lua-nebulosa - Tumblr blog

lua-nebulosa · 1 year

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Rainha do meu coração

(Escrevi esse conto pra um concurso, mas acabou não sendo selecionado.) Ela tinha apenas 5 anos quando gritou a frase pela qual seria eternamente lembrada pela primeira vez:

- Cortem a cabeça!

A pequena tremia, mas se recusava a chorar, era seu aniversário, e o presente mais magnífico que ela já havia ganho acabara de ser destruído.

Seus pais haviam encomendado a um mestre vidreiro a mais delicada boneca já criada, seu rosto era de porcelana esculpida e seu corpinho de tecido macio era perfeito para ser abraçado. E

la estava tão feliz que pediu para levar sua nova dama de companhia em sua liteira enquanto se dirigiam ao templo para a cerimônia de ação de graças em sua homenagem, aproveitaria a ocasião para pedir a Alta Sacerdotisa que escolhesse um nome e lhe desejasse as bençãos da divindade.

Entretanto a pequena existência da boneca terminou antes mesmo de chegar ao templo, alguém a puxou dos braços da princesa, mas, não conseguiu ir longe com o fruto do seu roubo, a boneca caiu durante a tentativa da pequena de recuperá-la, tendo seu belo rosto de porcelana destruído na queda.

O ladrão não conseguiu ir longe, rapidamente foi encurralado, e a pequena alteza olhava da trilha de cacos de porcelana que sua acompanhante havia se tornado para o rosto da figura esfarrapada que tentou levá-la, então falou primeiro baixinho, "a cabeça" depois com mais convicção "eu quero a cabeça" para por fim gritar "cortem a cabeça!"

O pobre infeliz fora levado pela guarda real e nunca mais se ouviu falar dele, a quem diga que ele nunca chegou a ser executado, teria levado algumas chibatadas e instruído a nunca mais voltar sob a risco de perder de fato a cabeça.

Mas naquele dia uma sementinha fora plantada, quando foi confessar seus pecados antes da cerimônia a princesa recitou:

- "Grande mãe, perdoe-me porque pequei: ordenei a morte de um homem."

Ao dizer isso, ela sorriu, e como era lindo o seu sorriso, nunca soube o que ela ouviu em resposta, mas ela saiu do confessionário como se nunca houvesse feito nada de errado na vida, e foi se sentar em seu lugar de sempre ao invés de se dirigir as cadeiras destinadas as orações em busca de perdão.…

A próxima vez que a vi foi no ocasião do seu 13° aniversário, ela vestia um lindo vestido branco de seda bordada, e aceitou o convite para a primeira valsa de um príncipe vindo do norte, eu como duque não tinha muito o que fazer a não ser observar os movimentos dela e esperar que ela se cansasse dele para tentar minha vez, o príncipe era um bom dançarino talvez até experiente demais para minha amada, eles rodopiavam pelo salão em movimentos cada vez mais dramáticos comprimindo os convidados e os criados nas bordas do salão, até que aconteceu, um passo em falso causou um desastre, a criada que carregava taças de vinho para os convidados não conseguiu desviar o suficiente a tempo e chocou-se com a princesa, o lindo vestido arruinado pelo vinho, a criada tentando recolher os cacos das taças cortou as mãos trêmulas no cristal, sua alteza sentindo-se negligenciada pela criada ter começado a recolher os cacos, exige que ela a ajude primeiro, os convidados só observam, a garota então estende as mãos a sua alteza, num lapso esqueceu de limpar seu sangue no avental, deixando vossa graça com sangue nas mãos e nos pontos onde ela precisou tocar no vestido.

- Chega a ser conveniente a justiça poética de já estar com o seu sangue nas minhas mãos. CORTEM A CABEÇA.

Ela tinha aquele mesmo tremor de raiva e frustração do dia que sua boneca quebrou, mas seu olhar estava ainda mais frio, a criada chorava silenciosamente e enquanto os guardas a acompanharam para fora do salão, após a escolta partir a princesa correu para o jardim de inverno no pátio interno. Vendo que a situação se tornou intragável, alguém teve a ideia de servir o bolo, peguei uma fatia generosa e parti rumo ao jardim de inverno, lá encontrei minha princesa infeliz examinando o estrago irremediável.

- Você fica bem de vermelho.

- Quem disse isso?

- Apenas um duque muito pequeno pra idade que tem e que juntou toda coragem que possuía para falar com a jovem mais bela do baile, quer bolo?

- Cortaram o MEU BOLO sem mim!?

- Acredito que dadas as circunstâncias não esperam que vossa graça volte ao salão tão cedo.

Ela volta a olhar frustrada para o traje arruinado.

- Eu lhe trouxe o primeiro pedaço, vossa graça ainda pode fazer o seu pedido. Entrego a fatia e isso foi um meio sorriso?

- Então meu caro Duque muito pequeno para a sua idade, como devo chamá-lo?

- Apenas Duque já estaria de bom tamanho para mim vossa alteza, entretanto, o meu nome é Benício.'

- O que faz o bem' se bem me lembro das aulas de latim.

- Também pode ser lido como o abençoado.

- Acho que combina com você meu bom Duque. Me chame de Dália, por favor.

- Sabia que no oriente receber uma dália vermelha significa que você é amada?

- Não, só sabia que dálias brancas são sinal de bom gosto, mas dado o que aconteceu hoje duvido que eu voltei a usar branco outra vez.

- Eu não falei brincando quando falei sobre usar vermelho.

- Me acompanha ao quarto de vestir? Seria bom usar algo limpo e seco novamente, e aparentemente conversar com você me acalma.

Ela deixa o pratinho de bolo vazio no banco onde estava sentada, sacode os farelos do vestido, respira profundamente e tenta recuperar a aura elegante que tinha antes da última dança. Caminhamos pelos corredores do palácio, conversando amenidades, mas como ela era muito mais alta para cada passo que ela caminhava tinha que correr dois ou três. No caminho encontramos duas criadas que conversavam alegremente até que perceberam nossa presença baixam o olhar e ficaram em silêncio.

- Aquelas duas provavelmente estavam fofocando sobre mim, por isso pararam de falar assim que me viram, eu deveria mandar que cortassem suas cabeças.

- Talvez tenham parado apenas por respeito, ou para mostrar que estão esperando suas ordens. Senhoritas, poderiam acompanhar sua alteza ao quarto de vestir, ela precisa de alguém para ajudar com os laços.

As duas assentem com a cabeça e passam a segui-los, a 3 passos de distância.

- Viu só, sem o silêncio delas eu teria que elevar a minha voz acima das delas e isso poderia soar um pouco rude. Além do mais tê-las encontrado evita mexericos sobre nós dois sozinhos no quarto de vestir.

- Isso faz sentido, até que és bem articulados.Ser o quarto filho tem suas vantagens, estou muito longe na linha de sucessão para ser um governante, e, com a minha estatura dificilmente seria um guerreiro eficiente, com isso me dedico à diplomacia.

- Meu caro Duque é um indivíduo bem peculiar, de veras interessante.

Senti as faces corando e para minha sorte foi bem no momento em que chegamos ao quarto de vestir, as damas entraram e fiquei pensativo do lado de fora. O que os vinhedos do nosso ducado poderiam representar a herdeira de um reino inteiro. Como é que eu que até então ambicionava ser um diplomata ou um comerciante, de repente poderia começar a sonhar com a mão de uma princesa.

- Tinhas razão, de fato vermelho me cai bem, agora vamos que já passei tempo demais longe da minha própria festa.

Ela usava um magnífico vestido de seda vermelha com decote em formato de coração, me estendeu sua mão enluvada e partimos para o salão numa reentrada triunfal. Todos os olhares fixos na princesa que delicadamente pousava seu braço no meu.

Quando chegamos ao centro do salão ela olha em direção a orquestra, o maestro entende o recado, e para nós começa a tocar a Valsa das Flores. Para a minha surpresa, apesar do nervosismo, consigo conduzir uma dama mais alta que eu razoavelmente bem, não consigo executar passos grandiosos como o príncipe do norte, mas há uma certa graciosidade em nossos rodopios lentos. E quando a primeira valsa acabou ela continuou segurando a minha mão, então dançamos a segunda, a terceira e quando dei por mim os primeiros raios da aurora entravam pelas janelas e o salão estava quase vazio.

- Alteza é chegada a aurora, devo regressar aos meus deveres nas ilhas do sul.

- Prometa que vai me escrever, senão mandarei que lhe cortem a cabeça.

- A única razão que me impediria de escrever seria de fato perder a cabeça.…

Volto para o meu internato nas ilhas do sul e com o tempo as cartas começam a chegar, conto sobre as aulas e sobre curiosidades, história e palavras de outros idiomas que estou aprendendo e tem um som engraçado em nossa língua.

Ela me conta sobre a corte, sobre os bailes, suas preceptoras, sobre os pretendentes que começaram a chegar - e isso me corta o coração - contou-me que um deles perdeu a cabeça por tentar avançar demais, enquanto outro quase ficou sem ela por entedia-la por completo, contou também que por minha causa bolo agora a fazia se acalmar, e o castelo parecia um local mais feliz sempre com o cheiro de bolo assando no forno, só faltava uma boa companhia para dividir as refeições.

Um dia chegou um um envelope mais pomposo que o normal, era um elaborado convite para a coroação, mas entre as dobras do papel formal onde um calígrafo experiente escreveu com letras douradas havia uma nota no papel timbrado real escrita naquela caligrafia que já me era tão familiar, ela dizia:

"Papai teme que sua saúde frágil o impeça de me levar ao altar, para ele a data das minhas bodas parece cada vez mais distante, vide todas as recusas que já fiz. Ele já me confidencializou que parece não haver príncipe para mim, então ele decidiu que me levar até a coroa era um bom modo de fazer parte de um momento marcante da minha vida. Espero sua presença, caso se ausente mandarei que lhe cortem a cabeça."

Respondi sua mensagem dizendo:

"O único motivo que poderia me impedir de comparecer é a minha cabeça não estar sobre meus ombros."

Despachei a mensagem e corri a modista para encomendar algo apropriado à ocasião. Eu não me considero particularmente vaidoso, mas para este evento específico eu gostaria de estar tão elegante quanto um príncipe, quem sabe assim seus olhos se voltassem para mim.…

Quando o navio partiu, passei a maior parte do tempo sentado na proa procurando algum indício de terra na ânsia de fazer com que a viagem passasse mais rápido. Embora fazê-lo não pareceu apressar o navio em um único minuto se quer.

Ao desembarcar despachei minhas coisas na carruagem, e parti a cavalo, sem todo o peso extra chegaríamos mais rápido e, eu ainda tinha uma encomenda a buscar.

Já era possível ouvir os sinos e as trompas de longe, instiguei o cavalo e partimos com tudo para a grande catedral onde se daria a coroação.

A frente do prédio estava tomada de populares e o acesso ao pátio do templo só era concedido a carruagens que apresentassem o convite. Tolo como sou, nem pensei em trazer o convite, guardei-o como um tesouro em segurança, no baú dos meus pertences, que ficou na carruagem a léguas daqui.

De meu cavalo consigo ver qual a carruagem real para no centro do pátio. Pela divindade, como ela está maravilhosa desceu da carruagem, usando o vermelho que lhe cai tão bem, as várias camadas de tecido em diferentes comprimentos dão a impressão que ela veste uma grande flor. Preciso vê-la de perto, olho em volta procurando uma alternativa, as janelas são muito altas para alguém da minha estatura acessar, mas será que seria possível estando de pé sobre um cavalo?

Galopo para os fundos do templo, com uma das mãos apoiada na parede consigo me erguer sobre a sela, e meu pacote já está no parapeito, preciso de um pulo e estou quase lá, pendurado com as minhas pernas balançando a quase 3 metros de altura acho que perdi completamente minha aura principesca, mas estou perto demais pra desistir agora. Consigo entrar.

De onde estou semi oculto pela decoração posso ver toda a trajetória que ela fará com seu pai em direção ao altar, meu coração está acelerando, vê-la tão linda caminhando em minha direção me faz sonhar com como seria nosso casamento. Na primeira fila a um lugar vazio, ela parece furiosa quando o percebe, aquele deveria ser o meu lugar?

A alta sacerdotisa passa por mim e apenas sorri, com toda sua sabedoria de grande mãe ela reconhece um jovem bobo apaixonado encrencado quando vê. Então ela conduz a cerimônia como se eu não estivesse ali. Quando terminou a senhora sacerdotisa olhou de Dália para mim e sua majestade seguiu o movimento de seu olhar.

Nunca vi seu semblante mudar tantas vezes tão rápido, do olhar solene da alteza recém coroada, pareceu-me feliz, incrédula, furiosa, novamente feliz e finalmente ao notar que em minhas mãos eu trazia uma Dália vermelha quase tão alta quanto eu, o que na verdade é mais demérito meu do que mérito da flor, pareceu-me emocionada, talvez até apaixonada, estariam seus olhos marejados? Ela então recuperou o ar solene e caminhou até o meu esconderijo.

- Eu prometi que cortaria sua cabeça se você não estivesse aqui.

- E eu estive aqui durante toda a cerimônia.

- Não estava em seu lugar designado, foi muito deselegante de sua parte. Do meu ponto de vista foi como se não houvesse comparecido. Haviam mil coisas me passando pela cabeça, o que teria acontecido a você, quando chegaria, deveria ter sido um momento extremamente feliz e me senti abandonada e sem chão. Deveria mandar cortar sua cabeça por isso.

- Majestade sinto muito, eu não tive a intenção de magoá-la, não consegui entrar pela entrada principal por ter dispensado a carruagem que teria me atrasado, conseguir entrar por uma pequena janela nos fundos, mas temi sair do meu esconderijo e ser tomado por penetra e expulso.

- Teria mandado cortar a cabeça do guarda que cometesse tamanho ultraje.

- O pobre guarda hipotético só estaria fazendo aquilo que foi instruído a fazer, não seria justo perder a cabeça por isto, e seria muito triste que sua primeira ordem como rainha ou última ordem como princesa fosse para cortar a cabeça de alguém.

Ela parece pensativa por alguns segundos.

- Parabéns, parece que você não perdeu o jeito para me acalmar, e desta vez conseguiu sem precisar de bolo. Mas, supondo que você tivesse chegado no horário, o que você pretendia me dizer chegando aqui com essa flor?

- Eu apenas lembrei de algo que falei no dia em que conversamos pela primeira vez.

- "No oriente, receber uma dália vermelha significa que você é amada".

- Você ainda se lembra.

- Como poderia esquecer?

- Nem sei o que dizer…

- Bom, tem algo que, há muito tempo, eu gostaria que você dissesse.

- Então eu disse: ‘Eu te amo Dália’, e foi assim, jovem Alice, que eu comecei com sua Majestade.

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