Quem nunca se foi sempre volta (relato de um homem de bom coração)
Atos do passado influenciam os momentos vividos no presente
Alguém completamente quebrado no passado não poderia sustentar uma tempestade que desabava incessantemente sobre ela
Já que eu nem sequer era capaz de cuidar da minha própria tormenta
O mar revolto que revirava a mente dela trazendo dor não podia ser aliviado pelo pobre desalmado encontrado aos cacos
Quantas vezes fui destroçado e quantas vezes precisei colar os pedaços um a um, até que já não fosse mais possível destruir quem eu sou
Até que mais ninguém se tornasse capaz de com palavras ou atos me fazer duvidar do que eu sou feito
Não podia sucumbir a paixão daquele tempo
Eu era moço, porém homem o suficiente pra saber que ela não merecia outra dor, outra tormenta para lidar
E por todas as vezes que vi aqueles olhos marejados e ouvi a voz embargada que revelava uma dor impensável
Por todos os momentos que a vi engolir o choro ao meu lado para não demonstrar fraqueza porque a vida a ensinou que os que não são capazes de suportar a dor não sobrevivem por muito tempo
Por todas as vezes que a vi sobreviver e não viver
Por todas as vezes que não fui capaz de conter ou aliviar aquela dor
Por todas essas coisas quem eu fui naquele tempo não queria trazer mais uma enxente de problemas pra quem estava sendo martirizada pelos próprios demônios
Todas as poesias ficaram enterradas no meu coração
No cemitério das minhas notas
Todas as minha palavras engasgadas e na base da força empurradas guela abaixo
Ainda que sentisse, e sentisse tanto, não podia, não devia, eu não era o melhor pra ela
Ainda me lembro do vestido verde e da maquiagem purpurina
Ainda me lembro que não fui capaz de tecer um elogio mesmo que estivesse por dentro só conseguindo tentar descrever o que era aquilo que eu estava vendo
Era linda... Estava linda
Diante dos meu próprios fantasmas me calei e fingi que não enxerguei aquela mulher que apareceu na minha frente
Ainda que quissese dizer o quão bela estava, não devia, não podia
Eu me calei eu decidi que não devia, eu não era o melhor, não era justo com ela
Ela merecia alguém que tornasse os dias nublados que ela detestava em dias de céu azul e sol brilhante
Mas se o meu próprio céu também era cinza como eu seria capaz de colorir a vida dela?
Os anos passaram, tentaram me matar mas não conseguiram
Tentaram me usar e até foram capazes, mas não me machucaram o suficiente pra me destruir
Tentaram me afogar no meu próprio inferno mas eu transformei o enxofre em perfume, e o sofrimento em alegria
Tentaram me dizer que eu não sou quem eu sou mas já era tarde demais pra me desvirtuarem
Mesmo respirando por aparelhos fui capaz de fazer tantos sorrirem
Fui paz pra muitos que estavam mergulhados na dor
Descobri no outro a imagem de quem me ensinou o que é amor
E de tanto amar, já não podia mais ser morto por ninguém
Os tiros antes quase letais, já não surtiam efeito
Eu conheci a mim e descobri que justamente por não pertencer a mim mesmo, podia ser luz e amar os outros em paz
Os anos passaram, a vida passou, tanta coisa mudou mas nem tudo mudou muito
Quando vejo aqueles olhos me lembro todos os dias da decisão que eu tive no passado
Não há em mim arrependimento mas sempre penso como seria se eu tivesse decidido por um caminho diferente
Ela é tão fácil de amar, e por ser assim quando olho naqueles olhos temo por não suportar sustentar a minha decisão
Na verdade eu já não quero mais sustentá-la
Eu nunca fechei aquela história
Eu nunca teci aquele elogio, nunca disse o quão linda ela estava
E temo que seja tarde demais pra dizer qualquer coisa
As bifurcações de nossos destinos me levaram pra longe dela no passado
E agora que as vias nos cruzaram novamente
Temo por me calar mais uma vez
Diferente daquele tempo a minha mente não me acusa mais de que não devo e não posso
Já não sou mais menino e naquele tempo ela já não era tão menina
Porém eu nunca visitei meu passado para dizer a ele tudo que omiti
Ela é o único ciclo que eu nunca fechei, e de todos foi o que eu mais guardei a sete chaves
Menti para os que me perguntaram e fingi para os que desconfiaram
Ainda consigo pisar em ovos por um pouco mais de tempo
Mas devo dizer a verdade quando a maré baixar
Sinto que em algum momento virá outra bifurcação e dessa vez nossas vidas se separarão de modo permanente
E a única chance de dizer tudo que não foi dito é no agora
E eu que mais do que nunca tenho coragem pra enfrentar consequências de meus atos fico mudo como no passado quando se trata dela
Já não sou movido pelos meus sentimentos mas sei da importância das atitudes e sei como elas vêm antes de tudo que está dentro de nós
Isso me faz pensar até quando serei capaz de dizer pra mim que consigo não me apaixonar por ela e arrumar outra historinha com alguém que não sabe o que quer e dizer pra mim mesmo velhas mentiras na cara mais dura
Ela é decidida, ela sabe quem é, ela sabe o que quer
E isso não me assusta
Porém me faz pensar porque ela volta num momento tão impróprio pra se pensar nisso
Consigo lidar com isso por mais um tempo
Esperar a maré vazante
Até lá permaneço olhando pros mesmos olhos que me desafiaram no passado e roubaram meu coração contra minha vontade
Eu o tomei de volta (eu acho) mas hoje gostaria de entregá-lo a ela por conta própria
E seja ele de fato dela (para minha alegria) ou devolvido a mim (para a surpresa de ninguém) o ciclo enfim estará fechado e já não restará mais o que ser feito
É fácil amá-la
É bom estar em seu abraço
É agradável ouvir sua voz
É desejável sustentar o seu céu
É tentador colorir o seu mundo nos dias em que ela vê tudo cinza, agora eu tenho as tintas
É certo ver um futuro ao seu lado
Porém a vida não é um monólogo
E eu não sei o que vai acontecer
Mas sei que morto eu já não terei o que dizer, portanto no agora não tenho tanto a perder
Ainda posso me apoiar nas estribeiras
E fingir que não está acontecendo nada
Antes da vida nos separar de novo
Eu tecerei os elogios nunca ditos
Falarei as verdades omitidas
E revelarei as poesias enterradas como se fossem tesouros de pirata
Nem que no final das contas venhamos apenas a rir de tudo isso
Já não haverá mais nada guardado em mim
Digo a verdade e lido com as consequências
Mas até lá seguro meu coração nas minha próprias mãos
Já não morro mais, uma hora eu teço aquele elogio morena.
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