— Vou explodir tua cara filho da puta! — Roni berrava.
Roni era o dono da boca e enchia a vida das famílias daquela pequena vila, ele tinha o Loguia* de disparar bolas de fogo pelas pontas dos dedos.
*Loguia/Lóguia: poder sobrenatural de alguns humanos.
Brasil, Vila San Juan, 1990.
A gritaria de Roni acordou o pequeno Gamble, que na época tinha apenas seis anos de idade. O menino correu até o parapeito, ofegante e com os olhos arregalados fitou a confusão que se iniciava na frente de sua casa.
— Eu vou te matar neguinho! — o grito de Roni ecoava nas vielas.
Minutos depois, Roni estava ensanguentado em uma vala. Um homem com o chapéu de palha fulani, vestindo um sobretudo vermelho e preto, com sandálias de couro, estava de pé e sem nenhum arranhão. Nada foi danificado, nem uma única casa foi incendiada, maior medo dos moradores.
Gamble desceu as escadas correndo quando viu o homem ir embora com o corpo de Roni no ombro, o homem andava ao lado de um "tiozinho", que tinha em mãos um pequeno caderno preto.
— Senhor, espere! Quem "é vocês"? — Gamble perguntou curioso.
— Me chamo Lee Pac e esse é o Sr. Wu, tudo em cima curumim? — o homem sorriu.
— Como conseguiu fazer isso, o que "vocês é?"
— Fácil de responder, eu e meu parceiro aqui somos...
COBRADORES DE IMPOSTOS
Brasil, Belém, 2009.
15h09, Rua das Sereias, 187.
— Seu aniversário dos 25 é hoje, parabéns! Vamos acabar logo com isso, pra gente comemorar até de manhã… — Jael, lhe falava com um tom alegre.
— Sabe que eu não sou muito disso né, mas obrigado! Sim, vamos acabar logo com isso. — Gamble pegou o celular quadrado, ajeitou a antena e digitou o número:
55 91 99966–6996.
— Achamos o 1° da lista de hoje, qual vai ser, "Alma, Money ou Morte?" — Gamble se apressou em perguntar.
— Morte. — uma voz computadorizada respondeu no telefone.
— Tem certeza disso "man"?
— Morte. — a "voz" desligou.
— Ok! — Gamble repetiu o comando para Jael, que fazia um X ao lado do nome do dividendo: Luciano Caldas.
— O dia já começou assim... — Jael suspirou.
— Divertido? — Gamble sorriu.
— Pra você sim, eu prefiro dinheiro, você sabe que eu amo "cash, cash" — Jael cantarolou.
Os dois entraram no condomínio e ao sair, deixaram um cadáver para trás.
A lei dos Cobradores de Impostos era muito simples. Mas para colocá-la em prática, somente um Logístico — um possuidor de Logia — acima da média conseguia cumprir com perfeição cada uma delas:
• Morte: O dividendo estava com a cabeça em xeque. Nesse caso, o cobrador de impostos devia executar o alvo sem pestanejar. Sem perguntas, sem saber o motivo, sem questionar,
— "o cobrador de impostos deve sempre obedecer seu chefe." — Gamble e Jael repetiam esse mantra diversas vezes em suas mentes.
16h57, Rua das Velhas, 165.
— Money de novo. — Gamble desligou o telefone e chutou uma lata de cerveja para longe, ele ficou cabisbaixo.
— Você curte mesmo brigar né? — Jael perguntou.
— É meu aniversário, queria comemorar do meu jeito hehe.
— Agora tu queres comemorar é? Só tu mesmo!
Os dois aproximaram-se da casa e bateram na porta do 4° dividendo do dia: Luigi Figueiredo. O pagamento aconteceu bem rápido, quando Luigi viu os dois na entrada da casa, foi imediatamente ao cofre, trazendo tudo o que devia.
— "Alguns dividendos têm medo de levar uma surra." — Jael pensava consigo.
• Money: expressão em inglês para dinheiro, usada visando identificar um alvo com pendências financeiras com o chefe dos cobradores. Dificilmente alguém atrasava o aluguel, não tinham Loguia para se defender e muito medo de revidar. Portanto, não havia confusão e sem confusão, Gamble ficava desanimado. Em contrapartida, os olhos de Jael brilhavam ao ver as notas altas.
— Não sei como tu consegues ficar animada com esse cachorro morto num pedaço de papel. — Gamble falou.
— Quem disse que eu fico animada só com ela? Eu me animo com pix, cheque, conta digital, criptomoeda hahaha. — Jael estava feliz.
Conversaram até o carro e entraram no Smart Fortwo vermelho. Jael era a motorista. Por fim, os dois seguiram a caminho do último endereço:
17h33, Rua das Pérolas, 1666.
— Qual vai ser meu man? — Gamble perguntava no telefone.
— Não sou seu man. Qual o nome do dividendo? — a "voz" questionou.
— Nome do dividendo? — Gamble sussurrou para Jael, tapando o microfone do celular com a mão. Ela abriu o caderno preto e respondeu:
— Eurico Montagem.
Gamble repetiu o nome do dividendo no telefone e esperou a resposta.
— Alma. — a voz falou alto e claro.
— Certeza?
— Alma! — a voz exclamou mais uma vez.
Gamble desligou e passou o comando para Jael.
— Droga! — ela reagiu.
— Qual papo desse Montagem? O que ele fez pra tá nesse nível da lista? — Gamble estava curioso.
— Loguia emprestado. — Jael leu na agenda.
— Uhull, isso vai ser interessante!
— Só tu mesmo pra achar essa situação "interessante". — Jael apertou o interfone e o segurança do prédio lhes deu permissão para entrar.
Qualquer um reconhecia os cobradores de impostos, ninguém tinha coragem de ficar no caminho deles.
• Alma. O indivíduo teria que pagar com sua força vital a dívida pendente. Significando assim, que ele se encontraria pessoalmente com o Shinigami*, o chefe dos cobradores de impostos.
*Shinigami = Deus da Morte.
O CONTO DO "PLAYBA"
Eurico Montagem era um "playboy" "filhinho de papai" que se chamava "NG" — new gângster — um rapaz de pele clara que dizia ser: árabe, preto, indígena entre outras coisas. Como todo rapaz mimado da época, o andar dele era na cobertura, um andar só dele.
— "Eu curto essas vistas." — Gamble devaneou.
— "Gê" tenha cuidado! Você sabe que os devedores de alma, são os mais problemáticos. — Jael alertou.
— Tá bem! — Ele e Jael entraram no elevador.
Na saída, dois homens caucasianos de meia-idade usando moletom de marca, apontavam submetralhadoras em suas direções.
— Assim que somos recebidos? Ok, ok. — Gamble sorriu.
Enquanto passavam pelo corredor... — "O sangue em minhas veias está formigando e meu coração virou um liquidificador." — Gamble pensava consigo, ele estava animado.
Chegando na porta do quarto do dividendo, Jael gritou:
— Agora! — e decapitou os dois homens de moletom.
— Ué?
— Eu avisei, eu disse "agora!", você me ouviu.
— "Ma", mas por que isso?
— Você queria morrer?
No lado de dentro do quarto havia alguns rapazes pelados, após ouvir o barulho no corredor, vestiram-se às pressas com casacos de cor verde, eram um grupo de lutadores, cheios de símbolos nazistas nas costas, pernas e braços. Cada um pegou uma arma.
Jael bateu na porta falando:
— Sr. Montagem, você tem uma dívida a pagar, abra a porta, vou contar até três ou vou arrombar essa porra! — ela estava ficando nervosa.
— Eurico! Ei "playba", é melhor abrir, minha amiga não flerta com essas coisas. — Gamble tentou falar bem calmo.
Um dos rapazes de dentro do quarto, observava os dois pelo olho de peixe enquanto carregava uma escopeta.
Jael começou a contar:
— Um.
— Dois.
O rapaz engatilhou, o barulho escapou para fora e Jael ouviu...
— Três!
BUM!!
A porta foi arrancada e partida ao meio com um só chute de Jael, que literalmente voou para dentro do quarto, os retalhos de madeira atingiram o rapaz da escopeta, ele morreu na hora.
Gamble entrou em seguida.
— Perdeu barbudo! — um alemão com sotaque bem carregado falou colocando uma pistola por trás da nuca de Gamble.
— "Seria um belo tiro a queima-roupa, explodiria meu cérebro e meu bucket em milhões de pedaços." — Gamble pensou e logo após exclamou em voz alta:
— Isso não funciona comigo whiteboy!
O alemão puxou o gatilho.
CLICK!
A bala emperrou no cano. Gamble segurou a mão do indivíduo e a quebrou em quantos lugares conseguiu, lhe puxou pelo braço e acertou em cheio seu rosto com o cotovelo, afundando seus olhos contra seu crânio. Os outros três indivíduos, ergueram as armas na direção dos dois, já destravando os rifles. Rapidamente Gamble se postou na frente de Jael e disse:
— Olha só gente, nós não estamos aqui devido ao que vocês estavam fazendo na cama, estamos no Brasil e aqui ninguém quer saber da orgia dos outros e olha, só queremos o Eurico e não! Não é porque ele gosta de ter um harém de homens e sim porque ele deve o nosso chefe. — Gamble provocou.
— EU NÃO SOU GAY! — Eurico gritou do banheiro. — Agora parem com essa merda, que o Drê tá passando mal! — finalizou.
Gamble sabia muito bem como "rastrear" as pessoas, sabia que as palavras tinham força suficiente para um "idiota" revelar sua posição.
— Puts! isso é ruim, melhor um de vocês ir lá ver o que tá rolando! — Gamble falava com tranquilidade.
— Tu não manda na gente!
— Sim, cala a boca neguinho!
Gamble tentou manter a calma, mas...
— "Não deixe nenhum branquelo te chamar de neguinho, ouviu bem?" — as palavras de seu mestre Lee Pac ecoaram em sua mente. Gamble ficou furioso.
— Eu infelizmente, infelizmente... vou ter que arrebentar todos vocês, eu queria isso? Não, sim, talvez, "maisomeno" sim, entretanto... era só pela profissão, eu tenho prazos, um chefe para obedecer e boletos para pagar, quem não tem? — Gamble respirou fundo. — Mas agora, agora é pessoal!
CLICK!
CLICK!
CLICK!
Todos apertaram o gatilho ao mesmo tempo, alguns forçaram, mas nada aconteceu. Então arremessaram os rifles em cima dos dois e atacaram. O maior dos três atacou Jael no canto direito do quarto, atirando a moça na parede. Os outros dois, lutaram para deter Gamble.
Usando os joelhos, cotovelos e cabeça, Gamble quebrou tantos ossos quanto pode contar. Entretanto, os dois que lhe atacavam, os irmãos SS, possuíam um Logia de regeneração, facilitando assim seu objetivo de imobilizar todo o corpo de Gamble, lhe dando chaves de braços e pernas.
Gamble olhou para Jael surpreso.
— "Eu sabia que ia ser difícil, mas nem tanto..." — pensou.
Jael olhou de volta franzindo as sobrancelhas.
— "eu te avisei!" — mentalizou.
Jael estava encurralada, com uma lâmina em mãos, esperava mais um ataque daquele "armário". O lutador chamado também de Cthulhu, possuía um Loguia que metalizava algumas partes de seu corpo, dificultando as investidas de Jael.
— "A pele dele vira metal em algumas áreas apenas, entretanto para continuar com seus movimentos, precisa deixar as articulações livres, assim que ele bobear, uso minhas lâminas para perfurar suas juntas e acertar suas artérias." — Jael raciocinou.
Jael era uma estrategista, sempre tinha algum plano em mente. Sempre matinha a calma. Ela não desistia de uma luta enquanto não achasse uma saída para vencer.
— Já chega! — Eurico saiu do banheiro berrando!
Cthulhu se distraiu olhando para trás. Jael lhe rendeu, colocando-o de joelhos sob a mira de uma de suas lâminas. A ponta da espada pairava sobre a garganta do indivíduo.
— Um movimento e ele morre! — Jael exclamou.
— Um movimento e seu amigo morre! — um dos SS retrucou, apontando a escopeta para o rosto de Gamble. Enquanto o outro SS o imobilizava com um mata leão.
CLICK
CLICK
CLICK
Em um movimento repetitivo, alertou: — Sabemos que o Loguia do seu amigo é de desativar tecnologia, dá para ver pelo jeito que ele se veste e pelo fato de não ter nenhuma arma consigo. Me diga, quanto tempo será que vai durar se eu ficar forçando o gatilho da espingarda?
Jael olhou para Gamble e perguntou indignada:
— Como assim você não trouxe o terçado?!
— Eu... esqueci... — Gamble respondeu quase sufocando.
— Chefe, pode correr, cuidamos deles. — Cthulhu falou — o Loguia dessa mulher está nos anéis, ela usou quase todos, essa é a última lâmina dela, eu dou conta. — parou de falar quando sentiu uma pontada na pele. Jael forçava levemente a espada em seu pescoço.
— Eu já disse chega. Eurico começou a lagrimar. — O Drê tá tendo uma overdose!
— Quem... é... Drê? — Gamble perguntou com dificuldade.
— O namorado dele! — Cthulhu falou uma última vez quando sua testa foi atingida por uma bala.
— Eu já disse que ele não é meu namorado. — Eurico falou soluçando com a pistola fumegando nas mãos.
Jael prontamente decapitou Cthulhu, queria ter certeza de que o homem não ia mais levantar.
O estrondo do crânio caindo no chão foi seguido por uma luz vinda do banheiro.
BLAM!
O gatilho da escopeta foi puxado, por poucos centímetros Gamble não foi atingindo em cheio, mas teve a orelha direita arrancada. Rolou para longe do cadáver do SS que estava lhe imobilizando. Os projéteis atravessaram o crânio daquele SS, explodindo-o no canto esquerdo do quarto, seu sangue atingiu o teto, seu corpo sem cabeça caiu inerte.
— Eu contei oito cliques seu filho da puta, oito cliques para a arma destravar, olha o que você fez com meu irmão, agora é sua vez! — O outro SS gritou enfurecido.
Mirando o corpo de Gamble, apertou o gatilho.
CLICK
— Faltou um. Seu nazistinha de merda! — Gamble acertou o SS com o joelho. Arremessando o rapaz na parede.
Eurico correu para o banheiro, Jael foi logo atrás do alvo, o rapaz estava com a pistola nas mãos, sentado no chão chorando sobre o corpo de Drê que tremia e espumava pela boca, vomitando algo amarelado.
— O que foi que aconteceu com ele? — Jael perguntou.
— Sai daqui neguinha! — Eurico apontou a pistola na direção dela. — A Loguia do seu parceiro desativa nossas armas, mas o seu, faz isso também?
Jael colocou as mãos a vista, tentava acalmar o rapaz.
— Olha aqui moleque, eu só não te fatio ao meio porquê preciso te levar vivo ao nosso chefe e eu posso tentar ajudar teu amigo, então abaixa essa arma, não quero te ferir!
— Eu já disse, sai daqui sua preta fedida!
— Já chega!
Jael era uma mulher calma e focada, não curtia a ideia de sair distribuindo tapa. Mas...
— "Às vezes precisamos revidar." — Jael lembrou das palavras da mãe.
Os braços de Eurico vieram ao chão, o sangue dele manchava os ladrilhos do banheiro beje.
— Ahhhhh!! Filha da puta!
— Respondendo sua pergunta, meu Loguia não, não desativa armas como a do Kurumim, — ela falava de Gamble — o meu é um pouco diferente. Está vendo os desenhos nas unhas? Cada unha, uma lâmina! Seu amigo acreditava que meu Loguia é transformar meus anéis em espadas, mas estava enganado, meu real poder está nas minhas garras de acrigel!
Enquanto ela discursava, Eurico chorava e se debatia de dor no chão, seus braços foram decepados, seu sangue espirrava por todas as paredes, sentindo uma dor alucinante e vendo seu sangue jorrar para fora dos meus membros, ele não conseguiu prestar atenção no que Jael disse.
O corpo de Drê, começou a tremer mais forte.
— O que tá acontecendo com ele? — Jael perguntava ao rapaz.
— É... é o Loguia dele.
No outro compartimento, Gamble finalizava o último SS que ainda estava tentando se manter de pé. Uma sensação de vertigem lhe acertou por alguns segundos, então estancou o sangue que escorria da orelha e foi até o banheiro. Jael estava fazendo um curativo nos braços do dividendo.
— "Os quartos desses riquinhos sempre tem de tudo." — Gamble pensou consigo.
Incluindo caixas e caixas de primeiros socorros vindos do exército, era só ter contato com ex-militar para conseguir dinheiro, armas, equipamento, etc.
— Nem vou perguntar o que aconteceu... — Gamble falou com tom sarcástico enquanto procurava gaze e bandagens.
— Eles todos são uns racistas pau no cu!
— É, eu percebi. E o tal Drê, é esse corpo aí com vômito na cara?
— Sim.
— E aquela explosão de KA*, foi quem?
— Foi dele.
— Do menino semi-morto no chão? Égua!
— Eu e ele... — Eurico começou a falar — queríamos saber qual é a sensação de estar chapados com nossos Loguia's. Mas o meu tempo de usar já acabou...
— Imaginamos, você tá atrasado no pagamento, nosso chefe quer sua alma. — Jael disse com tom firme.
A pia do banheiro estava cheia de cocaína e mais algumas pílulas azuis.
— Hahaha tá me dizendo que você é mais burro que os de lá de fora? Precisou emprestar Loguia do nosso chefe, só pra agradar a galera? Alguns de vocês são muito idiotas! — Gamble continuou rindo.
— O que seu amigo pode fazer? — Jael perguntou curiosa.
— Vai se fuder!
Jael encaixou as garras no pescoço de Eurico e ameaçou:
— Responda a pergunta! — apertando a garganta do rapaz com força.
— Ele... ele pode se transformar.
— Em quê? Eu perguntei, em quê? — Jael forçou.
Drê começou a levitar no ar.
— Em um dragão! — Eurico finalizou.
Gamble viu uma luz vinda do corpo pairando acima de sua cabeça, arregalou os olhos, sorriu e pronunciou animado:
— Eu sempre quis matar um!
A luz engoliu o quarto.
Bum!
O monstro se revelou.
O quarto explodiu e os três foram arremessados para fora do prédio. Gamble e Jael estavam jogados no chão por debaixo de escombros. Jael levantou-se primeiro e foi ajudar Gamble.
*KA: Palavra egípcia para energia vital.
— ROAAAAWWWW!
Avistaram o animal alado cuspir uma labareda de fogo em cima de Eurico e logo depois devorar o cadáver carbonizado.
— Lá se vai nossa missão. — Gamble falou.
— Lá se vai meu bônus! — Jael pestanejou. — e agora, qual é o plano?
— Pensei que você quem cuidava dessa parte. Quer saber, foda-se, nossa missão fracassou... e agora tem um dragão nazista "cheiradão" voando pela cidade de Belém. — Gamble falava no telefone com a "voz". Em seguida desligou, virou-se para Jael e disse:
— Preciso do meu terçado, pega ele pra mim aí no porta malas por favor?
— Ah não, não me diga que...
— Sim, isso mesmo! Agora o monstrengo nariz de talco é nossa missão.
— Vamos ser pagos por isso?
— "Nop."
— Puta que pariu "Gê"!
— Vamos?
— Você tá a fim de confusão né?
— É meu aniversário.
— Te odeio… tá, tá, vamo.
Fim.
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SEQÜÊNCIA 9 - A ILHA DO PESCADOR
A estiagem prometia vingar. A roupa seca e limpa acalentava os planos de André de seguir os passos do Pescador. Mas, os revezes do tempo encharcavam em dilúvio o suadouro do vapor que subia. Era um pé d’água que caía. Coisa comum pelas bandas quentes de lá; mesmo na invernada. A charneca de repente toda inundada num lamaçal só. O mormaço amornava o cangote do disposto caminhante, tal se mostrava André, que a despeito da torrente, abria picada na mata, recusando-se a esperar dias a fio no mesmo lugar. Um índio curumim desafiava em sua noviça forma física cada pernada numa carreira que deixava qualquer pé-de-vento pra trás. Dizia-se ser fragosa empresa pra encurtar as noites e os dias. E André, mais fragoso ainda em seu encalço. Alteadas as horas finais da silente jornada, quedaram empedernidos, livres de desventuras. Dali em diante, era André tomar o rio em curso, e dar no litoral. Mas, os humores na atmosfera não cediam. Ambos deram na extremidade do aguaçal que violentava o rio. Amarrado a uma árvore, desemborcaram ali um casco de madeira e botaram-no no escoadouro das águas: O ubá. Dando com o volumoso caudal no peito o curumim embalou o que pôde pra longe o "bote", e o deixou correr abaixo. André não se pegou com os anjos, nem coisa nenhuma de fé, porque não cria. Ou esperava um dia em que de fato precisasse. Era ali onde ela agia. A fé. O algo invisível a que nos apegamos pra tornar possível o impossível. Mas ali, era medo. Medo de perder o controle: do ubá. De ser arrastado no meio da correnteza. E de morrer afogado no meio do rio. Não sabia remar. A coisa para manter-se grudado no banco da frente da embarcação não tinha nome: era um misto de muito necessitar de coragem, com sorte, e um sem explicar de acreditar, que é esperança. Agia. Sabia que agia. A coisa toda. E sentia que agia. Mas, nesse caso, achava que só se atrevia a reconhecer como um pequeno milagre a intrépida travessia em seu disfarce de tiquinho de façanha, depois de passado pelo perrengue da aventura. Terêncio o avisara: "no rio não tem segredo. Vai onde a água flui. Mas, antes da corredeira que vai dar no mar, embica pra margem. Dá canseira, se água tiver forte. Rio enche na chuva. Não dá no mar que a sorte tá lançada. Ubá não güenta, vira".
Naquele primeiro embalo balangou traiçoeiramente pra lá e pra cá, e estranhou o desequilíbrio da falta de apoio, sentindo-se refém da ondulação. Tomou jeito aos poucos, pondo na vista e nos ouvidos a atenção pra se guiar. Não havia muito o que fazer. O remo ainda era de pouca utilidade. O chuvisqueiro forte chiado na cabeça ia longe na paisagem mergulhado no rio. Num marulho. Varreu 2 km de extensão, e uma caudalosidade maior foi sentida. As corredeiras deviam estar mais fortes dali a uns 5 km. Ao longe, viu pedras no caminho. Ficou atento ao esforço que faria até a margem. E temeu não conseguir. Sentiu a pressão sob o remo, e não gostou. Como desviar num ângulo preciso, não sabia. Provou do esforço, e não arredou pé um milésimo. Remou à direita, direcionando pra esquerda, e nada. Sacou que tinha que impôr mais velocidade. Mas, antes que seus braços cansassem, decidiu guardar energia pra hora da necessidade. E essa passou. Seus braços acordaram tarde. O rio acelerou. Num minuto estava em cima das pedras e um chumaço de espuma já se formava. À destreza e à velocidade, agora tinha que juntar a força. E tinha a pressão contra o tempo. Já logo era o mar. E cabia num só braço de beiral de terra o espaço em quê se agarrar. Era quase tarde quando sua vista o desenganou. O que de longe parecia mal decerrar a figura de mãos no ar acenando entre frondosos troncos de árvore, inacreditavelmente era real. E um ímpeto de energia o impeliu até lá. Até ali era uns 500 metros. Arredou como pôde das pedras, e num minuto só, aprendeu a remar. Uns arranhões foram necessários. Era fatal qualquer letargia. Na verdade estava lançado numa espécie de fé prática, daquela que move montanhas quando posta em prática, mas ali aparecia apequenada.
(Mas, não era exatamente nisso que acreditava: na fé. Também no que cria não se tratava de acaso ou destino (predestinado); sabia que eram coisas diferentes. Mas, achava que se o homem pudesse mudar sua sorte (frente ao acaso ou ao destino, o que era indiferente - um ou outro) era um herói, e aí não cabia uma questão de fé. E sim, um super-homem. Era um ato de vontade. Por isso não cria. Não numa metáfora religiosa, distorcida de dogmas e preceitos morais limitantes que passassem por cima do filtro científico e filosófico na compreensão e entendimento das coisas do mundo e do universo para além do que é mesmo conhecido. Pra ele era bem-vinda a necessidade de postura científica ou analítica nos fenômenos de natureza inexplicável, e nisso também entrava a fé. Mas, sabia que isso não bastava: a explicação não basta à experiência. Como explicar o que é fé a alguém que a sente? A vive, a experiencia ... gostava de encarar a questão da crença como objeto de estudo como a tomava uma Antropologia ou Neurologia da vida, ainda que fosse um bruto nisso. Podia viver uma experiência de fé na vida um dia, mas preferia permanecer estóico e existencialista enquanto pudesse. Porque a razão o guiava. Não a dogmática, cientificista, positivista. Tinha, curiosamente, afeição pelos paradigmas científicos mais flexíveis que desafiavam o limite em que a ciência deixa de ser "ciência": fossem fenômenos sobrenaturais, práticas ocultistas, a própria metafísica, ou medicinas holísticas, ou Psicanálise Analítica Juinguiana, ou o infinito campo de manifestação desse não "provado". Esses paradigmas, como já de conhecimento, aproximam muito ciência de espiritualidade.
Ele era crente nesse sentido. Em cultivar uma essência humana atrelada ao divino dinâmico que é harmonia e paz. Mas, que ao longo da racionalização crescente da humanidade, sobretudo com a rapidez com que se deu nos últimos séculos, foi sendo cada vez mais encoberta. Acreditava num si mesmo que nos conecta ao Todo saudavelmente ... que desperta e realiza em cada um o que há de melhor, e multiplica. Não um EU egóico adoecido, sem vida. Mas, uma consciência não direcionada pras coisas nem pra sobrevivência de um tempo das cavernas. Mas, pra um autoconhecimento e potencialidade pra realizar o propósito a que se veio ao mundo. Isso era crença pra ele. Isso era libertador. E contagiante.
Quanto à sua "fé" ainda, ele primeiro ponderava que não se tratava da fé em sentido religioso restrito, mas que a questão da fé era uma coleção de coisas. E que ele na sua pequena bolha sequer podia imaginar. Meramente cogitar; mas, que sim fazia bem explorar. No sentido de conexão com esse divino que humaniza. E freiar, pelo menos, o que desencanta. Um quinhão de sagrado na beleza das coisas é fundamental para dar sentido à existência. Sem a qual ela não há. Ou não é possível. E vivamos! Ele concluía. No fim achava, era uma opção - no fundo -, acreditar no "ser", e trabalhar pra ele. As maneiras eram várias, mas davam no mesmo lugar: a Ética, a Moral, a Religião, a Espiritualidade. Quem vê luz, tem luz; quem vê treva, tem treva. Nisso, enfatizava o livre-arbítrio. Talvez a luz fosse a melhor escolha, mesmo em meio à treva, a que um indivíduo se dispusesse considerando que pudesse ser mais feliz; do que se tomasse o outro caminho de não crer, fosse no que fosse, como fosse. Talvez crer trouxesse luz, e desse ao quê enxergar de melhor. Não necessariamente de bom. Pois, há limitações para além do controle.
Não questionava que existisse o poder de se mudar a sina de uma pessoa se esta acessasse pela fé essa fonte primordial de poder transformador, sendo mesmo coadjuvante nela. Pensava que se fosse isso, talvez a fé que era correntemente vista - ele achava -, como algo enigmático pra uns e concreto pra outros, sem forma física a priori ou impalpável, invisível ... agisse como uma força espiritual posta em movimento, e que fazia alcançar no final de um árduo ou desprendido processo de entrega a um Ser Superior, uma "graça", um objetivo, um "livramento", uma "salvação", seja pra conquistar um objetivo bom, seja pra superar um obstáculo até mesmo insuperável.
Para ele, havia aqueles que viam a fé por todos os lados o tempo inteiro, e talvez esses fossem, ele achava, os mais felizes! E era desses que ele mais gostava! Nesses, os milagres eram incorporados no cotidiano. E vividos a cada gota de alegria e suor, tristeza e dor, perda e vitória. Viviam sem desculpas, com gratidão e coragem. Eram realistas. Mas, eram poucos, ele achava. E viam no ar que respiravam, e na beleza da sutileza contemplativa das coisas o maravilhoso efêmero e eterno no vôo de um pássaro. Nesses milagres ele acreditava! Exatamente, principalmente, esses pequenos milagres de todos os dias. Para ele, esses eram sagrados. Não tinham que nos testar com o sofrimento extenuante, desses enormes e insanos, para saírmos mártires ou "purificados" e sacramentados como um dever que devêssemos prestar a um Deus. Deus pra ele não era nem punitivo, nem corretivo. Se existisse, e claro existia sim, mas pra ele sob outra ótica, a da majestade da criação encontrada na natureza, em que ele se encontra escondido por trás dos mistérios de forma contemplativa, mas por cá entre os humanos era sobretudo um ato de consciência plenamente dotado de liberdade sobre a qual nos pesa uma terrível responsabilidade sobre nosso destino (aquele feito por nós) e o dos outros concomitantemente, sendo o que nos faz justamente seres de moral ... nesse Deus ele acreditava. Pra ele, esse existia. Sem necessidade de muitas definições e certezas, que era o que criava barreiras entre tantos homens e culturas, mas um estado de presença apenas. Acreditava num Deus simples. Orador. De orar. O que no fundo ele acreditava - e que entendia por fé -, era um truque do nosso cérebro pra dar conta da finitude do nosso ser e da nossa condição de sofrimento e solidão, que no fundo não agüentamos. A aceitação era a conquista maior sobre essa condição. Era uma postura mais filosófica, numa embocadura com a Psicanálise. O homem é frágil, simplesmente isso, concluía. E tem que dar conta disso. Nem por isso deve se deixar abater. E, como dizia Sartre, filósofo do Existencialismo, Deus pode até existir, mas não é necessário. Cabe a cada um fazer o trabalho. Para André, filho de uma civilização ocidental, milagres eram sempre provas de autosuperação. No mais não passavam de "crendices". Mas, as respeitava como um ronco profundo do longo sono de um povo. Com a diferença que os mais primitivos tinham a vantagem de não criar fora de suas crenças as porcarias que a civilização criava justamente pela ênfase dada à razão).
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