7 • Pai...soou tão natural
Passamos quase quinze minutos procurando o que poderia ter causado a minha ferida, já estava quase desistindo, até que ele simplesmente entrou na lavanderia, sem nem pedir permissão, só abriu a porta e observou, não passou nem um minuto quando viu o prego na janela.
Bem abaixo do vidro, aparecia parte da ponta do prego, por algum motivo desconhecido estava lá, ou eu só ignorei a existência dele, mas tinha uma quantidade considerável de sangue para saber que foi aquilo que me machucou.
- Você precisa deixar isso desse jeito. - Explicou, batendo com o martelo na madeira.
Insistiu que eu deveria pegar alguma ferramenta da casa para ele poder consertar, ou quase consertar a janela.
- Eu não vi isso aí. - Falei um pouco baixo.
- Podia ter sido bem mais grave. - Pegou a esponja, passando na janela para limpar. - A Bella podia ter se machucado aqui.
- Mas não se machucou. - Retruquei, e ele virou o rosto devagar, me encarando.
- Mas poderia. - Disse firme, depois voltou a encarar o que estava fazendo. - A partir de hoje, querida. - Se virou de novo, sério. - Sou o único homem que fará as manutenções da sua casa, obrigado, e de nada. - Passou por mim.
- Ah, não? - Fui atrás dele. - Você não vai fazer nada.
- Hum. - Murmurou, guardando o martelo na caixa de ferramentas. - Vamos ver.
- Não sabe o que está dizendo. - Falei rápido, o encarando.
- Eu queria saber qual é o seu problema, de verdade, porque não é possível...
- O que não é possível?
- Que você não me deixe chegar perto, é como se tivesse alergia a homens...
- Você acabou de chegar...
- E o que isso tem a ver? - A fala era paciente, como se quisesse mesmo me entender.
- Que você chegou do nada e fica vindo na minha casa, me convidando para jantar, para sair com você...já pensou que tem um monte de gente nessa cidade? Isso é no mínimo precipitado.
Ele me encarou, sério, me analisando, o semblante tinha um certo deboche, como se eu fosse a pessoa mais esquisita do mundo.
- Talvez eu seja um homem de vinte e sete anos que já conheceu muitas pessoas na vida, e alguém, por algum motivo, me chamou atenção e eu queira tentar, porque...sei lá, parece bem interessante, só que essa pessoa fica insinuando que eu preciso sair com um monte de gente antes, só para ter certeza. - Ele estava falando de mim, só um burro não saberia.
- Você não me conhece...
- Mas eu quero. - Riu, falando como se fosse óbvio. - Quero te conhecer, qual é a dificuldade de...
- Por quê? - O interrompi, e ele suspirou.
- Porque mulheres bonitas chamam atenção dos homens, mas não é só isso, claro que como parte da espécie nojenta dos humanos eu prestei atenção nisso primeiro, mas...tem a parte da personalidade. - Sorriu. - E eu gosto de desafios, mais precisamente quando ganho.
- Eu sou um desafio para você? - Ri nasalmente.
- É tipo isso. - Deu de ombros. - A não ser que você finalmente abra essa sua mente e resolva aceitar sair comigo. - Sorriu, abrindo os braços como se quisesse me abraçar.
- Não. - Suspirou, abaixando os braços.
- Me diz o que eu tenho que fazer para te mostrar que não ligo se tem uma filha, se tem muitas pessoas na cidade...o que você precisa para se convencer que sou uma boa escolha. - Sorriu com os lábios.
Suspirei, pensando no que seria melhor, só aceitar que finalmente um homem legal estava aparecendo na minha vida, sem ligar para o terror noturno, para o meu estresse pós-traumático, para o medo de ele ir embora em dois meses assim que percebesse que eu era louca.
Ou eu só podia fazer uma coisa bem estúpida.
A voz da minha terapeuta ecoou na minha mente, era como se ela estivesse bem ao meu lado, me dizendo para dar uma chance para aquele homem que estava se humilhando fazia dias.
É fácil sair com alguém, certo? Não é um bicho de sete cabeças, é...no mínimo normal.
Suspirei, um pouquinho nervosa, era a última chance, se eu desistisse bem ali, ele também desistiria, já estava cansado, provavelmente.
- Você pode sair comigo e com a Bel na quarta, quero levar ela a um lugar, e...só vai conhecer meu quarto quando eu decidir que está na hora...e... - Pensei mais um pouco. - Não quero você aqui em casa até tarde, e nem dormir aqui por enquanto, quero que ela entenda as coisas primeiro, vai ficar confusa se ver um homem na minha cama. - Pensei mais um pouco. - Ah, e nada de dizer a ela que estamos nos relacionando, quero que se acostume com você primeiro.
- Essas são suas condições?
- Por hora, sim, pode ser que tenha mais, em breve.
- Ok, agora as minhas. - Estava prestando atenção, e ele parecia pensar. - Bom, não tem. - Sorriu grande, estava sendo palhaço. - Estou com fome.
- Ah, você está com fome?
Cruzei os braços, achando mal-educado, porque quando eu era pequena minha mãe me instruia a não pedir nada na casa dos outros.
- Sim, tem café? - Foi em direção a cozinha.
- Você sempre mexe nas coisas dos outros assim?
- É, acontece bastante. - Encarou a cafeteira. - E tem algo de comer? - Riu, depois me encarou. - Quer dizer, além de você.
Fiquei em choque, e ele riu, como se realmente fosse engraçado dizer aquilo em voz alta, mas parou de rir quando percebeu que não tinha visto graça nenhuma.
- Não fale isso perto da Bel...
- Claro, porque eu falaria isso perto de uma criança. - Riu com sarcasmo.
Ficamos em silêncio, era estranho para mim, não usei aquelas palavras, mas praticante disse que aceitava sair com ele, o que significava que qualquer desculpa que envolvesse ele e a minha casa, seria usada.
- É verdade que está construindo uma casa?
- Não, por enquanto. - Inclinou o corpo, se apoiando no balcão. - Tenho um projeto e um terreno prontos, mas vou para um apartamento primeiro, minhas coisas ainda não chegaram de Los Angeles.
- Morava sozinho lá?
- Não exatamente, minha mãe morava ao lado, então eu meio que não entendia se a casa era só minha ou dela também. - Riu, me observando preparar o café.
- Não sei o que te deu para trocar Los Angeles por isso aqui.
- Gosto de desafios, mudanças bruscas. - Tentou explicar, e só fingi que entendia.
Ficamos em silêncio depois, do tipo constrangedor, como quando recebe alguém novo em casa e não sabe o que fazer, se vai para outro cômodo, se puxa um assunto ou se continua quieto.
Só o barulho da cafeteira era audível, e ele estava encostado no balcão a minha frente, mexendo no celular, e eu podia aproveitar para prestar atenção dele.
Não podia negar que era bonito, o jeito dele não era só simpático, era atraente, e só estava parado, sem fazer nada.
De repente, parou de rolar o dedo pela tela, parecia concentrado em algo, então vi ele sorrir, e do nada, bem rápido, olhou para frente, me encarando, mas desviei o olhar e escutei ele rir, era como se soubesse que estava sendo observado.
- Te peguei me admirando. - Riu, me fazendo rir também.
- Não estava.
- Hum...eu acho que estava, sim. - Mexeu no cabelo, o jogando para trás. - Mas não te julgo, sou mesmo um homem muito bonito...
- Meu Deus! Com quem aprendeu a ser tão narcisista?
- Não, baby, isso não é ser narcisistas, é ser realista. - Me corrigiu, mas só prestei atenção no apelido.
Por sorte, a cafeteira já tinha feito o trabalho dela, peguei uma xícara para ele e não coloquei nem um grama de açúcar ali, só deixei de lado, despejando café na minha, e depois coloquei um pouco de leite e adoçante.
- Acabou com o seu café. - Me julgou, seguindo até a sala.
- Eu tenho outra condição para isso dar certo. - Sentei no sofá, depois olhei séria para ele. - Não julgue o meu café.
- Matadora de café. - Sentou ao meu lado. - Deveria ser crime.
- Como você é chato. - Peguei o controle.
- Você é complicada e nem por isso estou jogando na sua cara.
- Teoricamente você já jogou.
- Se me beijasse logo não perderia tanto tempo falando, e isso não aconteceria.
Me encostei no sofá, bem confortável, assimilando que ele tinha simplesmente jogado aquela ideia no ar.
- Quando for a hora, te beijo.
- E quando vai ser a hora?
- Você vai saber.
- Como?
Encarei ele, quase rindo.
- Vou estar com a boca na sua, vai ser fácil perceber. - Ele riu, depois encaramos a televisão.
Não me encarou por muito tempo, e pelo jeito que era espaçoso, não me surpreendi nem um pouquinho quando apoiou os pés na mesa de centro, pensei em xingar ele, mas ia ser hipócrita porque fiz a mesma coisa em seguida.
Ninguém poderia me julgar por achar aquilo mega estranho, estávamos simplesmente sentados no sofá, com os pés para cima, bebendo café. Quanto romantismo.
Não era um filme de ação com porno leve, igual ele descreveu, mas parecia estar prestando total atenção na comédia, já eu, estava concentrada na foto da Bella, me perguntando se seria demais colocar aquela foto tão fofa como capa de fundo do meu celular.
Não era por ser minha filha, mas ela era realmente uma criança muito bonita, tipo acima da média, daquelas que na escola com certeza chamaria mais atenção que o desejado, claro que na última parte eu evitava pensar, significava meninos, ou pior, meninas, porque uma menina já era difícil, então duas?
Não, pare de pensar nisso, ela só tem dois anos!
- Você costuma encarar as fotos dela sempre?
Olhei surpresa para ele, estava prestando atenção no que eu estava fazendo, exatamente como eu vinha pensando, ele era bisbilhoteiro.
- Só quando elas são lindas.
- E essa é mesmo. - Sorriu, encarando a foto. - Olha, não é porque é sua filha e eu quero muito causar uma boa impressão, mas ela é realmente uma criança linda.
- Você quer me causar uma boa impressão? - Sorri, o encarando.
- Claro, você precisa se apaixonar primeiro, mostro os defeitos depois. - Riu, me fazendo rir também.
- Ainda bem que você é super sincero.
Passamos a maior parte do tempo falando sobre ele ser sincero desde sempre, e sobre o Mitch brigar muito com ele por não saber esconder reações e sentimentos, e também debatemos sobre a opinião de ser bom ou ruim ser sincero, e depois passamos para uma fofoca super saudável sobre ele achar que um dos policiais que ele tinha conhecido era super falso com ele e que não gostou do fato de um jovem ser o delegado.
Tentei dizer para ele que era realmente uma coisa nova ter um delegado jovem na cidade, e que com certeza ele seria a estrela do momento, mas ele disse que não ligava se era estrela ou não, e que ninguém deveria ficar impressionado.
No fim das contas ele bebeu três xícaras de café preto, e sem açúcar, fiquei questionando a mim mesma se ele era viciado ou algo assim, mas não perguntei, só bebi uma xícara de café com leite - e com açúcar -, e já era muito para mim.
Estava falando sobre meu tempo na cidade, que mesmo em quase três anos muitas coisas eram novas para mim, e ele escutava com atenção, até que parei de falar, fiquei estática, imóvel.
O som da campainha ecoou pela sala, e fiquei apavorada, Justin tinha chegado, eu sabia, já se passavam das cinco e eu não estava esperando ninguém a não ser ele.
Não estava na hora, ele não podia ver o Harry, mas eu também não podia mandar ele embora.
- Você não vai atender? - Franziu o cenho, me encarando como se eu fosse uma estranha.
- Ah...é o Jus, você se importa?
- Depende, vai ficar me chamando pelo nome e ele tem um apelido? - Rolei os olhos.
- Não está na hora de um apelido, você não tem esse direito ainda. - Dei de ombros, e ele sorriu pequenininho, sentindo o meu tom de desafio.
A campainha tocou de novo.
- Vai logo, antes que ele pense que não tem ninguém. - Bateu de leve na minha perna, um gesto para me mandar ir logo.
Levantei e fui até a porta, não tinha escolha, não podia mandar o Jus embora com a Bella e também não podia expulsar meu querido vizinho temporário - que já não era mais temporário -, seria falta de educação dos dois lados.
Parecia que o universo estava conspirando para que Harry conhecesse toda a minha família antes do tempo esperado, como se o mundo me falasse: Viu? Quis afastar o cara, agora ele vai estar na sua vida para sempre, além de trabalhar com você ainda vai conhecer melhor sua filha e o pai dela.
Abri a porta com um sorriso enorme, Bella sempre sorria para mim, se jogando para frente só para eu pegar ela.
- Você se divertiu? - Assentiu, animada. - Mesmo, mesmo?
- Muito. - Olhou para o Jus. - E...tem um presente, eu comprei.
- Ah, você comprou? - Significava que o pai dela tinha comprado.
- É. - Sorriu grande. - Com o dinheiro do J.
- Ela é muito espertinha. - Cerrou os olhos, e me entregou a caixa depois. - Ela disse que é seu sabor favorito.
- Obrigada. - Peguei a caixa.
Fiquei parada na frente dele por segundos, querendo que entendesse que talvez não fosse o melhor momento para entrar, mas...
- Harry!
Assim que a Bella o viu, não pode deixar de falar, Jus olhou para o sofá no mesmo momento, e ele acenou para ela, levantando em seguida.
- Oi, princesa. - Ela ria toda vez que ele a chamada daquele jeito. - Tudo bem?
- Tudo. - Deitou no meu ombro, mas ficou olhando para ele. - Você veio aqui na minha casa?
- Vim te visitar, mas você não estava, então te esperei. - Sorriu grande para ela, estendendo os braços.
Era óbvio que ela ia se jogar para ele, era muito atirada, para qualquer um que a agradasse, e era óbvio também que ele usaria a favor dele, já tinha percebido que pensava que meu ex era um rival, e com certeza estava tentando marcar território, fazendo parecer que estava frequentando a minha casa há meses.
- Harry, é um prazer. - Ele foi simpático, até demais, e estendeu a mão para o Justin, mesmo com a Bel no colo.
- Justin. - Sorriu de volta.
Ele levou as mãos ao bolso, analisando a Bella no colo dele, durou segundos, então se voltou para mim, sorrindo, e senti a pergunta no semblante dele, era algo tipo: por que não me contou sobre isso?
Mas não de um jeito ruim, de um jeito super fofoqueiro e animado, tanto que riu baixo depois de me encarar, e eu não sabia o que seria pior, Justin surtar porque tinha um homem em casa, ou ele amar.
- Ok, acho que você perdeu as boas maneiras, Kay. - Franziu o cenho. - Não vai me convidar para entrar?
Filho da mãe. Ele queria entrar, queria saber quem era o Harry e porque ele tinha tanta intimidade com a filha dele - não tinha, ainda-.
O convidei para entrar, ele estava sorridente, bem mais que o normal, e Harry mantinha a postura séria dele. Por que homens são tão ridículos?
Bella se contorceu para sair do colo dele, nunca durava muito mesmo, depois ficou me encarando, e eu estava com a caixa na mão, queria que eu abrisse, estava descaradamente esperando pela minha reação.
Sorri para ela, e apoiei a caixa na pia, depois abri e Fingi surpresa ao ver quatro capcakes lá dentro, com ganache de chocolate por cima, dos meus favoritos, eu a Bel tínhamos um costume de falar sobre nossas coisas favoritas, por isso ela sabia.
- Uau, Bel, é o meu favorito! - Ela sorriu grande, chegando perto.
- É lindo, mãe? - Ri baixo, assentindo.
- É lindo, obrigada florzinha. - Me abaixei e beijei a bochecha dela.
A palavra "lindo", significava tudo para ela, quando queria perguntar se algo era realmente lindo, se queria saber se algo era bom, se alguém tinha gostado de um presente. Ela usava para tudo.
Pensei que ela se desse por satisfeita, mas não, ficou parada, chegou mais perto ainda e apoiou a mãozinha na minha perna, olhando para cima, Justin e Harry riram. Ela queria que todos nós comessemos o bolinho também.
- Você quer dividir?
- Sim. - Sorriu mais ainda.
Me abaixei e peguei ela, tinha a cadeira especial na mesa, mas ela odiava, queria ficar na mesma que os adultos, e eu não estava com vontade de discutir com ela na frente dos dois, então deixei ela na normal, e ela mal alcançava a mesa quando sentava, por isso sempre deixava uma almofada para ela.
Peguei um prato para ela e deixei um bolinho bem no centro, colocando na frente dela, depois deixei a caixa bem no centro, estava prestes a pegar um para mim, e foi quando ela me lançou um sorrisinho e afastou os cabelos de forma desajeitada que percebi um arranhão entre a bochecha e o pescoço dela, não tão aparente, mas o suficiente para eu ver.
- O que é isso no seu rosto? - Afastei o cabelo de novo e apoiei minha mão no rosto dela, inclinando na minha direção. - Por que tem um arranhão desse tamanho no rosto dela? - Olhei para o Justin no mesmo momento.
- Eu briguei. - Ela disse, com um sorriso no rosto, como se fosse lindo brigar.
- Brigou com quem?
- Levamos ela e a Ruby no shopping, aquele com o parque, foi só um desentendimento. - Olhei séria para ele, o olhar da morte.
- Com quem você brigou? - Perguntei para ela. Crianças não mentem.
- Com um menino. - Sorriu com os lábios. - E eu bati nele!
Ela estava orgulhosa, como se alguém - o querido pai dela - tivesse incentivado a fazer aquilo. Olhei para ele de novo, séria, e sabia que Harry estava me encarando.
- Ela deu um soco nele. - Rolou os olhos.
- Um soco? - Olhei para ela. - Quem te disse que era para fazer isso?
- O J. - Ela disse, calma, apontando para ele.
- Ensinou ela a bater nos outros?
- O garoto bateu nela primeiro.
- Ah, tá, e a sua solução foi dizer para ela que precisava retribuir da mesma maneira? - Perguntei com sarcasmo carregado na voz.
- Ela estava apanhando, não podia deixar barato. - Ri baixo.
- Acontece que não se acaba com a violência, ensinando mais violência para ela. - Sorri, depois pisquei um dos olhos para ela, morrendo de raiva, mas não podia alterar a voz ali.
- E queria que ela apanhasse?
Deixei a postura ereta, encarando ele até o fundo da alma, não me importava o Harry e nem a Bella, a única pessoa no meu campo de visão era ele, e pelo encolher de ombros soube que estava com medo do que eu ia fazer.
Não era aquele o nosso combinado, ensinar ela a bater em outras pessoas, não era daquele jeito que eu explicava as coisas para ela, e o Justin sabia muito bem, porque conversamos muito sobre aquilo, sobre não interferir no jeito do outro ensinar.
- Então quer dizer que foi ao parque hoje, Bella?
De repente, escutei a voz do Harry, e ele sorria para ela de um jeito até engraçado, como se fosse uma melhor amiga, e ela já gostava dele, imagine quando perguntava sobre algo que gostava.
- Eu fui. - Confirmou. - E a minha prima Ruby também.
- Ah, é? E foi legal?
- Foi, tinha um escorrega lá. - De repente parou, e o analisou. - Harry, você gosta de parquinhos?
- Eu adoro. - Sorriu grande. - Levo o Joe sempre, é muito legal. - Ela riu.
- E você me leva? - Eu ia morrer, não de raiva, mas porque ela era muito bonitinha.
- Claro, princesa, quando você quiser é só me dizer. - Piscou para ela, que riu, e depois voltou a se concentrar no bolinho.
- Você faz o que, Harry? - Jus perguntou de repente, o encarando.
Ele o encarou, sorriu com os lábios, como se fosse a pessoa mais importante do mundo, deu de ombros, como se fosse nada, e depois disse:
- Sou o novo delegado da polícia civil da cidade.
Claro, óbvio que ele ia falar com todas as letras, queria impressionar meu ex e ao mesmo tempo colocar medo nele, tão típico, homens.
Justin me observou, fez um semblante surpreso, com sobrancelhas arqueadas.
- Uau. - Murmurou, ainda me encarando, só depois virou para ele. - Delegado, hun? Aposto que vamos nos dar bem, trabalho no jornal da cidade.
- Ah, você é o cara que está sempre por dentro. - Justin sorriu, assentindo.
- Mas estou parado agora.
- Por que? - Harry me encarou. - Aqui é tão nada acontecelândia assim? - Justin riu alto, depois negou com a cabeça.
- Meu pai faleceu recentemente e deixou um negócio no meu nome, estou em um dilema, então...acho que está me tomando tempo.
- Sinto muito...
- Tudo bem, faz uns meses. - Jus deu de ombros.
Não perguntou nada depois, só ficou calado, assistindo a nossa conversa sobre o Justin estar em um dilema sobre tentar ou não seguir com a loja de informática, mas sempre olhava para o Harry, tentando incluir ele no assunto, mas parecia mais preocupado em nos analisar.
O pai do Justin tinha morrido cinco meses antes, foi um choque para ele, ficou mal por um tempo, ia mais para a minha casa e ficava mais tempo com a Bel, um dia confessou que não ficou tão triste pela morte do pai, porque já sabia, ele tinha câncer, os médicos avisaram os familiares, mas ficou triste porque pensou por dias que poderia ter sido ele e a Bella podia ter ficado sem pai.
Eu entendi ele, era meu medo também, as coisas mudam depois de uma criança, principalmente o pensando sobre sua saúde, porque se você não estiver bem, quem cuida do seu filho? Pois é, tínhamos a mesma preocupação.
A Bella sabia quem era o pai dela, se qualquer um perguntasse diria o nome do Justin, gostava muito dele, amava quando ele ligava e dizia que estava indo, era como se fossem melhores amigos, eu gostava da relação que estavam tendo, ela só não tinha o hábito de dizer "pai", mas isso era um detalhe.
- E a Hanna?
Não vou mentir, estava curiosa para conhecer a nova namorada dele, nunca tinha visto, a Bel viu uma vez, mas ela não ficou, Justin disse que estava esperando um pouco para explicar a ela o motivo de ter uma mulher na casa dele, mais uma coisa que pensávamos parecido.
- Trabalhando. - Sorriu ao falar. - Ela só tinha uma cliente hoje...
- É domingo. - Franzi o cenho.
- É uma formatura no meio da semana, atendimento de emergência.
A única coisa que eu sabia era que ela fazia unhas, daquelas acrílicas, ou algo do tipo, pesquisei a página do Instagram dela e pelo o que vi, tinha muitas clientes, e o trabalho dela parecia impecável.
- Então, Harry. - Justin sorriu, e eu estava prestes a gritar, sabia bem o que ele queria. - Como conheceu a Kay?
- No mercado. - Sorriu com o canto da boca.
- Que romântico. - Fez piada, virou o rosto para mim depois. - Você não me disse que estava saindo com alguém, não sabia que também tinha um namorado...
- Não tenho. - Falei rápido, encarando ele para entender que precisava calar a boca.
- Ainda. - Harry se intrometeu.
- Ele disse que ainda. - Sorriu, apontando para o Harry.
- Ele diz um monte de coisas sem cabimento. - Cerrei os olhos para ele.
Justin me analisou por segundos, sorrindo com os lábios, depois encarou o Harry na ponta da mesa, e eles trocaram olhares.
- A quanto tempo estão saindo?
Idiota. Passei a mão nos cabelos da Bella para me acalmar, ela olhou para mim e sorriu, com o bolinho na mão, comendo aos pouquinhos.
- Mamãe, um pedacinho? - Levantou o bolinho.
- Faz pouco tempo.
Escutei a resposta dele e neguei com a cabeça, mais para a fala do que para ela.
- Ele disse que faz pouco tempo.
Encarei ele, estava sendo pior que uma criança, falando aquilo como se eu não estivesse escutando.
- Justin, já chega. - Falei firme.
- Tá. - Levantou as mãos em rendição, encolhendo os ombros. Harry riu, e ele o encarou. - Continua rindo, quando for sua vez vai ver.
E eles riram mais ainda, depois a Bella riu, porque estava achando engraçado o modo como os dois riram.
Justin levantou depois, ficou indignado porque não tinha chá, e Harry disse que era mesmo um absurdo, e ainda contou que ofereci outro dia e depois disse que não tinha, os dois ficaram super indignados e em segundos estavam falando sobre a minha irresponsabilidade com visitas, como se eu nem estivesse ali.
Nem precisei de muito para presumir que iriam se dar bem, apesar da implicância do meu vizinho temporário, dava para ver que não conseguia ser antipático por tanto tempo, não com o Jus contando sobre como sou um desastre e ele precisou contar sobre a caixa de leite no mercado.
Homens. Que ódio.
Justin não se aguentava muito, em segundos já estava atrás da Bella, fazendo ela rir e ameaçando pegar o bolinho dela, mas ela era tão simpática e fofinha que simplesmente olhou para cima, com um sorriso bonito.
- Um pedacinho?
Ela estava oferecendo, e ele riu, negou com a cabeça e beijou o cabelo dela quando olhou de novo para o cupcake que estava tentando comer sozinha.
- Filha, você não prefere que eu corte? - Ele perguntou, franzindo o cenho para o que ela estava fazendo.
- Não, quero sozinha.
Ele fez um semblante surpreso e riu em seguida, ela estava mordendo aos pouquinhos, não queria ajuda, mas se mudasse de ideia, qualquer um de nós poderia ajudar, incluindo o Harry, por enquanto.
- Acho que já vou indo. - Falou, olhando na minha direção. - Mas eu volto, é meio complicado se livrar, você sabe...
- Você não sabe o quanto é horrível. - Fiz piada, fazendo ele cerrar os olhos.
- Tchau, Bel. - Beijou o topo da cabeça dela de novo. - Vou para casa agora.
Ela largou o bolinho, olhou rápido para ele.
- Não, J. - Negou com a cabeça. - E o filme da água? - Levantou as mãos, um gesto para perguntar se ele não ia assistir, e precisei rir.
- Papai precisa ir para casa agora, mas na sexta eu volto de novo, e aí a gente assiste o filme da sereia, eu, você, e a mamãe, pode ser?
Ela pensou um pouco, abaixando as mãos, me encarou e assenti, depois olhou para para Jus, que sorria para ela.
- E o Harry? - Apontou para ele, que deu uma risada baixa.
- Claro, o Harry também, ele está convidado para a nossa programação de sexta. - Sorriu para ela, deixando um beijinho no rosto.
- E...e quantos dias é sexta, pai?
Ele parou, levantou rápido, encarou ela por segundos, e depois me encarou, sorri para ele no mesmo momento, e ele sorriu também, e grande, daqueles sorrisos de quando as pessoas realizam algum sonho, ou algo do tipo.
- Eu...são...são cinco dias, filha. - Chegou mais perto. - O papai volta, tá bom?
- Tá bom.
A resposta foi meio triste, mas ela abraçou ele e deixou um beijo no rosto.
- Foi um prazer, Harry.
Ele estendeu a mão, Harry cumprimentou formalmente e também disse que foi um prazer.
Levei o Justin até a porta, saí com ele, ficamos nos encarando por momento, e do nada, do nada mesmo, ele começou a socar o ar e dizer "isso!", e eu só ria da reação dele.
- Foi natural, não foi? Ela disse "pai".
- Claro, eu vi tudo. - Ainda estava sorrindo pela reação dele. - Você é muito importante para ela...
- E ela para mim. - Deu de ombros, sorrindo para o nada, talvez quase chorando. - Isso é...nem sei explicar, fiquei muito feliz.
- Eu sei. - Ri de novo.
Fiquei encarando ele, emocionado, depois o abracei, e ele abraçou de volta, entre risos, deixando um beijo no meu cabelo, depois nos afastamos, mas ainda perto.
- Kayra. - Falou mais sério. - Não maltrate o Harry, dê uma chance para o cara.
- Que saco. - Rolei os olhos. - Para que isso? Nem sei se vai rolar mesmo.
- Claro que vai, ele parece ser legal, gosta da Bella, gosta de você, qual o problema?
- É que...não sei, sabe? Você sabe.
Ele levou as mãos ao bolso.
- Não é porque os caras anteriores foram babacas, que todos são. - Sorriu com os lábios, tentando me confortar. - Talvez seja a pessoa certa.
Não sei se achei bom ou estranho ele ter usado o mesmo argumento da minha terapeuta.
- Talvez não seja...
- Talvez seja.
- E se não for?
- Tá, mas e se for? - Ficamos nos encarando, ele riu depois. - Vai viver, Kay, não tem nada errado em se relacionar de novo, isso é normal. - Não respondi, e ele estava percebendo a minha defensiva. - Prometa que vai tentar.
- Por que?
- Qual é? Ele é legal, e ainda é policial, trabalha nas mesmas coisas que você, aposto que podem se entender bem. - Continuei o encarando, sem responder. - Só pensa nisso. - Beijou meu rosto. - Te vejo na sexta.
- Tchau. - Acenei sutilmente, e ele fez o mesmo.
Não fiquei muito tempo na rua, apesar da neve estar desaparecendo, continuava frio, abri a porta e escutei murmúrios de conversas, então caminhei bem devagar só para saber do que estavam falando.
- Mas a neve é bonita, não é? Eu gosto de neve. - Foi o que ele disse, próximo a ela, na cadeira ao lado.
- É, mas...mas Harry, lá na minha escola, a gente brinca de água no sol. - Ele riu, encarando ela com um sorriso pequeno.
- Vocês brincam com água no verão? - Ela assentiu, feliz por ele ter entendido. - Por isso você gosta mais do verão?
- É. - Ela sorriu, depois mostrou a mão para ele. - Eu sujei.
Ele pegou a mão dela com cuidado, encarou por momentos e depois levantou rápido, levando ela até a pia, segurando ela com os braços e ligou a torneira, só para ela poder limpar a mão, e riu enquanto fazia, não tinha graça, mas para ela provavelmente tinha, porque não estava acostumada com outras pessoas fazendo aquilo para ela.
Entrei, não ia ficar por muito tempo, ele ajudou ela a secar a mão também, e só me viram quando se viraram de volta, me lançando sorrisos pequenos, só para dizer que me perceberam ali.
Eu conhecia a Bella, assim que levou uma das mãos a boca e esticou a outra, soube que queria colo, mas porque estava com vergonha de pedir uma coisa.
- O que? - Perguntei para ela, querendo que me dissesse algo, eu provavelmente estava imaginando o que queria.
Ficou mais fácil de saber quando escondeu o rosto no meu pescoço e jogou as mãos nos meus ombros, estava com vergonha do Harry, e sorri para ele, que sorria para mim.
- Eu quero mamadeira. - Ri baixo, escutando o sussurro dela.
- A sua mamadeira? Tá bom.
Ela levantou o olhar, depois se escondeu de novo.
- Ah, era segredo. - Pisquei para ele. - Era um segredo? - Ela só assentiu. - Mas o Harry não liga se você ainda pede isso.
- Claro que não, o Joe também gosta. - Ela riu, olhando para ele, mas ainda deitada por cima de mim. - E sou eu quem faz para ele, sabia?
- Faz? - Ela perguntou, vendo ele assentir. - Mãe, o Harry sabe fazer um mamazinho? - Eu ri.
- Se ele está dizendo. - Dei de ombros. - Vamos deixar ele fazer o seu dessa vez.
- O quê? - Perguntou sem entender.
- É, faz parte do seu treinamento. - Comecei a me afastar, até a sala.
- Treinamento de que? - Levantou de repente.
Não respondi, só olhei para ele e dei um leve sorrisinho, nem eu sabia direito o que quis dizer com aquilo.
Sentei com ela no sofá, quando o fim da tarde chegava, ficava mais preguiçosa, me pedia colo e a mamadeira, e depois assistia algo, não queria brincar, só ficar quietinha até dormir.
Fiquei pensando por momentos. Será que seria idiota pensar na palavra "treinamento"? Em teoria, sim, porque eu só disse aquilo porque estava com preguiça de fazer, queria descansar, na verdade.
Veremos se ele passa no teste.
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