ao terceiro aspecto, aplica-se normalmente por extensão, ao conjunto dos três e se é empregue preferencialmente em relação aos outros, é porque, a função que exprime, é a que mais próxima está do mundo exterior, logo a que se manifesta de forma mais imediata.
Tomando agora o nome de Melquisedec, no seu sentido mais restrito, diremos, que a balança e a espada são os atributos próprios do "Rei da Justiça" e os mesmos de São Miguel, o Anjo do Julgamento.
(Imagem: Na Iconografia Cristã, São Miguel figura com estes dois atributos nas representações do Juízo Final [texto fonte de algum livro sobre Arte Sacra])
Estes dois emblemas representam respectivamente, na ordem social, as duas funções, administrativa e militar, e são os dois elementos constitutivos do poder local. Hieroglificamente são os dois caracteres que formam a raíz hebraica e árabe Haq (حقّ) que significa, ao mesmo tempo, "Justiça" e "Verdade" (tradução e paralelo com egípcios [e fontes]) e que para diversos povos antigos serviu para designar a realeza. Haq é a força que faz reinar a Justiça, isto é, o equilíbrio simbolizado pela balança, enquanto a força o é pela espada: eis o que caracteriza o papel essencial do poder real e o que é, também, na ordem espiritual, a força da Verdade. Existe uma forma suavizada da raíz Haq, obtida pela substituição do signo da força material pelo da força espiritual: Hak designa sobretudo a "Sabedoria" (Chokhmah) e, por isso mesmo, aplica-se mais em relação à autoridade Sacerdotal enquanto Haq corresponde melhor à ideia de poder real. Isto é ainda confirmado pelo facto de duas formas correspondentes e com sentidos semelhantes poderem encontrar-se também na raiz kan que em muitas línguas significa "poder" ou "força" (fonte) e também "conhecimento" (fonte): assim, a forma kan representa sobretudo o poder espiritual ou intelectual, idêntico à Sabedoria (donde Kohen, Sacerdote), enquanto gan é a forma que corresponde ao Poder Material (donde diferentes termos expressando a ideia de "posse", nomeadamente Caim; "adquirir"). A análise destas raízes e dos seus derivados poderia dar lugar a muitas outras considerações, mas é preferível cingirmo-nos apenas ao que diretamente diz respeito ao nosso tema central.
Para conclusão do que ficou exposto, voltemos ao que a Cabalá diz acerca de Shekinah: esta é representada no Mundo Inferior por Malkuth, "Reino", designação digna de nota na perspectiva deste livro; mas mais interessante é o facto de, entre os sinónimos geralmente atribuídos a Malkuth, se encontrar Tsedek, o "Justo".(Nota: Tsedeq é também o nome do planeta Júpiter, cujo anjo é chamado Tsadqiel-Melek; a semelhança com Melki-Tsedeq, ao qual apenas se juntou a partícula El, o Nome Divino que forma a terminação comum de todos os nomes angélicos, é aqui demasiado evidente para que se insista nela) Esta relação entre Malkuth e Tsedeq, ou entre a Realeza (o Governo do Mundo) e a Justiça, encontra-se precisamente no nome de Melquisedec. Trata-se aqui da Justiça distributiva e equilibrante, no Pilar do Meio da Árvore Sefirótica, sendo necessário distingui-la da Justiça oposta à Misericórdia e identificada com o Rigor, no Pilar da Esquerda, pois são dois aspectos diferentes (em hebraico existem dois vocábulos para as designar: Tsedaqah, a primeira e Din, a segunda). Ao primeiro destes aspectos refere-se a ideia de Justiça, no seu sentido, ao mesmo tempo, mais restrito e mais completo, o que implica preferencialmente a ideia de equilíbrio e de harmonia, ligada indissoluvelmente à ideia de Paz.
"O Tabernáculo da Santidade de Jeová, a residência da Shekinah, é o Santo dos Santos, que é o coração do Templo, que é ele próprio o centro de Sião (Jerusalém), como é a Sagrada Sião! o centro da Terra de Israel, assim como a Terra de Israel é o centro do Mundo. Do Alto fluem as bênçãos, de Ayn-Soph para as Sephiroth supremas, através de Binah para Tiphereth, que é a síntese das seis Sephiroth inferiores, e depois para Malkuth, que as distribui a Israel. As nações pagãs se beneficiam disso como o Demônio, que só pode sobreviver pela porção de santidade da qual se alimenta. Este derramamento de bênçãos aqui abaixo através de Malkuth (a Shekinah inferior) faz com que seja designado sob o nome de (Berékà). Ela é o reservatório em que se reunem as águas que vêm do rio do alto, isto é, todas as emanações (graças ou influências espirituais) que ela verte em abundância."
- Vulliaud, I, 509-510.
O reservatório das águas celestes, identifica-se claramente com o centro espiritual do nosso mundo: dele partem os quatro rios do Pardes que se encaminham na direcção dos quatro pontos cardeais. Para os Cabalistas, este centro espiritual identifica-se com a colina do Sião, a que chamam "Coração do Mundo", designação comum a todas as "Terras Santas".
Indo mais longe: não apenas tudo o que foi enumerado aqui, tomando-o pela sua ordem inversa, mas também, depois do Tabernáculo no Templo, a Arca da Aliança no Tabernáculo e, sobre a própria Arca da Aliança, o lugar da manifestação de Shekinah (entre os dois Querubins), representam outras tantas aproximações sucessivas do "Pólo espiritual".
Por estas razões, Dante refere-se a Jerusalém como sendo o "Pólo espiritual"; porém, desde que se abandone a perspectiva cabalística, tudo isto se torna essencialmente simbólico e não constitui qualquer tipo de referência estritamente geográfica. O Centro Espiritual secundário constituído de modo á adaptar a Religião a condições determinadas, é uma Imagem do centro supremo. Sião pode ser um centro secundário e contudo, identificar-se simbolicamente com o centro supremo em virtude dessa semelhança. Sem dúvida, que Jerusalém é, como o seu nome indica, uma imagem da verdadeira Salem; o que dissemos e diremos ainda acerca da "Terra Santa", que não é somente a Terra de Israel, permitirá compreendê-lo sem dificuldade.
Uma outra designação que pode ser dada como sinónimo de "Terra Santa" é a de "Terra dos vivos"; esta designa manifestamente a "Morada da Imortalidade", podendo aplicar-se com rigor ao Paraíso Terrestre ou aos seus equivalentes simbólicos. Também foi assim designada terra de Israel.
"O Santo, Bendito seja, não destrói o trabalho das suas mãos. Mas, além disso, diz respeito aos céus dos quais se diz (Is 51,6): 'os céus vão desvanecer-se como fumaça'. Se assim for, o Santo, Bendito seja, fez e destruiu. Há um mistério nesta expressão; isto é: quando o Santo, Bendito seja, criou o mundo e suas criaturas pela Lei, como foi explicada a palavra Bereshit (Princípio), como é dito (Pr 8,22): 'O Senhor me criou, como primícia de suas obras'. Por esta primícia (Reshit), Deus criou o Céu e a Terra e se uniu a eles, razão pela qual a palavra Berit (Aliança) está escrita em Bereshit, e como é dito (Jr 33,25): 'Agora, a menos que minha Aliança (fosse cumprida) dia e noite, Eu não teria estabelecido as leis do Céu e da Terra'. É por causa desta Aliança que se diz (Sl 115 [113],16): 'O céu é o céu do Senhor, mas a terra ele a deu aos filhos de Adão.' É a Terra dos Vivos composta por sete terras da qual fala o Rei Davi (Sl 116 [114],9): 'Na presença do Senhor continuarei o meu caminho na terra dos vivos.' Ele criou o Céu e a Terra em Tohu. Mas este não foi o fundamento da Aliança pela qual ele se uniu a eles. Também o Santo, Bendito seja, quis confiar aos povos pagãos a Lei, que é a Aliança da Circuncisão. Mas eles se recusaram a recebê-la. A terra permaneceu estéril e árida. Isto é o que (Gn 1,9) quer dizer: 'Que as águas que estão debaixo do céu se juntem num mesmo lugar, e apareça o elemento árido.' 'Que as águas se juntem' significa a Lei. 'Num mesmo lugar' designa Israel cujas almas dependem deste lugar, como se diz (Ez 3,12): 'Bendita seja a Glória do Senhor, onde ela repousar!'. 'A Glória do Senhor' designa a Shekinah (o Divino) abaixo. 'Onde ela repousar' designa a Shekinah de cima."
- Vulliaud, II, 516-517.
(...)
Chesed (Graça), Geburah (Julgamento) e Tiphereth (Beleza - o centro Cristológico da Árvore da Vida).
(Imagem)
A segunda ou tríade intermediária de Adam Kadmon são os braços e Coração do Corpo Divino. O Braço Direito Branco é a Sephirah de Chesed (Misericórdia/Amor) e o Braço Esquerdo Vermelho é a Sephirah de Geburah (Julgamento/Justiça/Poder).
(citação)
(ver se fala de agua e sangue)
Chesed significa bondade ou Misericórdia.  Denota a bondade ilimitada com a qual Deus criou o mundo e com a qual a criação é permeada.
"Pois eu disse: teu Amor (חֶ֣סֶד) é um edifício Eterno. Tu firmaste tua Fidelidade mais que o Céu."
Sl 89(88),3
A bondade foi, de fato, a razão da Criação. Visto que a "natureza" de Deus é é absoluta benevolência e bondade amorosa, Ele criou os mundos para que Ele tivesse a quem conceder Sua bondade, como está escrito em Etz Chaim;
 "É a natureza Daquele que é bom fazer o bem."
A luz foi criada no primeiro dia. Luz é revelação, como explicado anteriormente. Essa luz era infinita.
"A luz que foi criada no primeiro dia brilhou de um extremo ao outro da Criação" (fonte)
Esta é a luz de Chesed que permeia toda a Criação e através da qual toda a Criação é construída.
Geburah denota poder restritivo. Uma vez que a chesed infinita e ilimitada de Deus é destinada a criaturas finitas incapazes de absorver bondade infinita e ainda assim permanecer na existência física, o atributo de chesed é controlado e limitado pelo aspecto de Geburah. A palavra Geburah significa literalmente "restrição", o poder de limitar e ocultar a Luz Infinita para que cada criatura possa receber de acordo com sua capacidade. Assim, Geburah também é um aspecto da bondade de Deus, pois se o derramamento de bondade infinita permanecesse irrestrito, as criaturas finitas seriam instantaneamente anuladas na revelação infinita do amor Divino. Portanto, a Sephirah de Geburah é a manifestação do poder de Deus para restringir e ocultar a luz para que Suas criaturas possam receber Sua bondade amorosa, cada uma de acordo com sua capacidade.
No Segundo dia da Criação, foi introduzida a separação das águas superiores das águas inferiores. Na Torá, isso é chamado de firmamento (rakia). Na Cabala, a água significa bondade (Chesed).
(citação)
A separação das águas significa que a Chesed infinita de Deus referida como "as águas superiores", é separada das "águas inferiores", significando a chesed finita, que tem a capacidade de permear os mundos inferiores.
(citação)
A sephirah de Tiphereth representa a mistura harmoniosa de várias cores e formas, produzindo uma obra de grande beleza. A palavra Tiphereth (תפארת) é derivada da palavra hebraica Pe'er (פאר), que significa "Beleza". O atributo de Tiphereth combina Chesed e Geburah, de modo que uma mistura adequada dos dois pode produzir uma revelação suportável de Chesed para seres criados finitos. Em outras palavras, Tiphereth é o atributo que funde o fluxo benevolente de Chesed e a severidade restritiva de Geburah para que cada criatura receba sua medida adequada de Luz Divina e força vital. Isso é por que Tiphereth também é chamado de "Compaixão" ou "Misericórdia", pois permite que Chesed e Geburah se equilibrem de modo que a benevolência de Deus possa ser absorvida pelo mundo limitado sem que ele deixe de existir.
No terceiro dia da Criação, a água e a terra foram separadas e o reino vegetal foi criado. O terceiro dia, relacionado com a terceira sephirah mais elevada, Tiphereth, estabelece um equilíbrio entre a água e a terra, de modo que o reino vegetal (e, portanto, os reinos animal e humano também) possa ser sustentado por ambos, cada planta de acordo com sua necessidade.
(citação)
A Sephirah de Chesed é o Atributo que unifica a Divindade. Chesed é descrito como tendo 13 Atributos que estão registrados em Êxodo (quando);
"O Senhor passou diante dele, exclamando: 'Senhor, Senhor, Deus (YHWH, YHWH, El - יהוה יהוה אל) compassivo e misericordioso, lento para a cólera, rico em bondade e em fidelidade, que conserva sua graça até mil gerações, que perdoa a iniquidade, a rebeldia e o pecado, mas não tem por inocente o culpado, porque castiga o pecado dos pais nos filhos e nos filhos de seus filhos, até a terceira e a quarta geração'”
Ex 34,6-7
(citação sobre os 13 atributos)
A invocação desses treze atributos da Misericórdia salvou Israel da Destruição do Julgamento Divino (Geburah). Quando Geburah reage com a Chesed, ela produz Tiphereth.
Os três primeiros atributos da Misericórdia invocados diante de Moisés foram YHWH, YHWH, El – Moisés estava ecoando as três menções de Deus no Shemá.
"Ouve, ó Israel! O Senhor, nosso Deus (יהוה אלהינו/ YHWH Elohanyu), é o único Senhor (יהוה אחד/ YHWH Echad [Echad = Um. Unidade])."
Dt 6,4.
Os treze atributos da Misericórdia são associados no Trisagium cantado pelos Serafins na visão de Isaias.
"Suas vozes se revezavam e diziam: “Santo, Santo, Santo (קָדֹ֧ושׁ קָדֹ֛ושׁ קָדֹ֖ושׁ - Kadosh, Kadosh, Kadosh) é o Senhor Deus do universo! A terra inteira proclama a sua Glória!”
Is 6,3
(Associação)
A Cabalá como interpretação da Escritura serviu como preparação para a Revelação Trinitária e Eucarística do Cristianismo. Esta é uma das razões pelas quais tradicionalmente os judeus rabínicos proibiam qualquer pessoa com menos de 40 anos de estudar a Cabala, pois ela era considerada potencialmente perigosa para a fé judaica ortodoxa.
Segundo a Teologia, a Misericórdia é o maior dos atributos de Deus (citação do Diário de Santa Faustina e se possível, Santo Tomás). Chesed (Misericórdia) é o Braço Direito Branco e Geburah (Julgamento), o Braço Esquerdo Vermelho. Por isso na Imagem da Divina Misericórdia saem dois raios de luz do Coração de Jesus; um vermelho representando o Sangue do lado esquerdo, e um branco representando a Água do lado direito, que fluiram de Seu Coração.
"Os dois raios representam o Sangue e a Água — o raio pálido significa a Água que justifica as almas, o raio vermelho significa o Sangue que é a vida das almas... Ambos os raios jorraram das entranhas da Minha misericórdia, quando, na cruz, o Meu Coração agonizante foi aberto pela lança. Esses raios defendem as almas da ira do Meu Pai. Feliz aquele que viver à sua sombra, porque não será atingido pelo braço da justiça de Deus.”
- Revelação pessoal de Cristo à Santa Maria Faustina Kowalska ("Diário. A Misericórdia Divina na minha Alma", Editora Apostolado da Divina Misericórdia, 2019, página 143).
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A reação entre Chesed e Geburah produz Tiphereth (Beleza), que é o Coração do Corpo Divino. O Messias é a Beleza de Israel. A Sephirah se associa a primeira vinda compassiva de Cristo.
(Associação)
(Mario Satz sobre Leite e Sangue)
O mal ou o próprio inferno, chamado de Sitra Achra – o Outro Lado – surge quando Geburah não é equilibrada por Chesed. Pois Céu e Inferno não são senão formas das quais se experimentam a Luz Divina.
6.3. O Hê perdido.
A letra final da palavra Torá (תּוֹרָה) é o Hê (ה, aqui com som de 'á'), que é a última letra do Nome Divino Mais Sagrado (יהוה - YHWH, ou Javé).
A afirmação Bíblica de que o ser humano foi feito à 'Imagem e Semelhança de Deus' significa que sua estrutura mental/espiritual foi construída com base no corpo de Adam Kadmon. As Sephiroth, estações onde a Luz Primordial é trabalhada de modo a tornar-se suportável às criaturas, existem também em nossa estrutura interna e desenham nossos membros. Somos 'microcosmo'; uma imagem em miniatura de Deus ou do 'Filho de Deus'.
Diz o Zohar, que o Nome Inefável de Javé está "partido". Ou seja, a Unidade Divina foi quebrada por aquilo que é chamado de Erev Rav (עֵרֶב רַב). Os tais, se colocando entre o Segundo Hê e o Vav impedem a União Divina.
(passagem)
O nome Multidão Mista ("עֵרֶב רַב" - Erev Rav), é uma expressão usada em Êxodo 12,38 para se referir aos egípcios e outros povos que subiram com o Povo de Israel para a Terra Prometida. Segundo os rabinos, esses (chamados apenas de 'o povo' em outras passagens) teriam sido a influência para a feitura do Bezerro de Ouro e o consequente revestimento da Torá na Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal.
(citação)
Deus formou Israel (Príncipe de Deus espalhado entre os povos) para governar e repelir os poderes caóticos e obscuros. Entretanto, quando Israel subiu do Egito (Binah), junto dele estava o "Erev Rav". Homens e mulheres de Tohu va Bohu (i.e. Sem Forma e Vazios), que desejavam os benefícios do Povo Eleito, mas não sua Missão. Esse povo, tomando "a prata e o ouro do Egito" (segredos cabalisticos) erigiu um Falso deus, um Bezerro de Ouro e quebrou a unidade entre o Criador e sua Criação.
O pecado do Bezerro que prejudicou todo o Povo Eleito é chamado de "queda do Hê (ה)", ou seja, o rebaixamento da Glória de Deus; Sua Shekinah.
(citação)
Ainda segundo o Zohar;
"Antes de Israel ir para o cativeiro, e enquanto a Shekinah ainda estava com eles, Deus ordenou a Israel: 'não descobrirás a nudez de tua mãe' (Lv 18,7), e este cativeiro é a descoberta da nudez da Shekinah, pois está escrito: 'Por causa de vossos pecados vossa mãe foi repudiada' (Is 50,1), isto é, pelo pecado da impureza, Israel foi enviado ao cativeiro e a Shekinah também, e esta é a descoberta da Shekinah. Esta impureza é Lilith, a mãe do 'Erev Rav'. São eles que separam os dois Hês do Nome Sagrado (Yod, Hê, Vav, Hê) e impedem que o Vav entre entre eles; por isso está escrito: 'Não descobrirás a nudez de uma mulher e de sua filha' (Lv 18,17), referindo-se à Shekinah superior e inferior. Quando o Erev Rav está entre um Hê e outro, o Santo, bendito seja Ele, não consegue ligá-los e, conseqüentemente, 'e o rio se tornará seco e árido.' (Is 19,5) - seco no Hê superior e árido no Hê final, para que o Erev Rav não seja nutrido pelo Vav, que é a Árvore da Vida. Portanto o Vav não liga os dois Hês quando o Erev Rav está entre eles, e a letra Yod não é capaz de se aproximar do segundo Hê; assim, o preceito 'Não descobrirás a nudez de tua nora' (Lv 18,15) é transgredido. Além disso, eles separam o Yod do Hê superior, e assim quebram a ordem 'Não descobrirás a nudez da mulher de teu pai' (Lv 18,8), sendo o Yod o Pai, o primeiro Hê a Mãe, Vav o filho e o Hê final a filha."
- "Zohar" I, Bereshit A, 27b.
O nome YHWH (Yod-Hê-Vav-Hê/ יהוה‎), portanto, é uma unidade de potências masculinas e femininas. O Último Hê (ה) equivale à nosso mundo (Malkuth), e é a Noiva (Shekinah).
"Nas imagens da Cabala, a Shekhinah é a Sephirah mais abertamente feminina, a última das dez Sephiroth , referida imaginativamente como 'a filha de Deus'. ... A relação harmoniosa entre a Shekhinah feminina e as seis Sephiroth que precedem ela faz com que o próprio mundo seja sustentado pelo fluxo da energia Divina. Ela é como a lua refletindo a Luz Divina no mundo."
- Alan Unterman, "Dictionary of Jewish Lore and Legend" (London: Thames and Hudson 1991), p. 181. Cfr. pág. 175 re sefirot . A décima sefirot é Malkuth 'reino' ou Shekhinah.
Os poderes das trevas, como uma vilã de novela ou qualquer bruxa de um conto de fadas, se interpõem impedindo o casamento do Vav (ו - Correspondendo á Tiphereth) com o segundo Hê (ה - Correspondendo á Malkuth).
A palavra Kabbalah (קבלה) é traduzida como "Tradição Recebida". Contudo, seu segredo é o segredo das letras, e olhando fundo no coração desta, mistérios extraordinários se fazem notar.
As três primeiras letras formam a palavra "kevel" (קבל - QBL) que em si mesma significa "recepção". Ou seja, a posição passiva daquele que recebe a iniciação dos mistérios, que aprende a Tradição. Mas, se incluímos sem juntar à palavra Kevel a letra restante (o Hê - ה), então o mistério se revela: Kabbalah é a "Recepção do Hê". A recepção da Filha, em temor ao Pai e amor à Mãe.
Os que recebem adequadamente o Hê são os filhos da Filha, gerados nela e para ela. Esses são o verdadeiro Povo de Israel, que é a Igreja.
Esse conhecimento consiste primariamente na revelação dos sentidos ocultos das Escrituras Judaicas. Diz São Paulo;
"Dizei-me, vós que quereis estar sujeitos a uma Lei: não ouvis a Lei? A Escritura diz que Abraão teve dois filhos, um da escrava e outro da livre. O da escrava, filho da nature­za; e o da livre, filho da promessa. Nestes fatos há uma alegoria, visto que aquelas mulhe­res repre­sentam as duas alianças: uma, a do monte Sinai, que gera para a escravidão, é Agar (O monte Sinai está na Arábia). Corresponde à Jerusalém atual, que é escrava com seus filhos. Mas a Jerusalém lá do alto é livre e esta é a nossa mãe, porque está escrito: Alegra-te, ó estéril, que não davas à luz; rejubila e canta, tu que não tinhas dores de parto, pois são mais numerosos os filhos da abandonada do que daquela que tem marido (Is 54,1).
Como Isaac, irmãos, vós sois fi­lhos da promessa. Como naquele tempo o filho da natureza perseguia o filho da promessa, o mesmo se dá hoje. Que diz, porém, a Escritura? Lança fora a escrava e seu filho, porque o filho da escrava não será herdeiro com o filho da livre (Gn 21,10). Pelo que, irmãos, não somos filhos da escrava, mas sim da que é livre."
Gl 4,21-31
A palavra para Lei no texto acima (νόμον - nomon) refere-se à Torá, os cinco livros de Moisés de onde Paulo tira sua citação.
"Quando um ser humano constrói um Palácio, ele não o faz de acordo com sua sabedoria, as seguindo a Sabedoria de um Artífice. E este tampouco constroi segundo sua própria Sabedoria: ele recorre à Plantas e Projetos de modo a saber colocar os quartos e corredores. O Santo, Bendito Seja, assim o fez. Ele buscou na Torá e criou o mundo"
- Midrash (fonte)
"Deus criou o mundo a partir de um plano e propósito. Seu plano era a Torá que precede o mundo"
- Shabat 88b
"Quando o Santo, Bendito Seja, criou o mundo, Ele o fez a partir do Poder Secreto das letras"
- Zohar IV: 151b
Descobrir os sentidos ocultos da Cabalá é encontrar os sentidos ocultos do Universo e da Criação.
O Cristo pré-Cristão
Toda a história da humanidade que começou com Adão representa apenas um reinado de pecado e morte, e a Lei que parece reagir contra ele não muda nada. Porque a única maneira de entrar em comunhão com Deus agora parece ser a submissão à sua Lei. No entanto, mesmo o Judaísmo, que se distingue tão altamente pela posse desta Lei, tem apenas o aumento do pecado como fruto dos seus esforços legalistas, em vez da abolição do pecado. É precisamente na Lei que fica claro o conflito entre o que se é e o que se deve ser; o pecado se torna ainda mais poderoso sob a Lei. O Ministério da Antiga Aliança, porque era uma Aliança da Lei, é um "Ministério da condenação” (2Cor 3,9). Mas por trás desta Lei que condena os pecadores está o próprio Deus, o Santo e Justo. A sua ira repousa, portanto, sobre toda a raça humana, e a morte é precisamente a sombra que esta ira lança sobre toda a existência humana. Lei, pecado e morte – estes três poderes sinistros, personificados à maneira do pensamento antigo, constituem a essência do “presente mundo perverso” (Gl 1,4). É por isso que a “Redenção”, com cuja proclamação São Paulo inverte o pessimismo resultante de toda a cadeia de pensamento desenvolvida até agora, é uma redenção a partir da Lei, do pecado e da morte, e ao mesmo tempo, de uma forma todo-seniciosa, uma redenção do mundo. É concebido como o resultado de um contra-ataque que destrói simultaneamente o Estado de direito, a compulsão do pecado e o poder da morte, cuja autoria irresistível e Divina Paulo experimentou sobretudo em si mesmo.
O resultado obtido através do pensamento foi apenas negativo. A Criação parecia ter-se transformado no seu oposto, ter caído na morte eterna, porque a humanidade, que pertence a esta Criação, descia inexoravelmente para a destruição. Foi assim que as coisas foram para São Paulo, pelo menos a partir do momento em que ele se viu afastado deste caminho de morte e colocado numa linha oposta e ascendente de desenvolvimento que conduzia à vida. A questão histórica das circunstâncias em que ocorreu uma mudança tão decisiva deve ser guiada pela compreensão de que não se trata de uma descoberta de trabalho intelectual com a qual Paulo teria surpreendido o mundo, mas principalmente de uma experiência que o surpreendeu. Contudo, o pré-requisito reside na questão do destino do Cristianismo Primitivo, se e como alguém poderia ser um Messias, apesar do facto de as suas reivindicações terem sido "extintas" na Cruz. Para a comunidade primitiva, a solução residia no facto de que, neste caso, a morte na Cruz não era a recompensa de um criminoso, mas uma morte Sacrificial desejada por Deus e, portanto, imediatamente transformada em Ressurreição e Exaltação. A prova, portanto, estava na Ressurreição, e para Paulo era principalmente uma questão de saber se ele poderia convencer-se da Ressurreição. Se fosse esse o caso, então a vergonha da Cruz seria apagada e Jesus seria provado ser o Messias, apesar disso. Porque a Ressurreição significa essencialmente reabilitação.
"Nunca lestes estas palavras da Escritura: A pedra que os cons­trutores rejeitaram veio a tornar-se pedra angular. Isto é obra do Senhor, e ela é admirável aos nossos olhos' (Sl 117,22s)?"
Mc 12,10-11
"Matastes o Príncipe da vida, mas Deus o ressuscitou dentre os mortos: disso nós somos testemunhas."
At 3,15.
Justamente por isso, por trás da questão da Ressurreição como questão do predicado, está a importante questão do sujeito a quem ocorre a reabilitação. Tudo seria mais compreensível se isto tivesse sido dado à consciência da própria pessoa numa forma e num contexto em que a Ressurreição, ou melhor, a elevação de Cristo ao Céu como à sua Pátria primordial, o que parece ser uma consequência necessária disso, já estava contido. Como seria essa imagem de Cristo que já foi trazida com você? De que material será feito, com quais características será dotado?
Ao considerar tal curso de acontecimentos como inevitável, a escola de história religiosa geralmente se refere às tradições orientais, à teologia do judaísmo tardio influenciada por elas, e especialmente ao apocalipticismo com o seu ser Celestial pré-existente, no qual Paulo reconheceu o Messias; Em vez disso, as pessoas muitas vezes preferem apontar para as origens gnósticas, especialmente para a literatura hermética. A Cristologia, na medida em que possui características mitológicas, é superior a remontá-la à especulação rabínica, o que também foi tentado.
"O primeiro homem, Adão, foi feito alma vivente (Gn 2,7); o segundo Adão é espírito vivificante. Mas não é o espiritual que vem primeiro, e sim o animal; o espiritual vem depois. O primeiro homem, tirado da terra, é terreno; o segundo veio do céu. Qual o homem terreno, tais os homens terrenos; e qual o homem celestial, tais os homens celestiais. Assim como reproduzi­mos em nós as feições do homem terreno, precisamos reproduzir as feições do homem celestial. O que afirmo, irmãos, é que nem a carne nem o sangue podem participar do Reino de Deus; e que a corrupção não participará da incor­rup­tibilidade."
1Cor 15,45-50
Essa passagem expressa a consciência de ter elevado seu ensinamento diretamente das Escrituras, e retira especificamente os nomes e traços de caráter dos dois Adões do relato da criação. Portanto, apega-se ao esquema do homem celestial pneumático apresentado, pois ele, como o segundo Adão, forma a contrapartida do primeiro Adão, o homem terreno psicológico. Uma peça complementar instrutiva é a maneira pela qual Fílon reuniu a oposição platônica entre as formas ideal e empírica da humanidade com o relato da dupla criação em Gênesis 1 e 2. Analogias com o Alexandrinismo contemporâneo que emergem de outros lugares também levam à essa suposição.
"A passagem principal na Cristologia Paulina é 1Cor 15,45-50. De acordo com isso, há uma forma dupla da existência do homem; pois Deus criou um Adão celestial no mundo espiritual e um terrestre de barro para o mundo material. O Adão terrestre apareceu primeiro, embora tenha sido criado por último. O primeiro Adão era de carne e osso e, portanto, sujeito à morte - meramente 'uma alma vivente'; o segundo Adão era 'um espírito vivificante' - um espírito cujo corpo, como os seres celestiais em geral, era apenas de natureza espiritual. A dificuldade aparentemente insuperável da Cristologia paulina que confronta os expositores do Novo Testamento desaparece inteiramente quando se faz referência ao Midrash. Como aluno de Gamaliel (At 22,3), Paulo simplesmente opera com concepções familiares aos teólogos palestinos. O Messias, como observa o Midrash, é, por um lado, o primeiro Adão, o homem original que existia antes da Criação, seu espírito já estando presente. Por outro lado, ele também é o segundo Adão na medida em que sua aparência corporal seguiu a Criação e na medida em que, segundo a carne, ele é da posteridade de Adão. Paulo, portanto, não depende de Filo para sua cristologia, como sustenta a maioria dos estudiosos; na verdade, ele difere dele na maioria dos pontos essenciais. Com Fílon, o homem original é uma ideia; com Paulo, ele é a personalidade de Jesus. Com Fílon, o primeiro homem é o homem original; Paulo identifica o homem original com o segundo Adão. O Apóstolo Cristão evidentemente baseou-se na teologia palestina de sua época; mas não se pode negar que, nos tempos antigos, essa teologia devia aos alexandrinos muitas de suas idéias, e provavelmente entre eles a preexistência."
- Rabino Louis Ginzberg
A reflexão sobre os relatos da criação tem crescido, como é demonstrado não apenas pela caracterização de ambos Adões de acordo com Gênesis 1,26-27 ou melhor (veja 6,3) 2,7, mas também pelo esquema de aparecem os termos correlativos nos quais são classificados.
O Homem Primordial como o “eu” da Humanidade como um todo.
Cristo como Cabeça de toda a Raça Humana.
"Nos Sacrifícios da Lei Antiga, criaturas irracionais – objetos de posse e prazer pertencentes ao reino animal ou vegetal – foram substituídas pelo homem e oferecidas a Deus no lugar da vida humana. Tal substituição foi imperfeita, ineficaz e, consequentemente, inadequada. O sangue dos animais não poderia expiar o pecado nem aliviar o homem da sua dívida; mas sim renovou “a memória dos pecados" não expiados continuamente vivos naqueles que ofereceram esses sacrifícios (Hb 10,3-4), despertando assim o desejo do Sacrifício prometido que, de forma incomparavelmente mais exaltada, tomaria o lugar do homem junto a Deus e ofereceria uma expiação perfeita pela culpa de todo pecado. Este sacrifício vicário foi oferecido pelo Deus-Homem, Jesus Cristo, na medida em que Ele, o Cabeça da raça humana, deu Sua vida por meio de uma morte sangrenta para apresentar a Deus não apenas um sacrifício estritamente equivalente ou totalmente suficiente, mas até mesmo uma satisfação superabundante e transbordante pelos pecados de toda a humanidade.
Jesus Cristo respondeu por nós e nos representou diante de Deus, ou seja, Ele realizou tudo o que Deus exigiu para nos conceder o perdão e nos restaurar à Graça, — e Ele realmente o realizou por nós, isto é, em nosso lugar. Conseqüentemente, aquilo que éramos obrigados a fazer e ainda assim incapazes de realizar, Jesus Cristo, como nosso substituto, realizou por nós; — Ele apaziguou a Justiça e Majestade Divina. Os frutos de Seu sacrifício redundariam em nosso benefício; Suas satisfações e méritos Ele quis transmitir-nos, apresentá-los para que nós, libertados do pecado e de seu castigo, fôssemos também enriquecidos com os dons da Graça.
Foi para se tornar, da maneira mais perfeita que se possa imaginar, nosso substituto ou representante, e para nos satisfazer e merecer, que o Filho de Deus assumiu a natureza humana ao nascer de nossa Raça. De acordo com a carne, Ele era verdadeiramente, embora de maneira sobrenatural, de nossa raça; Ele era um de nós, Ele era nosso irmão. Assim como Cristo “se entregou como resgate por todos” (1Tm 2,6), Ele não se entregou pelos estranhos, mas pelos seus, pelos seus irmãos. “Ó troca maravilhosa”, exclama a Igreja; “o Criador da humanidade toma um corpo animado por uma alma e se digna nascer da Virgem; e procedendo como homem, concebido sobrenaturalmente, Ele nos comunica Seu ser Divino!" - Disto se segue que Jesus é a Cabeça espiritual e sobrenatural da humanidade; isto constitui o corpo místico, para o qual Cristo, a Cabeça, ofereceu satisfação e obteve mérito. Cristo é o segundo Adão; como tal, Ele reparou superabundantemente o que o primeiro Adão destruiu e corrompeu. "Portanto, como pelo pecado de um só a condenação se estendeu a todos os homens, assim por um único ato de justiça recebem todos os homens a justificação que dá a vida" (Rm 5,18), isto é, como o pecado de Adão veio por herança sobre toda a sua posteridade, porque Deus o estabeleceu como cabeça da família humana, assim, da mesma maneira, os méritos e a satisfação de Cristo são benéficos para todos, porque na ordem da Graça Deus o colocou à frente da raça humana."
- Pe. Nikolaus Gihr, "The Holy Sacrifice of the Mass; Dogmatically, Liturgically and Ascetically explained", St. Louis, Mo., 1902, B. Herder, páginas 39-40.
Como já vimos, Adão às vezes é descrito como um gigante cósmico. Ele cobriu toda a superfície da terra, e Deus juntou pó vermelho, preto, branco e amarelo dos quatro cantos do mundo para formá-lo. De acordo com outras versões, Adão foi composto de oito partes do mundo.17 Ele era Masculino e Feminino e, de acordo com Luria, todas as almas dos seres humanos e espíritos estavam contidos nele. A alma de Adão era “como o pavio de uma lâmpada, trançado com muitos fios”, isto é, trançado com as seiscentas mil almas de todos os seres.18 Nessas versões, o homem primordial cósmico aparece como símbolo do eu mesmo de um coletivo.19 Estamos lidando aqui com uma noção arcaica, que pode ser encontrada em muitos lugares. Como Mircea Eliade mostrou, na maioria das mitologias e religiões primitivas, todas as coisas terrenas — espécies animais, implementos e assim por diante — possuem sua imagem arquetípica no além,20 e isso também vale para o homem. Ou seja, a humanidade como um todo tem algo como uma imagem primordial coletiva de seu ser existindo no além (isto é, psicologicamente falando, no inconsciente coletivo). Este “protanthropos” no além é uma espécie de “espírito de grupo” inconsciente, do qual todos os indivíduos têm seu ser. Este significado do Anthropos como alma coletiva também explica por que a tradição judaica do Grande Homem como a primeira manifestação do incognoscível Deus da Criação – o Adam Kadmon dos Cabalistas – não apenas incorpora em seu corpo as dez Sephiroth, mas também porque seu corpo é composto, em certo sentido, pelos Dez Mandamentos da Torá. Ao mesmo tempo, como diz Gershom Scholem, ele é o verdadeiro “mistério da fé” ou o “homem interior” e o símbolo de Deus manifestando-se no homem.
(Citação)
O Homem Primordial tem frequentemente uma associação marcante com o número quatro.
Adão foi feito do pó dos quatro ou oito cantos do mundo.
Adam Kadmon manifestou-se em quatro níveis de ser.
Houveram extensas especulações relacionadas com as quatro letras do nome Adão, que também estavam ligadas ao Tetragrama, YHWH.
Segundo a visão junguiana, uma estrutura quaternária de um conteúdo inconsciente indica, em princípio, a possibilidade dele se tornar consciente, sendo, afinal, o fundamento arquetípico das quatro funções orientadoras de nossa consciência: pensamento, sentimento, percepção e intuição. Do ponto de vista psicológico, a estrutura quaternária do homem primordial significaria então que a imagem do Anthropos contém a possibilidade de um desenvolvimento progressivo da consciência humana, uma dinâmica interna, que impulsiona na direção de uma ampliação da consciência. É por isso que em Cristo, o próprio segundo Adão, o quartenário aparece novamente na forma do tetramorfo, bem como na imagem da Cruz.
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Isto fica ainda mais claro através de outro motivo, que é encontrado em muitos mitos de Protanthropos. Este é o motivo de um Homem Primordial submerso nas trevas ou desmembrado e do seu necessário “reencontro” e regresso à Luz.
Sobre o túmulo do primeiro Adão está a Cruz de Cristo, Adam Secundus (Imagem)
Nessas tradições, um grande mito dramático retrata o Homem Primordial de luz, que é idêntico à Divindade e habita um pleroma transcendental. Ele é conquistado pelas forças do mal e depois cai, afunda ou “flui”, terminando quebrado em mil partes, disperso como faíscas de luz ou como a “alma do mundo crucificada”, aguardando sua redenção. Esta obra de redenção é realizada por um emissário de Deus ou por um ser humano escolhido e consiste em reunir as partes dispersas do grande homem, reuni-las e, por vezes, provocar a sua reaparição ao pleroma. Em certo sentido, o destino do homem de luz caído repete o destino do gigante primordial desintegrado, mas num nível superior. Desta vez não é mais a totalidade pré-consciente totalmente primordial que é projetada no universo, mas sim um aspecto muito mais individual e mais humano dele. No entanto, este ainda é um processo de projeção pré-consciente, embora agora seja um processo que se aproximou muito mais da consciência e já contém em si a possibilidade de reagrupamento, isto é, a retirada da projeção, que agora cabe ao indivíduo humano como uma tarefa.
O Púlpito de Cristo.
A Metafísica da Cruz
(Imagem)
A maior parte das doutrinas religiosas simboliza a realização do “Homem Universal” por um signo qué é sempre o mesmo e que se liga diretamente à Revelação Primordial: é o signo da Cruz, que representa claramente o modo como esta união é atingida pela comunhão perfeita entre a totalidade dos estados do ser, harmônica e conformemente hierarquizados, num desabrochar integral nos dois sentidos da “amplitude” e da “exaltação”. De fato, este duplo desabrochar do ser pode ser visto como efetuando-se, de um lado, horizontalmente, ou seja em um certo nível ou grau de existência determinado, e de outro lado, verticalmente, ou seja na superposição hierárquica de todos os seres. Assim, o sentido horizontal representa a “amplitude” ou a extensão integral da individualidade tomada como base para a realização; esta extensão consiste no desenvolvimento indefinido de um conjunto de possibilidades submetidas a certas condições específicas de manifestação; no caso do ser humano, esta extensão não é, por sinal, limitada à parte corporal da individualidade, mas ela compreende todas as modalidades desta, sendo o estado corporal apenas uma destas modalidades. O sentido vertical representa a hierarquia, ainda mais indefinida, dos estados múltiplos, dos quais cada qual visto também na sua integralidade, é um conjunto de possibilidades, relacionadas a outros tantos “mundos” ou graus, todos compreendidos na síntese total do “Homem Universal” (2). Na representação da Cruz, a expansão horizontal corresponde à indefinidade das modalidades possívéis de um só estado do ser considerado integralmente, e a superposição vertical à série indefinida de estados do ser total.
É claro que o estado cujo desenvolvimento é representado pela linha horizontal pode ser quálquer estado; de fato, ele será o estado no qual o ser que pretende realizar o “Homem Universal” se ache atualmente manifestado, e este estado será para ele o ponto de partida e o suporte, ou a base, para esta realização. Qualquer estado poderá fornecer a um ser esta base; se consideramos especificamente o estado humano, é porque este nos concerne diretamente, de modo que iremos tratar do caso dos seres que partem deste estado para efetuar a realização; mas, do ponto de vista metafísico, este caso não constitui, de modo algum, um caso privilegiado.
A totalização efetiva do ser está além de toda condição. Segundo o Gênesis, o Homem, "criado macho e fêmea” (בָּרָ֣א אֹתֹ֑ו זָכָ֥ר וּנְקֵבָ֖ה - Bara otol Zakar u-Nekebah - Gn 1,27) é "a Imagem de Deus" (בְּצַלְמ֔וֹ - besalmol). Esse estado original é o estado humano completo, no qual os complementares se equilibram, ao invés de se opor. É preciso fazer aqui uma observação importante: pode-se objetar que a designação “Adão-Eva”, embora susceptível de transposição, só se aplica em sentido próprio ao estado humano primordial; o que acontece é que o "ser total", embora só seja realizado efetivamente na totalização dos estados múltiplos, já se acha realizado virtualmente no estado “edêmico”, na integração do estado humano ligado ao seu centro original, que é o ponto de comunicação direta com os outros estados.
De resto, podemos dizer que a integração do estado humano, ou de qualquer outro estado, representa, na sua ordem e grau, a própria totalização do ser; isto ficará mais claro pelo simbolismo geométrico que será explicado. Isto acontece porque podemos encontrar em todas as coisas, e notadamente no homem individual (e mais particularmente ainda no homem corporal), a correspondência e a figuração do “Homem Universal”; cada parte do Universo, seja um mundo ou um ser particular, é sempre e em toda parte análogo ao todo. Leibnitz tinha razão em admitir que a “substância individual” (com as reservas que já fizemos) deve conter em si-mesma uma representação integral do Universo, o que é uma aplicação correta da analogia entre o “Macrocosmo” e o “Microcosmo” (6); mas ao limitar-se à consideração da “substância individual”, vendo-a como um ser completo e fechado sem nenhuma comunicação com algo que o ultrapasse, ele não pôde passar da "amplitude" e “exaItação”, privando a sua teoria de um verdadeiro alcance metafísico (7).
Para voltarmos ao simbolismo da Cruz, diremos que ela tem vários sentidos, mais ou menos secundarios e contingentes, além do significado metafísico e principial que expusemos; e é natural que se ja assim, dada a pluralidade de sentidos que cabem em qualquer símbolo. Antes de desenvolvermos a representação geométrica do ser e de seus estados múltiplos, tal como ela é sintetizada no signo da Cruz, e de nos aprofundarmos neste símbolo, vamos falar um pouco destes outros sentidos; embora esta considerações não sejam propriamente o objeto de nosso estudo, tudo de certo modo é ligado, e às vezes mais estreitamente do que supomos, em virtude da lei de correspondência que é o fundamento de todo simbolismo.
As direções do Espaço
Alguns escritores ocidentais, com pretensões mais ou menos iniciáticas, quiseram dar à cruz um significado exclusivamente astronômico, dizendo que ela é “um símbolo da junção crucial que a eclíptica forma com o equador”, e também “uma imagem dos equinócios, a partir do momento em que o sol, em seu curso anual, cobre sucessivamente estes dois pontos” (1). A bem dizer, se isto ocorre, é porque, como já indicamos, os fenômenos astronômicos podem, de um ponto de vista mais elevado, ser considerados como símbolos, e assim podemos encontrar neles, como em muitas outras coisas, esta figuração do “Homem Universal", a que aludimos anteriormente; mas, se estes fenômenos são símbolos, é evidente que eles não são a coisa simbolizada, e que o fato de encará-los assim constitui uma inversão das relações normais entre as diversas ordens de realidades.(2) Quando encontramos a figura da Cruz, nos fenômenos astronômicos ou outros, ela tem exatamente o mesmo valor simbólico que possui uma Cruz que traçarmos nós mesmos (3); isto prova apenas que o verdadeiro simbolismo, longe de ter sido inventado artificialmente pelo homem, encontra-se na própria natureza, ou, melhor dizendo, a natureza inteira não é senão um símbolo das realidades transcendentes.
Mesmo restabelecendo assim a sua interpretação correta, as duas fases citadas contém cada qual um erro: com efeito, por um lado, a eclíptica e o equador não formam uma Cruz, pois seus dois planos não se cortam em ângulo reto; por outro, os dois pontos equinociais são evidentemente unidos por uma só linha reta, de modo que, aqui, a Cruz aparece menos ainda. O que se deve considerar em realidade é, por uma parte, o plano do equador e o eixo que, unido os dois pólos, é perpendicular a esse plano; são, por outra, as duas linhas que juntam respectivamente os dois pontos solsticiais e os dois equinociais; teremos assim o que podemos chamar, no primeiro caso, a cruz vertical e, no segundo, a cruz horizontal. O conjunto dessas duas cruzes, que tem o mesmo centro, forma a Cruz de três dimensões, cujos braços estão orientados segundo as seis direções do espaço (4); estas correspondem aos seis pontos cardeais que, com o próprio centro, formam o septenário.
Já tivemos ocasião de assinalar a importância atribuída pelas doutrinas orientais a estas sete regiões do espaço, assim como sua correspondência com certos períodos cíclicos (5); será útil reproduzir aqui um texto que encontramos então e que mostra que a mesma coisa se encontra também nas tradições ocidentais:
“Clemente de Alexandria diz que de Deus, ‘Coração do Universo', partem as extensões indefinidas que se dirigem, uma para ò alto, outra para baixo, essa para a direita, aquela para a esquerda, uma para frente, outra para trás; dirigindo seu olhar para estas seis extensões como para um número sempre igual, ele termina o mundo; ele é o começo e o fim (o alfa e o ômega); nele terminam as seis fases do tempo, e é dele que eles recebem sua extensão indefinida; este é o segredo do número sete”.(6)
Este simbolismo é também o da Cabalá hebraica, que fala do “Santo Palácio”, ou “Palácio Interior” como situado no centro das seis direções do espaço. As três letras que compõem o Tetragrama (Yod, Hê e Vav), por sua sêxtupla permutação segundo as seis direções, indicam a imanência de Deus no seio do Mundo, ou seja a manifestação do Logos no centro de todas as coisas, no ponto primordial do qual as extensões indefinidas são a expansão ou o desenvolvimento:
“Ele formou do Tohu alguma coisa ê fez daquilo que nada era aquilo que é. Ele talhou grandes colunas de éter impalpávél (8). Ele refletiu, e a Palavra (Memra) produziu todos os objetos e todas as coisas pelo seu Nome Um”.
- "Sepher Yetzirah", IV, 5.
Este ponto primordial de onde é proferida a Palavra Divina não se desenvolve somente no espaço como dissemos, mas também no tempo; ele é o “Centro do Mundo” sob todos os aspectos, ou seja, ele é ao mesmo tempo o centro do espaço e o centro do tempo. Isto, bem entendido, tomado no sentido literal só concerne ao nosso mundo, o único em que as condições de existência podem ser expressas diretamente em linguagem humana; somente o mundo sensível está submetido ao tempo e ao espaço; mas, como se trata em realidade do Centro de todos os mundos, podemos passar à ordem supra-sensivel efetuando uma transposição analógica na qual o espaço e o tempo guardam não mais que um significado puramente simbólico.
Vimos que as seis fases do tempo, para Clemente de Alexandria, correspondem respectivamente às seis direções do espaço: são, como dissemos, seis períodos cíclicos, subdivisões de um outro período mais geral, e às vezes representados como seis milênios. O Zohar, assim como o Talmud, divide a duração do mundo em períodos milenares. “O mundo subsistirá durante seis mil anos aos quais aludem as seis primeiras palavras do Gênese"’ (10); e esses seis milênios são análogos aos seis “dias” da criação (11). O sétimo milênio, como o sétimo “dia”, é o Sabbath, ou seja a fase de retomo ao Princípio, que corresponde naturalmente ao centro, considerado como a sétima região do espaço. Existe aí uma espécie de cronologia simbólica, que não deve evidentemente ser tomada ao pé da letra, assim como as que encontramos em outras tradições: Josefo (12) observa que seis mil anos formam dez “grandes anos”, sendo o “grande ano” correspondente a seis séculos (é o Naros caldeu); mas, em outras ocasiões, aquilo que se designa por esta mesma expressão é um período bem mais longo, de dez ou doze mil anos entre os Gregos e os Persas. Isto, aliás, não tem importância aqui, onde não se trata de calcular a duração real do nosso mundo. Como não é a isto que nos propomos presentemente, basta tomar estas divisões com seus valores simbólicos. Diremos apenas que pode tratar-se de seis fases indefinidas, portanto de duração indeterminada, mais uma sétima que corresponde ao término de todas as coisas e ao seu restabelecimento no estado primeiro (13).
Voltemos à doutrina cosmogónica da Cabalá, tal como está exposta no Sepher Yetzirah:
“Trata-se, do desenvolvimento a partir do Pensamento até a modificação do Som (a Voz), do impenetrável ao compreensível, listamos em presença de uma exposição simbólica do mistério que tem por objeto a gênese universal e que se liga ao mistério da unidade. Em outras passagens, trata-se do 'ponto' que se desenvolve por linhas em todos os sentidos (14), e que só se torna compreensível através do 'Palácio Interior'. Trata-se do impalpável éter (Avir), onde se produz a concentração, de onde emana a luz (Aur)” (15).
O ponto é efetivamente o símbolo da unidade; ele é o princípio da extensão, que só existe pela sua irradiação (sendo que o “vazio” anterior é uma pura virtualidade), mas ele só se torna compreensível situando-se a si mesmo nesta extensão, da qual ele se toma então o centro, corno explicaremos melhor adiante. A emanação da luz, que da realidade à extensão, “fazendo do vazio alguma coisa e daquilo que não era isto que é”, é uma expansão que sucede à concentração. Mas, prossigamos:
“A luz (Aur) jorra do mistério do éter (Avir). O ponto escondido foi manifestado, ou seja a letra Yod".(16)
Esta letra representa hieroglificamente o Princípio, e diz-se que dela: são formadas todas as outras letras do alfabeto hebraico, formação que, segundo o Sepher Yetzirah, simboliza a do mundo manifestado (17).
(Citação)
Diz-se também que o ponto primordial incompreensível, que é o Um não-manifestado, forma três que representam o Começo, o Meio e o Fim (18), e que estes três pontos reunidos constituem a letra Yod, que é assim o Um manifestado (ou mais exatamente afirmado enquanto princípio da manifestação universal), ou, para falar em linguagem teológica, Deus tomando-se “Centro do Mundo” através do seu Verbo.
“Quando este Yod foi produzido, o que restou desse mistério ou de Avir (o éter) escondido foi Aur (a luz)”
E, de fato, se tirarmos o iod da palavra Avir, resta Aur. Vulliaud cita, a respeito, o comentário de Moise de Léon:
"Após lembrar que o Santo, Bendito seja, incognoscível, só pode alcançado a partir de seus atributos (middoth) pelos quais Ele criou os mundos (19), comecemos pela exegese da primeira palavra dá Torá: Bereshit (20). Autores antigos nos ensinaram, relativamente a este mistério, que ele está escondido no grau supremo, o éter puro e impalpável. Este grau é a soma total de todos os espelhos posteriores (exteriores em relação ao próprio grau) (21). Eles procedem dele pelo mistério do ponto que é, ele próprio, um grau oculto que emana do éter puro e misterioso (22). O primeiro grau, absolutamente oculto (ou seja não-manifestado), não podé ser alcançado (23). Da mesmá forma, o mistério do ponto supremo, embora profundamente escondido (24), pode ser alcançado no mistério do Palácio Interior. O mistério da Coroa suprema (Kether, a primeira das dez Sephiroth) corresponde ao do puro e inalcançável éter (Avir). Ele é a causa de todas as causas é a origem de todas as origens. É dentro deste mistério, origem invisível de todas as coisas, que o “ponto” oculto de onde tudo procede e nasce. É por isso que está dito no Sepher Yetzirah: 'Antes do Um, o que se pode contar?' O que quer dizer: antes desse ponto, o que se pode contar ou compreender (25)? Antes desse ponto não havia nada, exceto Ayn, ou seja o mistério do éter puro e impalpávél, assim chamado (por uma simples negação) devido a ser impossível de se compreender (26). O começo compreensível da existência acha-se no mistério do 'ponto' supremo (27). E porque esse ponto é o 'começo' de todas as coisas, ele é chamado 'Pensamento' (Mahasheba).(28) O mistério do Pensamento criador corresponde ao 'ponto' oculto. É no Palácio Interior que o mistério unido ao 'ponto' oculto pode ser compreendido, pois o puro e inalcançável éter permanece sempre misterioso. O 'ponto' é o éter tomado palpável (pela 'concentração', que é o ponto de partida de toda diferenciação) no mistério do Palácio Interior ou Santo dos Santos (29). Tudo, sem exceção, foi primeiramente concebido pelo Pensamento (30). E se alguém disser: 'Veja! Há algo de novo no mundo!', faça-o calar-se, pois isto já foi anteriormente concebido pelo Pensamento.(31) Do 'ponto' escondido emana o Santo Palácio interior (pelas linhas que saem desse ponto segundo ás seis direções do espaço). É o Santo dos Santos, o qüinquagésimo ano (alusão ao Jubileu, que representa o retomo ao estado primordial) (32), também chamado a Voz que emana do Pensamento.(33) Todos os seres e todas as causas emanam então da força do 'ponto' superior. Eis o que existe, relativo ao mistério das três Sephiroth supremas.”(34)
Quis transcrever esta passagem completa, malgrado sua extensão, porque, além do seu interesse intrínseco, ela tem uma relação direta com o objeto de nosso estudo.
O simbolismo das direções do espaço será aplicado a tudo o que iremos tratar a seguir, seja do ponto de vista "macrocósmico", como no que foi dito, seja do ponto de vista "microcósmico". A Cruz de três dimensões constitui, segundo a linguagem geométrica, um “sistema de coordenadas”, ao qual todo o espaço pode ser reportado; e o espaço aqui simbolizará o conjunto de todas as possibilidades, seja de um ser particular, seja da Existência universal. Este sistema é formado de três eixos, um vertical e os dois outros horizontais, que são três diâmetros retangulares de uma esfera com raio indefinido, e que, mesmo independentemente de qualquer consideração astronômica, podem ser vistos como orientados para os seis pontos cardinais: no texto que citamos, de Clemente de Alexandria, o alto e o baixo correspondem respectivamente ao Zênite e ao Nadir, a direita e a esquerda ao Sul e ao Norte, adiante e atrás ao Leste e ao Oeste; isto poderia justificar-se pelas indicações concordantes que se encontram em quase todas as tradições. Podemos dizer também que o eixo vertical é o eixo polar, ou seja a linha fixa que une os dois pólos e ao redor da qual todas as coisas cumprem a sua rotação; é portanto o eixo principal, enquanto que os dois outros eixos horizontais são secundários e relativos. Desses dois eixos horizontais, um, o eixo Norte-Sul, pode ser chamado também de eixo solsticial, e o outro, o eixo Leste-Oeste, pode ser chamado eixo equinocial, o que nos remete ao ponto de vista astronômico, em virtude de uma certa correspondência dos pontos cardeais comas fases do ciclo anual, mas cuja exposição completa nos levaria muito longe e não tem muita importância aqui.
6.3.1. O Evangelho pregado no Gólgota.
O Sacrifício do Cristo remove os poderes da separação e abre o Caminho para o Casamento Divino.
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O local da execução de Jesus Cristo na Cruz é, sem dúvida, o principal ponto de locais significativos para a Cristandade. Seja no sermão, na música ou na história, ele constitui um ponto central de referência para todos que pensam em Cristo. Por quase dois mil anos, o local de Sua morte manteve uma fixação inabalável para os fiéis.
E, no entanto, a verdadeira natureza do Gólgota no Novo Testamento está reconhecidamente envolta em mistério. É até referido nos diferentes textos do Evangelho também como Calvário (da língua latina) e Qarqaftha – que é apenas o termo aramaico mais popular para “A Caveira”. Tudo isso além das diversas pronúncias aramaicas variantes do Gólgota encontradas nos diferentes manuscritos antigos, como Gagultha, Gólgota, Gólgota, entre outros.
(textos Cristãos sobre o nome do local)
A palavra Calvário significa "uma caveira". A palavra latina Calvaria e a Grega Kranion são equivalentes ao Gólgota original. No início do século V, Rufino falou da “Rocha do Gólgota”. Desde o século VI, o uso tem sido designar o Calvário como uma montanha. O Evangelho o denomina apenas um “lugar”.
As seguintes teorias foram avançadas para a origem do nome:
O Calvário pode ter sido um local de execução pública, e assim chamado devido aos crânios espalhados sobre ele. As vítimas talvez tenham sido abandonadas para se tornarem presas de pássaros e animais.
Seu nome pode ter derivado de um cemitério que pode estar próximo. Não há razão para acreditar que o túmulo de José, no qual o corpo de Cristo foi colocado, fosse isolado, especialmente porque estava localizado no distrito mais tarde descrito por Josefo como contendo o monumento do Sumo-Sacerdote João.
(citação)
Esta hipótese tem a vantagem adicional de explicar a escassez da população neste bairro num período tão tardio como o do cerco de Jerusalém. Além disso, cada um dos calvários rivais de hoje está próximo de um grupo de antigos túmulos judaicos .
(Jos., Bell. jud., V, vi, 2).
O nome pode ter sido ocasionado pelo contorno físico do local. São Lucas parece dizer isso dizendo que era o lugar chamado "uma caveira" ( kranion ). Além disso, Gólgota (de uma raiz hebraica que significa “rolar”), cujo significado vem da forma arredondada ou ondulada do crânio, também pode ter sido aplicado a uma colina em forma de crânio.
Havia uma tradição corrente entre os judeus de que o crânio de Adão, depois de ter sido confiado por Noé ao seu filho Sem, e por este a Melquisedeque, foi finalmente depositado no local chamado, por isso mesmo, "Gólgota". Os Talmudistas e os Padres da Igreja estavam cientes desta tradição, e ela sobrevive nos crânios e ossos colocados ao pé do Crucifixo.
(citações)
Os evangelistas não se opõem a isso, pois falam de um e não de muitos crânios. (Lucas, Marcos, João, loc. cit.)
As curiosas origens de muitos nomes bíblicos, as explicações duplas e às vezes discordantes oferecidas para eles pelos Escritores Sagrados (Gênesis  passim) deveriam nos fazer parar antes de aceitar qualquer uma das teorias acima como correta. Cada uma delas tem seus pontos fracos: o primeiro parece se opor à Lei judaica, que prescrevia que os crucificados deveriam ser enterrados antes do pôr do sol (Dt 21,23). Josefo sugere que esta promulgação foi escrupulosamente observada.
(Bell. jud., IV, v, 2)
As execuções citadas em apoio ao parecer são demasiado poucas, demasiado remotas e demasiado isoladas para terem força de prova . Além disso, nesta suposição o Calvário teria sido chamado mais corretamente de um lugar “de caveiras”, mas os Evangelistas em nenhum lugar usam o plural. Nas duas primeiras teorias, nenhuma razão suficiente é atribuída para selecionar o crânio em referência a qualquer outro membro do corpo, ou ao próprio cadáver, como nome. A terceira teoria é plausível e mais popular. No entanto, não pode ser insistido a priori, como uma indicação de um requisito para um Calvário que de outra forma não seria autenticado. Os Evangelistas parecem ter tido mais intenção de fornecer um equivalente inteligível para o nome obscuro Gólgota, do que de atestar sua origem. A quarta teoria mesmo caracterizada como absurda demais, mostrou muitos adeptos sérios. Não parecia absurdo para os judeus acríticos, e nem mesmo para Cristãos cultos.
A sua localização geográfica precisa é debatida. Não há dúvida de que o Calvário que estamos considerando é o mesmo da Idade Média, mas será correto identificá-lo com o dos Evangelhos? Há muito tempo está dentro das muralhas da cidade. Mas será que a muralha da cidade que a cercou durante tantos séculos a encerrou quando Cristo foi crucificado? Isto é, a atual muralha da cidade existia quando o Salvador foi morto? Se assim for, este não poderia ter sido o local da crucificação; pois Cristo foi crucificado fora dos muros (Hb 13,12), São Willibald (século VIII), Soewulf (século XII) e muitos outros se perguntaram esta questão. Mas foi só há dois séculos que uma resposta afirmativa foi aventurada por Korte ("Reise nach dem gelolden Laude Aeg. Syr. tr. Mea" - Halle, 1751). Contudo, só no século XIX a nova opinião obteve apoiantes. Então surgiu uma escola que primeiro rejeitou o lado antigo e finalmente começou a procurar novos. Os Católicos, como classe, com muitos líderes anglicanos apoiam as reivindicações tradicionais.
A autenticidade do Calvário está intimamente ligada à do Santo Sepulcro. Relativamente à autenticidade dos sítios de ambos, os escritores eclesiásticos que são os primeiros a quebrar o silêncio depois dos Evangelistas parecem não deixar margem para dúvidas. Ora, não é fácil ver como estes, os principais representantes de uma era apologética, poderiam ter ignorado a dificuldade acima apresentada pelos escritores modernos, especialmente porque se sabe que simples peregrinos a avançaram. O espírito de investigação despertou na Igreja muitos anos antes deles; e os guardiões credenciados da tradição, a comunidade de Jerusalém , foram governados por uma sucessão contínua de Bispos desde os tempos Apostólicos. Nestas circunstâncias, as nossas primeiras testemunhas disponíveis dizem-nos que foi efectivamente transmitida uma recordação do local. Como um testemunho revelador da confiança que aqui merecem, basta observar que dos dezesseis mapas modernos da Cidade Santa compilados por Zimmermann (Basileia, 1876) apenas quatro colocam o Gólgota dentro da segunda ou mais externa parede no tempo de Cristo. Além disso, o Dr. Schick, autor de um deles, aceitou a visão tradicional antes de sua morte. O Dr. Reiss, em seu “Bibel-Atlas” (Freiburg, Breisgau, 1895), também concorda com a maioria.
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A resposta a tais factores arqueológicos, no entanto, é insignificante em comparação com o significado espiritual do local. Pois a verdade é que o propósito espiritual do Gólgota eclipsa inequivocamente a incerteza persistente sobre a sua localização.
E, no entanto, que valor pode ser aprendido com um tema tão sombrio como o Calvário?
Biblicamente falando, o lugar é referenciado em cada um dos Evangelhos, como mostram os seguintes exemplos do texto da Peshitta aramaica:
ܘܐܬܘ ܠܕܘܟܬܐ ܕܡܬܩܪܝܐ ܓܓܘܠܬܐ ܗܝ ܕܡܬܦܫܩܐ ܩܪܩܦܬܐ ܀
"Chegaram ao lugar chamado Gólgota, isto é, lugar do crânio"
Mt 27,33
ܘܐܝܬܝܘܗܝ ܠܓܓܘܠܬܐ ܕܘܟܬܐ ܕܡܬܦܫܩܐ ܩܪܩܦܬܐ ܀
"Conduziram Jesus ao lugar chamado Gólgota, que quer dizer lugar do crânio."
Mc 15,22
ܘܟܕ ܐܬܘ ܠܕܘܟܬܐ ܚܕܐ ܕܡܬܩܪܝܐ ܩܪܩܦܬܐ ܙܩܦܘܗܝ ܬܡܢ ܘܠܗܢܘܢ ܥܒܕܝ ܒܝܫܬܐ ܚܕ ܡܢ ܝܡܝܢܗ ܘܚܕ ܡܢ ܤܡܠܗ ܀
"Chegados que foram ao lugar chamado Calvário, ali o crucificaram, como também os ladrões, um à direita e outro à esquerda."
Lc 23,33
ܟܕ ܫܩܝܠ ܙܩܝܦܗ ܠܕܘܟܬܐ ܕܡܬܩܪܝܐ ܩܪܩܦܬܐ ܥܒܪܐܝܬ ܕܝܢ ܡܬܐܡܪܐ ܓܓܘܠܬܐ ܀
"Levaram então consigo Jesus. Ele próprio carregava a sua cruz para fora da cidade, em direção ao lugar chamado Calvário, em hebraico Gólgota."
Jo 19,17
É bastante relevante que todos os quatro escritores dos Evangelhos tenham mencionado isso em seus relatos. Além disso, porém, o Gólgota, como elemento textual, realmente não tem mais significado nas páginas dos livros do Novo Testamento. Nunca mais é abordado explicitamente nos textos, exceto na Crucificação de Jesus.
Que valor espiritual adicional poderia ser aprendido do Gólgota?
Surpreendentemente, o termo Gólgota tem um significado que vai além das páginas do Novo Testamento. Nos comentários religiosos da Cabalá, o termo Gólgota é encontrado muito mais repetidamente. A Cabalá dá importância ao termo Gólgota (‎א‎גלגלת) que, embora talvez inesperado, na verdade serve para informar os seguidores de Jesus sobre o significado espiritual do local físico. É abordado num quadro decididamente espiritual/simbólico de boas notícias e esperança inabalável.
Este estudo abordará várias das muitas aparições do Gólgota nesses textos e tentará iluminar o local escuro com uma perspectiva que forneça esclarecimento e contexto sobre o porquê daquele local - de todos que poderiam ter servido como local de execução do Messias — foi escolhido pela Divina Providência.
O que precisa ser compartilhado sobre o Gólgota não pode ser compartilhado em poucas palavras. Irei me esforçar para destilar o que posso do tópico e ainda apresentar um retrato significativo do contexto espiritual de Israel por trás da localização física do Gólgota.
O que a Cabalá tem a dizer sobre o Gólgota ‎é complexo e rico em escopo, por isso é melhor começar compartilhando uma breve citação do Zohar sobre o assunto.
- Zohar, "Haldra Zuta Kadisha", 296a.
Usando a pronúncia aramaica do Zohar do Gólgota como Gulgaltha (ܓܓܘܠܬܐ), esta declaração afirma que há muito mais na realidade espiritual do local do que apenas um topônimo da antiguidade de Israel referindo-se ao local da execução de Cristo.
O valor do Gólgota, tal como entendido pelo judaísmo, é inatamente definido no contexto da crucificação, e ainda assim de uma forma espiritual que não é tão facilmente percebida sem que alguma estrutura adicional seja estabelecida. Para isso, voltemos ao texto de Mateus 27 e leiamos o que ele registrou que aconteceu no Gólgota naquela tarde pascal.
ܗܘ ܕܝܢ ܝܫܘܥ ܬܘܒ ܩܥܐ ܒܩܠܐ ܪܡܐ ܘܫܒܩ ܪܘܚܗ ܀ ܘܡܚܕܐ ܐܦܝ ܬܪܥܐ ܕܗܝܟܠܐ ܐܨܛܪܝ ܠܬܪܝܢ ܡܢ ܠܥܠ ܥܕܡܐ ܠܬܚܬ ܘܐܪܥܐ ܐܬܬܙܝܥܬ ܘܟܐܦܐ ܐܨܛܪܝ ܀ ܘܒܝܬ ܩܒܘܪܐ ܐܬܦܬܚܘ ܘܦܓܪܐ ܤܓܝܐܐ ܕܩܕܝܫܐ ܕܫܟܝܒܝܢ ܗܘܘ ܩܡܘ ܀ ܘܢܦܩܘ ܘܒܬܪ ܩܝܡܬܗ ܥܠܘ ܠܡܕܝܢܬܐ ܩܕܝܫܬܐ ܘܐܬܚܙܝܘ ܠܤܓܝܐܐ ܀ ܩܢܛܪܘܢܐ ܕܝܢ ܘܕܥܡܗ ܕܢܛܪܝܢ ܗܘܘ ܠܝܫܘܥ ܟܕ ܚܙܘ ܙܘܥܐ ܘܐܝܠܝܢ ܕܗܘܝ ܕܚܠܘ ܛܒ ܘܐܡܪܘ ܫܪܝܪܐܝܬ ܗܢܐ ܒܪܗ ܗܘܐ ܕܐܠܗܐ ܀
"Jesus de novo lançou um grande brado, e entregou a alma. E eis que o véu do templo se rasgou em duas partes de alto a baixo, a terra tremeu, fenderam-se as rochas. Os sepulcros se abriram e os corpos de muitos justos ressuscitaram. Saindo de suas sepulturas, entraram na cidade santa depois da ressurreição de Jesus e apareceram a muitas pessoas. O centurião e seus homens que montavam guarda a Jesus, dian­te do estremecimento da terra e de tudo o que se passava, disseram entre si, possuídos de grande temor: 'Verdadeiramente, este homem era Filho de Deus!'"
Mt 27,50-54
Os detalhes completos deste relato surpreendente estão documentados apenas no Evangelho de Mateus, mas são vitais para apreciar o significado do Gólgota para além da sua localização física. Observe que a passagem menciona nos versículos 52-53 a ressurreição incrivelmente estranha dos Santos de seus túmulos. Esta característica é absolutamente única no Evangelho de Mateus e nunca mais é referenciada em qualquer outro lugar. A morte de Cristo no Gólgota mudou o estado dos mortos, que foi transformado de morte em vida ressurecta.
Com este contexto em mente, voltemo-nos agora para uma passagem surpreendente do Zohar que se alinha com o que acabamos de ler em Mateus.
- Zohar, "Haldra Zuta Kadisha" 292b.
​No estilo típico do Zohar, suas palavras são altamente simbólicas e precisam de alguma explicação para serem totalmente apreciadas à luz dos versículos do livro de Mateus. Dedicarei tempo explicando o que ele realmente diz antes de prosseguir no estudo, pois isso ajudará muito na compreensão do Gólgota a partir do contexto hebraico.
Primeiramente, a frase “face pequena” é uma tradução do aramaico Zeir Anpin, que é um título para uma forma particular como o homem percebe parte dos atributos do Criador. Para enquadrá-lo sob uma luz distintamente Messiânica, o título também é algumas vezes referido nos textos judaicos como “o Filho”. Os atributos espirituais de Zeir Anpin são basicamente entendidos como as características do Messias que representa os traços do Santíssimo.
A citação do Zohar continua e faz referência a uma “cabeça perfurada”, que é cheia de significado para nós. O termo para “perfurado” aqui é o aramaico Chivara. É um termo polissêmico que também possui o significado de “branco” e também de “leproso”. Dependendo do tradutor, pode-se encontrar uma tradução diferente do termo que reflete esta definição multifacetada. Optei por “cabeça perfurada” na tradução acima para este estudo para destacar os tons messiânicos da passagem.
A importância desta referência no contexto dos acontecimentos do Gólgota aponta-nos diretamente para o sofrimento de Cristo. Com uma cruel coroa de espinhos Sua cabeça foi brutalmente perfurada, e pela perda de sangue Sua pele teria ficado esbranquiçada e pálida. Este aspecto "perfurado" será levado em consideração no tópico e será abordado com mais detalhes posteriormente no estudo.
(base pra dizer isso)
O mais curioso, porém, é a conexão com a definição de “leproso”. Embora vejamos a situação incomparável de Cristo interagindo e curando leprosos ao longo dos Evangelhos (ver: Mt 8,2; 11,5, Mc1,40, Lc 17,12), a referência à cabeça de Zeir Anpin/“o Filho” sendo um “leproso” também tem um tom distintamente Messiânico. Isto é encontrado no Talmud, no meio de uma discussão sobre o nome e os títulos do Messias. Entre os vários oferecidos, é feita esta declaração sobre qual será o título do Messias.
"ורבנן אמרי חיוורא דבי רבי שמו שנאמר אכן חליינו הוא נשא ומכאובינו סבלם ואנחנו חשבנוהו נגוע מוכה אלהים ומעונה"
"A propósito do Messias, a Gemara pergunta: Qual é o seu nome? (...) E os rabinos dizem: O leproso da casa do rabino Yehuda HaNasi é o seu nome, como está escrito: 'Em verdade, ele tomou sobre si nossas enfermidades, e carregou os nossos sofrimentos: e nós o reputávamos como um castigado, ferido por Deus e humilhado' (Is 53,4)."
- Sanhedrin 98b 14.
O Talmud cita Isaías para provar a afirmação de que o título do Messias será “Leproso”. Embora o texto do profeta não diga isso descaradamente, o hebraico da passagem tem a mesma expressão de ser “atormentado” que é encontrada na Torá durante sua própria descrição de um leproso (ver: Levítico 13 e 14, onde o termo é usado 61 vezes em 48 versículos descrevendo um leproso e uma lepra), e assim a conexão é, portanto, válida de acordo com o método de inferência exegética usado pelos rabinos.
Voltando à citação do Zohar, a passagem menciona um “orvalho” que escorre da cabeça desta natureza messiânica.
O termo hebraico para “orvalho” é Tal (טל).(passagens) O termo significa literalmente apenas uma “gota” de água. Dependendo do contexto, pode até significar chuva. O conceito central do termo, entretanto, é o de “pendurado”, já que o orvalho é frequentemente visto como “pendurado” nos objetos.
"Quando um homem tiver cometido um crime que deve ser punido com a morte, e for executado por enforcamento (וְתָלִ֥יתָ - weTalita) numa árvore, o seu cadáver não poderá ficar ali durante a noite, mas tu o sepultarás no mesmo dia; pois aquele que é pendurado (תָּל֑וּי - Talui) é um objeto de maldição Divina. Assim, não contaminarás a terra que o Senhor, teu Deus, te dá por herança.”
Dt 21,22-23
"Cristo remiu-nos da maldição da Lei, fazendo-se por nós maldição, pois está escrito: Maldito todo aquele que é suspenso no madeiro (Dt 21,23)."
Gl 3,13
Desta noção deriva, em última análise, o termo mais familiar Tallit (טַלִּית) “uma cobertura”, no sentido de que é algo que “pendura” sobre os ombros de um homem.
O cognato aramaico do hebraico Tal (טַל) é Talla (טַלָּא).(Brown-Driver-Briggs lexicon) Curiosamente, se pronunciado com as vogais para criar Tala, pode significar “cordeiro”.
"como um pastor, vai apascentar seu rebanho, reunir os animais dispersos, carregar os cordeiros (טְלָאִ֔ים - Telaim) nas dobras de seu manto, conduzir lentamente as ovelhas que amamentam”. - Is 40,11
(Referência)
A ideia geral aqui é algo “novo” ou “fresco” que veio ao mundo. A partir de tal contexto, obtemos até o termo Taleya (טַלְיָא) “servo”/“jovem”.
(etimologia)
A partir desses vários usos do termo raiz, pode-se apreciar melhor a intenção do “orvalho” que vem do Gólgota – de uma caveira/cabeça. As noções combinadas de uma coisa “enforcada”, bem como de um “cordeiro” e um “servo”, todas cercando a raiz do “orvalho”, mostram a natureza messiânica do conceito quando colocado no contexto do Gólgota e da ligação da Páscoa Cristã.
Exatamente o que este “orvalho” pretende ser será abordado mais adiante neste estudo, mas a atenção imediata deve se concentrar nos detalhes que nos dizem que o “orvalho” desempenha duas funções distintas: (1) O orvalho que escorre de Gólgota sustenta um lugar espiritual chamado “campo das maçãs sagradas”, (2) o maná é extraído dele, o que provoca a ressurreição dos mortos e a alimentação dos justos.
O “campo das maçãs sagradas” é apenas um título usado no Judaísmo para designar o Jardim do Éden inferior. Este título originou-se da compreensão das palavras de Isaque a seu filho, Jacó, durante sua bênção especial sobre ele. Isaac disse que o cheiro de Jacó lembrava “um campo”.
"E, aproximando-se Jacó para lhe dar um beijo, Isaac sentiu o perfume de suas vestes, e o abençoou nestes termos. 'Sim, o odor de meu filho é como o odor de um campo que o Senhor abençoou'."
- Gn 27,27
​O Talmud comenta esta declaração para dar uma explicação.
"אָמַר רַב יְהוּדָה בְּרֵיהּ דְּרַב שְׁמוּאֵל בַּר שִׁילַת מִשְּׁמֵיהּ דְּרַב: כְּרֵיחַ שָׂדֶה שֶׁל תַּפּוּחִים."
"Rav Yehuda, filho de Rav Shmuel bar Sheilat, disse em nome do rav: Este cheiro era como o de um campo de macieiras."
- "Ta'anit" 29b 2
Não há muito contexto sobre por que isso seria importante, mas a identificação do perfume como sendo de um “campo de macieiras” é ainda mais esclarecida para nós no texto de Gênesis Rabbah.
"בְּשָׁעָה שֶׁנִּכְנַס אָבִינוּ יַעֲקֹב אֵצֶל אָבִיו נִכְנְסָה עִמּוֹ גַּן עֵדֶן"
"Na hora em que seu pai Jacó entrou na casa de seu pai, o (cheiro do) Jardim do Éden entrou com ele"
- "Bereshit Rabbah" 65:22.
Quando Jacó entrou para ver seu pai, um aroma celestial o acompanhou. Por este motivo a Tradição judaica se refere ao “Jardim do Éden” como o “campo das maçãs sagradas”.
A tradição cabalística afirma um aspecto “superior” e “inferior” no lugar celestial do Éden. Isto é baseado em Gênesis 2,8, que fala de uma natureza dupla para o Éden.
"Ora, o Senhor Deus tinha plantado um jardim no Éden, do lado do oriente, e colocou nele o homem que havia criado."
Gn 2,8
Entende-se que tanto o Éden quanto o Jardim do Éden existem em uma dimensão espiritual mais elevada do que este reino físico. O pecado do homem o separou daquele lugar, que não é mais encontrado neste mundo. Portanto, o texto do Zohar está dizendo que o Jardim do Éden “inferior” celestial / “o campo das maçãs sagradas” é sustentado por este orvalho messiânico que goteja do Gólgota.
O que se pode aprender com isso? Como isso se conecta com os versículos de Mateus 27,50-54 sobre o que aconteceu no Gólgota? A resposta está na crônica da crucificação de Lucas, num detalhe registrado para nós em 23,39-43 sobre a situação dos homens também crucificados ao lado de Jesus naquele dia.
ܚܕ ܕܝܢ ܡܢ ܗܢܘܢ ܥܒܕܝ ܒܝܫܬܐ ܕܨܠܝܒܝܢ ܗܘܘ ܥܡܗ ܡܓܕܦ ܗܘܐ ܥܠܘܗܝ ܘܐܡܪ ܐܢ ܐܢܬ ܗܘ ܡܫܝܚܐ ܦܨܐ ܢܦܫܟ ܘܦܨܐ ܐܦ ܠܢ ܀ ܘܟܐܐ ܒܗ ܚܒܪܗ ܘܐܡܪ ܠܗ ܐܦ ܠܐ ܡܢ ܐܠܗܐ ܕܚܠ ܐܢܬ ܕܐܦ ܐܢܬ ܒܗ ܐܢܬ ܒܕܝܢܐ ܀ ܘܚܢܢ ܟܐܢܐܝܬ ܐܝܟ ܕܫܘܝܢ ܗܘܝܢ ܓܝܪ ܘܐܝܟ ܕܥܒܕܢ ܐܬܦܪܥܢ ܗܢܐ ܕܝܢ ܡܕܡ ܕܤܢܐ ܠܐ ܥܒܝܕ ܠܗ ܀ ܘܐܡܪ ܠܝܫܘܥ ܐܬܕܟܪܝܢܝ ܡܪܝ ܡܐ ܕܐܬܐ ܐܢܬ ܒܡܠܟܘܬܟ ܀ ܐܡܪ ܠܗ ܝܫܘܥ ܐܡܝܢ ܐܡܪ ܐܢܐ ܠܟ ܕܝܘܡܢܐ ܥܡܝ ܬܗܘܐ ܒܦܪܕܝܤܐ ܀
"Um dos malfeitores, ali crucificados, blasfemava contra ele: 'Se és o Cristo, salva-te a ti mesmo e salva-nos a nós!'. Mas o outro o repreendeu: 'Nem sequer temes a Deus, tu que sofres no mesmo suplício?Para nós isto é justo: recebemos o que mereceram os nossos crimes, mas isto não fez mal algum.' E acrescentou: 'Jesus, lembra-te de mim, quando tiveres entrado no teu Reino!'. Jesus respondeu-lhe: 'Em verdade te digo: hoje estarãos comigo no paraíso'."
Jo 23,39-43
As famosas palavras do ladrão que pede apenas para ser lembrado são respondidas com uma gentileza que supera em muito qualquer coisa que ele ousou esperar receber. Ele não seria apenas lembrado, mas sim - ele estaria com o Messias no Paraíso.
O termo no texto aramaico da Peshitta aqui traduzido como “Paraíso” é Pardasa (ܦܪܕܝܤܐ) e significa literalmente “Jardim”. É o mesmo termo usado na versão aramaica Peshitta de Gênesis 2,8 quando menciona o “Jardim”, cujo hebraico foi citado acima. Portanto, dizer ao ladrão que ele estaria com Ele no Paraíso era uma forma de Cristo se referir ao "Jardim do Celestial inferior]”.
A noção de que o Messias está no Jardim Celestial inferior com as almas dos justos é declarada explicitamente em outras partes do Zohar.
"תָּא חֲזֵי, בְּגִנְתָא דְּעֵדֶן דִּלְתַתָּא, אִית אֲתָר חַד גָּנִיז וְטָמִיר דְּלָא אִתְיְדַע, וְאִיהוּ מְרֻקְּמָא בְּכַמָּה גַּוְונִין, וּבֵיהּ גְּנִיזִין אֶלֶף הֵיכָלִין דְּכִסּוּפִין. וְלֵית מַאן דְּעָיֵיל בְּהוּ, בַּר מָשִׁיחַ, דְּאִיהוּ קָאֵים תָּדִיר בְּגִנְתָא דְּעֵדֶן. וְכָל גִּנְתָּא מְסַחֲרָא בִּרְתִיכִין סַגִּיאִין דְּצַדִיקַיָּא, וּמָשִׁיחַ קָאֵים עָלַיְיהוּ, וְעַל כַּמָּה חֵילִין וּמַשִׁירְיָין דְּנִשְׁמָתִין דְּצַדִיקַיָּא תַּמָּן, וּבְרָאשֵׁי יַרְחֵי, וּבִזְמַנֵּי, וּבְשַׁבָּתֵי, מָשִׁיחַ עָאל בְּהַהוּא אֲתָר לְאִשְׁתַּעְשְׁעָא בְּכָל אִינּוּן הֵיכָלִין." "Venha e veja, no Jardim terrestre do Éden, há um lugar que está oculto e escondido e não é conhecido, e é tecido com muitas cores. Nela estão escondidas mil câmaras agradáveis e ninguém entra nelas, exceto o Messias, que está sempre presente no Jardim do Éden.
Todo o Jardim é cercado por muitas Carruagens de justos, e o Messias está acima delas e sobre muitas hostes e acampamentos de almas de justos que estão lá. E o Messias entra naquele lugar no primeiro dia do mês e nos festivais e no Shabbatot, onde há mil câmaras de prazeres, para se deleitar em todas essas câmaras." - Zohar, "Shemot", 15:106-107.
Através de tudo isso, o Messias é visto sustentando o “campo das maçãs sagradas” / “o Jardim do Éden” para as almas dos justos – que é essencialmente o mesmo sentimento que Cristo dá ao ladrão na cruz ao mencionar que estariam juntos em "Paraíso.
Passando para a segunda parte da função do “orvalho” do Gólgota, observe na passagem do Zohar que a partir dele os mortos viverão novamente. Esta afirmação alude ao contexto de Mateus 27,50-54, onde está o curioso detalhe sobre a ressurreição dos santos que ocorreu na morte de Jesus no Gólgota. Embora não seja dada mais informação sobre estas ressurreições únicas, o facto de o texto falar da ressurreição dos mortos para muitos devido aos acontecimentos ocorridos no Gólgota não é insignificante. O alinhamento com os eventos no Gólgota ao longo da passagem do Zohar é verdadeiramente surpreendente. É como se o texto descrevesse a natureza da Crucificação no Calvário.
Esta ideia de que os mortos são obrigados a viver pelo “orvalho” do Gólgota pode parecer estranha à primeira vista, mas a base para tal crença deriva do texto das Escrituras Hebraicas. Considere primeiro o conteúdo do Salmo 133, que compara o óleo da unção derramado sobre o sumo sacerdote Arão como o “orvalho” do Monte Hermon, e depois compara esse “orvalho” com a capacidade de conferir vida eterna.
"É como o orvalho (כְּטַל - KeTal) do Hermon, que desce pela colina de Sião; pois ali derrama o Senhor a vida e uma bênção eterna."
Sl 133 (132),3
A ligação entre o “orvalho” e a “vida eterna” é, portanto, vista como parte integrante do evento da ressurreição. O Targum aramaico do Salmo 68,10 também fala deste orvalho como permitindo que os mortos sejam restaurados.
Targum Salmo 68,10
A noção expressa aqui é que as pessoas reunidas no Sinai não puderam suportar a imensidão do poder Divino expresso na entrega da Torá no Sinai, e subsequentemente morreram quando suas almas fugiram de seus corpos - até que a misericórdia do Santíssimo interveio e imediatamente os restaurou à vida através do “Orvalho da Ressurreição”.
Um sentimento semelhante em relação ao orvalho é expresso em Isaías 26,19.
"Que os vossos mortos revivam! Que seus cadáveres ressuscitem! Que despertem e cantem aqueles que jazem sepultos, porque vosso orvalho (טַ֤ל - Tal) é um orvalho de luz (אֹורֹת֙ טַלֶּ֔ךָ - Orot Tal-eka) e a terra restituirá o dia às sombras.”
Embora muitas traduções incluam a tradução de “ervas” em vez de “luzes”, o termo hebraico é claramente Orot (אורות - “luzes”). O que é realmente importante, porém, é a ligação entre o “Orvalho” e a Ressurreição dos Mortos.
Comentando este versículo, o Zohar em outro lugar compartilha uma abordagem que ajuda a começar a entender ainda mais o conceito de “Orvalho”.
Zohar, "Naso" 128b
Recordando novamente o conceito messiânico por trás do “leproso”, bem como da “cabeça trespassada”, esta passagem é importante para nós também porque iguala o “orvalho” ao maná que caiu tão milagrosamente para o povo de Israel no deserto. Este desenvolvimento começa a dar corpo ao retrato do valor espiritual do Gólgota para nós, à medida que descobrimos que “maná” e “orvalho” estão ligados duas vezes no texto das Escrituras de uma forma que é importante para o nosso tópico atual.
Com base nesses dois detalhes, a antiga perspectiva da natureza do maná é que ele estava envolto em orvalho acima e abaixo.
"כְּתִיב: ״וַתַּעַל שִׁכְבַת הַטָּל״, וּכְתִיב: ״וּבְרֶדֶת הַטַּל״? אָמַר רַבִּי יוֹסֵי בְּרַבִּי חֲנִינָא: טַל מִלְמַעְלָה, וְטַל מִלְּמַטָּה, וְדוֹמֶה כְּמוֹ שֶׁמּוּנָּח בְּקוּפְסָא." "Além disso, a respeito do maná está escrito: 'E, tendo evaporado esse orvalho, eis que sobre a superfície do deserto estava uma coisa miúda, granulosa, miúda como a geada sobre a terra!' (Ex 16,14), indicando que o orvalho cobriu o maná. E está escrito: 'Enquanto de noite caía o orvalho no campo, caía também com ele o maná' (Nm 11,9), significando que o maná caiu em cima do orvalho. Como esses versículos podem ser reconciliados? Rabino Yosei, filho do Rabino Ḥanina, disse: Havia orvalho acima e orvalho abaixo, com o maná no meio, e o maná apareceu como se tivesse sido colocado em uma caixa [kufsa] de orvalho."
- "Yoma" 75b 9.
Vemos a partir disso porque o Zohar fala do “orvalho” e simultaneamente fala do maná também – a própria Torá os liga.
A importância disto para o tópico do Gólgota é que Cristo se equipara ao maná envolto em orvalho em João 6,32-33.
ܐܡܪ ܠܗܘܢ ܝܫܘܥ ܐܡܝܢ ܐܡܝܢ ܐܡܪ ܐܢܐ ܠܟܘܢ ܕܠܐ ܗܘܐ ܡܘܫܐ ܝܗܒ ܠܟܘܢ ܠܚܡܐ ܡܢ ܫܡܝܐ ܐܠܐ ܐܒܝ ܝܗܒ ܠܟܘܢ ܠܚܡܐ ܕܩܘܫܬܐ ܡܢ ܫܡܝܐ ܀ ܠܚܡܗ ܓܝܪ ܕܐܠܗܐ ܐܝܬܘܗܝ ܗܘ ܕܢܚܬ ܡܢ ܫܡܝܐ ܘܝܗܒ ܚܝܐ ܠܥܠܡܐ ܀
"Jesus respondeu-lhes: 'Em verdade, em verdade vos digo: Moisés não vos deu o pão do céu, mas o meu Pai é quem vos dá o verdadeiro pão do céu; porque o pão de Deus é o pão que desce do céu e dá vida ao mundo'."
Esta afirmação mostra que Jesus, como Sacramento, tem o mérito de conferir a vida eterna aos justos. Nem mesmo o maná da época de Moisés foi capaz de fazer isso.
Continuando a abordar o mesmo versículo de Isaías 26 mencionado acima, o texto de Pirke d’Rabbi Eliezer alude à conexão entre o maná e o orvalho por meio de um paralelo diferente, mas importante.
- "Pirke d’Rabbi Eliezer" 34:15.
Estas palavras sobre uma semente evocam a imagem que Jesus apresentou em João 12,24.
ܐܡܝܢ ܐܡܝܢ ܐܡܪ ܐܢܐ ܠܟܘܢ ܕܦܪܕܬܐ ܕܚܛܬܐ ܐܠܐ ܢܦܠܐ ܘܡܝܬܐ ܒܐܪܥܐ ܒܠܚܘܕܝܗ ܦܝܫܐ ܐܢ ܕܝܢ ܡܝܬܐ ܦܐܪܐ ܤܓܝܐܐ ܡܝܬܝܐ ܀
"Em verdade, em verdade vos digo: se o grão de trigo, caído na terra, não morrer, fica só; se morrer, produz muito fruto."
Esta afirmação se conecta ao sentimento expresso em Pirke d’Rabbi Eliezer, pois falava de uma semente que cai e morre tem o poder de produzir mais do que era em si mesma – vinculando-se à noção de vida dentre os mortos com o fruto que produz.
Esses conceitos estão ligados ao maná por meio da descrição dele feita em Números 11,7.
"O maná assemelhava-se ao grão de coen­tro e parecia-se com o bdélio."
A descrição do maná como uma semente, e a referência ao “orvalho” também como uma semente, e a afirmação de Jesus de que Ele incorpora a noção espiritual do maná começam a colocar tudo em perspectiva. Em tudo isso podem ser apreciados os paralelos feitos tanto por Jesus quanto por esses outros pontos de vista do Maná como ligado a uma semente e ao Orvalho. Tudo isso vem do Gólgota como orvalho, como diz o texto, para trazer vida aos mortos.
Jesus enfatiza esta ideia repetidamente no texto de João 6. Especificamente, a insistência no Seu propósito único é vista nos versículos seguintes.
ܗܢܘ ܕܝܢ ܨܒܝܢܗ ܕܡܢ ܕܫܕܪܢܝ ܕܟܠ ܕܝܗܒ ܠܝ ܠܐ ܐܘܒܕ ܡܢܗ ܐܠܐ ܐܩܝܡܝܘܗܝ ܒܝܘܡܐ ܐܚܪܝܐ ܀ ܗܢܘ ܓܝܪ ܨܒܝܢܗ ܕܐܒܝ ܕܟܠ ܕܚܙܐ ܠܒܪܐ ܘܡܗܝܡܢ ܒܗ ܢܗܘܘܢ ܠܗ ܚܝܐ ܕܠܥܠܡ ܘܐܢܐ ܐܩܝܡܝܘܗܝ ܒܝܘܡܐ ܐܚܪܝܐ ܀
"Agora, esta é a vontade daquela que me invejo: que eu não deixe perecer nenhum daqueles que me deu, mas que os ressuscite no último dia. Esta é a vontade de meu Pai: que todo aquele que vê o Filho e nele crê tenha a vida eterna; e eu o ressuscitarei no último dia"
Jo 6,39-40
ܟܬܝܒ ܓܝܪ ܒܢܒܝܐ ܕܢܗܘܘܢ ܟܠܗܘܢ ܡܠܦܐ ܕܐܠܗܐ ܟܠ ܡܢ ܕܫܡܥ ܗܟܝܠ ܡܢ ܐܒܐ ܘܝܠܦ ܡܢܗ ܐܬܐ ܠܘܬܝ ܀
"Está escrito nos profetas: Todos serão ensinados por Deus [Is 54,13]. Assim, todo aquele que ouviu o Pai e foi por ele instruído vem a mim."
Jo 6,45
ܗܢܘ ܠܚܡܐ ܕܢܚܬ ܡܢ ܫܡܝܐ ܠܐ ܗܘܐ ܐܝܟ ܕܐܟܠܘ ܐܒܗܝܟܘܢ ܡܢܢܐ ܘܡܝܬܘ ܡܢ ܕܐܟܠ ܗܢܐ ܠܚ��ܐ ܢܚܐ ܠܥܠܡ ܀
"Este é o Pão que desceu do céu. Não como o maná que vossos pais comeram e morreram. Quem come deste Pão viverá eternamente."
Jo 6,58
Este é o propósito da vinda de Cristo: ressuscitar dentre os mortos aqueles que confiam no Messias como seu mérito diante do Santo. Ele é o maná envolto em orvalho que trará ressurreição à terra.
Todos se unem Nele para serem restaurados. O Zohar, em outra passagem, faz esta mesma afirmação conectando-se mais uma vez ao Gólgota.
- Zohar, "Haldra Zuta Kadisha", 293a.
No Messias o homem é retificado como um diante do Criador.
Cristo originalmente fez esta afirmação ao chegar em Jerusalém, e São Paulo a apontou aos Efésios:
"E quando eu for levantado da terra, atrairei todos os homens a mim'. Dizia, porém, isto, significando de que morte havia de morrer." Jo 12,32-33
"Agora, porém, graças a Jesus Cristo, vós que antes estáveis longe, vos tornastes presentes, pelo sangue de Cristo. Porque é ele a nossa paz, ele que de dois povos fez um só, destruindo o muro de inimizade que os separava, abolindo na própria carne a Lei, os preceitos e as prescrições. Desse modo, Ele queria fazer em si mesmo dos dois povos uma única humanidade nova pelo restabelecimento da paz, e reconciliá-los ambos com Deus, reunidos num só corpo pela virtude da cruz, aniquilando nela a inimizade." Ef 2,13-16
As palavras de Paulo e a passagem do Zohar ecoam o que Cristo disse originalmente a respeito de Si mesmo. É Paulo, porém, quem traz à tona a unificação daqueles que estão ligados a Ele, que se tornou possível no Gólgota. Esta união dos crentes no Messias é mencionada em Atos 4,32 usando uma fraseologia importante.
"A multidão dos fiéis era um só coração e uma só alma. Ninguém dizia que eram suas as coisas que possuía, mas tudo entre eles era comum."
Os acontecimentos no Gólgota uniram espiritualmente os que estavam no Messias. Uma passagem do texto judaico de Likutei Moharan faz a mesma conexão com a natureza espiritual do Gólgota, usando uma pronúncia ligeiramente diferente do termo.
וְעַל כֵּן הַנְּשָׁמָה נִקְרֵאת שָׁמַיִם, שֶׁהוּא כְּלָלִיּוּת הַגַּלְגַּלִּים, כְּמוֹ שֶׁכָּתוּב (תהילים נ׳:ד׳): יִקְרָא אֶל הַשָּׁמַיִם מֵעָל – זוֹ הַנְּשָׁמָה (סנהדרין צא:). כִּי הַנְּשָׁמָה הוּא מַנְהִיג הַכּוֹלֵל, שֶׁל כָּל הַגַּלְגַּלִּים כַּנַּ"ל. וְעַל כֵּן הַנְּשָׁמָה נִקְרֵאת גַּלְגַּלְתָּא, עַל שֵׁם גַּלְגַּלֵּי הָרָקִיעַ שֶׁמִּתְנַהֲגִים עַל יָדָהּ. וְעַל כֵּן אֵלּוּ הַנְּשָׁמוֹת הַגְּדוֹלוֹת בְּקִיאִין בְּסוֹד הָעִבּוּר, כִּי מִי יוֹדֵעַ הַנְהָגָתָם כְּמוֹ הַמַּנְהִיג. “Do alto ele convoca os céus e a terra para julgar seu povo” (Sl 50 [49],4). A alma é, portanto, chamada de céu, uma vez que abrange todas as esferas, como está escrito: “Do alto ele convoca os céus” - esta é a alma (sanhedrin 91b). Pois a alma é a força orientadora abrangente de todas as esferas, como explicado acima. É por isso que a alma é chamada GaLGaLta, por causa das GaLGaLim (esferas) do firmamento cujo movimento ela guia. Portanto, essas almas elevadas são especialistas no Mistério da Intercalação, pois quem conhece melhor os seus movimentos do que a força que os guia?" - "Likutei Moharan", "Torah", 61:3, 5.
Todos os que vêm a Cristo estão unidos em Sua natureza – uma única alma tornada possível pela vitória no Gólgota. Desta forma, Likutei Moharan é capaz de dizer que a “alma” é referida como Galgalitha. Esta união ocorre porque Cristo foi oferecido no Gólgota para pagar pelos pecados dos homens.
"Aquele que não conheceu o pecado, Deus o fez pecado por nós, para que nele nós nos tornássemos justiça de Deus."
2Cor 5,21
Esta restauração do homem ao Santo teve um preço, como pode ser visto no texto acima, e como Likutei Moharan faz uma menção intrigante em outro lugar.
אֲבָל צָרִיךְ לְפַנּוֹת אֶת הַמֹּחִין מֵחָכְמוֹת חִיצוֹנִיּוֹת וּמִמַּחֲשָׁבוֹת זָרוֹת. מֵחָמֵץ, שֶׁלֹּא יַחְמִיץ אֶת חָכְמָתוֹ בְּחָכְמוֹת חִיצוֹנִיּוֹת וּבְתַאֲווֹת, כְּדֵי כְּשֶׁיּוֹצִיא אֶת הַקּוֹל וְיִפְגַּע בְּמֹחוֹ, יִתְעַבֵד מִמֶּנּוּ רַעַם; אֲבָל כְּשֶׁגַּלְגַּלְתָּא דְּמֹחָא אָטוּם בְּטֻמְאָה, כְּמוֹ שֶׁכָּתוּב (ויקרא י״א:מ״ג-מ״ד): וְנִטְמֵתֶם בָּם; אֲזַי אֵין קוֹלוֹ נִשְׁמָע.
"Mas é [primeiro] necessário limpar as mentalidades da sabedoria secular e dos pensamentos indesejáveis – do chametz. Uma pessoa não deve azedar a sua sabedoria com sabedoria secular ou paixões malignas, para que a voz surja pura e limpa. Então atingirá as mentalidades superiores e será convertido em trovão. Mas quando a esfera da mente está obstruída com impureza – como está escrito, 'sereis impuros por eles' (Lv 11,43) – então sua voz não é ouvida."
- "Likutei Moharan", "Torah", 5:4, 1.
Esta passagem, citando Levítico, ajuda a contextualizar a pergunta feita por Cristo ao Pai no Gólgota.
A Páscoa estava sobre o povo, e o fermento — um símbolo do pecado — deveria ser removido da presença de todos os israelitas — mas Jesus estava morrendo pelos pecados de Seu povo de uma maneira muito impura, e as consequências dessa morte foram além do extremo para Ele. Os Evangelhos registram a pergunta inquietante que Ele gritou em dois lugares distintos.
ܘܠܐܦܝ ܬܫܥ ܫܥܝܢ ܩܥܐ ܝܫܘܥ ܒܩܠܐ ܪܡܐ ܘܐܡܪ ܐܝܠ ܐܝܠ ܠܡܢܐ ܫܒܩܬܢܝ ܀
"Próximo da hora nona, Jesus exclamou em voz forte: 'Eli, Eli, lammá sabactáni?' – o que quer dizer: 'Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?'."
Mt 27,46
ܘܒܬܫܥ ܫܥܝܢ ܩܥܐ ܝܫܘܥ ܒܩܠܐ ܪܡܐ ܘܐܡܪ ܐܝܠ ܐܝܠ ܠܡܢܐ ܫܒܩܬܢܝ ܕܐܝܬܝܗ ܐܠܗܝ ܐܠܗܝ ܠܡܢܐ ܫܒܩܬܢܝ ܀
"E à hora nona, Jesus bradou em alta voz: 'Elói, Elói, lammá sabactá­ni?', que quer dizer: 'Meu Deus, meu Deus, por que me abandonas­te?'."
Mc 15,34
(...)
O Redentor manifesta-se em Tiphereth, Centro Cristológico da Árvore da Vida, e faz um esforço incessante para redimir o seu Reino, reunindo-o às Três Supremas através do abismo de Daat, aberto pela queda, que separou as Sephiroth inferiores das superiores, e procurando equilibrar as diversas forças do reino sêxtuplo (as seis Sephiroth equilibradas por Tiphereth).
Para esse fim, Sacrifica-se, morrendo pelo povo, a fim de que a tremenda força emocional libertada por esse ato possa compensar a força desequilibrada do Reino, e assim, redimí-lo ou equilibra-lo.
O Ministério de Jesus preparava o Sábado Eterno. Em seu tempo, a Shekinah ainda estava abaixo de Tiphereth, mas completaria sua ascensão e se tornaria a Coroa (Kether) de seu marido, ou do Deus de Israel. Quando isso acontecesse, todas as leis e regras que regiam a vida dos judeus deveriam ser abrrogadas. E, assim como era no Sábado semanal, nenhuma obra dos seis dias anteriores (incluindo a própria guarda da Lei conforme os judeus fizeram por séculos) seria permitida sob o risco de se profanar esse Dia Escatológico.
"Ocorreu-me que certos homens de espírito pervertido semearam entre vós algum mal, e contra a Santa Fé, de modo que proíbem qualquer trabalho no sábado. Que mais devo dizer senão que são pregadores do Anticristo, que, quando vier, fará com que o dia de sábado, bem como o Dia do Senhor, sejam mantidos livres de todo trabalho? Pois, porque ele irá fingir morrer e ressuscitar, ele desejará que o dia do Senhor seja reverenciado; e, porque ele obrigará o povo a judaizar para que ele possa trazer de volta o rito externo da lei e sujeitar a si mesmo a perfídia dos judeus, ele desejará que o sábado seja observado. Pois isto que é dito pelo profeta: 'não deixardes passar carga nenhuma pelas portas desta cidade em dia de sábado' (Jr 17,24), poderia ter sido guardado por tanto tempo, desde que a lei pudesse ser guardada de acordo com a letra. Mas depois que a Graça de Deus Todo-Poderoso, Nosso Senhor Jesus Cristo, apareceu (Tt 2), os mandamentos da lei que foram falados figurativamente não podem ser guardados de acordo com a letra. Pois, se alguém diz que isto sobre o sábado deve ser guardado, ele deve necessariamente dizer que sacrifícios carnais devem ser oferecidos: ele deve dizer também que o mandamento sobre a circuncisão do corpo ainda deve ser mantido. Mas deixe-o ouvir o Apóstolo Paulo dizendo em oposição a ele: 'se vos circuncidardes, de nada vos servirá Cristo' (Gl 5,2). Portanto, recebemos e mantemos espiritualmente o que foi dito sobre o sábado. Pois Sábado significa descanso: mas temos o Verdadeiro Sábado como sendo Nosso Redentor, Jesus Cristo, o Senhor; e aquele que conhece a Luz da sua Fé, se o pecado da concupiscência o atrai à mente através dos olhos, no sábado ele traz 'cargas pelas portas da cidade'. Portanto, no dia de Sábado não trazemos cargas pelas portas, se não levarmos as cargas do pecado para a alma através dos sentidos corporais, estabelecidos pela graça de Nosso Redentor. Não introduzimos, então, nenhuma carga através das portas no dia de sábado se não levarmos pesos de pecado através dos sentidos corporais para a alma. Pois lemos que o mesmo nosso Senhor e Redentor fez muitas obras no dia de sábado, de modo que repreendeu os judeus, dizendo: 'Não desamarra cada um de vós no Sábado o seu boi ou o seu jumento da manjedoura, para os levar a beber?' (Lc 13,15) Se, então, a própria Verdade ordenou pessoalmente que o sábado não fosse guardado de acordo com a letra, quem guarda o resto do sábado de acordo com a letra da lei, quem mais eles contradizem senão a própria Verdade? Outra coisa também foi trazida ao meu conhecimento; a saber, que foi pregado a vocês por homens perversos que ninguém deveria lavar-se no dia do Senhor. E, de fato, se alguém deseja lavar-se por luxo e prazer, em nenhum outro dia permitiremos que isso seja feito. Mas se for por necessidade corporal, nem no dia do Senhor o proibimos. Pois está escrito: 'Certamente, ninguém jamais aborreceu a sua própria carne; ao contrário, cada qual a alimenta e a trata' (Ef 5,29). E novamente está escrito: 'não façais caso da carne nem lhe satisfaçais aos apetites.' (Rm 13,14). Aquele, então, que proíbe a provisão para a carne nas suas concupiscências, certamente a permite nas suas necessidades. Pois, se é pecado lavar o corpo no dia do Senhor, também não se deve lavar o rosto nesse dia. Mas se isso é permitido para uma parte do corpo, por que é negado para todo o corpo quando a necessidade exige? No Domingo, dia do Senhor, entretanto, deve haver uma cessação do trabalho terreno e atenção dada de todas as maneiras às orações, para que se alguma coisa for feita com negligência durante os seis dias, possa ser expiada por súplicas no dia da Ressurreição do Senhor."
- Papa São Gregório Magno, "Epistolarum Lib. XIII. - Indict. VI.", Ep. I (PL 77, 1253-1255).
Segundo o Zohar, a Shekinah é a mãe espiritual de Israel e, como tal, ela é a personificação da própria "Comunidade de Israel".
(Passagem)
A Ascensão da Shekinah começava então entre os judeus no Exílio (Gn 13,16), e agora se elevaria para Tiphereth.
O Zohar chama Tiphereth de "Céus".
(passagem)
Tiphereth são os Céus sobre Malkuth; Israel, por isso chamada de morada do "Deus de Israel", aspecto externo da Sephirah Kether; o "Deus da Fé".
O Evento da Crucificação de Jesus no Gólgota é um código para Sua Glorificação Divina. É por isso que, a caminho da Cruz, Jesus afirma "É chegada a hora para o Filho do Homem ser glorificado." (Jo 12,23).
Atika Kadisha (עתיקא קדישא) é uma palavra hebraica que representa o "Ancião dos Anciões" ou os infinitos mundos dos quais o nosso descende. Luria diz que do Atika Kadisha vem o Orvalho que traz a Ressureição dos Mortos, e que esse Orvalho são as três primeiras letras do Tetragrama (Yod, Hê, Vav - יהו).
(Citação + 99% e 1%)
A palavra Orvalho e as Três primeiras letras do Tetragrama possuem o mesmo valor gemátrico. Orvalho é um código para essas letras, elas compõem uma realidade quase completa. O segundo Hê do Nome de Deus, a ultima letra que está faltando é o nosso Mundo Sensível, Assiah. É a parte menor da realidade o que falta para completar a primeira.
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(Fonte dessa informação)
O mundo está partido. Nossa realidade está desconectada de toda Luz.
Na Imagem a seguir, as três Sephiroth Racionais são a Trindade. Esse é o Mundo de Pura Luz, onde os opostos existem numa perfeita harmonia.
As Seis Sephirot emocionais são o "Zeir Anpin" ou Filho. Ali, temos o "Microprosopo", Imagem do Mundo acima (do Pai). O Deus com quem podemos ter contato.
Enfim, chegamos ao nosso mundo. Esta é a Noiva (Malkuth) ou Shekinah que está separada de Deus por conta do pecado. A Princesa dos Contos de Fadas que deve ser resgatada pelo Herói (Zeir Anpin).
O Retorno de nosso universo à totalidade (Teshuvá) é a obra do Messias. Em Sua Primeira Vinda, Ele deu início ao Oitavo Dia ou a Nova Criação, retificando a falta de Adão.
(Ver se Drach fala sobre a segunda vinda)
Shekinah e a Restauração do Aspecto Feminino da Divindade (ter certeza do que diz com fontes).
6.3.2. Eucaristia e Religação ao Pai.
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(Teosis Eucarística?)
6.3.3. A Chave da Ciência
"Chamou-se Kabbalah ao ensinamento oral que servia de comentário ao texto de Lei e que Moisés transmitiu a Josué e àqueles dos seus discípulos que gozavam da sua confiança.
A Kabbalah compunha-se de duas partes:
A primeira tinha por escopo fixar o sentido das prescrições mosaicas. Sabia-se, por ela, o que era permitido, obrigatório e ilícito.
A segunda tinha caráter puramente dogmático. Tratava da natureza de Deus, da espiritualidade e imortalidade da Alma, do mistério da Santíssima Trindade, da Encarnação do Verbo, das inteligências celestes, etc., etc.
O conjunto da Kabbalah formava o Talmud antigo, ou ortodoxo.
Durante o cativeiro de Babilônia, o ensino tradicional sofreu lastimáveis atentados.
Na volta das tribos a Jerusalém, Esdras recebeu de Deus a ordem de consigná-lo por escrito, depois de tê-lo desembaraça-do das escórias que o desonravam.
Os doutores da Lei receberam o depósito do mesmo, mas abstiveram-se de comunicá-lo ao povo. Nunca falaram do Messias à plebe, e a sua missão e dos carácteres pelos quais teria ele podido ser facilmente conhecido. Por isso, Cristo os reprovava de terem a luz escondida sob o alqueire.
'Os cabalistas da antiga Sinagoga', diz Drach, 'falavam numa linguagem obscura, ininteligível para o vulgo, das tradições relativas a tal ou qual ponto do que devia constituir mais tarde o Dogma Cristão ('L'Harmonie', Tomo II, p. 25).'
A Kabbalah, mercê das manobras interessadas dos rabinos, acabara caindo no esquecimento, quando, no século XV, revelaram ao mundo cristão a sua existência o judeu Paulo Ricci e Pico Della Mirandola.
Drach faz notar que o estudo da Kabbalah, ou do que dela restava, teve por efeito reconduzir à Igreja grande número de Israelitas. Vendo isso, usaram os rabinos de todos os meios em seu poder para fazê-la desaparecer."
- Pe. Isidore Bertrand, "La Franc-maçonnerie, secte juive née du Talmud", 1903, Paris, Libraire Bloud, páginas 5-6.
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"Aproximavam-se de Jerusalém. Quando chegaram a Betfagé, perto do monte das Oliveiras, Jesus enviou dois de seus discípulos, dizendo-lhes: “Ide à aldeia que está defronte. Encon­tra­reis logo uma jumenta amarrada e com ela seu jumentinho. Desamarrai-os e trazei-mos. Se alguém vos disser qualquer coisa, respondei-lhe que o Senhor necessita deles e que ele sem demora os devolverá”. Assim, neste acontecimento, cumpria-se o oráculo do profeta: Dizei à filha de Sião: Eis que teu rei vem a ti, cheio de doçura, montado numa jumenta, num jumentinho, filho da que leva o jugo (Zc 9,9). Os discípulos foram e exe­cutaram a ordem de Jesus. Trouxe­ram a jumenta e o jumentinho, cobriram-nos com seus mantos e fizeram-no montar. Então, a multidão estendia os mantos pelo caminho, cortava ramos de árvores e espalhava-os pela estrada. E toda aquela multidão, que o precedia e que o seguia, clamava: “Hosana ao filho de Davi! Bendito seja aquele que vem em nome do Senhor! Hosana no mais alto dos céus!”. Quando ele entrou em Jerusalém, alvoroçou-se toda a cidade, perguntando: “Quem é este?”. A multidão respondia: “É Jesus, o profeta de Nazaré da Galileia”.
Jesus entrou no templo e expulsou dali todos aqueles que se entregavam ao comércio. Derru­bou as mesas dos cambistas e os bancos dos negociantes de pombas, e disse-lhes: “Está escrito: Minha casa é uma casa de oração (Is 56,7), mas vós fizestes dela um covil de ladrões (Jr 7,11)!”. Os cegos e os coxos vieram a ele no templo e ele os curou, com grande indignação dos príncipes dos sacerdotes e dos escribas que assistiam a seus milagres e ouviam os meninos gritarem no templo: “Hosana ao filho de Davi!”. Disseram-lhe eles: “Ouves o que dizem eles?”. “Perfeitamente, respondeu-lhes Jesus. Nunca lestes estas palavras: Da boca dos meninos e das crianças de peito tirastes o vosso louvor” (Sl 8,3)?. Depois os deixou e saiu da cidade para hospedar-se em Betânia.
De manhã, voltando à cidade, teve fome. Vendo uma figueira à beira do caminho, aproximou-se dela, mas só achou nela folhas; e disse-lhe: “Jamais nasça fruto de ti!”. E imediatamente a figueira secou. À vista disso, os discípulos ficaram estupefatos e disseram: “Como ficou seca num instante a figueira?!”. Respondeu-lhes Jesus: “Em verdade vos declaro que, se tiverdes fé e não hesitardes, não só fareis o que foi feito a esta figueira, mas ainda se disser­des a esta montanha: Levanta-te daí e atira-te ao mar, isso se fará... Tudo o que pedirdes com fé na oração, vós o alcançareis”.
Dirigiu-se Jesus ao templo. E, enquanto ensinava, os príncipes dos sacerdotes e os anciãos do povo aproximaram-se e perguntaram-lhe: “Com que direito fazes isso? Quem te deu essa autoridade?”. Respondeu-lhes Jesus: “Eu vos proporei também uma questão. Se respon­derdes, eu vos direi com que direito o faço. Donde procedia o batismo de João: do céu ou dos homens?”. Ora, eles raciocinavam entre si: “Se respondermos: Do céu, ele nos dirá: Por que não crestes nele? E se dissermos: Dos homens, é de temer-se a multidão, porque todo o mundo considera João como profeta”. Responde­ram a Jesus: “Não sabemos”. “Pois eu tampouco vos digo” – retorquiu Jesus – “com que direito faço essas coisas.”
“Que vos parece? Um homem tinha dois filhos. Dirigindo-se ao primeiro, disse-lhe: ‘Meu filho, vai trabalhar hoje na vinha’. Respondeu ele: ‘Não quero’. Mas, em seguida, tocado de arrependimento, foi. Dirigindo-se depois ao outro, disse-lhe a mesma coisa. O filho res­pondeu: ‘Sim, pai!’. Mas não foi. Qual dos dois fez a vontade do pai? ‘O primeiro’ – responderam-lhe. E Jesus disse-lhes: ‘Em verdade vos digo: os publicanos e as mere­trizes vos precedem no Reino de Deus! João veio a vós no caminho da justiça e não crestes nele. Os publicanos, porém, e as prostitutas creram nele. E vós, vendo isso, nem fostes tocados de arrependimento para crerdes nele’.”
'Ouvi outra parábola: havia um pai de família que plantou uma vinha. Cercou-a com uma sebe, cavou um lagar e edificou uma torre. E, tendo-a arrendado a lavradores, deixou o país. Vindo o tempo da colheita, enviou seus servos aos lavradores para recolher o produto de sua vinha. Mas os lavradores agarraram os servos, feriram um, mataram outro e apedrejaram o terceiro. Enviou outros servos em maior número que os primeiros, e fize­ram-lhes o mesmo. Enfim, enviou seu próprio filho, dizendo: Hão de respeitar meu filho. Os lavradores, porém, vendo o filho, disseram uns aos outros: Eis o herdeiro! Matemo-lo e teremos a sua herança! Lançaram-lhe as mãos, conduziram-no para fora da vinha e o assassinaram. Pois bem: quando voltar o senhor da vinha, que fará ele àqueles lavradores?' Responderam-lhe: 'Mandará matar sem piedade aqueles miseráveis e arrendará sua vinha a outros lavradores que lhe pagarão o produto em seu tempo'. Jesus acrescentou: 'Nunca lestes nas Escrituras: A pedra rejeitada pelos construtores tornou-se a pedra angular; isto é obra do Senhor, e é admirável aos nossos olhos (Sl 117,22)? Por isso, vos digo: será tirado de vós o Reino de Deus, e será dado a um povo que produzirá os frutos dele.'"
Mt 21,1-43
Os Profetas descrevem a mítica prosperidade de Israel como cada judeu morando debaixo de sua vinha e figueira.
"Judá e Israel, desde Dã até Bersabeia, viviam sem temor algum, cada qual debaixo de sua vinha e de sua figueira, durante todo o tempo que reinou Salomão."
1Rs 5,5
"Mas cada um habitará debaixo de sua vinha e debaixo de sua figueira, sem que ninguém o moleste; porque assim o prometeu, por sua boca, o Senhor dos exércitos."
Mq 4,4
"Naquele dia – oráculo do Senhor dos exércitos – convidareis uns aos outros para debaixo de sua vinha e de sua figueira”."
Zc 3,10
Os judeus esperam que o Messias surgirá para reuni-los todos em sua terra, reconstruir o Templo e produzir uma prosperidade ainda maior do que aquela que preconizada por Salomão. Mas eles estão errados.
Essa era a expectativa dos judeus também no século I. Jesus, ao adentrar em Jerusalém montado num jumento em cumprimento das profecias, parecia pronto a fazer essa Era de Ouro despontar. Entretanto, após se dirigir a esse Templo para profetizar sua destruição, Jesus amaldiçoa uma figueira, e afirma que a Vinha lhes será tirada e dada à uma Nação que entregue seus frutos. Ecoa nessa ameaça a Profecia de Isaías.
"Eu quero cantar para o meu amigo seu canto de amor a respeito de sua vinha: meu amigo possuía uma vinha em um outeiro fértil. Ele a cavou e tirou dela as pedras; plantou-a de cepas escolhidas. Edificou-lhe uma torre no meio, e construiu aí um lagar. E contava com uma colheita de uvas, mas ela só produziu agraço. 'E agora, habitantes de Jerusalém, e vós, homens de Judá, sede juízes entre mim e minha vinha. Que se poderia fazer por minha vinha, que eu não tenha feito? Por que, quando eu esperava vê-la produzir uvas, só deu agraço? Pois bem, eu vos mostrarei agora o que hei de fazer à minha vinha: eu lhe arrancarei a sebe para que ela sirva de pasto, derrubarei o muro para que seja pisada. Eu a farei devastada; não será podada nem cavada, e nela crescerão apenas sarças e espinhos; vedarei às nuvens derramar chuva sobre ela.' A vinha do Senhor dos exércitos é a casa de Israel, e os homens de Judá são a planta de sua predileção. Esperei deles a prática da justiça, e eis o sangue derramado; esperei a retidão, e eis os gritos de socorro."
Is 5,1-7
Quem pode estudar a Cabalá?
"Todo mundo que o queira", respondeu Avraham Yitzhak HaCohen Kook, seguindo ele mesmo a orientação de Isaac Luria que disse que sua época era o fim das restrições no estudo dos Segredos da Torá. A única exigência era de um sentimento genuíno de elevar-se e unir-se à Hashem.
Mas como tem gente que insiste em dizer diferente! O Brasil está sendo invadido por judeus ortodoxos, principalmente os famosos integrantes do B'nei Noach que literalmente se apossaram do Youtube e estão ali repetindo todas as antigas restrições ao ensino e aprendizado da Torá. Segundo eles, aliás, apenas judeus ortodoxos podem ensinar para um grupo seleto que possa se enquadrar nas seguintes condições:
1. Ser homem.
2. Ser casado.
3. Ter filhos.
4. Ter 40 anos.
No capítulo 5 do Pirkei Avot (5:21), Yehuda ben Tama discute várias idades e o que se fazer nelas. Ele diz que aos 5 anos se deve começar o estudo das Escrituras Hebraicas, aos 10 o da Mishná, e que aos 40 deve-se "perseguir Binah com profundo entendimento". Essa afirmação levou à ideia de que as pessoas não deveriam estudar filosofia ou Cabala até os 40 anos de idade, um sentimento codificado pelo rabino do século XVII Shabbatai HaKohen ( conhecido como Shakh ) em seu comentário sobre o Shulkhan Arukh (Yoreh Deah 246: 6).
Bom, nem preciso dizer que essas exigências reduziram o número de Cabalistas drasticamente, nos tempos atuais (e em todos os tempos, na verdade) um homem nessas condições dificilmente poderá empregar o esforço ou gastar o tempo necessário para desvendar os Mistérios Divinos da Torá. Apontam para a vida de Moisés como modelo que, segundo o relato literal da Torá, teria preenchido cada uma dessas exigências. Esse é o erro condenado por Cristo.
"Ai de vós, doutores da Lei, que tomastes a chave da ciência (κλεῖδα τῆς γνώσεως - kleida tēs gnōseōs), e vós mesmos não entrastes e impedistes aos que vinham para entrar”.
Lc 11,52
(Drach sobre essa passagem)
Mas observemos rapidamente os verdadeiros sentidos ocultos nas "condições" elencadas acima:
1. Ser homem significa possuir Chokhmah (Abba, o Pai) ou uma Mente voltada para o aprendizado. As mulheres não são obrigadas (mas também não são proibidas) de estudar a Torá, pois na sua capacidade de gerar filhos elas já cumprem em si mesmas as 248 Mitsvot Positivas.
2. Ser casado. Ou compreender a natureza da Mulher e se comunicar em Devoção profunda com a Mãe (Aima) ou Binah. Muitos homens casados nem desconfiam do que isso possa significar.
3. Ter filhos. A Cabalá tem muitos níveis de compressão. Os Salões Celestiais escondem portas para outros Salões ainda mais magníficos. Um homem só pode adentrar essas profundezas se desenvolver seu Corpo Sutil, seu Corpo de Luz. Esse Corpo de Luz ou Mercabah (Carruagem) deve ser construído através de técnicas específicas e recebe o nome de "Golem". Esse é "seu Filho" e veículo para que ele possa avançar em segredos mais elevados.
Gentios nessa perspectiva, longe de serem estrangeiros, são pessoas que ainda não corrigiram seus desejos egoísticos. São "gentes" ou "povo". Uma massa indiferenciada de pessoas que não tem uma Lei (Torá) que os conduza. O que nos leva ao ponto 4 de nossa lista:
4. Ter 40 anos. A letra Mem (מ), inicial do nome Moisés (משה - Moshe) tem valor gemátrico 40. O nome de Moisés significa literalmente "Salvo das Águas".
"Quando o menino cresceu, ela o conduziu à filha do faraó, que o adotou como seu filho e deu-lhe o nome de Moisés, 'porque – disse ela – eu o salvei das águas' (Min Ha-Maim Meshitihu - מן־המים משיתהו)."
Ex 2,10
A palavra Maim (מים - Água) abre uma série de mistérios das Escrituras. Por 40 Dias o Dilúvio caiu sobre a Terra. Do ponto de vista simbólico, há uma analogia bem óbvia entre o batismo e o Dilúvio, sendo a imersão nas Águas uma reintegração passageira no indistinto para assim proceder uma nova criação, seja na perspectiva do indivíduo ou do cosmo. É a Água que dissolve, “mata”, toda forma e precede qualquer nova criação. Santo Estêvão, em seu discurso no Sinédrio declara;
"Moisés foi instruído em todas as ciências dos egípcios e tornou-se forte em palavras e obras. Quando completou quarenta anos, veio-lhe à mente visitar seus irmãos, os filhos de Israel. Viu que um deles era maltratado; tomou-lhe a defesa e vingou o que padecia a injúria, matando o egípcio. Ele esperava que os seus irmãos compreendessem que Deus se servia de sua mão para livrá-los. Mas não o entenderam. No dia seguinte, dois dentre eles brigavam, e ele procurou reconciliá-los: Amigos, disse ele, sois irmãos, por que vos maltratais um ao outro? Mas o que maltratava seu compatriota o repeliu: Quem te constituiu chefe ou juiz sobre nós? Porventura queres tu matar-me, como ontem mataste o egípcio? A estas palavras, Moisés fugiu. E esteve como estrangeiro na terra de Madiã, onde teve dois filhos. Passados quarenta anos, apareceu-lhe no deserto do monte Sinai um anjo, na chama de uma sarça ardente. Moisés, admirado de uma tal visão, aproximou-se para a examinar. E a voz do Senhor lhe falou: Eu sou o Deus de teus pais, o Deus de Abraão, de Isaac e de Jacó. Moisés, atemorizado, não ousava levantar os olhos. O Senhor lhe disse: Tira o teu calçado, porque o lugar onde estás é uma terra santa. Considerei a aflição do meu povo no Egito, ouvi os seus gemidos e desci para livrá-los. Vem, pois, agora e eu te enviarei ao Egito. Este Moisés, que despre­zaram, dizendo: Quem te constituiu chefe ou juiz? A este, Deus enviou como chefe e libertador pela mão do anjo que lhe apareceu na sarça. Ele os fez sair do Egito, operando prodígios e milagres na terra do Egito, no mar Vermelho e no deserto, por espaço de quarenta anos."
At 7,22-36
Moisés encontra o Anjo do Senhor na sarça aos 80 anos, duas vezes 40, sendo que sua primeira iniciação (aos 40 anos) o levou a contemplar o sofrimento dos filhos de Israel. Ou seja: desejou não para si, mas para outros. Quis salvar seus irmãos. Alcançou o sentimento verdadeiro de um Cabalista.
O que isso significa? A verdadeira Circuncisão é o Sacramento do Batismo onde o homem deve se despir de sua natureza "gentílica" e se tornar realmente Israel de Deus.
(Circuncisão livrou da morte - motivos para circuncusão, e Batismo)
Quero dizer que, embora a maioria dos Cristãos rejeite a Cabalá que é sua herança, eles são os que estão realmente aptos a compreender esses Mistérios que são Mistérios de Cristo. O homem deve ser submerso em "Maim" e emergir limpo das Kelipot das Nações. A Aliança Pura e Real é Universal, as referências negativas as nações gentias na Bíblia Hebraica sempre foram destinadas a significar tipologicamente aqueles que estão fora da Igreja Universal.
Num dos vídeos que vi sobre esse tema, o exaltado YouTuber se afirmava "rabino" inúmeras vezes. E quem vai discutir? Chapéu: confere! Sotaque: confere! Barba: confere! Terno preto e camisa branca: confere! Resultado: Rabino na certa!
Entretanto, como bem sabem todos os judeus ortodoxos ou não, a linhagem da "Semichá" (סמיכה) foi quebrada depois da destruição de Jerusalém. Tanto que hoje em dia não se cumpre a Mistvá da formação de um Sinédrio. Logo, as ordenações rabínicas de hoje não são oficiais ou Divinas. Uma escola rabínica não tem o poder de conferir os mistérios e muito menos a autoridade da "Cadeira de Moisés" que não lhes pertence mais.
"O judaismo assumiu um aspecto inteiramente novo. Todos os partidos e seitas de uma geração anterior desapareceram; fariseus e saduceus cessaram de brigar uns com os outros; o Templo foi suplantado pela sinagoga, os sacrifícios pela oração, o sacerdote por qualquer um que pudesse ler, ensinar e interpretar tanto a lei escrita quanto a oral. O Sinédrio perdeu sua qualificação jurídica, e tornou-se um consistório para aconselhar as pessoas em relação aos deveres religiosos. O judaísmo tornou-se uma ciência, uma filosofia, e deixou de ser uma instituição política"
- Rabino Solomon Schindler, "Dissolving Views in the History of Judaism", Boston 1888, Lee and Shepard publishers, página 64.
Ao deixar o Templo, Jesus consuma a transferência de autoridade (já iniciada quando os escolheu, em Mateus 10, e ao chegar em Cesareia de Filipe, em Mateus 16) do antigo Sinédrio para seus Apóstolos.
"Chegando ao território de Cesareia de Filipe, Jesus perguntou a seus discípulos: 'No dizer do povo, quem é o Filho do Homem?'. Responderam: 'Uns dizem que é João Batista; outros, Elias; outros, Jeremias ou um dos profetas'. Disse-lhes Jesus: 'E vós quem dizeis que eu sou?' Simão Pedro respondeu: 'Tu és o Cristo, o Filho de Deus vivo!'. Jesus, então, lhe disse: 'Feliz és, Simão, filho de Jonas, porque não foi a carne nem o sangue que te revelou isto, mas meu Pai que está nos céus. E eu te declaro: tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja; as portas do inferno não prevalecerão contra ela. Eu te darei as chaves do Reino dos Céus: tudo o que ligares na terra será ligado nos céus, e tudo o que desligares na terra será desligado nos céus'."
Mt 16,13-19
"Vede, eu vos envio Profetas, Sábios, Doutores. Matareis e crucificareis uns e açoitareis outros nas vossas sinagogas. Eu os perseguireis de cidade em cidade, para que caia sobre vós todos o sangue inocente derramado sobre a terra, desde o sangue de Abel, o justo, até o sangue de Zacarias, filho de Baraquias, a quem matastes entre o Templo e o Altar."
Mt 23,34-35
Que estes teriam o conhecimento da Cabalá está claro no próprio texto: são os Profetas, Sábios e Doutores. Após 40 anos sem a luz da Semichá (entre 70-73 d.C.), o antigo Sinédrio desmoronou.
תָּנוּ רַבָּנַן: אַרְבָּעִים שָׁנָה קוֹדֶם חוּרְבַּן הַבַּיִת לֹא הָיָה גּוֹרָל עוֹלֶה בְּיָמִין, וְלֹא הָיָה לָשׁוֹן שֶׁל זְהוֹרִית מַלְבִּין, וְלֹא הָיָה נֵר מַעֲרָבִי דּוֹלֵק.
וְהָיוּ דַּלְתוֹת הַהֵיכָל נִפְתְּחוֹת מֵאֲלֵיהֶן, עַד שֶׁגָּעַר בָּהֶן רַבָּן יוֹחָנָן בֶּן זַכַּאי. אָמַר לוֹ: הֵיכָל הֵיכָל! מִפְּנֵי מָה אַתָּה מַבְעִית עַצְמְךָ? יוֹדֵעַ אֲנִי בְּךָ שֶׁסּוֹפְךָ עָתִיד לֵיחָרֵב, וּכְבָר נִתְנַבֵּא עָלֶיךָ זְכַרְיָה בֶּן עִדּוֹא: ״פְּתַח לְבָנוֹן דְּלָתֶיךָ וְתֹאכַל אֵשׁ בַּאֲרָזֶיךָ״,
“Ensinaram os rabis: Durante o mandato de Shimon HaTzaddik, a sorte para Deus sempre surgia na mão direita do Sumo Sacerdote; após sua morte, isso ocorreu apenas ocasionalmente; mas durante os 40 anos antes de o Templo ser destruído (70 d.C.), a sorte nunca saía na mão direita, a fita de lã não ficava branca, o lume ocidental não ardia, as portas do Templo se abriam sozinhas, até o tempo em que o rabi Johanan ben Zaki increpou-os, dizendo: ‘Templo, Templo, por que nos alarmas? Nós sabemos que estás destinado a ser destruído. Pois de ti profetizou Zacarias ben Ido: 'Abre tuas portas, ó Líbano, e deixa que o fogo devore teus cedros' (Zc II,1)".
- "Yoma" 39b: 5-6.
Comentando essa passagem, o Pe. James Meagher escreve:
"Esses prodígios sucederam no instante em que Cristo morreu. Então rasgou-se o véu de cima abaixo, o terremoto abalou as duas colunas que sustentavam o véu e rachou as paredes, mortos ressuscitaram e entraram na cidade e no Templo. Deus mostrou que as cerimônias tinham cumprido sua missão de apontar para o Redentor, e que ele já não aceitaria mais as funções da nação deicida. Um outro sacrifício, a Última Ceia — a Missa, realizando todos aqueles, fora instituída na noite anterior, no Cenáculo, conforme estava predito: 'Não acendereis mais inutilmente o fogo no meu altar. Não tenho nenhuma complacência convosco – diz o Senhor dos exércitos – e nenhuma oferta de vossas mãos me é agradável. Porque, do nascente ao poente, meu nome é grande entre as nações e em todo lugar se oferecem ao meu nome o incenso, sacri­fícios e oblações puras. Sim, grande é o meu nome entre as nações – diz o Senhor dos exércitos.' (Ml 1,10-11)".
- Pe. James Meagher ("How Christ said the first Mass")
(Blondel sobre a profecia de Gamaliel)
6.3.3.1. Tzur
(Necessidade da autoridade) (Análise do Rabino Herbert Basser sobre os termos usados por Cristo à São Pedro em Mt 16,18-19).
(O sentido Metafísico de Roma)
6.4. "La Cabale des Hebreux".
Tradução da pequena obra escrita pelo Rabino Drach ao Pe. Giovanni Perrone para revisão dos principais Tópicos abordados até aqui.
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7. A QUEBRA DOS VASOS
"No princípio, Deus criou o céu e a terra. A terra estava sem forma e vazia; as trevas cobriam o abismo e o Espírito de Deus pairava sobre as águas. Deus disse: “Faça-se a luz!”. E a luz foi feita."
Gn 1,1-3
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A manifestação suprema produzida pelo primeiro raio de luz, isto é, pela “linha reta” que penetra no espaço primordial, é chamada de Adam Kadmon. Deste ser, que nada mais é do que o modo de existência das luzes supernas no tehiru, ou espaço primordial, várias luzes irromperam de uma maneira que levou àquele evento central e decisivo que é descrito em termos simbólicos como a “quebra dos vasos” ou a “morte dos reis". "A quebra dos vasos" (em hebraico, "Shevirat haKeilim" - שבירת הכלים) do mundo de Tohu é o conceito-chave para explicar o problema básico da diversidade e multiplicidade na Criação, bem como a origem do mal.
É um entendimento comum dos teólogos (Santo Agostinho, Santo Isidoro, Alcuíno e Pedro Abelardo) de que o dito "Faça-se a Luz" refere-se na forma alegórica à criação dos anjos. Orígenes avança ainda mais; a luz do primeiro dia denota os anjos, o abismo é o inferno, as águas superiores e inferiores são os anjos bons e maus, e o sol e a lua são Cristo e Sua Igreja;
"Qual é o começo de todas as coisas, senão nosso Senhor e 'Salvador de todos', Jesus Cristo o 'Primogênito de toda a Criação' (Cl 1,15)? Neste princípio, portanto, isto é, na sua Palavra, "Deus fez o céu e a terra", como diz também o evangelista João no início do seu Evangelho: 'No princípio era o Verbo, e o Verbo estava junto de Deus e o Verbo era Deus.' Ele estava no princípio junto de Deus. 'Tudo foi feito por Ele, e sem Ele nada foi feito.' (Jo 1,1-3). A Escritura não está falando aqui de qualquer começo temporal, mas diz que o céu e a terra e todas as coisas que foram feitas foram feitas 'no Princípio', isto é, no Salvador.
'A terra estava sem forma e vazia; as trevas cobriam o abismo e o Espírito de Deus pairava sobre as águas.' - 'A terra estava sem forma e vazia', antes de Deus dizer: "Faça-se a luz!', e antes de separar a luz das trevas, como mostra a ordem do relato. Mas como nas palavras que seguem Ele ordena que o firmamento venha a existir e chama isso de céu, quando chegarmos a esse lugar, a razão da diferença entre o céu e o firmamento será explicada lá e também por que o firmamento foi chamado de céu. Mas agora o texto diz: 'as trevas cobriam o abismo.' O que é 'o abismo'? Aquele lugar, é claro, onde estarão 'o diabo e seus anjos' (Ap 12,9; 20,3, Mt 25,41). De fato, isso é claramente indicado também no Evangelho, quando é dito do Salvador: 'E pediam-lhe (a legião de demônios) que não os mandasse ir para o abismo'. (Lc 8,31).
Por esta razão, portanto, Deus dissolveu as trevas como diz a Escritura: "Deus disse: 'Faça-se a luz!'. E a luz foi feita. Deus viu que a luz era boa, e separou a luz das trevas. Deus chamou à luz dia, e às trevas noite. Sobreveio a tarde e depois a manhã: foi o primeiro dia." (Gn 1,3-5).
Mas vamos ver de acordo com o significado espiritual porque é que quando Deus, naquele começo que discutimos acima, "fez o céu e a terra", e disse: "haja luz" e "dividiu entre a luz e as trevas e chamou a luz de dia e a escuridão de noite", e o texto disse que "houve tarde e houve manhã", não disse: "o primeiro dia", mas disse: "um dia". É porque ainda não havia tempo antes que o mundo existisse. Mas o tempo começa a existir com os dias seguintes. Para o segundo dia e o terceiro e quarto e todo o resto começa a designar o tempo."
- Orígenes, "In Genesim Homilia I" (PG XII,145-147).
Lemos que "as trevas cobriam (a face) do abismo", ou; as trevas (חשֶׁךְ/Chosek) cobriam a face (פנים/Paniym) do Abismo (תהום/Tehom). A palavra "Paniym" é literalmente traduzida "em face", "na direção", ou "contra" (citação).
"Amasias mandou mensageiros a Joás, filho de Joacaz, filho de Jeú, rei de Israel, para dizer-lhe: “Vem e nos veremos face a face!” (נִתְרָאֶ֥ה פָנִֽים - Nitra'eh Paniym)."
2Rs 14,8
Significando que as trevas e o abismo estavam indo em direção um do outro.
O restante do texto diz que “O Espírito de Elohim (nome plural de Deus, referindo-se às Três Pessoas da Trindade) pairava (מְרַחֶ֖פֶת/merachefet), sobre as águas".
Isolando a primeira e ultima letras da palavra "Merachefet" (מרחפת) teremos por elas a palavra "met" (מת) que significa "morreram", enquanto as demais letras formam a palavra "rapach" (רחפ) que significa "movimento" e cujo valor gemátrico é 288. Na descida da Luz Divina ao Vazio Original, os primeiros recipientes se partiram e 'morreram' nas águas.
(Texto que fala tudo isso)
Depois do Tzimtzum, Adam Kadmon é criado, o homem perfeito que reluz com Luz Divina. Dele, a luz Sephirótica irradia em completa unidade. Mas, dos olhos uma forma de luz atomizada brilha na qual as Sephiroth não constituem uma unidade orgânica, mas pontos ou partes diferentes. Esse mundo é construído por esta luz que Isaac Luria chama 'mundo do caos' (עוֹלָם הַתֹּ֫הוּ - Olam Ha-Tohu).
(Citação)
Isto constitui a fundação da real Criação que é conhecida ao homem, que do iníco foi dirigido ao finito.
Vários vasos são criados para colher esta luz pontuada e dar sua energia uma forma na criação limitada. Os três vasos da Tríade Celeste das Sephiroth apanham as luzes, mas quando as luzes fluem pra baixo dos seis vasos inferiores, a velocidade do processo pressiona estes vasos a se romperem. A Sephiroth mais inferior é também danificada, mas não tão criticamente. Os pedaços caem pra baixo no Abismo com 288 faíscas de luz divina. O puro e o sagrado é dessa forma misturado com o impuro e o profano, que resulta na criação dos anti-mundos demoníacos.
O rompimento dos vasos é um passo necessário na Criação, e embora seja referido como um 'acidente' (Schevira), é inevitável. Segundo Scholem, assim como a semente precisa se romper para ser capaz de brilhar e florescer, então os primeiros vasos devem se romper para capacitar a luz divina de dentro deles atingir o objetivo destinado. A razão por trás dos rompimentos dos vasos, é um tipo de processo de purificação primordial. No espaço original, o elemento mal foi misturado com o elemento bom. Para purificar as Sephiroth do mal, os vasos se rompem, e o mal foi banido para se tornar uma identidade independente num antimundo demoníaco ("Sitra-Achra", que é o inferno). Através do rompimento dos vasos, novos vasos purificados se rompem. O reino do mal não é inicialmente criado dos pedaços reais dos vasos rompidos. Ele se ergue dos produtos desgastados que são purificados via Criação através do rompimento dos vasos. Isto pode ser comparado ao processo de nascimento que também gera produtos desgastados. Este processo inteiro dos vasos rompidos é comparado pelos cabalistas aos três primeiros mundos destrutivos e os onze reis malditos do Edom que criaram o mal, mundos primordiais que foram aniquilados para facilitar um novo e puro mundo.
7.1. Tohu e Edom.
Os elementos carregados de Luz Divina perdida e estilhaçada irão adquirir existência quase autônoma e se converterão nos poderes do mal nas regiões mais baixas da Criação. Uma vez que sua configuração inicial era reter a Luz e não compartilhar, este será seu princípio; devorar a luz. Mais tarde, esses Vasos Estilhaçados e essas Faíscas de Santidade ‘em exílio’ irão sustentar o mundo do mal e da obscuridade ou o Sitra Achra ('סטרא אחרא'/ Outro lado) o lado oposto á Luz de Deus, o Sitra Kedushah ('סטרא קְדֻשָּׁה') o ‘Lado da Santidade’.
(fundamentos pra dizer tudo isso)
O Sitra Achra ser o ‘outro lado’ da Santidade significa que ele é objetivamente 'inexistente' pois não possui substância senão aquela que extrai da Luz. É o Vazio não criado e que devora a Vida para imitar ele mesmo a existência. Este é o reino das Kelipot ('קְלִיפּוֹת') ou, literalmente, ‘cascas’, como a casca de uma Fruta.
(Sobre a existência negativa do mal, sitra achra e as kelipot)
Esse é o segredo das condenações á idolatria na Bíblia. Os ídolos são as Kelipot. Por isso são chamados ‘Elilim' ('אֱלִילִ֑ים’), que traduzido literalmente significa ‘aquilo que não é nada’ (fonte e citação).
"Porque os deuses dos pagãos, sejam quais forem, não passam de ídolos (אֱלִילִ֑ים - Elilim). Mas foi o Senhor quem criou os céus."
- Sl 95,5
Os deuses das nações são ídolos ou nada, representando as nações de Edom (Tohu), crias de Lilith, o Erev Rav e seu culto às sombras.
7.2. Samael e Lilith.
"Nesta nota temos que lidar com: 1° a natureza do Tentador, 2° a transmissão do primeiro pecado a todas as gerações da raça humana.
I.
Diremos, portanto, primeiro o que os rabinos mais antigos (a) ensinavam a respeito da natureza do demônio que tentou nossos primeiros pais no Paraíso.
Chamam-lhe indiferentemente: demônio tentador (a), Samael, Leviatã, Satanás, Serpente Antiga (b) e Serpente Tortuosa.(c) Anjo caído após a sua revolta contra o Criador, ele seduziu os nossos primeiros pais através da inveja, assumindo a forma de serpente e, segundo outros rabinos, usando este réptil do qual fez instrumento da sua malícia. Os rabinos por vezes repetiam estas tradições na linguagem figurada tão comum aos orientais; muitas vezes também misturando seus próprios devaneios, que nem sempre são muito decentes.(d) Mas pelo menos aqui não é difícil tirar a pérola da lama. Aurum colligere de stercore Ennii. Assim lemos no Zohar, Parte I, fol. 28, col. 110: 'A serpente era o mais astuto de todos os animais do campo (Gn 3,1). P. Isaac diz: É o demônio tentador. R. Yehuda disse: Uma verdadeira serpente. Quando eles compareceram diante de R. Simeon, ele lhes disse: Na verdade, ambas as opiniões são verdadeiras. Pois foi Samael quem apareceu numa serpente; e seu espectro e a serpente juntos compuseram Satanás, e o todo é apenas uma coisa. Foi ensinado', continua o Zohar, 'que naquela hora Samael desceu do céu (a), montado nesta serpente. E todos os animais, vendo esta forma, fugiram dele. E eles (Samael e a Serpente) vieram até a mulher com belas palavras, e trouxeram a morte ao mundo inteiro.' ("Bereshit", 35b [b - página 313])
Na mesma coluna, algumas linhas abaixo: 'Está escrito, e a serpente era astuta, é o demônio tentador, é o anjo da morte. E porque esta serpente é o anjo da morte, ela causou a morte de todos.'(c) Parte II, fol. 119, col. 474: 'O demônio tentador tem muitos lados (d) e muitos graus: (tais são) serpente sinuosa, Satanás, anjo da morte, demônio tentador.'(a) Parte III, fol. 21, col. 82: 'Foi ensinado que quando a poderosa serpente começa a se manifestar, as colunas e edifícios desabam e desaparecem'.(b) Glosa marginal em hebraico: 'A poderosa Serpente, isto é, Samael, a antiga Serpente, a chefe de todas as serpentes'. E ibid., fol. 59, col. 235; 'E o tentador, considerado do lado direito, é chamado serpente; ele é chamado de cachorro, considerado do lado esquerdo, que é o de Esaú, no grau de Samael'.(c)
Pirke de R. Eliezer, Cap. XI: 'Os anjos do serviço (d) disseram diante do Santo, bendito seja: Que é o homem, Senhor, para cuidardes dele? (Sl CXLIV,3 segundo o hebr.). O homem é como o nada (ibid.). Seu domínio não está na terra.(e) Deus lhes respondeu: Ele é quem Me glorifica entre os que habitam na terra, assim como vocês me glorificam entre os que habitam no céu. Além disso, você poderia se apresentar para dar nomes a todas as criaturas? Então eles tentaram e não tiveram sucesso. Imediatamente Adão se apresentou e deu nomes a todas as criaturas; pois está escrito: E Adão deu nomes a todos os animais, etc.' (Gn II,20). Os anjos do culto vendo isso, disseram uns aos outros: Se não imaginarmos um meio contra Adão para fazê-lo cair na loucura contra seu Criador (f), não conseguiremos prevalecer contra ele. Agora havia Samael, o príncipe mais ilustre do céu; pois os Haiyot (a) e os Serafins são anjos de seis asas, e Samael era um anjo de doze asas.(6) Ele então, tendo descido à terra com sua legião, examinou todas as criaturas que o Santo, bendito seja, havia criado, e não encontrou ninguém mais astuto para o mal do que a serpente, assim como está escrito: E a serpente era mais astuto do que todos os animais do campo. Agora a serpente tinha a forma de um camelo. E Sammael subiu nele e o montou.(c)'
R. Abraham Seba, Comentário ao Pentateuco, seção Ki-Tetzé, fol. 143, col. 2:
'Esta expressão, o inimigo, designa Samael. É a Serpente, é Satanás, é o tentador que conduziu Adão, como ainda conduz todos os homens, às fraquezas e aos prazeres humanos, pelo prazer das suas palavras mais doces que o azeite'.(d)
Midrash-Hanneelam (midrash místico) no Zohar Hadasch, p. 17, col. 4 e pág. 18, col. 1: 'E a serpente era astuta, etc. R. Yosè ensina: este é o demônio tentador, esta serpente que seduz os homens. E por que é chamada de cobra? Porque assim como a serpente anda tortuosamente e não segue um caminho reto, assim o tentador surpreende o homem por um caminho mau, e não por um caminho reto.'(a)
Lemos no 'Yalkut-Reubéni', art. Samael-Lilith, No. 3: 'O Zohar, na seção Theruma (6), lista sete mansões no inferno, e diz: E na terceira mansão, מ‎דו‎ר, está o ímpio Samael. E não há necessidade de se surpreender que o Zohar também atribui para ele o terceiro palácio, היכל, no céu, porque antes de Adão pecar, Samael era um dos Serafins de seis asas, mas ele se rebelou contra seu mestre.'(c)
Não queremos esquecer aqui uma aventura contada no Midrash Rabba e repetida por R. Behhaï, na seção Acharei-Mot, fol. 139, col. 4: 'Quando o Santo, Bendito seja, expulsou Samael e sua legião do céu, ele se prendeu às asas do arcanjo Miguel para arrastá-lo com ele. Mas o Santo, Bendito seja, livrou-o do perigo. Foi isso que deu a Miguel o nome de Pâlit (פליט, livre do perigo).'
Livro Habodat-Hakkodesh, seção Mistérios da Lei, cap. III. 'É dito no Midrash de R. Nehhunia-ben Hakkanê (d): O ímpio Samael conspirou contra seu mestre com todo o exército de cima (a), pela razão de que o Altíssimo, bendito seja, disse a Adão, o primeiro homem: E governará sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu. E os Anjos disseram: Vejamos como envolveremos Adão no pecado, a fim de fazer com que ele seja expulso da presença de Deus.'(b) A mesma fábula, ou melhor, alegoria, é reproduzida em trecho do Sepher Bahir, também atribuído a R. Nehhunia, inserido no Zohar, parte I, fol. 28, col. 110.
Midrash-Hanneélam nas Lamentações de Jeremias, p. 71, col. 4: 'Os anjos ministradores dirigiram-se a Adão com cânticos de louvor. No final, Samael, que presenciou isso do alto, ficou com inveja e, transformado em espectro, desceu à terra montado em uma serpente. Somente a serpente era visível e o espectro que a rodeava era sua força e poder.'(c)
Finalmente o Talmud, tratado Abot derabbi Nathan, capítulo I, dá outra variação da queda do arcanjo rebelde: 'R. Yehuda filho de Betêra disse: Adão o primeiro homem estava à mesa no paraíso, e os Anjos do serviço estavam de pé sobre ele no paraíso, e carne assada e vinho gelado para ele. Aí veio a serpente que os viu, e olhando para as honras que Adão estava recebendo, ficou com inveja.'(d)
Estas diversas tradições que atribuem à inveja o principal motivo da revolta de Lúcifer, relacionam-se visivelmente com a seguinte passagem do livro da Sabedoria, II,23-24: 'Ora, Deus criou o homem para a imortalidade, e o fez à imagem de sua própria natureza. É por inveja do demônio que a morte entrou no mundo'.
Geralmente, Samael é muito mal dito pelos rabinos.
O Midrash Rabbah, seção I do Pentateuco, diz; 'O ímpio anjo Samael é o líder de todos os satãs'.(a) O mesmo Midrash, ibid., um pouco mais abaixo: 'Entre todos os Satãs não há nenhum tão perverso quanto Samael.'(6)
Sua sentença já começou; mas a sua conta ainda não está feita: serão finalizados ele e sua esposa, com um castigo reservado aos maiores criminosos. Os rabinos têm o cuidado de nos ensinar isso. O Livro Ammudè-Schib-a, fol. 51, col. 3, 4: 'Não devemos tomar as coisas literalmente, porque este Leviatã e seu companheiro são o anjo Satanás, este deus estranho, e Lilith sua companheira; ou melhor, é o Leviatã que é ao mesmo tempo a serpente insinuante e a serpente tortuosa. Segundo a profecia de Isaías (27,1), o Santo, bendito seja, irá visitá-los com a sua terrível espada, para exterminá-los do mundo'.(c) R. Naphthalie, em seu famoso livro cabalístico Emek-Ammêlehh, fol. 130, col. 1, cap. xi: 'No tempo vindouro o Santo, bendito seja, matará o ímpio Samael, como está escrito (Is 27,1): Naquele dia Jeová visitará com sua terrível espada Leviatã a Serpente insinuante, que é Samael, e Leviatã, a serpente sinuosa, que é Lilith.' O livro Yalkut-Hadasch, art. Yetzer-tob, etc. nº 20, diz a respeito deste julgamento: 'Na medida em que nossos Sábios, que suas memórias sejam abençoadas, ensinem que nos tempos vindouros o Santo, bendito seja, matará o Tentador, que é Samael, o cabeça de Edom, não devemos entender que o Santo, bendito seja, o matará, mas Ele o segurará pelos cabelos da cabeça, e Elias (o Profeta) cortará seu pescoço'.(a)
Resta-nos dizer algumas palavras sobre a esposa do diabo. Os rabinos dizem que Lilith foi a primeira esposa de Adão. Ela foi criada ao mesmo tempo que ele e, como ele, tirada da terra. Mas surgiu uma briga na casa, sobre uma questão que, num tribunal só poderia ser debatida a portas fechadas. A mulher, que estava com o boné perto da cabeça, pronunciou o inefável nome Jeová e partiu pelos ares, deixando ali o marido. Ele teve a fraqueza de reivindicar sua metade, e Deus enviou três anjos atrás dela, chamados Senoi, Sansenoi e Samangloph. Estes agentes da ordem pública, ou seja, Milícias Aladas, alcançaram a fugitiva no Mar Vermelho, precisamente no local que mais tarde engoliria o exército egípcio. Eles a convidam a retornar ao lar conjugal. A mulher se fez de surda. Então os Anjos notificam-na em nome de Deus que, se ela não obedecesse imediatamente à sua ordem, perderia cem dos seus filhos todos os dias. Mas o que pode a ternura materna fazer no coração de uma mulher demoníaca, contra a animosidade doméstica? Lilith achou que estava fazendo um bom negócio e, sem hesitar, disse: 'dane-se!'.
Lilith, como bem imaginamos, não gosta muito da posteridade de Eva que a substituiu pelo primeiro homem. É por isso que ela procura sufocar todas as crianças recém-nascidas. Felizmente, as mães judias têm algo com que se tranquilizar: os rabinos mostram-lhes um remédio que nunca deixou de fazer efeito. Placas em hebraico estão afixadas na porta e em todas as cortinas do quarto da mulher que dá à luz, cada uma contendo: 'Adão e Eva. Afaste-se Lilith'. E abaixo os nomes dos três Anjos dos quais acabamos de falar. Eles, indignados com a obstinação e maldade de Lilith, quiseram afogá-la no Mar Vermelho. Para salvar sua vida, o demônio feminino jurou nunca machucar uma criança onde visse seus nomes.
(imagem)
É especialmente na noite anterior à circuncisão da criança que Lilith ataca o pobre israelita. Tudo o que precisamos fazer é convidar para um bom jantar os rabinos que vêm ler em voz alta o Talmud. Os demônios, que têm pouca paciência, não resistem à leitura de um livro tão sagrado. Na época em que a chaminé está sem fogo e sem conversa, é bom colocar ali uma luz, para evitar uma irrupção pelo cano preto.
São Jerônimo diz em seu comentário a Isaías 34,14, que há judeus que traduzem Lilith por Fúria, Ἐριννύν, i.e. Furiam. Há muitos Cristãos que concordam com eles.
Lilith relembra as Estrias de Ovídio;
'Elas voam à noite e procuram crianças que precisam de uma enfermeira,(...)
E elas são desprezados quando seus corpos são arrebatados. Diz-se que elas pegam as vísceras lactantes da testa:(...)
E com um gole cheio de sangue eles têm intestino. E seus seios foram devorados por línguas gananciosas:(....)
Um menino infeliz vagueia e pede ajuda.'
- Fast. VI, 135-158; 145, 146.
II.
TRANSMISSÃO DO PECADO ORIGINAL.
A Sinagoga sempre ensinou que o pecado de Adão e Eva se ligou à sua posteridade que estava neles virtualmente. Esta doutrina foi transmitida sob o seguinte mito. 'No momento em que a serpente se misturou com Eva, lançou nela uma contaminação que continua a infectar seus filhos.'(a) Estas são as expressões próprias do Talmud, tratado Shabbat, fol. 146 reto; tratado Yebamot, fol. 103 verso; tratado Avodah-Zara, fol. 22 verso.
No Zohar e em outros livros cabalísticos, esta contaminação é frequentemente mencionada. Assim lemos no Zohar, Parte I, fol. 34, col, 135: 'A imundície que a Serpente lançou em Eva.'(h) Ibid. fol. 44, col. 175; 'R. Eleazar ensina que no momento em que a serpente lançou essa imundície em Eva, ela se engravidou com ela.'(c) Ibid. fol. 29, col. 112; 'R. Yehuda ensinou, no primeiro pecado, três foram levados a julgamento e condenados; e este mundo inferior não conseguia mais se sustentar por causa da contaminação da serpente'.(a)
Os rabinos também chamam o pecado original de veneno, ou ambos, de veneno e contaminação. R. Abraham Seba, em seu comentário alegórico sobre o Pentateuco, intitulado Tzerôr-Hammôr, fol. 7, col, 2, diz: 'Samael, é a Serpente que lançou veneno e contaminação em Eva.'(b)
Os mesmos doutores ensinam este Dogma, perfeitamente Católico, de que a Serpente contaminou nossos dois primeiros pais ao mesmo tempo. Lemos no livro cabalístico Midrash Ruth, fol. 64, col. 4: 'A contaminação foi lançada em Adão e Eva pela antiga Serpente; pois esta contaminação foi a verdadeira origem das gerações que procederam de Adão e Eva. Isto é o que ouvimos dizer nossos doutores que aprenderam com seus antecessores, e eles aprenderam com outros, desde a boca do profeta Elias.'(c)
Paráfrase de Jonathan-ben-Uziel, á Gênesis 4,1: 'E Adão conheceu Eva, sua esposa, que já havia concebido do anjo Samael, e ela concebeu e deu à luz á Caim. E isso se assemelhava aos seres acima e não aos abaixo. Então ela disse: Adquiri um homem, um anjo de Jeová.'(d)
Esta dupla paternidade que, poder-se-ia pensar, era apenas uma alegoria entre os antigos, e que os rabinos modernos interpretam literalmente, foi explicada da forma que veremos nas duas citações seguintes:
Livro cabalístico Midrash Ruth, p. 65, col. 1: 'Elias (o profeta) ensinou o seguinte, por ocasião deste texto, E Adão conheceu Eva, sua esposa, etc. Quando a serpente abusou de Eva, ele lançou nela uma contaminação, e o ganho veio desse trato com a Serpente. E se for perguntado como poderia ser isso, visto que a Escritura diz: E Adão conheceu Eva, sua mulher, e ela concebeu e deu à luz Caim? É preciso dizer que a Serpente, na verdade, lançou nela a contaminação, mas que esta fecundação (fruto, embrião) inteiramente espiritual, não encontrando um corpo com o qual pudesse se unir para produzir-se na luz, foi lançada nas entranhas de Eva. Mas quando Adão se aproximou dela, esse espírito maligno de contaminação encontrou um lugar para se fixar. Desta forma, o fruto espiritual da serpente e o fruto corporal de Adão, unindo-se, formaram a pessoa de Caim que finalmente veio ao mundo. Quando Eva surgiu com uma natureza superior à de todos os outros homens que vieram ao mundo depois dele, ela gritou: Adquiri um homem com um Deus (com Jeová)!'. Oferecemos esta passagem apenas em substância, não tendo conseguido traduzir literalmente o que o texto do livro, escrito em siro-jerusalemita, expressa de forma demasiado grosseira.
R. Menachem Recanati, nas tradições sobre Gênesis, p. 31, col. 1: 'Saiba que Caim foi produzido da sujeira e do germe de Adão ao qual esta sujeira foi unida. Este espírito não teria a capacidade de assumir um corpo humano e sair pelo mundo. Foi o germe de Adão que lhe deu algo para se revestir.'(a)
Acabamos de ver que os rabinos ensinaram a tradição do pecado original sob o mito de uma contaminação com a qual Samael supostamente infectou Eva, ao mesmo tempo em que a levou a comer o fruto proibido. Como os Doutores da Sinagoga ensinaram que, neste momento fatal, Adão também foi culpado de desobediência, eles relatam, sem dúvida para continuar a mesma alegoria, que o nosso primeiro pai contraiu uma contaminação da mesma natureza, ao ceder aos encantos da a outra metade de Samael, isto é, de Lilith, a digna companheira deste demônio, de quem já falamos.
Zohar-Hadasch, seção Yitro, p. 29, col. 1:
'Depois que o Tentador desobedeceu ao Santo, bendito seja, o Senhor o condenou à morte.(a) Então ele disse: O que devo fazer? Se eu morrer, ele (Adão) levará outro servo, pois o Tentador e seu companheiro são escravos. O que ele fez? Ele foi (eles foram) ele e sua esposa, para enganar Adão e sua esposa. Lilith, a companheira do Tentador, seduziu Adão, e o Tentador seduziu Eva: foram assim a causa do nosso estado de mortalidade.'(6)
Quando examinamos cuidadosamente esta fábula, é fácil ver que ela expressa os meios de persuasão que o demônio deve ter usado com Adão e Eva, atacando cada um de acordo com o caráter natural de seu sexo. Na verdade, o que completa a prova de que estamos lidando aqui com um único e mesmo demônio é que das quatro mulheres que a mitologia rabínica dá a Sammael (a), só Lilith é chamada de Serpente, e só Lilith será envolvida na vingança que Deus tirará de Samael, por ter feito com que nossos primeiros pais caíssem no pecado. Assim, nas tradições judaicas, o demônio que seduziu o casal primitivo é a antiga Serpente, o Leviatã, etc.; mas, como sedutor de Adão, ele é chamado de serpente sinuosa, e como sedutor de Eva, é chamado de serpente insinuante (b), nomes que vimos acima, páginas 312, 313.
Muitas vezes, quando falam sobre o pecado original, os rabinos deixam de lado a metáfora da contaminação da serpente e se expressam em seus próprios termos. Citaremos como exemplo a seguinte passagem de R. Menahem de Recanati, para mostrar ao mesmo tempo como os Doutores da Sinagoga explicaram a transmissão do pecado de Adão. 'E no que diz respeito à transgressão de Adão e Eva, não devemos nos surpreender que tenha sido registrada e selada com o Selo do Rei (Est III,15; VIII,8; isto é, com o Selo de Deus), para o encargo de sua posteridade depois deles. Pois no dia em que o primeiro homem foi criado, toda a criação foi consumada. Adão foi, portanto, a conclusão do sistema do mundo e o resumo da raça humana que ele continha em germe. Desta forma, quando ele pecou, ​​toda a humanidade pecou com ele: e assim sofremos a pena da sua iniquidade. Mas não é o mesmo com os pecados de seus filhos depois dele (estes são apenas pessoais)'.(c)"
- David Paul Drach, "De l'Harmonie entre l'Église et la Synagogue", Tomo II, Paris, 1844, páginas 311-325.
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Lilith não recebe muita menção na literatura judaica antiga. Uma referência passageira a uma criatura assombrosa no texto de Isaías, algumas referências midráshicas oblíquas a uma "Mulher 1.0" que precedeu a versão final (Midrash Rabbah, Gênesis 17; 18,4 e 22,7.), e um punhado de advertências sobre esse espírito no Talmud (Shabat 151b). A história sobre uma primeira esposa rebelde de Adão surgiu como uma piada no livro satírico "Alfabeto de Ben-Sirach", escrito no séc. VIII d.C.
O Zohar, por outro lado, contém pelo menos 30 referências a Lilith. Na literatura posterior da Halacá, Cabala e liturgia, ela faz aparições mais comuns, mas sempre permanecendo bastante misteriosa.
Lilith aparece na Bíblia como um "demônio noturno". Falando sobre o julgamento de Deus sobre a terra de Edom, Isaías diz;
"Nela (em Edom) se encontrarão cães e gatos selvagens, e os sátiros chamarão uns pelos outros; o espectro noturno (לִּילִ֔ית - Lilith) frequentará esses lugares e neles encontrará o seu repouso"
Is 34,14
Na Tradição Judaica este ser está associado a abortos e morte de crianças pequenas. Por isso São Jerônimo traduziu seu nome na Vulgata como "lamia", um demônio feminino da Mitologia Romana que devorava crianças.
"Et occurrent daemonia onocentauris et pilosus clamabit alter ad alterum ibi cubavit lamia et invenit sibi requiem"
(significado de Lilith e noturno)
Lilith foi feita com a tecnologia do Mundo de Tohu. Tohu é uma menção aos mundos caóticos que existiram antes daquele criado nos primeiros capítulos da Bíblia. Mundos de "Tohu Va Bohu". Os Mundos de Tohu eram mundos de absolutos. Bondade absoluta, Verdade absoluta e Maldade absoluta. Não havia relativismo ou mistura em Tohu, daí Adão, segundo o Midrash, ao mencionar essa mulher, dizer que ela era "osso dos ossos dele"; ela era inflexível.
(Citação)
A mulher que foi chamada de "carne da minha carne" era Eva, construída com a tecnologia de Tikkun, ou seja, dos Mundos da Reparação. A Queda se deu pela não-atualização nos bancos de dados de Adão. Ele ainda funcionava com os protocolos de Tohu.
Os Mundos de Tohu eram feitos por Luz Direta, sem espaço para feedback de dados. A informação vinha da Fonte de maneira unidirecional e era armazenada na "Criação". Esse seria o motivo do Shevirat Ha Kelim, ou a Quebra dos Vasos: a tecnologia de absolutos de Tohu não atendia o desejo de Deus de ser condicionado e restringir-se. O conflito nas intenções provocou uma catástrofe e Lilith regressou ao pó.
Mas não completamente. Ela e sua descendência permanecem como espíritos malignos. Inimigos de nosso Mundo, são vistos como "os reis de Edom", ou seja, as forças desordenadas de Tohu. Exigentes e puramente más. Um veneno para nossa existência condicionada e relativa.
Os demônios gerados por Lilith são chamados de Lilim (לילין). Segundo o Apócrifo Segundo Livro de Baruch, estes mais uma vez são habitantes do Deserto.
(citação onde são chamadas desse nome + II Baruch sobre lilins no deserto)
Observe a semelhança entre ‘Lilim’ e o termo usado para ídolos citado anteriormente; Elilim (אלילים). Exceto pela presença da letra aleph, temos quase a mesma palavra. Os ídolos são as Kelipot, filhos sem vida de Lilith, daí o termo ‘Lilim’ também ser traduzido como ‘fantasma’, pois é algo sem substância (- fundamento para tradução).
(anjos não criam vida, dar uma explicação. Sejam esses "filhos" metáfora, ou criações de sucubus)
(texto onde Adão representa o zeir anpin)
Adão representa o 'Zeir Anpin'. É o Noivo ou Filho, a Luz contraída que desce para preencher o Vazio criado pelo Tzimtzum. Esse vazio sem substância é Lilith que não aceita a Luz vinda do alto e por isso passa a criar Cascas.
(Citação que corrobore lilith associada ao nada/vazio e a propria noite)
Além dessas criaturas, no capítulo 17 de Levitico encontramos os ‘Sei'rim’ ('שעירים');
"Nunca mais oferecerão os seus sacrifícios aos demônios (לַשְּׂעִירִ֕ם), com os quais se prostituem. Essa será para eles uma lei perpétua de geração em geração. Dize-lhes ainda: todo israelita ou todo estrangeiro que habita no meio deles, e que oferecer um holocausto ou outro sacrifício, sem levar a vítima à entrada da tenda de reunião para sacrificá-la ao Senhor, será cortado do meio de seu povo. A todo israelita ou a todo estrangeiro, que habita no meio deles, e que comer qualquer espécie de sangue, voltarei minha face contra ele, e o exterminarei do meio de seu povo. Pois a alma (נֶ֣פֶשׁ - "Nephesh") da carne está no sangue, e dei-vos esse sangue para o altar, a fim de que ele sirva de expiação por vossas almas, porque é pela alma que o sangue expia."
Lv 17,7-11
O capítulo mostra a proibição do consumo de sangue, pois é ele que porta a 'alma' ou melhor, a "Nephesh" ("נֶ֫פֶשׁ‎") que Santo Tomás denota como Alma Animal (fonte).
Essas criaturas espirituais não apenas buscam a luz dos seres humanos, em seu sangue e sêmen (meio pelo qual o homem dá a Nephesh à mulher), como são nutridas por seus desvios.
Citação da Suma
O Sitra Achra é o que poderíamos chamar de "inferno". São anti-mundos alimentados por Faíscas de Santidade, os princípios de Deus em todas as coisas. O mal não tem existência substancial. Sua única forma de existir é aprisionando à Luz em si mesmo e crescendo como Cascas (Kelipot) ao redor delas.
Ensina a Cabalá, que Deus deseja que as luzes de Tohu sejam absorvidas para dentro dos Vasos amplos de Tikkun. Ou seja, nosso mundo de relativismos foi construído para "amansar" as luzes puras e selvagens de Tohu. Essa seria a verdadeira tarefa do Cabalisra. O resgate das Luzes ou Centelhas.
Os Vasos são os 613 mandamentos. As mitsvot da Torá. Seriam elas instrumento não apenas de Correção, mas de "Civilização" do mundo. Este é o conflito fundamental e cósmico entre dois mundos representados por Jacó e Esaú, lei e luxúria, matéria e espírito, e acima de tudo, Judéia e Roma.
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8. O GRANDE E TERRÍVEL DIA DO SENHOR.
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A História da humanidade é o processo de transformação da Consciência por meio de (todas as) ideias; que são a verdadeira força dialética movimentando os seres humanos, gerando tanto bondade como as mais horrendas perversidades.
A partir da percepção cabalística, notamos que as Cascas de Mundos arruinados podem ser moldadas para assumir qualquer aspecto. Nomear esses poderes é lhes dar existência, e é o que têm sido feito.
O Erev Rav irá trazer eles para nosso mundo. Para tanto, está afetando a mente dos seres humanos. A desconstrução de nossa humanidade, as bandeiras levantadas em tantas partes do Globo, são intromissões desses poderes em nosso campo vital. Seu desejo é um dia caminhar entre nós. Devorar totalmente a Luz e desfazer a Criação.
A Cabalá não existe, me perdoem os tolos que acreditam, para se encontrar códigos irrelevantes na Torá que mais parecem curiosidades vazias. A Torá não é uma palavra cruzada celestial para nos entreter. A tarefa que ela traz é a de tomar as luzes que as Kelipot mantém aprisionadas e que são a fonte de sua força.
O reverso disso está sendo feito pelo Erev Rav. A Terra Prometida está tomada pelos inimigos do Senhor. E seu povo está sendo convocado para a Guerra.
Lutando em todas as frentes, o Verdadeiro Israel irá purificar a Terra e enchê-la do Conhecimento de Javé.
8.1. "A atual crise na Santa Sé atestada pela Profecia" (Cardeal Manning)
8.2. O Apocalipse de São João
O Livro do Apocalipse possui uma estrutura; João é levado ao Céu, e no Céu ele vê uma Liturgia. Há música, Incenso e a Hóstia do Sacrifício (o Cordeiro). A abertura do Livro Sagrado dentro do Culto Celeste provoca reações na Terra. O ápice do Livro está no Capítulo 12 com o conflito entre a Mulher vestida de Sol (que é a Igreja) e o Dragão.
No capitulo 13, o Dragão que despencou do Céu e levou com ele a terça parte das estrelas dali, estabelece um outro culto na Terra, pois dá seu poder, trono e autoridade à Besta, e cm eles, a Besta é adorada, "ressuscita" (ainda que falsamente) dos mortos, faz "milagres" para testificar seu poder e coloca-se contra o Tabernáculo, os Santos e os que habitam no Céu. Estes Santos são os que apareceram na Liturgia Celeste (selados pelo Anjo do Capítulo 7), e a Arca no Tabernáculo no Céu é a própria Mulher; pois lemos no final do Capítulo 11 que abriu-se um Tabernáculo no Céu e se viu a Arca da Aliança, no capítulo 12 contudo, não vemos mais Tabernáculo nem Arca, apenas o Grande Sinal no Céu que é a Mulher vestida de Sol. A Mulher e a Arca são uma só coisa; a Igreja, que é o Reino de Israel.
(São Gregório Magno sobre a Igreja e a Arca?)
A Besta fala contra a Mulher e aqueles que habitam no Céu, e estabelece um culto paralelo. O Apocalipse continua esse conflito litúrgico até seu desfecho.
O Dragão possui sete cabeças e dez chifres. Na árvore da vida, o que é Unidade nas Três Sephiroth Supremas pode tornar-se dualidade nas Sete Sephiroth Emocionais.
Nas Supremas há sim dualidade; Chokhmah e Binah são opostas, porém complementares. Não é o mesmo caso de Chesed e Geburah. Elas são complementares, mas precisam de outros elementos para se complementarem, e na ausência destes pode haver conflito e dele pode emergir o mal (Sitra Achra).
Sete são os Pecados Capitais.
"Como foi dito, os vícios capitais são aqueles que dão origem a outros, principal­ mente segundo a razão de causa final. Ora, esta origem pode ser considerada de duas maneiras:
1. Segundo a condição do pecador, disposto de tal maneira a se ligar sobretudo a um fim, a partir do qual quase sempre passa para outros pecados. Mas, este modo de origem não pode ser aceito pela arte porque as disposições parti­culares dos indivíduos são infinitas.- 2. Se­gundo a relação natural dos fins entre si. Nesse sentido, geralmente um vício nasce de outro.
Portanto, este modo de origem pode ser aceito pela arte.
Nesse sentido, denominam-se vícios capitais aqueles cujos fins têm certas razões primordiais para mover o apetite. É segundo a distinção des­ sas razões que se distinguem os vícios capitais.
Alguma coisa move o apetite de dois modos: 1. Diretamente e por si, desse modo o bem move o apetite a buscar, e o mal, pela mesma razão, a evitar. 2. Indiretamente e como por outra coi­sa, por exemplo, quando alguém procura um mal por causa de um bem a ele unido, ou quan­ do se evita um bem por causa de um mal a ele unido. Ora, são três os bens do homem. Primei­ro, um certo bem da alma. É aquele que tem a razão de apetecível pela só apreensão, a saber, a excelência do louvor ou da honra. É este bem que a vanglória procura de maneira desordena­da. Segundo, o bem do corpo, e este ou se re­fere à conservação do indivíduo, como o ali­mento e a bebida. É este bem que a gula pro­cura de maneira desordenada. Ou se refere à conservação da espécie, como a união dos se­xos. E a esse bem se ordena a luxúria. Terceiro, os bens exteriores, a saber, as riquezas. É a esse bem que se ordena a avareza. E esses mesmos quatro vícios evitam de maneira desordenada os males contrários.
Ou ainda de outro modo. O bem move so­bretudo o apetite, porque participa algo da propriedade da felicidade, que todos desejam natu­ralmente. Ora, pertence à razão da felicidade, em primeiro lugar, uma certa perfeição, pois a felici­ dade é o bem perfeito, ao qual se refere a exce­lência ou a celebridade, objeto de desejo da so­berba ou da vanglória. Em segundo lugar, per­ tence à razão dela a suficiência que as riquezas prometem e é objeto de desejo da avareza. Em terceiro lugar, pertence à condição dela o prazer, sem o qual não pode haver felicidade, como di­ zem os livros I e X da Ética, e este é objeto de desejo da gula e da luxúria.
Quanto ao evitar o bem por causa de um mal a ele unido, acontece de duas maneiras. Ou isso diz respeito a um bem pessoal, e então, é a ací­dia, que se entristece com o bem espiritual por causa do trabalho corporal adjunto. Ou diz res­ peito a um bem dos outros, e isso, se acontece sem rebelião, refere-se à inveja, que se entristece com o bem alheio, enquanto este impede a pró­pria excelência. Ou acontece com alguma rebe­lião vingativa e então é a ira. E a esses mesmos vícios pertence a procura do mal oposto."
- São Tomás de Aquino, "Summa Theologiae", Prima Secunda, Q.84, Art.4.
O Dragão possui sete cabeças pois são as sete Sephiroth, e possui dez chifrez pois dentro de cada Sephirah existe uma Árvore completa com dez Sephiroth.
As sete cabeças são os Sete pecados Capitais, que são as manifestações da desordem presentes nas Sete Sephiroth abaixo de Daat na Árvore da Vida Interna. Compare com a Árvore da Vida e tente perceber a oposição entre pecados e Sephiroth.
(Oposição dos Sete Pecados dada pela Igreja)
"No princípio criou Deus o Céu e a Terra"
Zohar, tratado de Bereshit 31b
No Zohar é dito que o Céu criado por Elohim é Tiphereth, e a Terra é o Povo de Israel. O Dragão representa uma potência (não uma entidade). Esta potência causa uma desordem na Árvore da vida pois o Céu é Tiphereth, seu centro.
Na Sephirah de Tiphereth, encontramos os ideais arquetípicos concentrados num foco e transmutados em idéias arquetípicas. Ela é, na verdade, o Lugar da Encarnação. Por essa razão, chama-se A Criança (nome hebraico e seu correspondente em grego).
(Citação)
O Dragão quer devorar o Filho da Mulher pois ele almeja apoderar-se das atribuições de Tiphereth, que equilibra toda a Árvore da vida e conecta as outras Seis Sephiroth às Três Supremas.
(...)?
O caráter do Anticristo
Os Pais da Igreja falam em uníssono sobre um Anticristo Judeu, aceito pelos Judeus como seu messias, que terá sede em Jerusalém e tentará reconstruir o Templo.
(Definição do Cardeal Manning)
Santo Ambrósio fala ainda que ele irá impor a circuncisão.
(Passagem de Santo Ambrósio)
Mesmo que o Confessor não soubesse, isso possui um significado cabalístico. Explica o Zohar que todos os seres humanos estão sobre os poderes das letras Shin (ש) e Dalet (ד).
(passagem do zohar)
Como dito anteriormente, as duas letras juntas respectivamente formam a palavra shedim (שֵׁד) ou Demônio.
Deus ordenou a Abraão que a Aliança fosse feita no falo pois os efeitos do pecado apareceriam primeiro ali. A Circuncisão é a remoção da impureza do Fundamento (órgão sexual) enquanto se acrescenta o poder Divino - a letra Yod (י‎) - formando com as outras letras anteriores (Shin e Dalet) o nome Divino 'Shaddai' (שדי/ Todo-Poderoso).
(Yod circuncisão)
Cristo resgata a humanidade que estava sob o domínio do demônio com Seu Sangue, abolindo assim a necessidade da Circuncisão. A Nova Aliança não traz apenas Liberdade da Lei, mas a Pureza Sexual.
O Anticristo impor novamente a Circuncisão visará negar os méritos de Cristo e re-impor, de forma simbólica, o domínio do demônio sobre a humanidade.
A Marca da Besta
A primeira geração de Teólogos da Igreja se viu diante de duas grandes tarefas; provar aos judeus que não eram pagãos e provar aos pagãos que não eram judeus. É nesse contexto que São João, o primeiro Teólogo, escreve:
"Eis aqui a Sabedo­ria! Quem tiver Inteligência, calcule o número da Fera, porque é número de um homem, e esse número é seiscentos e sessenta e seis."
Ap 13,18
O número da Besta é tradicionalmente atribuido a Nero pela soma dos valores gemátricos das letras de seu nome em hebraico.
Contudo, São Beda, o Venerável, em seu Comentário ao Apocalipse observa que;
"O peso do ouro que todos os anos traziam a Salomão era de 666 mil talentos (1Rs 10,14). O sedutor, portanto, presumirá exigir para si mesmo a oferta que é devida e prestada ao verdadeiro Rei."
Sophia e Nous
João diz: "Eis aqui a Sabedoria (σοφία - Sophia)! Quem tiver Inteligência (νοῦν - noun), calcule o número da Fera". Por "Sabedoria e Inteligência", o texto de João refere-se respectivamente à Chokhmah e Binah. O texto está novamente traçando uma paralelo com o Rei Salomão.
"Depois chamou Salomão, seu filho, e ordenou-lhe que construísse o Templo do Senhor, Deus de Israel. “Meu filho –, disse-lhe ele – eu tive a intenção de construir uma casa ao nome do Senhor, meu Deus. Mas a palavra do Senhor me foi dirigida nesses termos: ‘Tu derramaste muito sangue e fizeste grandes guerras. Tu não construirás uma casa para meu nome, pois derramaste diante de mim muito sangue sobre a terra. Eis: um filho te nascerá, que há de ser um homem de paz, porque eu lhe darei paz frente a todos os seus inimigos ao redor. Seu nome será Salomão. E, durante seu tempo, darei paz e calma a Israel. Ele me edificará um templo; será para mim um filho; eu serei para ele um pai e firmarei para sempre o trono de sua realeza sobre Israel’. Portanto, que o Senhor esteja contigo, meu filho, para que prosperes e construas o Templo do Senhor, teu Deus, segundo o que disse de ti. Que o Senhor se digne conceder-te Sabedoria e Inteligência (בִינָ֔ה - Binah), quando te fizer reinar sobre Israel, para que observes a Lei do Senhor, teu Deus."
1Cr 22,6-12
Quando Deus pergunta a Salomão o que ele deseja, ele recorda-se e pede que Deus realize o pedido de seu pai.
"Dignai-vos, portanto, conceder-me a Sabedoria (חָכְמָ֤ה - Chokhmah, σοφίαν - Sophian na LXX) e a Inteligência, a fim de que eu saiba como me conduzir à frente desse povo. Quem poderia governar esse povo tão grande como é o vosso?”.
2Cr 1,10
A Sabedoria (Chokhmah) de Deus é Jesus Cristo, a Inteligência (Binah) é o Espírito Santo, enviado pela Sabedoria; o Paráclito que revela toda a verdade. A única que possui Chokhmah e Binah é a Igreja, e só ela pode entender esses Mistérios.
(Ver se alguém confirma)
O Jugo pesado
O Jugo, de serviço pessoal, primeiro para construir o Templo, e depois para erguer palácios e fortificar cidades, somava 666 mil talentos. Mais a frente, no reinado do filho de Salomão, lemos que Israel considerava esse como sendo um "jugo pesado".
"Roboão foi a Siquém, porque todo o Israel se tinha juntado ali para proclamá-lo rei. E chegou essa notícia aos ouvidos de Jeroboão no Egito, onde ainda estava refugiado para escapar à face do rei Salomão. Mandaram, pois, buscá-lo no Egito, onde habitava. Então Jero­boão foi com toda a assembleia de Israel e disseram a Roboão: “Teu pai impôs-nos um jugo pesado; alivia agora a rude servidão e o pesado jugo que teu pai nos impôs e seremos teus servos”. Ele respondeu-lhes: “Ide-vos e voltai à minha presença dentro de três dias”. E o povo retirou-se. O rei Roboão consultou os anciãos que tinham servido ao seu pai Salomão durante a sua vida. Disse-lhes: “Que me aconselhais responder a esse povo?”. “Se hoje fores amável com esse povo – responderam-lhe – e cederes, se lhe falares com benevolência, eles serão para sempre teus servos.” O rei, porém, deixando de lado o conselho dos anciãos, foi consultar os jovens que tinham crescido com ele e eram seus familiares. Disse-lhes: “E vós, que me aconselhais responder ao povo? Ele pede-me que eu alivie o jugo que lhe impôs meu pai”. Os jovens que tinham crescido com ele, responderam-lhe: “Assim dirás a esse povo que te falou, dizendo: ‘Teu pai tornou o nosso jugo pesado; tu, porém, alivia-nos’ – assim lhe dirás: ‘Meu dedo mínimo é mais grosso que os rins de meu pai. Se meu pai vos impôs um jugo pesado, eu o farei ainda mais pesado. Se ele vos castigou com açoites, eu vos castigarei com escorpiões’.”
1Rs 12,1-11
A atitude de Roboão leva ao cisma no Reino de Israel, e posteriormente seu cativeiro e destruição.
O valor cobrado por Salomão é parte de um sistema de carga tributária/compra e venda, isto é, jugo. Tal é a marca do Anticristo.
"Conseguiu que todos, pequenos e grandes, ricos e pobres, livres e escravos, tivessem um sinal na mão direita e na fronte, e que ninguém pudesse comprar ou vender, se não fosse marcado com o nome da Fera, ou o número do seu nome."
Ap 13,16-17
O Apocalipse é um livro de linguagem vetero-testamentária. O sistema do Anticristo dar-se-á por uma observância Moral, já que João parece estar ecoando os livros de Moisés;
"Será isso para ti como um sinal sobre tua mão, como uma marca entre os teus olhos, a fim de que tenhas na boca a lei do Senhor, porque foi graças à sua poderosa mão que o Senhor te fez sair do Egito."
Ex 13,9
"Os mandamentos que hoje te dou serão gravados no teu coração. Tu os inculcarás a teus filhos e deles falarás, seja sentado em tua casa, seja andando pelo caminho, ao te deitares e ao te levantares. Hás de prendê-los à tua mão como sinal, e os levarás como uma faixa frontal diante dos teus olhos."
Dt 6,6-8
O Anticristo, sendo Judeu, irá combater o Cristianismo negando os méritos de Cristo através da observância da Lei Judaica, que é o jugo que Israel sofria quando estava sob o "Sacerdócio da Morte", que a preparava para o Cristo.
"Assim, considerando que o Anticristo fingiria ser o Messias, era antiga a noção recebida de que ele deveria ser de raça judaica e observar os ritos judaicos.(...)
Parece então, no geral, que, no que diz respeito ao testemunho da Igreja Primitiva, o Anticristo será um blasfemador aberto, opondo-se a todo culto existente, verdadeiro e falso – um perseguidor, um patrono dos judeus e um um restaurador de seu culto e, além disso, o autor de um novo tipo de culto. Além disso, ele aparecerá de repente, bem no fim do Império Romano, que já foi e agora está adormecido; que ele irá tricotá-lo em um, e enxertar seu judaísmo e seu novo culto (uma espécie de paganismo, pode ser) sobre a velha disciplina de César Augusto; que, em conseqüência, ele ganhará o título de rei latino ou romano, como melhor expressivo de seu lugar e caráter; enfim, que ele passará tão repentinamente como veio”.
- Cardeal São John Henry Newman, "Tracts for the times, advent sermons on antichrist", páginas 18 e 26.
A Mulher e o Dragão
O capítulo 12 do Livro do Apocalipse nos dá uma impressionante descrição do papel de Lilith.
Os dois sinais celestiais são a Mulher grávida Vestida de Sol (a Igreja) e o Dragão de Sete Cabeças. O Filho que a Mulher dá a Luz é o Cristo ou Adam Kadmon, aquele que ‘irá reger as nações com cajado de ferro’. O Dragão é o Vazio que, longe de ser preenchido, deseja devorar a Luz Divina. A Luz é protegida por Deus e elevada para Ele outra vez. O Masculino é reintegrado á Divindade. A Mulher, entretanto, sem poder se manifestar adequadamente pela ausência de um Vaso preparado para esse fim, é perseguida pelo Dragão/Lilith e se ‘refugia no Deserto (ἔρημον - erēmon - que equivale a Midabar em Hebraico, referência para comparações com Dt 1,19 e Dt 1,40 na Septuaginta, por exemplo)’.
(A Mulher é levada aos Céus)
Ou seja, sem poder aparecer mais, João só vê cascas; só vê Lilith. No capítulo 17 do mesmo livro, é no deserto que João vê a Prostituta embriagada de Sangue (Ap 17,3), isto é, Nephesh.
Como muitos teólogos pensam, essa interpretação dá entender que haverá uma falsa igreja. Ainda segundo a opinião destes, para que isso aconteça, a Sé Romana será ocupada por um falso papa que matará o verdadeiro.
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