Dilema
Um dia percebi que amava
E que, amando, me afastei da poesia
Com o tempo questionei se era
de fato
poesia o que eu fazia ou
Se talvez nem fosse o meu Eu falando
Fosse apenas tristeza encarnada
Trato emocional de espasmos letrados
Puro ego infantil
Mera fisiologia
Por que, Deus meu, por que ela também não escreve?
Por que é tão e tão silenciosa
Essa minha alegria?
Será tal questão maldosa? Ó Deus, penso eu
Estaria, quem sabe, adubando
Outra nova ranhura,
Outro vaso no jardim de agonias?
Céus, Senhor, me livra
Semeei, outrora, nesse solo; não há saída!
Não desejo fertilizar tal flagelo
Seria escrever novamente preciso?
Ou é só o ego infantil
Planificando novamente o que quero?
Por que, Deus meu, por que não me contento com a felicidade?
Por que é tão e tão enraizada
Essa inconstância de ser, tão alheia, tão fria?
Será tal questão maldosa? Ó Deus, penso eu
É um dilema demasiado por demais
Mui pesado para uma só vida
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Com que frequência?
Às vezes, antes de dormir
Eventualmente, durante o jantar
De vez em quando, ao saborear vitórias
Esporadicamente, ao chorar derrotas
De quando em quando, trabalhando
Uma vez ou outra, tomando banho
De tempos em tempos, lendo poesias
Ocasionalmente, no sinal da avenida
Por vezes, um cheiro, um vem-vai no ar
Casualmente, na areia fofa, no frescor do mar
Esparsamente, quando a playlist inicia e (céus!) relembra
Periodicamente, quando a saudade bate e (inferno!) esquenta
Sistematicamente; rermoso ou arrependimento ou incertezas
Amiúde; orgulho ou competência ou a minha (minha?) frieza
Com que frequência? Não!
Não ouse indagar: "Com que frequência?"
Quantas vezes tive que dizer?
Tantas quantas precisei escrever?
Independente da vez,
dos porquês, das escolhas, da distância,
do mês.
Permanente e sem exceção
Em todo tempo e a todo momento
Por tantas horas e a todo instante
Eu paro e cedo, penso e... aceito;
Que sempre foi você e que
Sempre será por você
Frequentemente? Hun
Eternamente.
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Ainda aqui
Vou compactar aqui, bem aqui
Um certo ventinho gélido
que costuma escalar a minha espinha
disparando um sorriso involuntário
ou uma impureza, uma dor, uma fraqueza,
Da qual, por vezes sinto, nem mesmo é minha
Vou compactar aqui, bem aqui
Um aperto que o coração repele
A canção oculta entre o ruído do rádio
O baralhar das ideias em novas poesias;
Às vezes, quando vejo o quintal hidratado de orvalho
Às vezes, quando sinto o café aromando na cozinha
Vou compactar aqui, bem aqui
Um intento que enterrei na sombra da eternidade
O incômodo de ser (e não de estar) sozinho
Produto final das tantas indecisões e teimosias
Que me trouxeram dinheiro, pão e até vinho
Só não garantiram sossego, muito menos alegria
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Carissimae
Eu havia acabado de perder um bom emprego e
ela tinha deixado um casamento de duas décadas e meia
além dos mesmos gostos pela cerveja, pizza barata
séries de TV, óculos escuros e tênis All Star
a depressão também unia nossos malditos corações
embora eu tenha a impressão de que boa parte dos
corações seguem no mesmo ritmo Brasil a fora.
Socialmente falando a diferença de idades deveria ser
o maior empecilho
só que também tínhamos em comum um princípio que
não dava muita bola para certidões de nascimento.
Do bar para a minha casa foi fácil e rápido
Na minha cama, tudo se tornou longo e intenso
A noite foi maravilhosa, não posso deixar de frisar
o sexo foi quente, recheado de boas experiências
de um diálogo profundo, de uma sinceridade tangível
Vivi doze séculos num único fim de semana
Sinto falta daqueles dois dias feito um soldado carente
numa cama de campanha.
É o tipo de magia que ocorre uma vez na vida
Infelizmente sabíamos isso.
Deixei-a no aeroporto ciente que nunca mais voltaria a
beijar aqueles mesmos lábios
mergulhei no meu dia-dia e o calendário correu.
Meses mais tarde, li que ela se casou novamente
Um tipo esquisito e mais velho que tinha dotes; levou-a para Itália
Torço para que ela esteja bem.
Espero que as pizzas de lá sejam melhores que
os lanches horríveis que dividimos
Espero que o estranho rapaz dê a ela noites tão boas quanto
os séculos que compartilhamos no edredom
Mas ressalto que comigo rolou uma certa magia
que só ocorre uma vez na vida
Viver após ter percebido isso é a parte mais triste
Tomara que a Itália tenha remédio para esse mal
No Rio não há, nunca houve.
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Sampa a Dois
Flui escondida na velha natureza musical
Num sorriso de dentes muito bem alinhados
No salto nada perfeito dos dedos nos acordes
Ou nas vozes que navegam pelas falhas do quarto
Flui como a adunca perfeição dos rios
A busca gravitacional pela monotonia do chão
No sincronismo das retinas que causam arrepios
Ignoro – por amor – os calos da mão
Flui até mesmo no rubor dos meus erros
No entupimento de versos sem a mínima rima
A viola emudece para expor outro beijo
Concatenando pedacinhos que borbulham nossa química
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Cinéreo
As olheiras mais profundas
São das noites que você dorme bem
Os dias mais chuvosos
São os que fazem o trabalho render mais
A culinária menos valorizada
É a que detém melhor tempero
O mais incurável dos traumas
É o cometido por um familiar
A financeira que rouba o povo
É a que oferece as melhores taxas
O mais atemporal dos poemas
É sempre lançado na lata de lixo
A melhor aspirante a alma gêmea
É aquela que mora em outro estado
O mais sujo dos candidatos
É o dito político mais honesto
As frutas que nascem podres
São das árvores mais amadas
O grupo dos funcionários certinhos
É justamente o menos valorizado
A melhor das transas só ocorre
Quando os cigarros já acabaram
Os vencedores de grandes apostas
São os que não vivem de apostar
A amiga menosprezada
É a que seria a melhor namorada
O pior dos assassinos
É dado como santo entre os homens
A mais selvagem e amarga das ervas
É a que ajuda a salvar mais vidas
O mais leal dos amigos de infância
É carregado pela vida para longe
As cartas românticas sinceras
São esteticamente ruins
O amor mais intenso que você sentirá
É aquele feito para nunca dar certo
As que promovem fidelidade
São as verdadeiras prostitutas
Os que revendem sua coragem
São covardes de mão cheia
A vaga perfeita só está disponível
No dia que você vai trabalhar a pé
O que se ansiava para rolar no Natal
Só acontecerá no Carnaval
O que se esperava para a noite de sexta
Só irá desabrochar na tarde da terça
E por essas e outras, meu amigo,
Nunca se esqueça;
Este é um mundo de indivíduos falhos
De naturezas e sociedades destinadas
Ao eterno ciclo de deslizes e erros.
E se caso ainda duvidas de mim,
Observe com carinho sua própria vida
Tente encontrar meu exagero
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Como de Costume
Ontem sonhei com um lago
Em algum canto da Flórida
Tenho agora esse incômodo
Ora pressentimento
Ora sentimento
Duma deliciosa paz de espírito
Com cheiro de lenha e
Terra molhada
Numa cabana de madeira
Em algum canto da Flórida
O sonho começou
Quando vi a poeira no horizonte
E meu coração disparava
Eu pulei do barquinho de primeira
Levando o almoço no anzol
A poeira dava lugar a picape e
A picape me presentava você
Usando chapéu de palha
E um longo vestido azul
Com o sorriso mais forte
Que a luz do sol de verão
Em algum canto da Flórida
Nós ouvimos James Brown
Enquanto o pescado cozinhava
Brincamos, nadamos; fizemos amor
E rimos com as notícias do Brasil
Dançamos, pescamos; fizemos promessas
E choramos com as notícias do Brasil
O dia então se foi e você partiu
Na sua picape, estrada, poeira
Eu voltei a ficar só, naturalmente
Acendi a fogueira e cantei e toquei
Em algum canto da Flórida
Cerveja, saudade, violão, solidão
Reunidos mais uma vez
É indiferente acordar
Há coisas que nunca mudam
É indiferente sonhar
Há coisas que não quero mudar
No Rio, na Lua, ali, acolá ou
Em algum canto da Flórida
Onde eu estiver a poeira estará
Ofuscando seu sorriso
Camuflando seu vestido
E roubando todo o seu brilho
De mim
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Humaitá
Tanta amargura
Bela flor
Tanto ódio e
Desamor
Veja os pássaros
Do outro
lado
Entortam galhos
por amor
Esquece ele
Bela flor
Finge que nunca
Aconteceu
Na estante tem
Um quadro
em baixo dele
Um livro meu
É um presente
Bela flor
Em homenagem
ou despedida
Sinto falta dos
Seus lábios
O que há de
errado
Com nossas
vidas?
Há esperança?
Bela flor
Pra começarmos
Varrendo as
desculpas?
Estou livre
As sete e meia
De malas prontas
Mas cheias
de dúvidas
No quiosque
Bela flor
Da Lagoa
Rodrigo de Freitas
Há Charger prateado
Te espero
de Segunda a
Sexta
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Ponto final
Entre.
Entre a textura do zíper
E a palma da tua mão
Entre o cheiro do quarto
E o cair do meu cordão
Entre segredos guardados
E o soluço na escuridão
Entre um corpo suado
E o aflar do coração
Entre a hortelã no hálito
E o hiato da posição
Entre a estática do rádio
E a fluidez da conclusão
Entre?
Entre as cartas e o entusiasmo
Ou a tristeza da indecisão
Entre a culpa do pecado
Ou o peso de ter feito em vão
Entre Deus e o Diabo
Ou a linha das nossas mãos
Entre o calor dos meus braços
Ou o fim da tua união
Entre a troca de Estados
Ou insistir na depressão
Entre um parto lado a lado
Ou só palavras sem fundação
Entre!
Entre ele e a mentira:
Outro sim pintado de não
Entre ela e a verdade:
Outra nuvem que não saiu do chão
Entre as eternas entrelinhas
Outro poema de ilusão
Entre as grades virtualizadas
Outra camuflagem de solidão
Entre sorrisos e consequências
Outra mudança de estação
Entre a vida nunca vivida
Outro combate lutado em vão
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Rua dos Andradas
Ouço a reza dos homens
de tardinha
Observo toda fé pelo vitral
depois da praça Tiradentes
As velas materializam o silêncio
A santa está e não está ali
Mas examinando com carinho
Todos estamos e não estamos aqui.
O trânsito do fim de tarde não abala
Tamanha demonstração de amor
Nem os trombadinhas na rua
Nem o vendaval chegando
Nem proximidade do feriado
Nem a pane no metrô
Pra quem ama o Mundo
o mundo não importa tanto.
Vejo carinho nos olhos do padre e
embora não partilhe de sua fé
Gostaria de mais olhares
Por tantas outras tardes
E de mais vitrais como
aquele
Para
Em silêncio
Também amar.
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Meio Aliterado
Hoje sinto seus lábios.
Cismados, selados,
Alados, enrolados,
Adoçados e nivelados.
De tal modo,
Estatelados, acuados,
Avermelhados, titilados,
Encabulados e aveludados.
Num sentimento,
Afortunado, obstinado,
Predestinado, apaixonado,
Acalorado e calcificado.
E quem eu sou?
Favelado, dissimulado,
Bitolado, abestado,
Complicado e limitado.
Mas mesmo assim,
Desconsiderado, empolado,
Amarelado, assombrado,
Trollado e assolado.
Estou aqui,
Sou amado.
E sinto seus lábios.
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De outra dimensão
Hoje cheguei a
Maldita conclusão
De que não temos
O mesmo time
Para o amor.
Tu gosta das minhas
palavras
Tu ama as minhas
piadas
E ao meu ver o nosso
Momento é agora
Podemos fazer funcionar
Mas ao saber disso
Você me ignora
Porque infelizmente nós
Não temos o mesmo time
para o amor
O seu momento será
Daqui a uns vinte anos
Numa tarde radioativa
Enquanto tu ministra
Uma de suas aulas de
literatura
Um aluno se levantará para
Ler um dos meus poemas
E dirá: “sim, ele é um cara
novo no mercado. Sim, todos nós
gostamos dele”.
Daí, você se lembrará de mim
Daí, você perguntará por mim
Sentirá minha falta e, enfim
Mandará uma mensagem
Eu te responderei e te darei
atenção
E você gostará das minhas
palavras
E você dará risadas das minhas
piadas
E irá, enfim, me convidar para sair.
Deixando claro que poderemos
Fazer funcionar.
Só que eu te darei um não
Porque já terei chegado a
Bendita conclusão
De que não temos
O mesmo time
Para o amor.
E minha maneira de superar
Não me permite voltar atrás,
infelizmente
Talvez por isso enrole tanto
Para colocar um ponto final
Talvez…
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Metade de Setembro
Todas essas músicas
Todos os poemas
Todas essas vozes
Todos os esquemas
Todas as mentiras
Todas acumuladas
Todos os defeitos
Todas as cantadas
Todos os cursos feitos
Tudo quanto é lábia
Todas as entrevistas
Todas as madrugadas
Tudo de malícia
Todas as estações
Todo o meu carinho
Todas as manhãs
Tudo que te fiz
Todo ato acumulado
Todas as amizades
Todos os aniversários
Todas as viagens
Tudo computado
Todos os nossos amigos
Tudo condensado
Todas as expectativas
Todos aqueles votos
Tudo quanto é cisma
Todas aquelas fotos
Todos naquele metrô
Toda a linha dois
Tudo que abandonamos
Tudo que se foi
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Jaceruba
Os cavalos selvagens trotam na
trilha do amarelo descampado,
As fadas espertas cochicham
camufladas, ansiosas, encobertas
nas membradas das tilápias
nas asas do beija-flor.
Sozinho não vim apenas
para espairecer cotidianos sujos
Vim para enterrar de vez
o pouco do que ainda sinto
um elo de lembranças mortas
Tão ardilosas, tão perigosas
quanto a passagem estreita
por este riacho turvo.
Os cavalos se confundem e
Saltitam entre as rochas
Assustam-se, assustam-me,
mergulham, dão meia volta.
Calado, observo com o meu avô,
Parado, observo como meu avô.
O riacho se estende
serpenteando em neblina
para além do horizonte
Afastando minha descuidada isca
de menino descalço no descampado,
de adulto calejado da cidade.
Mas improviso algo novo para
batalhar com pescado
Enquanto o vovô, fumante, observa calado,
Juntam-se as tilápias
juntam-se os cavalos.
Ousadia da cidade,
Momentos de felicidade.
Mosquitos na lenha
brasas cintilantes
O cozido está no prato.
A água doce que turva me marca
de átimo em átimo do longo dia
costuram na escuridão
o que já há tanto perdi.
O silêncio faz todo o resto
Trabalho polido e milenar
Num coração metropolitano,
Que há tempos esqueceu como amar.
Afora isso e o mais,
A noite chega como desafogo
Refrigério que peço mensalmente
Resistindo aos trancos
Contemplando o selvagem cavalgar.
Enquanto existir o meu canto,
Sei que as fadas me guiarão
Para onde quer que ande
Para onde quer que eu vá
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