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Lésbicas e mal estar eleitoral.
É preciso sustentarmos a lésbica em sua agonia política
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Para as lésbicas as eleições representam um nível de angústia muito diferente do restante da população. O vira-voto é uma situação especialmente venenosa para nós, que não temos os privilégios heterossexuais e outros que habilitariam que o contato com gente que nos odeia não fosse um enorme sacrifício militante exigido de nós. É descobrir que familiares ou pessoas do bairro, de convívio, se alinham com ideias que propagam nosso extermínio e nos lembram constantemente que somos indesejadas no espaço público, é ficar persecutória no dia seguinte à apuração, contabilizando a nossa volta na rua quanta gente ali votou contra nossa existência. Nossa tendência, devido a esse sofrimento e estranheza social, é de um certo sectarismo de sobrevivência em bolhas de afinidade, onde recriamos outra realidade. Porém muitas vezes esse separatismo malígno – que Janice Raymond filósofa lésbica chama de ‘dissociação’ ou separatismo alienante – termina revelando uma face patológica, especialmente no atendimento à lésbicas. Observei se agravar com a pandemia a ansiedade social das lésbicas, agudizando nestas manifestações de fobias, pânico, e ideias persecutórias que exageram muitas vezes o risco real e nos retiram direitos de existir no mundo, por instalar inibições e nos fazer reclusas em casa. Até onde estes não são efeitos do heterossexismo, ao nos excluir da vida pública das ruas, ao nos esconder da população em nossas casas e até mesmo no caso de psicólogas lésbicas, no trabalho remoto? Que na minha opinião (desejo estender em post futuro) longe de romantizar como liberdade, entendo como uma das faces da precarização neoliberal trabalhista de sapatonas.
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As eleições despertam estados agônicos e melancolias nas lésbicas, porque em contexto fascista se tornaram uma declaração de guerra contra nós, autorizando de uma ordem violenta contra mulheres e lésbicas. Em minha clínica apesar de tudo, observei contudo efeitos positivos dos embates criados nas eleições passadas, pois aceleraram processos de descortinar verdades a respeito de familiares e relações que muitas vezes a paciente buscava há tempos tentar consertar em vão, para finalmente obter a raiva para rupturas e perdas de ilusões necessárias.
Viver sob o heterossexismo é um desafio constante na existência lésbica, que exige da nossa criatividade as formas de viver e defender nossa alegria, apesar do contato com um princípio de realidade patriarcal que esfrega o tempo todo na nossa cara nossa condição de párias. Aprendemos a viver fora do sistema e a descobrir a potência de estar fora do mundo dos homens, a ética rebelde de ser outra possibilidade civilizatória, calcada na liberdade feminina.
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O prazer feminino é mais importante que a república diria Carla Lonzi. Vale a pena destruir a saúde mental e não aproveitar nosso tempo de forma prazerosa e edificante, sendo tragadas pela compulsão do tema, pela ruminação obsessiva e a super-excitação da mente, causada pela ansiedade eleitoral? Como bem-viver nesse meio tempo? Há uma suspensão da alegria e é normal a depressão diante de eventos catastróficos, esses anos sob bolsonarismo retiraram um tanto de nossa saúde e queremos recuperar de alguma forma, pelas eleições ou não. Como viver caso não tenhamos a vitória? Como lidar com perdas? A perda da eleição significa a perda da paz, a vida com medo, a perda de muitas coisas que amamos como florestas, povos indígenas, pessoas que morreram pela Covid e podem voltar a morrer pois não há reparação do mesmo gesto de negligência, já que Bolsonaro é perverso. É uma conjuntura terrorífica como a instauração de milícias, a perda narcísica que representou a mudança da era PT que havia mais respeito aos direitos humanos, lésbicos, femininos, melhores condições materiais. Sob bolsonarismo vivemos uma desilusão ainda não sanada, pois para que haja luto é preciso aceitar uma perda, e a condição de indignação exige que não aceitemos justamente o que está acontecendo. Com a inflação e austeridade temos a perda do uso criativo dos nosso ganho financeiro sendo extraído para a meta sobrevivência reativa, perdendo experiências possibilitadas pela qualidade justa de vida. A perda da democracia, por mais imperfeita que seja.
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Organizar e criar é necessário, diante do desespero, é preciso encontrar saídas que ofereçam um Holding, um suporte. Não apenas na escuta analítica acolhedora, mas na elaboração em ações mundanas que tragam alívio psíquico, ações construtivas, se organizar politicamente em grupos, por estudar e criar pensamento diante do impensado e insimbolizável, por atuar para fazer reparações na destruição causada como a agroecologia e agrofloresta, as brigadas anti-incêndio, as ações animalistas, os protestos de rua, as artes e criações culturais que trazem sentido e simbólico ao indizível do horror fascista.
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O desafio é viver em contextos duros e que entristecem e causam impotência. Mesmo que Lula ganhe, a política dos homens muitas vezes é indiferente às lésbicas. Precisamos criar nossos próprios meios de fortalecimento, escutar as lésbicas e oferecer suporte defendendo as alegrias de existir lesbianamente é meu principal trabalho neste momento. Se isso vai adiantar para conter o desastre e o colapso civilizatório? Eu sinceramente não sei. O que sei é que tudo isso preserva nossa memória de humanas, defende nossa humanização, nos lembra quem somos. Minha clínica é micropolítica, são sementes regadas, como o voto singular é pequeno apesar da grandeza de seu gesto.
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Pensamentos sobre a dor do que se revela na disputa eleitoral
Penso muitas coisas com essas eleições, vou relacionando com minhas escritas em andamento, especialmente acerca do trauma, que apesar de individual, na verdade é sempre coletivo. Lidar com resultado das urnas é desfazer o tamponamento da Recusa, um mecanismo psíquico para nos proteger da realidade da nossa impotência humana e da realidade em si. Não usarei o termo castração por seu ranço androcentrico mas é o usado em psicanálise na formulação da teoria das neuroses. É tirar um véu de ilusão necessária e reconfortante, nosso holding, a companhia das iguais, nos cercar de progressistas, feministas, lésbicas, gays… isso que amortece os impactos de uma realidade nefasta como a da sociedade brasileira em seus elementos crescentes de delinquência e sadismo. Penso na “História dos vencidos” de Benjamin, mas quanto prefiro ser parte dessa história embora de posição dolorosa, antes da entrega com a identificação com o agressor como passivização niilista traumática. Descortinar a Recusa é difícil mas necessária para o amadurecimento psíquico, alguns traumatismos são inevitáveis no crescer, já diria Ferenczi, mas lidar com eles nos leva ao crescimento. Lidar com os resultados tão insensíveis dessas eleições, com a não reparação histórica e a conquista da justiça no âmbito social, é o segundo momento do trauma: a Desmentida. Não ter onde reportar o acontecimento sem nome, sem representação, e enlouquecer com isso. Esse mês será enlouquecedor e venenoso para quem foi empurrada novamente a virar votos daqueles que corroboram com a banalidade do Mal. Mas sobreviveremos. E eu acredito em você, no que você está sentindo e vendo e vivendo da violência fascista generalizada. Você não está louca nem sozinha. Estamos juntas. E seguiremos fugindo desse cativeiro bolsonarista, e criando zonas de liberdade feminina e humana onde não desperdiçar tais potenciais na regressão civilizatória. Plantaremos árvores, faremos do lixo composteira, educaremos as pessoas, faremos reparações construtivas, nos organizaremos politicamente, o que dará alívio subjetivo e seguirá a aposta no gesto humanizante. Levaremos criminosos a responder por seus atos. O encontro com o Real sempre é um encontro difícil, este que retorna como trauma não elaborado: das ditaduras, escravidão, patriarcado, colonização e massacres que são nossa herança e que foram ações tão bem sucedidas do agressor para lograr a repetição compulsiva do mesmo: tortura, crueldade, entre suas vítimas que é o povo brasileiro nessa Estocolmo social (termo da feminista Dee Graham mas usarei para pensar como psicologia do oprimido). Temos que nos haver com essa herança psíquica entre gerações, fazer algo com isso, seja por eleições, conquista que custou tantos desaparecidos políticos, seja pela política de base, seja abordagem pensante, pois a palavra é mediadora da relação com o mundo, no lugar da violência e barbarie. Por um novo destino, vamos virar essas eleições. Mas é só o começo de um trabalho de cura coletiva.
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A Psicologia das Mães Lesbomisóginas: o que está por trás do ressentimento materno contra a filha lésbica?
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A lesbomisoginia das mães é um dos motivos inconscientes que descobrimos em nosso trabalho clínico, pelo qual as pacientes muitas vezes não conseguem ser assertivas com a sua lesbianidade, e assumí-la inteiramente. A dependência da mãe é muitas vezes um entrave para a sexualidade da filha. Resgatando um pouco o Freud, o bebê é para os pais (em famílias sadias) a extensão do narcisismo destes: ou seja, os pais transferem a realização própria, o orgulho e auto-estima, para projeção destes filhos futuros. A filha lésbica promove uma quebra desta expectativa (ilusão) familiar. Portanto, afirmo que o que está por trás da lesbomisoginia materna, é uma ferida narcísica que não estanca na mãe heterossexualizada. As mães já possuem um narcisismo precário na cultura masculina, pois há poucas fontes de narcisismo para mulheres na sociedade: a pouca valoração das mulheres se encontra para elas possivelmente no exercício excelente da maternidade, e em sentir-se realizada com as pessoas que formou por meio de seu trabalho materno. A lésbica simboliza para a mãe que não a aceita, a perda da filha idealizada. A raiva da mãe lesbomisógina se trata de um luto não realizado, paralizado na fase da raiva e da negação. O papel básico da mãe na criação de uma filha é transmitir a feminilidade, e casar ela com um bom homem. Estes planos e troféu materno esperado é frustrado com a lesbianidade da filha. A mãe se sente falhante e fracassada em seu papel. A sexualidade lésbica é algumas vezes o retorno de um recalcado para a mãe: as mães e as mulheres possuem temas com a repressão sexual, por viverem mandatos sobre esta: a questão do matrimônio, a frustração no casamento não assumida, a sexualidade feminina não se destinar as mulheres e sim para os homens no patriarcado… A renúncia pulsional, dos desejos, exigida pela normatividade feminina neurotizante faz com que a sexualidade da filha seja motivo de inveja, ciúme e incômodo para o Self fragilizado desta mãe reativa. Os pais, a família, pode viver um processo de luto com a filha lésbica que se assumiu (assim como filho gay). As fases do luto são: negação, culpa, raiva e, por fim, a depressão/aceitação. Esse processo, ao ser realizado, leva à integração e crescimento pessoal e familiar. Se trabalhamos esse evento, a mãe pode ganhar uma nova e mais rica relação com a filha. Ela perdeu a filha idealizada, mas vai ganhar a filha real. Isso pode dar lugar a reais sentimentos reprimidos como mãe saudável: a preocupação com a filha, assumir a luta lésbica como sua também, um amor real (mas isso não ocorre com mães narcisistas pois falta à estas a capacidade de deprimir e de empatia). O Lesboódio familiar que não desarma significa a perda de uma oportunidade de evolução humana. Asumir-se lésbica pode também ser visto como processo de luto para a mulher lésbica: se enluta a perda do privilégio heterossexual, de ser a filha perfeita e esperada, luto de não poder agradar as expectativas paternas e maternas… Aí é necessário que a terapeuta ajude a paciente a concluir esse processo de se separar da mãe, de individuação, ou seja de cortar os cordões umbilicais da dependência familiar e se tornar mais autônoma e mais ela mesma, e não o que os pais querem que ela seja. A lésbica precisa ela também viver a tristeza e as dores do processo, de perder essa condição de filha idealizada e feminina, autorizar-se a ser quem ela é. Isso vai abrir espaço para um devir mais independente e próprio. Muitas mães de lésbicas se sentem no entanto, após a elaboração, valorizadas pela escolha da filha lésbica como mulheres. Lésbicas afirmam que mulheres são importantes num mundo que despreza mulheres e mães. (texto por :Janaína Rossi Artista: Andrea Tolaini)
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Para que não se esqueçam das lésbicas
todas as lésbicas estão feitas de mulheres que regressam a si mesmas.
as lésbicas que se nomeiam batalham para manter sua identidade intacta: não se contentam com existir: querem estar aí (nas revistas, nas escolas, nos laboratórios, no cinema, na literatura, nas igrejas) e querem chegar mais além (a história, o rastro, a memória, o matriarcado).
as lésbicas insistem em documentar seu lesbianismo.
assim perseveram as lésbicas, repetindo o que são: lesbianas.
todas as lésbicas estão feitas de mulheres que regressam a si mesmas.
tatiana de la tierra
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Maternidade compulsória e constituição psíquica: uma visão feminista do valor preventivo mental da boa maternidade
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Em proximidade ao dia das mães, escrevo sobre a questão materna. Os braços da mãe e, principalmente, habitar o seu desejo, é o nosso verdadeiro início como pessoas: antes mesmo de existirmos fisicamente, passamos a existir no imaginário deste Outro (os “projetistas” da/o sujeita/o: os "pais"). A relação com a mãe é imprescindível ao desenvolvimento humano por ser a mais necessária ao bebê, anatomicamente (amamentação, gestação...). Unir psicanálise e feminismo é para mim pensar sobre a psicogênese do adoecer mental nas primeiras relações que nos constituíram, e como Patriarcado perturba este começo, a começar na história, pela apropriação da reprodução humana em um projeto de poder e imperialismo masculino. A dificuldade de laço materno na infância, suas consequências e as raízes na maternidade compulsória nos levam a diversas conclusões relevantes para prevenção de doenças psíquicas. André Green tem o conceito de “mãe morta: a mãe da subjetividade melancólica, mãe inexistente, não-implicada, não “encarnada” na relação e que portanto, não existiu, não se inscreveu simbolicamente na pessoa, não podendo tampouco ajudar a constituir essa pele psíquica por meio da inter-corporalidade da relação física mãe-bebê (e problemas futuros como dissociação, doenças psicossomáticas, dermatites...). Quem mortificou essa mãe, senão o Patriarcado e sua captura/imposição dos desejos?
Muitas coisas podem resultar nessa dificuldade da apropriação da tarefa materna: depressão pós-parto por exemplo, e como isso está relacionado à demanda obrigatória de ser mãe, não podendo a mulher ter resolvido seu desejo com isso, além da falha paterna em se apropriar de sua tarefa: ser ele o holding (suporte) da mãe. Para a mãe poder se dedicar a tarefa de cuidar adequadamente a este outro prematuro, é preciso que ela seja cuidada por alguém, e essa é fundamentalmente a definição da paternidade, aquele implicado biologicamente na produção daquela pessoa junto à mulher. O pai abandônico é um trauma e nefasto para o psiquismo infantil e da mãe. Mais além, devemos nos remeter à história da própria mãe com a sua mãe na sua infância, que muitas vezes também não pôde estar lá para ela; por ter tido a avó muitos filhos, ter engravidado ainda pré-adolescente, ou porque não queria mas isso não era permitido, ou por conta das censuras à relação corporal entre mulheres que priva meninas de tanta atenção física quando crianças quanto os meninos, para vermos como a Lesbianidade definida como tabu patriarcal ataca a possibilidade de laços entre mulheres ao atacar o primeiro de todos: a relação-mãe filha. 
Ao viver a relação com o bebê, é como se isso fosse um gatilho que devolvesse a mulher à cena originária do seu Si-Mesmo, ela nos braços da sua mãe. E se o bebê viveu o desamparo absoluto, aquela mãe não estando lá - pode estar até fisicamente, mas não estar ‘de alma’, ser uma mãe funcional, meramente executora, não estando realmente implicada naquela relação, não olhar o bebê nos olhos… não o querer - a mulher vai reviver esse momento terrível de sua história, pois esta memória é corporal.
Para exercer a maternidade, é preciso REALMENTE estar vocacionada a isso (eu acredito que não seria a maioria das mulheres hoje que realmente desejariam a maternidade se não fosse um mandato de “mulheridade verdadeira” e normalidade). E a análise é um instrumento fundamental para investigar o que motiva esse desejo e se ele vai ser sustentado, e também poderá ajudar a sustentar essa vivência em seus momentos mais difíceis.
Para termos subjetividades sadias e um planeta mais sadio, um mundo menos violento, opressivo e mal-resolvido, bolsonaros e seus eleitores, guerras, intolerâncias e medos, e superpopulação global de pessoas com histórias de infâncias difíceis, pobreza e abandono… precisamos de um começo bom para o psiquismo. A maternidade é expressão da força criativa e biofílica da natureza e precisamos de uma arquitetura social que abarque de forma prioritária essa dimensão humana como foi nos primórdios das sociedades ginocêntricas e matriarcais, dando o suprimento que esta necessita e a valorização social que merece.
*observação: para a mãe exercer a tarefa materna, ela vai estar recuperando a memória de si mesma como bebê. Para ter a capacidade de se identificar com o bebê ela precisa ter tido uma mãe que se identificava com ela bebê. Ela vai reviver essa relação, não mais como bebê mas trocando de papel, sendo agora a mãe. Ela por meio disso se sente bebê denovo, um gostinho pela identificação. Essa identificação amorosa é fundamental para conseguir maternar a criança, então ela precisa ter sido amada lá atrás para poder ter registro disso. Infâncias amorosas são fundamentais para a prevenção de adoecimento social e para o desenvolvimento da humanidade. Obrigar mulheres a serem mães é um desastre social.
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Artistas : Jel Ena, Taynee Tinsley, Kate Hansen, Mary Cassat
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A militância por fazer mulheres se sentirem lindas ainda resume mulheres à aparência e adoece
Ironicamente, o movimento feminista do "empoderamento" só trouxe mais Dever-Ser.
O caminho de fortalecer a auto-estima pela imagem ainda reforça um estereótipo patriarcal: o de mulheres só poderem ser apreciadas pela aparência. A virtude da mulher é unicamente a beleza? Beleza é uma preocupação construída para a classe mulher, é especificamente uma preocupação feminina por isso, em graus patológicos não observados em homens. E sua raíz histórica está associada a nossa opressão como objetos de uso masculino na história.
Se você desenvolve outras fontes de auto estima que não ligadas à beleza, você se sente satisfeita com você mesma por conta de sua profissão, intelecto, projetos de vida, com outros aspectos do seu ser também, da sua personalidade... Outras qualidades de orgulho.
A militância por múltiplas belezas pode reforçar que mulheres ainda permaneçam no estatuto de objeto, levando até mesmo a exposições compulsivas do corpo em redes sociais que colocam mulheres em risco.
Está tudo bem construir auto-estima estética de maneiras saudáveis. Mas tente se valorizar por outros elementos que compõem seu ser.
Consegue apontar algum elemento de si do qual você se orgulhe que não esteja relacionado à aparência?
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Feliz Visibilidade! Dia internacional da Visibilidade Lésbica
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Hoje é o dia internacional da Visibilidade Lésbica. Um aspecto da opressão lésbica é sua existência ser deslegitimada constantemente, ser colocada a prova, ser ignorada. Não ser falada sobre. Diz Beatriz Gimeno, teórica lésbica feminista espanhola: "A visibilidade não é unicamente o desejo de ser vista ou reconhecida: visibilidade significa existência. O que não é visível não existe e o que não existe fica fora do âmbito da cidadania reconhecida". O Patriarcado não bota fé nas relações lésbicas, as declara absurdas, falsas ou passageiras expressões. A melhor estratégia para a classe masculina se defender da existência lésbica foi invisibilizar esta. E isso é específico da opressão lésbica porque a lesbianidade representa uma ameaça à supremacia masculina, representa uma possibilidade simbólica radical para as mulheres: os laços entre nós, a priorização de mulheres, a independência do poder masculino. Assim também a sexualidade lésbica é considerada inexistente ou ridícula por homens, por romper a dualidade sexista penetrador-penetrada, sujeito e objeto: aponta para a ruptura de uma ordem fálica. Nisso tudo subjaz um grande medo e inveja masculina.
Quando não conseguiu conter a existência lésbica em sua propagação, por meio de invisibilidade e heterossexualidade compulsória, há a violência sobre os corpos, uma "punição exemplar" machista para atemorizar à todas mulheres.
A visibilidade, o estar expressada em sua existência sapatão, é uma de nossas armas para desmantelar esse regime heterossexual (aqui entendo por um regime político que dogmatiza uma única forma de ser, a heteronormatividade), tornando assim possível a outras, referentes de liberdade, da possibilidade da sua existência, e expandir espaços e territórios onde possamos existir, afirmando estes corpos no mundo.
Para isso é preciso coragem e resiliência. É preciso bancar o desejo no mundo, sustentar sua decisão em ser visível. Neste tempo todo como psicoterapeuta lésbica venho trabalhando e caminhando ao lado de sapatonas ajudando a construir e trilhar esse caminho de se assumir, de existir sem se vexar de sua existência, construir orgulho sapatão, atrever-se a desvelar quem se é nos diversos âmbitos de vida.
Este trabalho precisa continuar. Sou psicoterapeuta lésbica assumida, visível e me atrevo que isso seja também terapêutico, e que possamos espelhar umas às outras nossas existências, pois é sobre isso que subversivamente diz respeito a visibilidade lésbica.
Feliz Visibilidade todo dia!
Créditos da ilustração: @eve.sapa no Instagram.
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As diferenças nos guiam para fora da Casa Grande patriarcal
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Em ocasião dos escritos anteriores, sobre o atendimento às mulheres e lésbicas e lugares de diferença/alteridade radical, trago um fragmento do rico pensamento de Audre Lorde, lésbica feminista, poeta, escritora estadunidense.
Um feminismo da diferença é um feminismo que celebra o lugar de exclusão da ordem patriarcal das mulheres e lésbicas como um lugar de possibilidade, é um feminismo de "afuera" (de fora, termo da Margarita Pisano, filósofa feminista lésbica chilena). De fora da ordem patriarcal é que podemos justamente criar outra ordem simbólica e mudança civilizatória. Audre Lorde nos convida à sair da Casa Grande patriarcal e sua lógica, a não pertencer, e que muitas já estão fora faz tempo, são aquelas que mais podem nos guiar nisso. E mais que "tolerância" da alteridade, possamos criar alianças dialogantes entre nossas potências por meio de realmente escutar outras mulheres e lésbicas em sua pluralidade.
Quando digo que tolerância é desinteressante, é justamente porque ser um desvio do sistema é belo. É difícil de bancar a existência de corpos incômodos à sociedade branca, heterossexista, misógina, gordofóbica, capacitista, mas é também a possibilidade de viver a alegria da rebeldia e da criatividade, da desobediência, de habitar sua singularidade única. Os desvios não querem ser curados, recusamos a normalidade e sua morte do ser.
As diferenças são temidas porque elas causam desordem. Mas essa desordem é justamente a possibilidade de liberdade humana.
Vai o texto:
"Lutar meramente pela tolerância com relação à diferença entre mulheres é o reformismo mais grosseiro. É uma negação total da função criativa que a diferença tem em nossas vidas. A diferença não deve ser meramente tolerada, mas vista como a base de polaridades necessárias entre as quais nossa criatividade pode faiscar como uma dialética. Somente aí é que a necessidade pela interdependência torna-se não ameaçadora. Somente nessa interdependência de forças diferentes, reconhecidas e equiparadas, pode ser gerado o poder de buscar novas formas de estar sendo no mundo, bem como a coragem e a sustância para agir quando não há permissões
Da interdependência das diferenças mútuas (não dominantes) verte aquela segurança que nos possibilita descender no caos do conhecimento e retornar com visões verdadeiras de nosso futuro, juntas ao poder concomitante de efetivar tais mudanças que podem tornar aquele futuro um sendo. Diferença é aquela conexão crua e poderosa na qual nosso poder pessoal é forjado.
Como mulheres, fomos ensinadas ou a ignorar nossas diferenças, ou vê-las como as causas da separação e suspeição, ao invés de forças para mudança. Sem comunidade não há libertação. Só há o mais vulnerável e temporário armistício entre uma pessoa e sua opressão. Mas comunidade não deve significar uma supressão de nossas diferenças, nem a pretensão patética de que essas diferenças não existem.
Aquelas de nós que estão fora do círculo do que essa sociedade define como mulheres aceitáveis, aquelas de nós que foram forjadas nos caldeirões da diferença – aquelas de nós que somos pobres, que somos lésbicas, que somos Negras, que somos velhas – sabemos que sobrevivência não é uma habilidade acadêmica. É aprender a estar sozinha, impopular e às vezes insultada, e a fazer causa comum com aquelas outras identificadas como externas às estruturas, para definir e buscar um mundo no qual todas nós possamos florescer. É aprender a tomar nossas diferenças e torná-las forças. Pois as ferramentas do senhor nunca vão desmantelar a casa-grande. Elas podem nos permitir a temporariamente vencê-lo no seu próprio jogo, mas elas nunca nos permitirão trazer à tona mudança genuína. E esse fato só é uma ameaça àquelas mulheres que ainda definem a casa-grande como sua única fonte de suporte."
Audre Lorde, As Ferramentas do Amo não vão destruir a Casa Grande.
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Recomendações a psicoterapeutas não-lésbicas para atendimento ético com  lésbicas
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O lugar heterossexual pode ser uma dificuldade no atendimento de uma lésbica. Embora psis geralmente tenham uma técnica que os ampara (abordagem, teoria, supervisão), muitas respostas não se encontram ali, ou algo nos escapa. A ética profissional é exigida de todos independente de estarem em um lugar subjetivo hegemônico (brancos, ricos, heterossexuais), mas na prática acaba não sendo suficiente esse posicionamento para evitar reproduções de violências no atendimento.
Acredito que ser atendida por uma lésbica se você é lésbica é uma demanda mais que legítima, por tudo que envolve um processo de análise, pelo proprio processo simbólico que ele significa e como lésbicas e mulheres são justamente “povas” sem linguagem, aculturadas pela cultura masculina, ditas por outros: faladas, e não sujeitas falantes. Ser lésbica e ter uma psicoterapeuta lésbica é uma recuperação histórica de um potente laço entre mulheres.
Isso não quer dizer que mulheres heterossexuais não possam atender lésbicas, se houver um genuíno esforço de abertura para a alteridade e especialmente, um tanto de estudo na questão, um interesse genuíno em saber mais, e a aprender com a paciente. Lésbicas podem escolher passar com homens gays por pensar que haverá mais ponte entre ela e alguém que vive homofobia. Porém homens gays também devem fortemente questionar sua misoginia como homens, serem críticos com a misoginia e roubo de protagonismo feminino da cultura gay, sua socialização como homens. Também nem sempre a lésbica encontra em sua cidade uma psicoterapeuta feminista, lésbica, ou se busca atendimento social, não pode escolher tanto. Então precisamos que todas pessoas se capacitem a atender lésbicas com perspectiva crítica, para que não apenas que podem pagar ou conseguir uma tenham atendimento ético.
Mas especialmente, para todos e todas psi: estejam em análise. Leve para sua análise seus mal- estares, medos, preconceitos e incômodos. Não atue sobre a paciente sua contra-transferência clínica: pense a respeito do que a paciente causa em você, do que faz sentir, de como se sente atendendo, se atente a isso como elemento clínico informante do processo, reflita em supervisão ou colegas, e com você mesma/o. E se uma lésbica te deixou, não se defenda dizendo que foi mera resistência ao tratamento. Pense a respeito do seu fazer clínico, criticamente. Trabalhe em análise sua dor de ser deixada/o, seu sentimento de fracasso ou quaisquer destas fantasias que no fim, dizem respeito às suas questões próprias, e não ao que realmente aconteceu). E legitime essa decisão.
Vão as dicas, escritas para um curso sobre Psicoterapia com Lésbicas que dei no Chile em 2018:
- Ser uma terapeuta que se identifica com a outra mulher, que coloca mulheres no centro. Embora não seja lésbica, isso vai gerar maior confiança, por demonstrar uma ética feminista especialmente voltada para mulheres. Lésbicas geralmente preferem estar com mulheres feministas à desinformadas por acreditar que assim estarão mais protegidas de reproduções heterossexistas. Fazer parte de um feminismo que coloca mulheres em primeiro lugar também irá te ajudar muito (na minha opinião o feminismo queer por exemplo acaba sendo sobre todo mundo e muitas vezes menos sobre mulheres).
- Revisar o privilegio heterosexual e aceitar que você o tem. Perceber as diferenças de tranquilidade de vida, facilidades, e problemas que você não passa e essa outra existência sim, vai ajudar a enxergar e ter empatia e não colocar seu ego incomodado à frente.
- Cuidar a informação que recebe de uma lésbica. Se necessário busque supervisão de outra mulher ou de uma psicoterapeuta feminista, ou converse com uma colega psicóloga lésbica (especialmente se for politizada), caso tenha dúvidas. Lésbicas já foram tratadas por muito tempo como estudo de caso, ridicularizadas e são frequentemente expostas e fetichizadas, esse cuidado é importante e vai mostrar sua honestidade com você mesma. Eu jamais por exemplo, levaria à supervisão clínica com um homem um atendimento com lésbicas. E trato de educar minhas supervisoras sempre que posso, explicar particularidades que possam não entender (por exemplo a própria questão das butches bagunça a cabeça de heterossexuais, que acham que se trata de querer ser masculina, faço questão de dizer que a lésbica é não feminina e corrigir termos que não acho corretos).
- Ter em conta que seu olhar é heterocentrado pela sua construção de vida até então, e pode deixar de enxergar muitas coisas.
- Não se bastar com uma noção liberal de que "eu respeito a diversidade, cada um com sua escolha" ou slogans rasos como "Amor é amor". Isso não traz abertura para pensar a lesbofobia que você traz e ainda está por desconstruir. É uma forma mascarada de defensividade ao criar ilusão de que você não é mais parte do problema.
- Buscar informar-se sobre lésbicas. Até à paciente você pode se colocar aberta à recomendações (com moderação, a sessão não é sobre você, quem precisa ser acolhida é ela e então tome responsabilidade em educar-se).
- Olhar para as teorias e movimentos lésbicos não como algo que não tem nada a oferecer para você ou nada haver com você. Como mulher você pode descobrir que as teorias e a cultura lésbica traz ricos ensinamentos sobre laços entre mulheres, o valor das amizades femininas, sororidade, amor à mulheres, éticas de primazia das mulheres, propostas de autonomia para mulheres... Você pode aprender muita coisa com lésbicas.
- Desde a idéia da heterossexualidade compulsória de que há uma socialização heteronormativa, pensar sua heterosexualidade, sua construção, vai ajudar a se aproximar das lésbicas de forma mais humilde. Além de que isso pode ajudar a reconhecer e validar a resistência lesbiana, ao invés de fazer o que, desde a idéia de 'diversidade sexual' e 'tolerância' é o mais cômodo para heterossexuais: terminar por colonizar sem saber essa outra realidade, ao pensar que é uma relação como a sua, e que não existem mais problemas, que vivemos num mundo democrático e tolerante... E a verdade é que são situações muito diferentes, são relações que possuem muitas diferenças em vários aspectos das relações heterossexuais, seja pelas socializações de duas mulheres juntas, seja porque há opressão que se vive nesse casal e nessa individualidade.  Não somos iguais, não é "tudo amor" simplesmente, não é tão simples, e isso pode terminar sendo uma visão inocente e despolitizada também, que termina por apagar essa existência e minimiza os problemas que enfrentam as dissidências sexuais como um todo.
- Desafiar a minimização das questões lésbicas, seja nos movimentos sociais e feministas, seja no meio da psicologia.
- Respeitar e reconhecer a potência feminista dos laços lésbicos, ao invés de enxergar como uma "prática sexual privada", não política. Não é o equivalente contrário da prática sexual hetero, nem a versão feminina dos homens gays. Ser lésbica é também resistência política e subversão de lógicas falogocêntricas.
- Questionar teorias patologizantes e a ideologia heterossexual que aparece em abordagens, falas, interpretações. Por exemplo: a idéia de relações lésbicas serem imaturas, infantis, ou pensar numa psicogênese da negatividade para a lesbianidade, por exemplo clichês como: falta de mãe, traumas sexuais... Ou o não questionar o paradigma heterossexual de normalidade, que pode tomar por exemplo a tendência de intensa conexão nas relações lésbicas como 'fusão' e se o casal lésbico não tem tanto sexo como negativo quando este casal compartilha mais coisas que sexo na relação. Inclusive esse paradigma heterossexual pode oprimir lésbicas a ponto de elas buscarem terapias sexuais por não se sentirem normais. Questionar a matriz heterosexual que toma a heterosexualidade como o normal e desejável, o caminho do desenvolvimento saudável.
- A pessoa heterossexual numa sociedade heterossexista é lesbofóbica nesta sociedade, assim como brancos são racistas numa sociedade racista. Da maneira como é inculcada via ideologia hegemônica, se considera o sexo real (falocentrismo), e é defensiva com a lesbianidade. Não caia na armadilha de pensar que o problema está no outro e não em você, que a homofobia e lesbofobia excessivas de pessoas de direita são o problema, e não a lesbofobia velada que mesmo pessoas progressistas podem manifestar.
- Utilize com cautela, algum lugar de diferença que você habita, para criar ponte com a opressão desta outra. Não são opressões iguais , mas você sabe  o que é viver uma diferença se você é: negra, indígena imigrante, asiática, gorda, pobre, deficiente. Pode falar disso a respeito com a paciente quando ela se sentir desamparada e que não pode ser compreendida.
Espero que essas dicas possam ajudar a refletir sobre sua prática clínica.
Ao final, deixo recomendações de leituras (somente deixarei três para que não sobrecarregue):
- Heterossexualidade Compulsória e Existência Lésbica – Adrienne Rich
- O Pensamento Heterossexual – Monique Wittig.
- Por que você quer se parecer com um homem? - Laura Couto.
Até mesmo lésbicas devem pensar sobre o atendimento com lésbicas. Uma política identitária não é o suficiente para um acolhimento integral. Por isso a importância de pensar a própria lesbofobia internalizada, a dificuldade em ser visível, a sua questão com isso, na sua análise. E politizar sua existência te ajudará muito a ganhar consciência sobre o ser lésbica e não reproduzir heterossexismo.
Foram algumas dicas, talvez futuramente melhore, e estou aberta a trocas sempre com outras profissionais.
Boa leitura e atendimentos!
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Pequena vitória contra o fascismo hoje: STF barra Cura Gay
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Hoje o Supremo Tribunal Federal concedeu ao Conselho Federal de Psicologia uma liminar que mantém íntegra e eficaz a Resolução CFP nº 01/99, que determina que não cabe a profissionais da Psicologia no Brasil o oferecimento de qualquer tipo de prática de reversão sexual.
Acima, cenas do filme "O mau exemplo de Cameron Post" que narra sobre a vivência de uma adolescente lésbica em um retiro para "curar" homo/lesbosexualidade, geralmente de jovens enviados por familiares. Recomendo por ser leve e responsável mesmo com uma temática tão terrível. E é dirigido por uma sapatão felizmente, diferente de atrocidades fetichistas como Azul é a cor mais quente, cujas atrizes chegaram a denunciar o diretor por abuso.
Hoje é um dia de respiro e alegria nestes tempos de fascismo. Foi um árduo e engatilhante debate no ano passado sobre a possibilidade de se abrirem precedentes para processos de violência psicológica que no mundo e na história, já destruiu a vida de muita gente com traumas profundos, lobotomias, eletrochoques, "técnicas aversivas" (aparelhar um estímulo ruim com estímulos sobre homossexualidade seguindo um behaviorismo grosseiro e distorcido), geralmente perpetrado por igrejas, religiosos diversos, e oportunistas. Ainda hoje infelizmente muita gente ainda vai passar por esse trauma no mundo e há muito pelo qual lutar.
O argumento nas discussões ano passado era bastante liberal: se a pessoa socilita, deve ser atendida. Esse raciocínio perde de vista a questão da opressão internalizada, muito sintomática de uma sociedade imensamente heterossexista, cuja prova maior não há de a população brasileira ter colocado um homofóbico na presidência que diz que prefere um filho morto à gay. Além disso, na psicanálise a demanda é transformada em questão analítica: ou seja, a ser explorada, e não atendida de cara sem olharmos para a pessoa. Fazemos a pessoa se interessar por si mesma, por sua questão, seu desejo, aprofundamos o processo e por isso deixamos a demanda muitas vezes em suspenso para abrir o processo de análise e a pessoa descobrir mais sobre ela mesma.
Discursos de ódio como de Bolsonaro e outras subjetividades pequenas como a dele se imprimem nos corpos dissidentes sexuais, se materializam em tentativas de suicídio, auto mutilação, ansiedade crônica. Estes sintomas são agravados nas vivências destas "terapias" charlatãs e violadoras psíquicas, levando algumas pessoas à morte.
O @conselhofederaldepsicologia dá um enquadre, um contorno, à prática profissional no Brasil. E pasmem: já vivi na Argentina, já estive no Chile, em muitos países não existe algo como o CRP. Não há regulação e fiscalização ética da psicologia, o que resulta que qualquer um pode ser terapeuta. E isso acontece no mundo todo.
Mesmo assim não há muito o que comemorar, pois o heterossexismo existe fortemente na nossa profissão, e isso significa a vivência da lesbofobia em consultório. Eu mesma já vivi lesbofobia em atendimento. Não basta você dizer que é "tolerante" (coisa que nem quero) se seu atendimento é heterocentrado.
O próprio lugar heterossexual já é uma dificuldade, então, embora ache que ser atendida por uma lésbica se você é lésbica é uma demanda mais que legítima, não quer dizer que heteros não possam atender lésbicas e gays, se houver um genuíno esforço de abertura para a alteridade e especialmente, um pouco de estudo na questão. Em breve pretendo publicar o que organizei na minha aula no Chile em Dezembro de 2018, sobre psicoterapia com lésbicas, onde escrevi um tipo de sumário de dicas para terapeutas heterossexuais que atendem lésbicas. Gays também devem questionar sua misoginia como homens, e especialmente, para todos e todas psi: estejam em análise. Leve para sua análise seus mal- estares, medos, preconceitos e incômodos. Não atue sobre a paciente sua contratransferência: pense a respeito dela, se atente a ela como elemento clínico informante do processo, reflita em supervisão ou colegas. E se uma lésbica te deixou, não se defenda dizendo que foi mera resistência ao tratamento. Pense a respeito do seu fazer clínico, criticamente.
E também ainda é preciso ter atenção para auto-intitulados terapeutas nos charlatanismos: meios espirituais abusivos, terapeutas alternativos exercendo prática da psicologia irregularmente, e coachs, que estão por aí sem "castração" (limites para a psicanálise) ou contorno algum.
Não há cura para o que não é doença. Cure seu preconceito, seu medo, sua defensividade, para que nesse processo de amadurecimento sua alma se amplie e que na sua subjetividade possa caber mais mundo.
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Pergunte ao homem por que estuprou, e não à mulher por que não denunciou.
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Por que a sociedade insiste em indagar por que a mulher não denunciou o abuso ou agressão sexual, ao invés de indagar aos homens por que abusam, agridem e estupram?
Primeiro que a própria pressão é algo problemático e re-traumatizante para alguém que acabou de viver uma situação de caráter semelhante: a pressão possui uma natureza anti-consensual assim como o abuso. Isso apenas faz a mulher repetir a experiência de não ter sua vontade e desejo, tempo, ela mesma, respeitada. É forçar a vítima a algo, quando estamos tentando devolver o direito a si mesma.
Segundo, que a pressão reforça a auto-culpabilização que a vítima já está fazendo sobre si mesma. A culpa pelo abuso é um mecanismo de defesa do psiquismo: é a fantasia de que poderia ter feito algo a respeito, uma fantasia obsessiva que chega a adoecer, e que é uma tentativa da mente aliviar uma angústia. É parte do luto que envolve ter vivido uma situação traumática: no caso é a dificuldade de aceitação da dura realidade que lhe ocorreu.
Terceiro: falar em denunciar é colocar foco em um outro ao invés do foco ser a sobrevivente, que merece estar em primeiro lugar nessas horas.
O único responsável de uma agressão é o agressor. Isso precisa estar claro.
Antes de pensar em denunciar ou processar, a mulher precisa ser acolhida. Essa decisão precisa ser amadurecida e pode ser consequência de um processo de cura. É como eu trabalho na clínica com sobreviventes: a prioridade é a mulher e seu acolhimento. É preciso ajudar a pessoa a retomar essa preocupação consigo mesma e seu cuidado em primeiro lugar. Primeiro passo: estar acompanhada e a recuperação. Pois mesmo que seja decisão da mulher denunciar, ela precisa estar e ser preparada para isso e não estar sozinha nisso. A quebra do silêncio é um segundo trauma quando não há um preparo para o deparar-se com a negação pelo perpetrador, pela família, instituições, pessoas consideradas amigas, que são dificuldades re-traumatizantes. Para chegar na denúncia e no rompimento do silêncio, que é geralmente a última etapa e resultado do caminhar na cura, a sobrevivente precisa não estar sozinha, para então bancar essa decisão, e para tanto precisa de um bom preparo psicológico. E ir sendo ajudada nos níveis e pessoas com quem vai romper o silêncio.
Um passo de cada vez. Ser paciente consigo mesma. Primeiro acolhimento, trabalhar para elaborar o trauma, depois as quebras de silêncio, tudo respeitando o ritmo e decisões de uma, o seu tempo. Pois o abuso roubou o poder e autonomia dela, esse processo de retomada de poder sobre si é importante, então tudo com respeito ao consentimento, às escolhas, ao nível de segurança, recuperando o direito ao respeito à si mesma. O abuso gera culpa e o heroísmo é uma linguagem masculinista. Há outras formas de força que não a força masculina do poder-sobre. Sobreviver também é força, coragem de curar-se também é força, auto-cuidado também é força.
Nenhuma mulher é uma vítima passiva. Utiliza-se na literatura sobre abuso sexual, a ideia de que na situação traumática, a mente da vítima faz uso do que na natureza se observa as espécies fazerem ao enfrentar um perigo que ameaça sua vida: fugir, congelar (paralisar) e lutar. Muitos animais não-humanos por exemplo se “fazem de morto” diante do predador, a maioria foge e geralmente em último caso se luta. A mente faz uso desses recursos, muitas vezes a mente se dissocia do corpo no momento da violência sexual, a pessoa paraliza. O estupro é um ato de poder, e esse poder masculino é delegado por instituições sociais do Patriarcado. É um poder social. Se você sobreviveu, você já venceu, você já foi forte, você já teve coragem. Você fez o que esteve ao seu alcance para se manter viva. Louve tudo que sua mente fez para sobreviver, pois é bravura, e uma bravura por fora dos significantes masculinos da violência. Uma bravura de outra qualidade, que parte de outra ética: biofílica, de preservação da vida.
Um processo judicial pode ser re-traumatizante, ser exposta a gatilhos e ao agressor e à inquisição da justiça é bastante pesado e essa decisão precisa ser muito amparada psicologicamente e acompanhada para ser sustentada junto aos desafios do processo.
Denunciar agressores dependendo dos contextos pode ser perigoso, e não somos obrigadas a sermos mártires ou bucha de canhão. Respeitar a própria vida também é bravura, e é acima de tudo um direito.
A denúncia feita em contexto coletivo é a melhor forma de autodefesa, processos coletivos são importantes pois a violência sexual não é um tema privado: é político! É um problema de toda sociedade/comunidade, e a violência à uma mulher é em algum grau violência e ameaça a todas mulheres.
Mas para além da justiça convencional, é positivo perceber que há outras formas de justiça, até mesmo mais eficazes e criativas, do que o processo judicial. Poder elaborar e simbolizar a experiência, e transmutar o vivido, impelindo a ajudar outras mulheres e vítimas, os resultados ativistas, artísticos, profissionais, e de projetos de vida, que podem vir após o abuso, também são reparadores importantes e potentes.
É importante saber que nossa maior vingança é sermos felizes, realizar projetos pessoais e coletivos, e que você merece alegrar-se. Em resposta à opressão patriarcal: alegre rebeldia.
"Se agridem uma: respondemos todas!"
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Sobreviventes psiquiátricas: Kate Millet e a experiência da loucura
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A feminista Kate Millet, escritora e artista, autora do clássico livro "Política Sexual", fundamental para a segunda onda feminista dos 70, com uma peça artística dela atrás de si e uma frase clássica que traz essa pauta da construção social das mulheres como classe relacional. Millet também escreveu sobre a Loucura e seu envolvimento na luta anti-psiquiátrica. Seu livro "The Loony Bin Trip" ("A Jornada na Caixa da Loucura") traz algumas das suas memórias e elaborações sobre a experiência de confinamento psiquiátrico. Quando já era uma feminista reconhecida, começou a ter sintomas do que depois foi diagnosticado como transtorno bipolar e isso começou a atravessar e impedir sua carreira. Porém, Millet não recebeu o tratamento ideal, e crê que a experiência de medicalização, rotulação e internações psiquiátricas produziram boa parte de seu quadro de sofrimento. O diagnóstico crê que afetou sua reputação e ameaçou sua vera existência no mundo, teve tentativas de suicídio que embora fossem vistos como característicos da doença mental que portaria, acreditava que estavam relacionados a um processo depressivo após ter sido deprivada de sua identidade e dignidade pelas internações e tratamentos agressivos.
Kate chegou a afirmar que os diagnósticos de depressão maníaca e esquizofrenia que recebeu são postos em pessoas que exibem um comportamento inaceitável socialmente, especialmente mulheres. "Muitas pessoas saudáveis são levadas ao adoecimento mental por conta da desaprovação social e pela instituição autoritária da psiquiatria". Ela atribui sua própria depressão ao diagnóstico que a estigmatizou. A vivência psiquiátrica teria agudizado sua condição psíquica.
Millet descreve no livro a redução da sua potência causada pelas internações involuntárias destrutivas que sofreu e abuso de psicotrópicos, e o cenário médico: o tédio induzido pela televisão, noites de pesadelo pelas medicações fortes, pessoas retiradas de um senso de tempo, dignidade e até mesmo esperança. Diz: "Que crime justifica ser aprisionada assim? Como pode alguém não ficar louco, permanecer são, em tal lugar?"
Podemos considerar Kate Millet o que a literatura feminista em psicologia chama de "sobreviventes psiquiátricas" (BURSTOW, Bonnie; 1992). Não nos surpreende descobrir que maior parte das sobreviventes psiquiátricas, pessoas que sofreram danos em processos institucionais de tratamento, são mulheres. A opressão patriarcal tem por via de escape a loucura: processos de sofrimento que transbordam, e estes aparecem predominantemente na população feminina, uma cujo patriarcado tem interesse especial em tratar, adestrar e curar de qualquer inadequação que apresente. Ainda mais pela época em que viveu, com pouco debate sobre luta manicomial e humanização das instituições de cuidado mental, assim como outros modelos de acolhimento em saúde (como hoje os CAPS, frutos da reforma psiquiátrica). Podemos hoje apreciar sua potência resiliente, nas formas de elaboração que ela conseguiu ter da sua experiência: a literatura e a arte em esculturas.
A brilhante feminista e contemporânea dela, Shulamith Firestone, autora de "A dialética do sexo", não teve a mesma sorte: tendo também diagnóstico de bipolaridade, cometeu suicídio em 2012, 5 anos antes do falecimento de kate Millet.
Por um mundo sem manicômios.
Fontes :
BURSTOW, Bonnie. Radical Feminist Therapy: Working in the context of violence. SAGE Publications. 1992. United States of America.
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Zine Consentimento Lésbico: em defesa da sexualidade não-fascista
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Lindíssimo fanzine feito por uma companheira sobre a temática do consenso sexual entre lésbicas e prevenção de abusos nas relações lésbicas. Nele ela realiza uma reflexão muito sensível, não-punitivista, responsável, bela e propositiva, sobre a ferramenta que possuímos para nos descolonizar e gerar verdadeira práxis sexual lesbiana: a conversa, o diálogo.
A autora, pseudônimo Safo, coloca que a discussão de consentimento é vital na geração da autonomia dos corpos das mulheres. Atentar ao consentimento (desejo/não-desejo) da outra é garantir que nossos corpos como mulheres, são nossos. O não e a rejeição devem ser celebrados como possibilidade de lésbicas/mulheres estarem começando a construir verdadeira autonomia sobre nossos corpos e vidas.
Eu abordo muito em consultório com as pacientes, a questão dos limites, os ensaios e a construção e retomada dos nossos Não, a palavra que considero a mais feminista do vocabulário. A socialização feminina impôe dificuldades, ao socializar mulheres no mito da mulher intuitiva, gerando as dificuldades da objetividade e assertividade e arruinando nossa comunicação e consequentemente, nosso bem-estar. Temos dificuldade para a conunicação explícita e objetiva. A educação para ceder e agradar, por um lado, que dificulta estarmos expressadas nas relações, os medos de frustrar o outro e a dependência da aprovação e aceitação dos demais que também caracterizam as mulheres socializadas na feminilidade. Por outro lado, a discussão sobre a conquista do Não pelas mulheres tem tudo haver com outra temática que atravessa as existências femininas: a repressão das nossas sexualidades, as compulsoriedades sexuais, que torna o desejo em uma incognita e algo a ser descoberto e desvelado por um lado, e que por outro gera a vergonha de conversar sobre o que se quer e não se quer nas relações com as demais pessoas.
Para poder dizer não, é preciso desejar genuinamente. E antes do desejar vem o ser. Por isso acredito no trabalho clínico psicanalítico e com perspectiva feminista e lésbica. E em abordar essa temática com uma metodologia e éticas lésbicas, que é diferente do feminismo da igualdade que inclui a todos, acaba por não ser sobre mulheres /lésbicas e que não identifica os agressores institucionais que são os homens e o que é o compromisso de reeducação emocional que podemos ter com a comunidade lésbica aquelas que fazemos parte dela.
Segue o trabalho no consultório da apropriação do Não (a palavra mais feminista) e dos Sims legítimos e genuínos do Verdadeiro Self das mulheres. Por enquanto indico a belíssima leitura.
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Sobre a dor lésbica e o suicídio de Lésbicas
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"O grito da lésbica torturada na família, nas prisões, nos manicômios permanece não escutado. Ela pode pedir ajuda a outros na sua dor, mas ela não pode ser ouvida por que ninguém parece estar escutando. Poucos ousam escutar. Quase ninguém toma posição. E eu acrescentaria que poucos parecem se importar com a sua tortura, talvez por ela ousar ser uma lésbica.'' Susan Hawthorne
Saúde mental não existe num vácuo: é produto das relações sociais. Relações sociais de dominação produzem afetos tristes que por fim retiram qualquer investimento desejante no mundo. Estamos num mundo cada vez mais desolador e opressivo, de agudização fascista e de crise ética. Cada vez produzindo mais relações de desumanização, exploração, individualismo e indiferença. Devemos sempre interpretar as lésbicas que cometem o suicídio desde uma análise lesbofeminista que pensa as condições de vida das lésbicas: o lesboódio, o estigma histórico que constrói lésbicas desde uma monstrificação, a solidão existencial da lésbica na heterorealidade, a precarização capitalista atroz que atinge as lésbicas e as marginaliza, o racismo implacável da nossa sociedade, o terrorismo sexual masculino (abuso, estupro) na infância e na vida das mulheres e o familismo do regime heterossexista e seus abusos e negligências domésticos sobre crianças. Resumindo, a misoginia profunda em que vivemos é capaz de engendrar as psicopatologias, distorções no self da pessoa. Por isso vejo a necessidade de entender que não podemos tratar categorias diagnósticas de maneira biologizante, a desresponsabilizar os agentes que produzem os suicídios de lésbicas. "Lésbicas são suicidadas" diz o dossiê Lesbocídio. Antes de demandar políticas de Estado para saúde mental e essencializar o problema na pessoa como portadora de "depressão" , "borderline", "bipolaridade", é importante perguntar: o que é que está e estão matando as lésbicas? Nenhuma lésbica a menos. Suicídios de lésbicas também são lesbocidios, seus agentes são as instituições e relações opressivas. Todas lésbicas que não encontram saída no estado de horror deste mundo patriarcal: presentes, agora e sempre! A produzir um mundo e relações por fora da ética capitalista, racista e misógina, crítica da cultura patriarcal e sua violência anti-vida. Que por meio da criatividade da vida possam as lésbicas sobreviver, se reinventar e retomar suas existências.
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Tragédia da escola Raul Brasil em Suzano: uma reflexão da psicologia feminista sobre os assassinatos em massa por adolescentes.
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A tragédia de Suzano nos travessou esta semana. Demorei para me manifestar aqui pois também me encontro elaborando e buscando nomear. Muito já se chorou e debateu sobre o ocorrido, e deixo meus sentimentos às famílias, que são as que mais precisam apoio neste momento, além da coletividade que se encontra aterrorizada com o que parece ser o marco simbólico sintomático dos tempos ultra-conservadores que estamos atravessando e sua necropolítica no mundo.
Qual a causalidade? Saúde Mental dos assassinos? Uma biologia psicopática? Bullying escolar? Abandono familiar? Bolsonaro e seu ódio e armamentismo? Fóruns da deep web que recrutam mentes já fragilizadas para o fundamentalismo racista e misógino?
Eu acredito ser uma combinação de todos estes fatores.
Em primeiro lugar, é preciso destacar que bullying exclusivamente não é determinante para massacres em massa, que são epidemia nos Estados Unidos (somente ano passado foram mais de 100 mortos nestes incidentes segundo li em matérias a respeito, em 2015 foram 45 ataques a escolas). Tampouco abandono e negligência familiar. Senão muitas pessoas estariam dando vazão a dor desta maneira. Lésbicas, pessoas negras, gays, estariam resolvendo seus sentimentos assim.
Porém acredito sim que o primeiro ambiente de desenvolvimento oferece a base para instalar uma personalidade fragilizada apta a isso, e anti-social, se houve nesse ambiente falhas e dificuldades na vinculação com o outro.
Eu retorno aos escritos de Winnicott sobre delinquência e privação (afetiva e ambiental num geral). É lá atrás que podemos operar a prevenção: no desenvolvimento infantil. A capacidade da empatia nasce da identificação com um outro. Para essa identificação ocorrer, é preciso haver um outro lá que se identifica comigo, que me vê, que está lá para mim e me espelha existência.
Isso não é para culpabilizar a mãe e criadores. Sim pais são responsáveis, e a criança é uma pessoa em desenvolvimento face aos já adultos. Como feminista, vejo a maternidade compulsória como a raíz de muitos problemas de personalidade nas subjetividades, por não permitir que o desejo de ser mãe exista realmente. A maternagem e paternagem suficientemente boas e desejadas são fundantes do devir humano. Se estas são falhas (abandono parental sobrecarrega a mãe e cria um necessário trauma de abandono) a pessoa vai fazer os arranjos possíveis e custosos psiquicamente para poder crescer. A maternidade compulsória obriga mulheres a ter crianças sem estar certa de poder sustentar tal desejo que não é o dela, mas de um sistema político patriarcal ou de um outro (familiares, marido... ).
Por outro lado, muitas mães e pais são sobrecarregados e deixam os filhos à mercê do computador/games, não os vê, não coloca contornos nem está presente afetivamente. As vezes fica parecendo que por meio de gestos tão extremos finalmente o adolescente consegue evocar não só o olhar dos pais, mas do mundo.
O que faz alguns cometerem atos assim?
Condições se dão pela negligência familiar e escolar, que desassiste a pessoa atravessando o delicado momento da adolescência, de transição à vida adulta com tudo que passa a irromper com isso. Porém um combustível importante e explosivo está nos discursos de ódio e na socialização da masculinidade, além da supremacia branca social (os jovens que faleceram eram negros e pardos, adultos foram mulheres em posição de autoridade na escola).
A maior parte dos assassinatos em massa nos EUA alvejam mulheres e meninas. É sintoma da crise do poder masculino como uma reação ao feminismo e demais mudanças sociais.
A misoginia existe porque todos um dia fomos dependentes de uma mulher. Para alguns essa dependência, se não foi amorosa, foi uma tortura, e de lá levam ressentimentos ou ódio à mulher.
A dor sem nome desses adolescentes, que talvez até dificuldades em sentir algo tenham, encontra abrigo nesses grupos virtuais que fornecem um lugar finalmente narcisizado e devidas cumplicidades que recrutam a dor e o ódio para bodes expiatórios - mulheres, negros, por meio de alimentar fantasias persecutórias. Nos 4chan de misóginos há permissividade total para a desumanização que os autoriza em sua raiva, sem interdição ética ou de uma opinião contrária e crítica. Esses fóruns funcionam como quase religiões, que recrutam o suicídio martírico dessas pessoas em nome de uma ideologia supremacista que promete devolver algum lugar idealizado narcisíco de Eu perdido, onde a solução é eliminar as mulheres e demais Outros/alteridades. Nesse cenário, o objeto-fetiche arma devolve a potência perdida na condição melancólica masculina adolescente, que chega a ser puro ódio sem alcançar ser tristeza.
Cada pessoa desenvolve formas diferentes de lidar com o sofrimento psíquico. Jogos violentos, para uma estrutura psíquica com mais recursos simbólicos, serão meramente uma elaboração da raiva em um campo da fantasia, do não-real, do brincar. Jogos violentos para estruturas psíquicas mais defasadas como a destes adolescentes serão uma fuga de uma realidade dolorosa e insuportável, cheia de frustrações que não possuem meios de suportar sem se refugiar em um mundo fantasístico. A passagem ao ato desses adolescentes diz de um aparato psíquico muito mais precário, que não segura por meios simbólicos ou lúdicos o impulso agressivo. Com dificuldades em elaborar frustrações ou o sofrimento da vida. Um psiquismo frágil encontra munição em contextos de ode ao ódio.
Homens têm formas suicidas e agressivas de lidar com a dor. A cultura oferece todo esse simbólico da masculinidade que é finalmente letal. Chego a pensar que a masculinidade possui dificuldades em elaborar o luto num geral, dificuldades em deprimir, em alcançar a aquisição psíquica da depressão e portanto, da culpa. A dificuldade dos homens hoje está em elaborar a perda de sua primazia social para poder se enlutar disso e criar outro lugar de ser, outra identidade por fora da masculinidade, mais humana, onde seu ser não se define pela superioridade em relação à mulher ou negros e LGBTs, nem pela posse de outros. Onde possam ser falhantes, existir por fora da potência-falicismo obrigatório.
A permissividade da cultura à expressões desumanas, ao ódio, às armas, são decisivos e o ocorrido é uma mensagem sobre o que virá se não refrearmos o retrocesso que Bolsonaro e sua ideologia representam. E imprescindível dizer que sem as armas e o que representam (o extermínio do outro, o extermínio como política e solução, a subjugação do outro ante minha vontade), o gozo necrofílico que alimentam, e o alcance mortífero que fornecem, os massacres em massa não ocorrem. Armas são um problema do ponto de vista prático, simbólico e ético profundo. Armas de fogo são um invento necrofílico e fálico do patriarcado que precisa ser abolido, junto com a cultura que fez possível tais aberrações e mau uso da criatividade e capacidades humanas.
(...)
Matérias lidas ao longo da semana:
https://theintercept.com/2019/03/14/a-raiva-dos-meninos-de-suzano/
https://www.huffingtonpost.com/soraya-chemaly/mass-killings-in-the-us-w_b_8234322.html
https://www.vice.com/pt_br/article/qvya87/nos-chans-ja-se-celebra-o-massacre-na-escola-de-suzano
https://www.vice.com/pt_br/article/gyj3yw/como-o-reddit-esta-ensinando-homens-jovens-a-odiar-mulheres?utm_source=stylizedembed_vice.com&utm_campaign=zm8v3e&site=vice
https://www.bbc.com/portuguese/internacional-43916758
https://www.harpersbazaar.com/culture/politics/a18207600/mass-shootings-male-entitlement-toxic-masculinity/
Discurso de Emma González :
https://youtu.be/g2PexWmaSbM
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Masculinidade tóxica: subjetividades doentias ou não?
Venho elaborando, desde a Psicologia e Psicanálise, certas análises sobre a masculinidade como dispositivo patriarcal, partindo de leituras feministas também que realizei um tempo atrás (Andrea Dworkin, John Stoltenberg, Wetzer-Lang). Como não trabalho com homens, deixei de ler tanto sobre masculinidade, mas consigo inferir sobre o fenômeno a partir do meu trabalho com mulheres e como homens abusivos suas vidas - pais, avôs, irmãos, companheiros e ex - as adoecem com abusos, abandonos de lar, negligências, agressões físicas e verbais. Elaboro a partir do que escuto, teorias a respeito da subjetividade masculina e venho me questionando, por que tal incidência de homens perversos na vida das mulheres, por que a incidência da perversidade em tantos homens? A partir disso, como comentei em stories e pretendo desenvolver melhor aqui, entendo o machismo como um modo de subjetivação, um processo social que ocorre sobre certos sujeitos cuja corporalidade é aquela reconhecida dentre os privilegiados pela supremacia masculina. Essa série de rituais de iniciação na masculinidade (roupas, estímulos a independência e competitividade, auto-estima, individualismo, brinquedos relacionados à heroísmo, violência, militarismo e, na adolescência, pornografia e prostituição), assim como os discursos sexistas, vão formatando os meninos em homens dentro do conceito patriarcal. O Patriarcado necessita produzir homens para manutenção deste como sistema de dominação. Eles são sujeitos que se beneficiam da reprodução deste sistema.
Quando se dão noticias de homens agressores, como o ocorrido com Elaine Perez esta semana, mulher de 50 anos espancada em um encontro do Tinder, as pessoas se perguntam: seriam estes casos perversões, pessoas com personalidade anti-social, doentes e psicopatas? O agressor deste caso afirma ter tido um surto psicótico. Independente de ter sido este o caso, geralmente nos defrontamos em casos de agressões e abusos, com a patologização do perpetrador, que muitas vezes incorre na impunidade. Vou pegar o gancho para refletir sobre se o terrorismo masculino é patológico ou não:
Acredito que a resposta seria que infelizmente, são homens normais, do nosso convívio, que cometem agressões, abusos, violências extremas, assassinatos de mulheres. E ao mesmo tempo sim, são homens perversos. A questão é que são perversidades normalizadas pela Cultura. Normal, de norma, é um padrão que se repete, que é tornado comum. O desenvolvimento masculino por meio do machismo, promove distorções nesse desenvolvimento, que levam às conhecidas dificuldades masculinas com a empatia, sensibilidade, emoções e sentimentos, intencionalmente produzidas por um sistema de dominação que requer pessoas assim. Assim, poderíamos dizer que a subjetividade masculina tóxica como conhecemos compreende muitas vezes elementos perversos induzidos por uma cultura misógina e patriarcal. Esta requer a desumanidade dos sujeitos que venham a pôr em prática determinadas opressões: homens.
Por isso aquela consigna feminista que diz que "o agressor não é doente, é um filho saudável do Patriarcado". Embora o machismo seja doentio, não se trata de doença num paradigma biológico, e sim social. E o fato de ser um adoecimento social não desimplica o sujeito homem dessa reprodução social: é tal qual a Banalidade do Mal de Hannah Arendt. Uma sociedade androcêntrica adoecida e regredida, composta de pessoas desumanas, que levam a humanidade a destinos cruéis como guerras, ditaduras, genocídios, que elegem Bolsonaros e outros facínoras por identificação com sua crueldade. A Masculinidade hoje, intoxica o planeta com capitalismo, imperialismo e militarismo.
Precisamos desarmar estes modos de subjetivação da masculinidade para termos um mundo de humanas e humanos, a conviver em colaboração com outras espécies e vidas num paradigma ecológico.
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A psicologia das lésbicas e a psicoterapia com lésbicas
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(artes da direita para a esquerda: Mariana Pacor e @furiosaarte)
A subjetividade lésbica é um modo de subjetivação específico e precisa de sua própria teorização e estudo, assim como escuta e terapêutica. Há pouco debruçamento sobre essa subjetividade por estarmos num mundo que odeia mulheres, e lésbicas são mulheres que amam mulheres e não seguem o mandato patriarcal de priorizar os homens em suas vidas, e isso é o principal motivo pelo qual lésbicas são punidas, perseguidas, hostilizadas ou invisibilizadas, retaliações vividas muitas vezes desde pequenas, que têm efeitos sobre sua saúde mental.
Na Academia há hoje a preferência pelos estudos de gênero e LGBT, que muitas vezes não priorizam as questões lésbicas ou específicas de mulheres e sua corporalidade (diferença sexual).
Para pensarem a si mesmas e por si mesmas, lésbicas feministas produziram uma teoria própria e seus próprios conceitos analíticos. A teórica lésbica Monique Wittig no livro "O Pensamento Heterossexual" fez uma afirmação ousada: "as lésbicas não são mulheres". Nesta declaração inusitada, queria dizer que as lésbicas ao resistirem às demandas colocadas para a classe mulher, escapavam da própria definição patriarcal de mulher, construídas a partir das fantasias masculinas (a feminilidade), e resistiam à exploração das mulheres enquanto classe sexual. Ao mesmo tempo com essa afirmação, declarava a existência da sujeita lésbica em particular, e a independência teórica do movimento lésbico, dizendo que o feminismo hegemônico não basta para entendermos a opressão lésbica, precisando que as lésbicas criem seu próprio pensamento a partir de sua visão de mundo e experiência vital. Era preciso desenvolver uma epistemologia própria, e demarcar aí as diferenças da opressão lésbica para a opressão das demais mulheres.
Por isso, para escutar os dilemas da existência lésbica e ter um raciocínio clínico ao atender uma lésbica psicoterapicamente, me baseio no estudo frequente das teorias produzidas por lésbicas, que analisaram politicamente e filosoficamente a condição lésbica no mundo heterossexista. Para a psicoterapia com lésbicas, vejo fundamental alimentar a clínica com essas ferramentas teóricas na elaboração de uma prática da Psicoterapia Feminista com lésbicas, fundamentando uma Psicologia das Lésbicas a partir de entender a constituição da sua subjetividade nas relações com o mundo em que vive, mundo patriarcal, heteronormativo, racista, capitalista, e como essas condições moldam o seu ser e devir, determinam desafios, resiliências, particularidades, desafios de vida, auto-imagem, sofrimento e mal-estar.
Quando me refiro a "mulheres e lésbicas", o faço na intenção política e terapêutica de nomear esta sujeita política, a lésbica, o faço num esforço de visibilidade, de tirar do armário este nome, pois vejo que a visibilidade em si e escutar essa palavra dita em alto e bom som, já por si só é terapêutica para muitas mulheres sapatonas.
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(alguma literatura recente na questão)
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