FOTOGRAFIAS DESERDADAS > Rubens Fernandes Junior
Em uma era em que a reprodutibilidade da imagem é intensa e o pensamento da fotografia é moderado, para não dizer muito brando, Fotografias Deserdadas (Tempo D'Imagem, 2022), livro do professor, pesquisador e curador paulista Rubens Fernandes Junior coloca-nos diante de algumas questões, como a possível razão para uma produção tão exagerada, quase sempre "dispensável" para maioria absoluta da crítica, e quais os quesitos que conferem alguma importância a uma imagem. O que é possível sobreviver em um mundo onde o descarte imagético é mais prolífico do que as seleções mais criteriosas da fotografia?
Fernandes Junior é um colecionador não somente de imagens de consagrados autores, que podemos ver no livro Percursos e Afetos Fotografias, 1928-2011 (Pinacoteca do Estado, 2011) e também de coisas mais simples, mas interessantes, que encontramos em Papéis Efêmeros da Fotografia (Tempo D'Imagem, 2015) [ leia aqui review https://blogdojuanesteves.tumblr.com/post/118798545271/papeis-efemeros-da-fotografia-rubens-fernandes ]. Em seu novo livro ele trata de uma grande série de fotografias raramente identificadas e em sua maioria circunstanciais. Como ele mesmo explica nesse apanhado reservado para a publicação oriundo de décadas de dedicada coleta a satisfazer sua curiosidade incansável por esta mídia prestes a completar 200 anos. A ideia do "anônimo" acima de tudo lhe atrai: "Todo o conjunto de dados, ou melhor a falta deles, foi o atrator estranho que despertou em mim o desejo de adquirir e preservar estas fotografias..."
Em Fotografias deserdadas, encontramos imagens vindas de sebos, feirinhas bric-à-brac e mercados de antiguidades, "Tudo aquilo que teve seu fim determinado por aqueles que, em tese, eram seus proprietários." escreve o pesquisador sobre uma parcela ínfima de sua grande coleção, embora de relevância pelo resumo de um olhar arguto construído em algumas décadas de estudo, pesquisas e no exercício curatorial. Pequenos portfólios divididos em 13 capítulos acompanhados de importantes considerações na discussão sobre o que é e o que não é uma imagem que vale a pena ver, discutir e acima de tudo a ideia da sua preservação.
Sobre a "Paisagem" Fernandes Junior nos explica que este recorte sempre foi uma tradição das artes visuais. A ideia da provocação da percepção do leitor inclui detalhes - que até mesmo podemos anexar a outros segmentos- como a escala, volumetria, ponto de vista entre outras categorias espaciais. Ele define seu conjunto como a representação de "experiências reconhecidamente advindas de convenções pictóricas e literárias."
No entanto, continua o autor, "são fotografias produzidas despretensiosamente, que agora, inseridas em novo contexto de leitura, clamam por nossa atenção. Exigem uma imersão com outra densidade cultural. Tudo isso para melhor adentrar essa aventura de desvendar o enigma que cada uma delas insinua, abala e desequilibra nossas crenças." Sua proposta é que ainda é possível interpretar o reconhecimento ou o estranhamento que emerge, atiçando a memória a surpreender a nossa sensibilidade. Certamente o que nos leva a pensar como um gênero tão primordial ainda sustenta-se no turbilhão de bilhões de imagens aleatórias produzidas e como o meio reinventa-se sistematicamente em um desafio constante.
Em "Estúdios e Cenários" o autor descola o eixo dos personagens para ênfase do ambiente do estúdio fotográfico e seus cenários. "É interessante aprofundar o olhar nesses cenários e refletir um pouco sobre o repertório de imagens que, acrescidas à fotografia, cria situações que muitas vezes beiram o absurdo. Colunas tridimensionais, pinturas de florestas, paisagens, escadas, rios e lagos, vasos com flores (artificiais?) são parte desse imaginário universal do fotógrafo retratista."
A prática social, particularmente na questão do retrato, criou estratégias de representação, uma importante abordagem da fotografia, define o autor. "O retratista é o mágico que insere na imagem visualidades que qualificam e reforçam a ideia de eternidade do instante efêmero." O portfólio é um conjunto em que os personagens são transpostos para o repertório do fotógrafo. Seja um grupo de crianças fantasiadas que tem como fundo o Pão de Açúcar; a pompa do elegante senhor e seu cavalo em uma floresta; uma imagem cômica de dois rapazes, um deles sentado em um cavalinho de pau, onde o trompe-l'oeil estranhamente reproduz uma paisagem talvez inspirada em alguém como o anglo-americano Thomas Cole (1801-1848), entre o romantismo e o realismo. Imagens de pessoas mais modestas, as quais são elevadas pela inclusão de um cenário empolado e de certo modo mais teatral.
Importante também, apesar de algumas fotografias soarem fascinantes e incompreensíveis em seu mistério, diz o pesquisador, as imagens coletadas para ele testemunham e denunciam a mentalidade do descarte. Mas, o que lhe intriga é que "elas contemplam um tempo indeterminado. O que marca estas fotografias é justamente o intangível que nelas habita." ao lembrar o francês Roland Barthes (1915-1980) "a imagem é o veículo das pulsões, tabus, afetos, forças irracionais e intuitivas." completa Fernandes Junior.
Aqui vemos que apesar do anonimato de seus autores, algumas fotografias transcendem o aspecto comum. Interessante para contrapor ao nosso tempo onde muitos parecem dedicar-se menos ao conteúdo e mais a uma determinada autoria cultuada, como é visível principalmente nas redes sociais. A contemplação pelo autor e não por suas imagens, sugere um viés contemporâneo mais niilista, onde o que importa é ser mais uma "celebridade" virtual do que mostrar algo realmente interessante, o que é corroborado pela efemeridade da fotografia nesses suportes.
O capítulo "Simulações" nos propõe uma discussão muito pertinente hoje sobre a representação da realidade, em especial quando discute-se o fotojornalismo no país. Para o autor, durou pouco tempo a ideia de que a fotografia representava uma espécie de verdade. O interessante é que ao mesmo tempo em que esse estigma - fotografia é a representação inquestionável da realidade - fortalecia a operação entre fotografia e mundo visível, nascia a possibilidade de surgir, pela primeira vez, uma linguagem maquínica que questionava esses cânones. Tão logo a técnica foi dominada e codificada, muitos usuários já experimentavam expandir a imagem de base fotográfica."
Fernandes Junior reúne neste tópico uma série de imagens feitas na pequena cidade mineira de Poços de Caldas, cujas manipulações constroem uma espécie e imaginário coletivo produzida por cenários desenhados, onde a inserção é somente da cabeça do personagem, algo que possivelmente quase toda família brasileira com alguma posse fazia por volta do início do século XX e mais adiante: o tradicional par de um casamento; ações de heroísmo como lutar com um tigre, um jacaré ou um touro, ou coisas mais curiosas ainda como um senhor que coloca sua cabeça em um corpo de uma dançarina insinuante, além dos indefectíveis passageiros nas janelas de aviões.
"Quando se pensa em fotografia, se pensa em retrato." Fernandes Junior explica que ambos são quase sinônimos. No capítulo deste, "Retrato", que talvez seja o gênero mais popular da fotografia, como ele mesmo diz: "Em quase todos os módulos as imagens têm a predominância do retrato que reforça essa relação muito particular e curiosa. Uma singular identificação entre técnica (a fotografia) e gênero (o retrato)."
As abordagens são clássicas: Mulheres posando como noivas, ou vestidos de baile, ou recatadas com um livro às mãos; os grupos escolares, tanto de crianças ou de formandos da faculdade, com suas simetrias tradicionais, e até mesmo uma bela fotografia carnavalesca, de mulheres em um carro de corso a nos lembrar do reverenciado fotógrafo alagoano Augusto Malta ( 1884-1957) radicado no Rio de Janeiro e grande cronista do final do século XIX e início do XX.
"Desde Leonardo da Vinci o homem é fascinado pelas máquinas.", introduz o autor à categoria "Homem e máquina". Afinal, as máquinas foram fundamentais para diminuir o esforço humano, acelerar processos produtivos e produzir novos deslocamentos. Nesse sentido, esse grupo de fotografias evidencia o desejo humano de se aproximar dessas tecnologias de velocidade e movimento que causavam sensação plena de liberdade.
A proposta é quase literal, com pessoas interagindo com trens, carros, bicicletas ou aviões, a nos recordar o genial francês Jacques-Henri Lartigue (1894-1986), que de maneira "amadorística" traçou a evolução técnica da humanidade do início do século XX em suas poéticas imagens. Para Fernandes Junior, "A identificação dessas tecnologias com um futuro imaginário cumpria um papel de fantasia e ficção científica. Estar ao lado desses veículos, com seus designs arrojados, era registrar sua presença física num momento particular."
Outra analogia está em "Homem e cidade" que nos leva a popularização do meio, que, como diz o autor, "entrou no cotidiano das famílias." nos levando também aos primórdios da imagem publicitária: "Os anúncios propagados pelas maiores empresas buscavam mostrar que não era difícil dominar a técnica fotográfica. Registrar a família, as férias, as viagens, os passeios e organizar as imagens em álbuns significava construir uma narrativa afetiva no tempo e no espaço."
A ideia da "Fotografia como certificado de presença - "sim, eu estive lá - garante a construção da memória familiar, que a cada olhar, a experiência documentada possibilita reviver o momento vivido com alguma intensidade. As fotografias são como vertigens do tempo: acionam os gatilhos da memória e das lembranças e permitem que o passado se torne presente novamente. Uma boa leitura sobre este aspecto é o livro Picture Ahead- A Kodak e a construção do turista-fotógrafo (Ed.do Autor, 2016) da pesquisadora e artista cearense Lívia Aquino, [ leia o review aqui em https://blogdojuanesteves.tumblr.com/post/158355830541/picture-ahead-a-kodak-e-a-constru%C3%A7%C3%A3o-do .]
Para o pesquisador no capítulo "Estranhamentos" há algo de especial nas imagens que clamam por uma indagação. "Particularmente, aquelas que provocam alguma pulsão irresistível, invocam algum drama, nos empurram para as fronteiras entre o familiar e o estranho. Geralmente são retratos que, a despeito das semelhanças formais e da frontalidade intrigante, exercem uma tensa relação entre a figura e o observador...". "Imagens engendradas numa atmosfera contraditória que povoam de mistérios nossa curiosidade. Afinal, quem seriam esses personagens desconhecidos que permitiram que suas fotografias fossem atravessadas por uma lógica indecifrável?"
A referência é ilustrada por fotografias que ora são representações mais notáveis, como a mulher que segura uma bandeja com uma cabeça, na porta de sua casa, uma alusão bíblica a Salomé e o triste fim do evangelista João Batista a uma fotografia mais nonsense de mulheres na praia e uma pessoa vestida de urso; o bizarro de uma formação de crianças como uma escola e uma pequena boneca no chão, a nos lembrar da franquia cinematográfica Chucky, de 1988, ou a ideia da representação do nanismo, hoje politicamente incorreta, como o palhaço de circo ou mais comparativa à sua escala como objeto exótico, o que nos leva mais além do que certa curiosidade pelas construções das mesmas para o entendimento da própria sociedade e suas mazelas.
Rubens Fernandes Junior propõe também discussões mais ontológicas em "Espelho e Sombra": Se a luz é o instrumento da visão, a sombra é a sua grande antagonista. A nova experiência de olhar o mundo através da fotografia é resultado da transformação da percepção e do estranhamento causado pela surpresa instaurada pelas máquinas produtoras de imagens, onde a informação contida na sombra também é um auxiliar fundamental para o aprimoramento visual. Vale lembrar do famoso arquiteto americano Philip Johnson (1906-2005) que dizia não saber o porquê dos fotógrafos se importarem tanto com a luz quando deveriam preocupar-se com as sombras.
Em suas imagens, vemos a ideia direta da distorção, como observamos na obra do genial fotógrafo húngaro André Kertész (1894-1985); relações mais diretas como ao mito de Narciso; a introdução do próprio fotógrafo pela sua sombra, uma recorrência infinita no corolário contemporâneo, ou a simples tentativa do fotógrafo em sair do comum, caso de uma imagem em que a criança olha para câmera, mas através de um espelho, ou a inclusão de pessoas no mesmo, fugindo do corriqueiro portrait outrora com fundo de um trompe-l'oeil.
Certamente o capítulo "Crianças" não poderia deixar de existir e o extrato da coleção de Fernandes Junior é representativo no alcance de inúmeras analogias à grandes clássicos da fotografia, o que levanta a questão que inicia este texto quanto as circunstâncias em que a maioria das imagens são "deserdadas" e outras não, como a imagem de gêmeos e sua conexão imediata com a americana Diane Arbus (1923-1971); ou o menino com um pomposo traje, que nos levaria a obra do alemão August Sander (1876-1964) em sua importante série Homens do Século XX, da década de 1920 não fosse o fundo pintado do estúdio fotográfico, ou a bela menina negra à obra do americano Gordon Parks (1912-2006).
"Walter Benjamin ao comentar o retrato de Kafka, aos seis anos de idade, numa "espécie de paisagem de Jardim de Inverno" afirma que vê um "olhar desolado e perdido", e ainda segura "um enorme e desproporcional chapéu". Seu comentário torna-se factível quando acessamos essa fotografia. Mais tarde, Roland Barthes", logo após a morte de sua mãe, encontra um retrato de estúdio, dela com o irmão quando crianças, que simulava "uma pequena ponte de madeira num Jardim de Inverno" Continuando, Barthes escreve: "observei a menina e encontrei finalmente minha mãe". Essa fotografia poucos conhecem, mas ela deve existir. Nas duas passagens, o mesmo Jardim de Inverno e a mesma impossibilidade de decifração imediata, escreve Fernandes Junior.
A psicanalista e professora da FFLCH/USP e da FAAP, onde Fernandes Junior é diretor da Faculdade de Comunicação e Marketing, escreveu um posfácio em tom poético: "Quem é digno de ser fotografado? Quem tem lugar de honra. Quem é o centro e funda o polo de atração do campo? O contrário do avesso. Que é: quem é excluído da cidadania e da imagem?" posicionando a questão fundamental do livro em meio às questões contemporâneas, de que hoje em pleno século XXI - "muito além da época das fotos retratadas neste livro, somos obrigados a sorrir, a rir, e mesmo a ler a realidade pela ótica do Witz* do humor, do meme. Já dizia Freud: aí está uma das formações do inconsciente, uma das maneiras de o aparelho psíquico operar o retorno do recalcado."
Em "O corpo e movimento" as imagens anônimas alcançam representações de imagens de autores importantes, como o já citado Lartigue ou aos alemães Herbert List (1903-1975) e Leni Riefensthal (1902-2003), esta com sua estética nazista, e até mesmo as abordagens do mexicano Manuel Álvarez Bravo (1902-2002). Considerações sobre a expansão imagética que misturam-se entre o imaginário popular espontâneo e aquele produzido intencionalmente por profissionais, mas que provocam o pensamento sugerido por Maria Homem: Quem é digno de ser fotografado ou quem é excluído?
O autor entende que “a democratização da fotografia e sua intensa propagação propiciou novas abordagens em relação ao corpo. Essa popularização e acessibilidade muito contribuíram para a prática da autorrepresentação e da autoimagem. Uma pluralidade de olhares se insurgiu e com eles outros modos de ver e representar o corpo, o movimento, os gêneros e seus papéis sociais. O corpo passa a ser visto como um lugar de representações." o que pode ser visto, segundo ele, em outros conjuntos publicados.
Fernandes Junior argumenta que "há um lado hedonista da cultura do corpo livre, que os alemães denominaram de "Freikörperkultur"**. Essa nova sensação de liberdade foi a maneira encontrada para liberar a tensão na sociedade burguesa brasileira, profundamente restritiva. Nas primeiras décadas do século passado, a fotografia encontrou na representação do corpo livre e seus movimentos a possibilidade de resistir ao avanço da modernidade industrial e suas imposições cadenciadas e repetitivas." Não obstante à acertada colocação, a propagação desta manifestação não encontra tanta liberdade entre as mídias mais usadas e a censura instalou-se paralelamente, assim como atuava em tempos passados, ainda que o hedonismo seja a palavra chave para a vida contemporânea.
Já em "Coincidências estéticas", a obra toca em um tema frequentemente visto e que em determinados níveis ( plágio ou apropriação artística) costuma gerar polêmica, ou no mínimo uma incompreensão. Para o autor, "Muitas destas fotografias deserdadas surpreendem pela sua plasticidade - singularidades estéticas que invariavelmente remetem a outras imagens, publicadas e circuladas no período histórico da modernidade. Ao se deparar com essas fotografias, não apenas é possível relacioná-las com as vanguardas europeias, como também estabelecer aproximações diretas com as diversas sintaxes imagéticas."
É o caso de imagens, que usando certa liberdade poética, por exemplo aproximam-se de obras históricas como Le Déjeuner sur L' herbes, do genial pintor francês Édouard Manet (1832-1883) pintada em 1862/63, ainda que a fotografia não tenha a mulher nua que provocou controvérsias em seu tempo. Ou o belo retrato da jovem que remete aos feitos pela inglesa Julia Margaret Cameron (1815-1879).
As coincidências encontram-se em diferentes segmentos da fotografia como Pictorialismo, Fotodinamismo (Futurismo Italiano), Straight Photography (Fotografia Direta), Construtivismo, Fotomontagem, entre outras inúmeras manifestações, que Fernandes Junior considera presentes na produção fotográfica amadora: "Ao olhar para algumas dessas fotografias selecionadas, elas remetem à Édouard Manet, Rembrandt, Jacques-Henri Lartigue, Man Ray, Stieglitz, e tantos outros artistas que, cada um à sua maneira, revolucionaram a forma de ver e entender o mundo visível."
"Casais enamorados, apaixonados. Amantes inseparáveis. A câmera fotográfica não é apenas um aparelho gerador de imagens. E muito mais do que isso. Ela intensifica certas situações, em particular quando envolve uma relação afetiva. Não se trata de um encontro fortuito e sim de um registro que necessita de um fotógrafo que tenha uma especial sensibilidade para transformar a experiência do encontro numa imagem rara. Uma fotografia que exala um clima de afeto." escreve o autor em "Casais", um tópico que certamente teria que ser incluído.
No entanto, Fernandes Junior alerta que "Os retratos de casais aqui apresentados se diferenciam justamente por apresentarem uma situação de extrema cumplicidade. A pose denota uma possível e duradoura relação. Uma proximidade íntima que celebra e eterniza o momento. Não importa o ambiente - a praia, o estúdio, o jardim, o campo, o olhar se volta para a circunstância que fixou a imagem para a posteridade. Ou não, como a pose é muito encenada, essa visível promessa de felicidade pode transformar o idílio numa dolorosa separação." Uma relação que encontramos com frequência nas redes sociais atuais.
"Acidental", o primeiro capítulo, que segue no livro, pela ordem alfabética, traz "uma atenção especial para as fotografias amadoras descartadas que apresentam enquadramentos não convencionais." O autor comenta a sua fascinação pelo tema, sem saber explicar sua atração, mas que "Elas denotam as situações de luz ruidosa, os cortes nos enquadramentos, os erros de fotometragem, os desajustes no sistema de foco, as superposições de imagens, as luzes invasivas decorrentes de eventuais falhas do equipamento, os acidentes eventuais e não intencionais. Uma série de ajustes passíveis de controle que não foram devidamente acionados pelo usuário amador".
Particularmente, segundo ele, são imagens que saltam aos olhos justamente por serem ruidosas e provocativas. "Elas instigam nosso olhar e clamam por olhares mais atentos. Intriga o fato delas terem sido mantidas nas gavetas ou nos álbuns familiares. Seria pelo alto custo do processamento da cópia? Ou pelo inusitado resultado imagético? Ou até mesmo pela singularidade do acontecimento? Não sei. Sem dúvida, com seus defeitos e falhas técnicas, elas provocaram algum espanto nos leitores mais conservadores."
A fotografia, deserdada ou não, antiga ou contemporânea, tem o condão de provocar muitas reflexões. Neste ponto, Rubens Fernandes Junior, amealhou uma coleção que estimula a discussão em torno das suas particularidades, sejam elas imagéticas ou até mesmo ontológicas. São exemplos de como esta sinergia temporal mantém-se juntamente com seu desenvolvimento técnico, perpetuando um imaginário coletivo, ao qual os leitores encontrarão muitas afinidades. Ainda que ele explique que estas "sejam muito familiares e façam parte do nosso repertório visual e aparentemente compreensíveis", há um alerta: "Mas, não é bem assim..."
Imagens © Coleção Rubens Fernandes Junior . Texto © Juan Esteves
Ficha técnica básica:
Concepção, pesquisa e texto: Rubens Fernandes Junior
Texto do posfácio: Maria Homem
Coordenação editorial: autor e Isabel Santana
Edição do texto: Augusto Massi e Rodrigo Petrônio
Projeto gráfico: Ana Soter
Reproduções e tratamento de imagem: Ricardo Tilkian
Impressão: Gráfica Ipsis
O livro será lançado dia 11 de fevereiro de 2023, das 11 às 15Hs
Conversa com o autor as 11:30hs
Na livraria Lovely House- Rua Augusta 2690, Galeria Ourofino, 2º andar, São Paulo.
https://lovelyhouse.com.br/
*uma referência a obra Der Witz un de Seine Beziehung zum Unbewußten do médico e psicanalista Sigmund Freud (1856-1939) de 1905 . Publicada em português como O chiste e sua relação com o inconsciente ( Ed. Imago, volume 7 das obras completas de Freud, 2006), um estudo em que Freud examinou o funcionamento e o significado da piada e apresenta estudos anteriores para conectar características específicas da piada com sua teoria da psicodinâmica usando exemplos concretos. O estudo é considerado um trabalho fundamental da psicanálise e da pesquisa sobre o tema.
**Freikörperkultur — FKK é uma expressão em alemão que significa cultura do corpo livre. A sigla é internacionalmente reconhecida entre os adeptos do naturismo, e frequentemente utilizada para identificar locais ou associações naturistas mesmo em países onde não é falada a língua alemã.
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Talvez não seja sobre você,Bellatrix
Foram muitos dias de silêncio, foram seis meses pra ser mais exata. 180 dias. 180 dias sofrendo que literalmente sozinha. Eu nunca soube o que era verdade e o que era feito da minha cabeça, mesmo eu sendo adulta. Mesmo eu sendo adulta. Eu demorei alguns meses para ter coragem de fazer exatamente o que estou fazendo aqui agora. Eu escrevei algumas linhas algumas vezes mas nunca tive coragem de terminar porque naquele momento eu achei muito bobo.
E era. E é.
No começo, achei tudo muito gostoso, pensei que era algo fugaz e efemero, onde eu só iria alimentar o meu ego leonino. Erro grave. Eu me permitir a sentir coisas que não era mias permitido sentir e por uma pessoa praticamente proibida pra mim. Alô, Charlie Brown!
Agora olhando pra trás, fico me perguntando do porque você entrou na minha vida, com que objetivo aquele sorriso quando me viu dançar me atingiu com tanta força. Revisitando essa memória, me pergunto: realmente existiu isso? Hoje não sei mais. Não sei mais. Será que aquela noite, que pra mim foi um estopim, não existiu pra você? E a partir daí, mesmo a gente não querendo a vida foi pondo a gente em lugares comuns, as vezes era até comico como a gente se encontrava. Você sentiu a mesma coisa que eu ? O que você sentiu em todas essas vezes? Eu viajei,ne?
Ao longo do tempo, meu imaginário voou. E eu me permiti mais uma vez a sonhar. Eu preciso dizer aqui o quanto eu gosto de sonhar e deixo meu coração se abrir e sentir o que ele deseja sentir.
Talvez isso não seja mais sobre você.
Mas sim, a partir do momento que eu deixei você entrar na minha vida, uma caixa de pandora foi aberta. Todas as vezes que nos encontravamos, eu saia mais mexida, minhas águas saíam fortes, como um início de uma ressaca da maré. Algo em você me prendeu, coisa que eu já senti a um tempo atras, com voce. Te vi a um tempo e a sua aparência me lembrava ela de um jeito louco, e aquilo carreguei por tempo mas deixei calado porque afinal, quem era você? Eu não fazia ideia e hoje gostaria de nunca ter sabido.
Quanto mais eu te encontrava, mais meu coração e meu imaginário voavam. Eu quero acreditar fortemente que você não fez nada de propósito e que fui eu que deixei tudo largar das minhas mãos e por isso eu to sozinha nessa assumindo e sofrendo só. Mas algo lá dentro do meu peito me fala que essa não é a verdade inteira. E eu no começo, eu queria tanto uma resposta pras minhas dúvidas, eu ansiava por isso... eu ansiava por um mínimo de resposta mas ela nunca veio e talvez nunca virá.
Eu nunca quis destruir nada de ninguém. Eu nunca quis roubar nada de ninguém e por fim, não roubei. Eu sempre soube que era difícil e sempre soube que ambas não iria desistir da vida pra seguir algo que realmente não tem como existir. Eu hoje to me sentindo triste e besta por me deixar entregar tanto a uma coisa que nunca existiu. Existiu, Bellatrix? Acho que não...
Se nunca existiu, se você foi tão goresseira e tão infeliz nas suas palavras porque você fez tanta coisa depois? Por que me repeliu e mesmo assim, alimentou? A sua responsabilidade afetiva até com si mesma não rolou porque? A vontade de alimentar o teu ego foi maior? Então tudo isso foi relacionado com teu ego? Qual era o seu objetivo em fazer tudo aquilo comigo, me deixar confusa foi legal pra voce? Essas respostas eu nunca vou ter né? E tudo bem, sabe? Eu já me acostumei com esse silêncio. Vivo no mute desde o dia 1. E sabe, eu já lutei tanto com isso... eu lutei tanto. Eu já me achei uma bosta por tantas razões, eu já me achei feia, já me achei incapaz, já me achei uma mulher feia tentando entender a sua cabeça. Me submeti a tanta coisa por conta de nada, por conta de uma menina besta que me confunde todas as vezes que a gente se vê. Eu quero parar com isso.
Acho importante você saber como eu sinto e senti ao longo desses seis meses enquanto você vivia tranquilamente.
Talvez isso seja tudo da minha cabeça mesmo, e que tudo o que passou não passou de uma paixonite proibida que minha cabeça inventou.
Eu só queria que isso parasse...e ao mesmo tempo, queria respostas. Suas respostas.
Queria muito ter uma conversa de cara limpa, sem máscaras e a verdade ser jogada na cara. Mas isso é impossivel. E enquanto isso, vou aqui sofrendo calada, imaginando e tentando sessar tudo que tem aqui dentro. Espero demorar pra te ver porque eu sei que isso demora séculos pra eu superar.
Talvez não seja sobre você.
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