𝑻𝒖 𝒆𝒔 𝒎𝒐𝒏 𝒖𝒏𝒊𝒒𝒖𝒆. 𝑱𝒆 𝒔𝒖𝒊𝒔 𝒕𝒐𝒏 𝒖𝒏𝒊𝒒𝒖𝒆 ⸻ pov.
trigger warning: menção descritiva de sinais de violência; menção de violência escolar.
Jean já sabia como era aquela sensação, a ardência que conhecia tão bem em conjunto com a sensação de que seu rosto inteiro latejava, como se ainda pudesse sentir cada tapa e soco que recebeu naquele início de tarde. Não ir pra casa era o melhor naquele momento, não sabia como agir e nem o que dizer para os seus pais sobre o que era aquele sangue, aquelas feridas e nem o que tinha por trás das lágrimas que deslizavam descontroladamente pelo seu rosto, levando o sangue com elas. Estava sentado em uma mureta com os olhos para a incrível Paris, a cidade da luz e do romance, onde muitas histórias de amor haviam começado e terminado, ou até mesmo perpetuado sob a promessa do felizes para sempre, como a sua mãe adorava dizer. Naquele momento, lembrava-se das palavras de seu pai sobre quando haviam conversado sobre sexualidade, sobre ser bichinha, pois era como ele era chamado na escola. — Infelizmente, essas pessoas escolhem não ser amadas — Desde esse dia, Jean entendeu que não era digno de romances, do amor insano que leva uma pessoa a lutar contra qualquer um por um segundo ao lado da pessoa amada.
Paris não era pra ele, por isso não ia estudar ali e nem se formar como um romancista em um país que não lhe dava a liberdade de entender o amor. Levou a mão até o nariz para limpá-lo, passando a manga do uniforme e sujando a mesma de sangue. “Droga!” Sussurrou quando percebeu e tentou ao máximo limpar, só fazendo piorar. Foi quando ouviu o som de cascalho atrás dele e virou-se rapidamente, a colina não era um lugar muito comum entre os membros da família Chung, ali era o ponto preferido de Jean, onde ele podia sonhar alto porque estava no ponto mais alto da cidade, mas também era onde ele fugia sempre que precisava. — Achei você...
De fato... ele não esperava encontrar o seu pai ali, com o rosto vermelho e manchado de lágrimas, chegou a se encolher quando ele se aproximou e ergueu a mão no ar, ele sabia o que viria a seguir, só por isso que fechou os olhos. Já doía mesmo, não faria diferença. — O que... fizeram... com você? — Então a carícia veio junto com as palavras entrecortadas e roucas, Jean não entendeu e ficou alguns segundos esperando aonde aquilo iria, mas percebeu que era... de fato... um carinho. Totalmente confuso, ele ergueu o olhar e, coincidentemente, foi no exato momento que a mão áspera de seu pai tocou a parte mais dolorida de seu rosto, fazendo-o fechar os olhos novamente e grunhir de dor. — Desculpa.
“Tudo bem” Foi a primeira vez que a voz doce de Jean foi direcionada ao seu pai, se afastando um pouco para evitar que aquele contato continuasse, ainda doía demais. Virou o corpo todo e desceu da mureta, para que pudessem seguir até a casa deles, mas foi impedido de dar qualquer outro passo. — Não vai sair daqui... não enquanto não aprender...
“Aprender o que, papa?”
— A se defender... meios de você ganhar tempo e encontrar alguém que possa te ajudar de verdade...
Jean assentiu, na verdade, ele era bom em todas as lutas corporais que aprendeu, ele saberia o que fazer, não? Quer dizer, não foi ensinado a se defender, mas a fazer movimentos treinados, ensaiados antes. Só por isso que tirou a mochila das costas e colocou no chão, caminhando até ficar de frente para o seu pai. A roupa que usava era uma mistura do uniforme feminino com o masculino, havia escolhido usar os shorts naquele dia, deixando as suas pernas expostas, ao menos até a parte em que a meia 3/4 chegava para cobrir. E foi exatamente esse o motivo que levou aqueles garotos a se aproximar, fazer aquelas piadas e agir daquela forma, não conseguiu fazer nada na hora, haviam pelo menos cinco e ele... sozinho... não podia fazer nada né.
As mãos foram até a barra da blusa para apertar os dedos contra o tecido, Jean odiava violência e sempre preferiu agir como se o mundo fosse aquele universo cor-de-rosa que criou em sua mente, de tal maneira que, se assustava quando decidiam lhe trazer a realidade cruel no qual ele vivia. “Não precisa me ensinar se não quiser... eu posso dizer pra omma que cai de cara no chão, vai ficar tudo bem”
— Acha mesmo que a sua mãe não sabe? — Jean se assustou um pouco com a informação, arregalando os olhos e desviando o olhar quando percebeu que as lágrimas viriam em breve, levando as mãos até o rosto para tentar impedi-las. — Fomos chamados na sua escola, tinha um vídeo no fórum deles e você estava lá... apanhando... sozinho... — Jean pôde ouvir um som semelhante a um chute, não sabia exatamente no que, só que era perceptível a raiva que aquele movimento tão simples poderia transmitir naquele momento. — Não vou mais deixar ninguém te diminuir assim, não vou mais permitir isso... You're my only... I'm your only. — O seu pai não precisava dizer que o amava, Jean entendia quando ouvia aquelas palavras dele. — Você vai voltar para as aulas de karatê ou qualquer outro esporte de luta, quero que você aprenda a socar a cara daqueles...
A interrupção foi o que fez a curiosidade do garoto voltar e ele erguer o olhar, encarando o rosto cheio de marcas do tempo que o seu pai tinha, mas definitivamente, era um dos homens mais bonitos daquele país e não tinha nem como negar isso. Ele estava tão irritado e magoado que Jean esqueceu da dor em seu rosto, do sangue que sujava ainda o eu uniforme, ele só queria poder abraçar o seu pai e dizer que vai ficar tudo bem. — Não quero ouvir um não como resposta, dessa vez... é pro seu bem... — Talvez ele tenha percebido que era um dos que queria mudar o seu filho, modificar a forma como ele era e como agia, ainda que resistisse a algumas coisas, não conseguia mais pensar no quanto ele tinha sofrido com a violência do mundo só por ser diferente. — Vem, vou te ensinar como desorientar uma pessoa e se tentarem de novo, vai fazer do jeito que eu te ensinar aqui.
“Tá bom, papa”
Enquanto alguns filhos tinham o futebol para ajuda-los a ficar mais próximos de seus pais, Jean tinha a luta, porque foi assim que começaram a ter algum assunto entre eles. Passou a assistir boxe com o pai, as lutas de taekwondo e até o muay thai, no qual odiava ver tanto sangue, isso era só para agradar o seu pai. Apesar disso, ainda não tinha conseguido parar os assediadores da escola, mas pelo menos tinha uma história para contar para o seu pai quando chegasse machucado em casa, na visão dele, Jean não era mais o garoto frágil e sensível, ainda que continuasse sendo fora da bolha que seu pai havia criado sobre a realidade do filho.
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