𝕿𝖍𝖊 𝖙𝖆𝖑𝖊 𝖔𝖋 𝖆 𝖘𝖙𝖗𝖆𝖞 𝕳𝖊𝖆𝖗𝖙
Era uma vez 𝐁𝐑𝐔𝐍𝐎 𝐒𝐈𝐋𝐕𝐄𝐈𝐑𝐀 𝐃𝐄 𝐂𝐀𝐑𝐕𝐀𝐋𝐇𝐎, um paulistano nascido, criado e vivido no ABC Paulista, que com muito esforço tentava ascender e conquistar seu tão sonhado apartamento do tamanho de uma caixinha de fósforo para viver um conto nada de fadas com sua noiva Letícia. Aos 𝟐𝟖 𝐀𝐍𝐎𝐒, estava começando a se estabilizar na carreira de corretor de imóveis, que era um saco, mas melhor do que a época em que ele era vendedor de filtros de água ionizada. No dia de seu 𝐂𝐀𝐒𝐀𝐌𝐄𝐍𝐓𝐎, que levou mais de um ano de planejamento e dois de poupança, um livro misterioso mudou tudo. Agora, além de perdido na vida adulta, ele também é um Perdido na história de Cinderela e de tempos em tempos se torna um 𝐂𝐀𝐂𝐇𝐎𝐑𝐑𝐎. Literalmente. Como lidar com uma mudança tão brusca? Bruno não faz ideia. Vivência nenhuma o preparou para príncipes e princesas, sapatinhos de cristal, decorações medievais e ter que andar pelado por aí.
𝐀𝐂𝐓 𝐈. 𝕴 𝖑𝖔𝖘𝖙 𝖒𝖞 𝖜𝖆𝖞, 𝖔𝖍 𝖇𝖆𝖇𝖞, 𝖙𝖍𝖎𝖘 𝖘𝖙𝖗𝖆𝖞 𝖍𝖊𝖆𝖗𝖙
No mundo real, Bruno sempre foi um Zé Ninguém. Segundo filho em uma família de quatro irmãos, foi forçado a sair da casa dos pais aos dezesseis anos por desavenças com seu pai muito religioso e dali então tentou se criar vivendo na casa dos avós, dos tios, de amigos... Nunca conseguia passar muito tempo em um lugar só, mas ainda assim se formou em Administração e alugar um espacinho, ainda que seu salário não fosse lá essas coisas. Era até meio garanhão em seu grupo de amigos, mas aos 21 anos conheceu Letícia, sua primeira namorada com quem ficou junto... Pelo menos até ser sugado para o Mundo Mágico. Estava prestes a se casar com ela quando esse momento aconteceu, o que lhe causa muito desespero e estranhamento. Pela primeira vez na vida ele tinha planos concretos, uma família (incluindo os parentes da jovem, que o acolheram de braços abertos), uma carreira decolando... E de repente tudo isso sumiu. literalmente num passe de mágica, ele se tornou novamente um ninguém.
𝐀𝐂𝐓 𝐈𝐈. 𝕿𝖍𝖎𝖘 𝖉𝖔𝖌 𝖎𝖘 𝖉𝖊𝖘𝖙𝖎𝖓𝖊𝖉 𝖋𝖔𝖗 𝖆 𝖍𝖔𝖒𝖊
Na nova versão de Cinderella, Bruno é um dos animais transformados pela Fada Madrinha para levar a futura princesa até o baile. Contudo, dessa vez ele não se transformou completamente quando o feitiço se desfez e passava parte do tempo sendo um cachorro e parte do tempo tendo o corpo de homem em que foi transformado. Juntou-se à Anastasia Tremaine quando a Madrasta mandou a filha embora, sendo um dócil, mas valente, vira-lata caramelo boa parte do tempo.
𝐀𝐂𝐓 𝐈𝐈𝐈. 𝕹𝖔𝖜 𝕴'𝖒 𝖜𝖍𝖊𝖗𝖊 𝕴 𝖇𝖊𝖑𝖔𝖓𝖌?
Idade: 28 anos
Aniversário: 17/06 (geminiano)
Sexualidade: heterossexual
Status: noivo / solteiro
Hobbies: jogar videogame, tocar guitarra (mas tem vergonha de fazer isso na frente dos outros), cozinhar
Curiosidades:
Conhece muito pouco sobre os contos de fadas, por isso está realmente perdido. Sua visão sobre os personagens é baseada praticamente no que viu em Shrek.
No mundo real, é pai de três gatas chamadas Sandra, Rosa e Madalena (como a música de Sidney Magal)
Estudou em escola militar, mas era péssimo em seguir as regras. Pelo menos isso lhe ensinou uma coisa ou outra sobre disciplina.
Nunca criou cachorros.
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Inauguração da Confeitaria A Crystal, Na Rua Nova Esquina Com a Rua da Palma, Logo Depois Mudou de Nome Para Confeitaria Glória - Recife Em 1925, Local do Palco do Assassinato de João Pessoa, presidente da Paraíba (1928/1930) - cargo idêntico ao de Governador.
O fim trágico de 3 Joões
A tragédia que se abateu sobre a Paraíba no ano de 1930 envolveu três homens chamados João. E mudou a vida política do país na primeira metade do Século 20.
Mais um relato surge sobre esse episódio, que marcou para sempre a vida da população brasileira. Desta vez, pelas mãos da escritora pernambucana Ana Maria César, com publicação pela Cepe.
João Pessoa, presidente da Paraíba (1928/1930) - cargo idêntico ao de governador - sucedeu João Suassuna. E João Dantas, advogado e militante político, era aliado de Suassuna e fazia oposição a João Pessoa.
Quis o destino que os três Joões se cruzassem num mar de intrigas, desavenças, conflitos e mortes.
Sob o comando de João Pessoa, a Paraíba passou a conviver com uma reforma tributária que reajustou em até 80% os impostos de tudo quanto era exportado para Recife, Natal e Fortaleza. João Pessoa também baixou um decreto para desarmar os fazendeiros, acusados de acoitar pistoleiros e promover assassinatos indissolúveis. Os dois fatos levaram o coronel Zé Pereira, um dos maiores exportadores de algodão e chefe político de Princesa, a liderar uma revolta popular e decretar o município independente da Paraíba. Criou hino, bandeira e leis próprias.
João Pessoa usou a força policial do estado para combater o levante. Princesa reagiu. E o embate armado não parou mais.
A atuação profissional de João Dantas como advogado do coronel e suas declarações favoráveis à insubordinação de Princesa fizeram dele um inimigo de proa do governo paraibano. Seu escritório foi arrombado na calmaria de uma madrugada. A invasão foi atribuída pela polícia a ladrões comuns. João Dantas contestou porque desapareceram documentos confidenciais dos seus clientes e cartas íntimas trocadas entre ele e sua namorada, a professora Anayde Beiriz. A correspondência pessoal vazou.
João Dantas decidiu ir pro Recife preparar sua defesa e torná-la pública por meio de um artigo a ser publicado no Jornal do Commercio. Ao lado do cunhado, o engenheiro Augusto Caldas, foi a um hotel no Centro do Recife entregar o artigo ao amigo João Suassuna, deputado federal pela Paraíba, e pai de uma filharada, entre eles, o futuro escritor Ariano Suassuna.
Do hotel, João Dantas saiu pelas ruas do Centro da capital pernambucana. Tinha lido uma pequena notícia em jornais locais informando que João Pessoa passaria aquele 26 de julho de 1930 no Recife. Com um revólver calibre 32 nos quartos, começou a vasculhar os passos do governante paraibano, que em março daquele mesmo ano tinha disputado a vice-presidência da República na chapa de Getúlio Vargas. Enquanto era procurado por João Dantas, o governante paraibano almoçava no já tradicional Restaurante Leite. Na sua mesa, Agamenon Magalhães e o usineiro Caio de Lima Cavalcanti. De lá, o trio decidiu tomar um chá na elegante Confeitaria Glória, onde próximo estavam o carro e o motorista do Governo da Paraíba.
Foi nesse momento que João Dantas avistou o carro oficial e logo deduziu onde estava seu arqui-inimigo. Entrou na Confeitaria e disparou três tiros à queima-roupa em João Pessoa. Feridos de raspão por tiros saídos da arma do motorista, João Dantas e seu cunhado foram presos em flagrante.
A Paraíba se vestiu de luto pra chorar seu morto ilustre. Por uma decisão da família, que morava no Rio de Janeiro, e por uma conveniência política da época, o enterro foi programado para ser lá. De navio, o corpo saiu do Porto de Cabedelo para a então capital do país. Os getulistas, que não aceitavam a derrota para o paulista Júlio Prestes, usaram com maestria a comoção provocada pelo crime para apressar o projeto em curso de tomada do poder - movimento vitorioso e que ficou conhecido como “Revolução de 30”.
Nas investigações do crime, a polícia pernambucana incluiu o ex-governador paraibano João Suassuna pelo simples fato de, pouco antes de consumar o homicídio, o assassino ter deixado a cargo dele a publicação do artigo.
Ao final, nenhuma culpa foi atribuída ao chefe do clã Suassuna. Mas, isso lhe custou a vida. Pouco mais de dois meses depois daquele 26 de julho sangrento, João Suassuna tombou sem vida ao ser baleado quando passeava pelo Centro do Rio de Janeiro. Preso, o assassino disse que quisera vingar a morte de um irmão, que morrera no levante de Princesa, comandado pelo coronel Zé Pereira. O assassino acreditava que esse conflito poderia ter sido evitado pelo pai do menino Ariano Suassuna, por causa da sua amizade com o coronel. Poucos dias antes, João Dantas apareceu degolado na Casa de Detenção do Recife, ao lado do corpo do cunhado, também ferido mortalmente no pescoço. A família dos dois nunca acreditou na versão oficial de suicídio divulgada pela polícia, definia as duas mortes como assassinatos.
E assim se passaram 91 anos do trágico fim dos três Joões: Pessoa, Dantas e Suassuna.
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Como morrem os pobres
“In sudore vultus tui vesceris pane tuo, donec revertaris in terram; ex eo enim capta es, quia pulvis es et in pulverem reverteris (Genesis 3:19)”
"No suor do teu rosto, comerás do teu pão, até que te tornes à terra; porque dela foste tomado, porquanto és pó e em pó te tornarás."
Pela janela do quarto 307 entrava um pequeno raio de sol, um tênue raio, tão fino que quase nem se via. O quarto era tão gelado que quando o pequeno raiozinho passava pela cortina entreaberta, já não havia mais calor algum. O quarto ficava no 3° andar, e havia nele quatro leitos, dois deles ocupados. Seus hóspedes, Dona Maria e Sr. José, não se conheciam, dividiam o quarto e a atenção de uma única enfermeira.
O nome do hospital, não digo aqui para não ofender alguns dos profissionais que ali trabalham, digo bem, alguns. Porém para o leitor não ficar perdido no espaço tempo, o hospital fica no interior paulista, uma cidade a 450 km da capital. A data, que me foge da memória agora, mas não faz mais que uma década.
O Sr. José chegou enfartado, ficou alguns dias na UTI, e logo foi transferido para o quarto, não demorou muito e descobriram uma pneumonia no homem, que aliás, parecia muito jovem para ser acometido por tantos males. Mas, quem sou eu para questionar algo. Estou talvez no mesmo barco. Esses corpos um dia se colapsam, um dia, com certeza, mais cedo ou mais tarde. Afinal, são todos Severinos.
“Venha, Zé, venha. Estou te esperando, meu bem.” Era dormir um pouco que José escutava essa voz tênue, quase um sussurro em seus quase surdos ouvidos. Era, dizia ele, sua esposa que se fora há dois anos. As enfermeiras ignoravam totalmente o sujeito, o homem era difícil de lidar, como sempre diziam. Falava muito do passado, dos filhos, da mulher falecida, de como eram felizes no Norte, onde casaram. Aí de repente, o homem surtava, maltratava as enfermeiras, falava coisas incompreensíveis, os lábios sussurravam com o olhar vidrado, parecia mais um reza, principalmente à noite, isso assustava sua colega de quarto, dona Maria.
Dona Maria, pelo seus 48 anos, mas aparentando muito mais, foi acometida por outro mal, a violência doméstica, aliás, muito em alta nos últimos tempos, digo o termo, porque a mulher apanha do homem desde os primórdios da terra. Dona Maria é outra que às vezes falava sozinha, chorava, gritava de dor. Quando não estava chorando, estava quieta, parecendo uma estátua, imóvel, na cama. Ou então estava dormindo, dormia muito, davam calmante para a mulher, não sei o porquê, ela já era tão calma.
Conheci essas duas almas por acaso, uma vez foi me dado uma missão, um trabalho, mas foi no quarto 306, ao lado, acontece que no dia eu estava indisposta, na noite anterior saí e bebi além da conta. Quando fui entrar no quarto, entrei no 307, foi uma confusão danada. Águas passadas. Tudo se resolveu depois. Fiquei um dia e uma noite ali com Dona Maria e o Sr. José, pela manhã do outro dia, tudo estava resolvido, e a minha irresponsabilidade foi apagada dos dados oficiais, mas não da minha consciência.
Poucas pessoas eu guardo lembranças. Meu serviço não é fácil, sempre encontro as pessoas no seu último suspiro, ou quando chego antes, nas últimas horas de vida. Não gosto de chegar antes, prefiro chegar na hora do beijo final. Com esses dois foi diferente, pelo terrível engano que acabo de narrar, tive que ficar várias horas com eles.
Um pouco depois que cheguei chegou também um homem magro, muito magro, com uma pasta na mão, que pela transparência da pasta, notei que eram dois currículos. O homem era Marcos, um jovem de 19 anos, filho de José. Quando o garoto entrou, eu me pus no canto da sala, longe da janela, que entrava um lampejo de luz do sol, não gosto da luz da manhã. O homem entrou e fechou a porta com delicadeza. Com mãos muito magras e dedos estranhamente cumpridos passou na testa do seu pai. A mão gelada do rapaz assustou o homem. Abrindo com dificuldade os olhos notou que era o seu filho, com um esboço de sorriso, disse:
– Filho é você?
– Sim papai.
– Eu sabia que viria. Sonhei com a sua mãe esta noite. Ela disse para eu cuidar de você; – Falou José enquanto se ajeitava na cama.
– O senhor sempre sonha com a mãe.
– Sim. Mas esta noite foi diferente... Ela estava mais...como vou dizer, mais real. Até parecia que estava aqui no quarto.
– Que isso papai. Não diga bobagens. – Rapidamente Marcos olhou em torno de si. Foi quando viu Dona Maria. – Será que não foi aquela senhora que você viu?
– Claro que não, Marquinhos. Essa aí é Dona Maria. Sei muito bem diferenciar a mulher que casei.
– Tudo bem pai. Mas me diga, como o Sr. Está? Quando terá alta?
– Não sei filho. Nunca dizem nada. Entram, aplicam um remédio em mim, escrevem um pouco, falam entre eles, e sempre muito quietos saem como entraram, evitando nos olhar diretamente.
– Um absurdo isso! Eles têm que falar algo. Não somos bichos, ora essas! Sei que tem alguma lei que diz que temos algum direito...; – Marcos tenta lembrar de algo que nunca soube, seus direitos como cidadão, a constituição que nunca conheceu. Logo começou a se enfurecer pela ignorância que sabe ter, e se calou, triste.
– Não fique nervoso, Marquinhos, somos pó aqui, todos nós. Que diferença faz? Quando a Dona Morte chega, ninguém escapa, rico ou pobre, frente a hora final, todos são pobres.
– Dona Maria acordou assustada, com os olhos arregalados saltou-se da cama. Com uma voz de choro gritou:
– Não quero ir! Socorro! Socorro! Não quero morrer!
E com os olhos em mim, continuava gritando e tentava se esconder com o cobertor no rosto e somente os olhos para fora, arregalados, gemia de medo; – Sai daqui coisa ruim!
Fiquei ofendida quando percebi que a mulher parecia dizer àquelas coisas a mim. Afinal, o que eu fiz para merecer tantos insultos? Quis até retrucar, fazer umas caretas para assusta-la. Mas a conversa de Marcos e João estava interessante. Continuei a ouvir, no meu canto, a conversa que seguia:
– Vamos papai, diga, o que quer que eu faça? Alguma situação para ser resolvida lá fora? O senhor já está aqui faz dez dias.
– Não filho. Tudo que preciso resolver está aqui neste quarto.
– O Sr. José olhou diretamente para mim. Talvez me viu. Ou não. Sua feição ficou séria e dura. O filho notando a mudança de comportamento do pai, disse:
– Ora, papai. O que houve? Ficou muito sério de repente.
– Filho, esse lugar não faz bem. Sei que quer me ver, mas aqui é um lugar triste, as pessoas morrem a cada dia um pouco mais, não existe nada aqui que vale a pena ser visto. Os que daqui escapam, nunca mais são os mesmos. Sempre se deixa algo aqui, filho. Até os que visitam, correm esse risco. Não quero que leve daqui esse mal.
– Larga disso, velho. Assim você me assusta. O que deu em falar essas coisas agora.
A porta abre e entra uma enfermeira, novata. Cabelos escuros, pele amorenada, muito bonita, a juventude exalava em seus poros. Com a cabeça baixa ela entra lendo a ficha dos pacientes. Fala com os pacientes docemente. José até estranha o tratamento. Quando a moça levanta a cabeça para aplicar um medicamento em dona Maria, que estava muito exaltada, a enfermeira olha para mim. Antes mesmo de eu tentar me esconder, deixá-la a vontade, ela sai correndo aos gritos. Ajeitei-me na cadeira de visita que eu estava, fiquei um pouco chateada pelo acontecido, mas no fundo feliz por alguém ainda me notar às vezes. Quase sempre sou ignorada por completo.
Marcos sai do quarto, dá um beijo na testa do seu pai, pega a sua pasta e sai pelo corredor vazio.
Quando notei que o quarto que entrei estava errado, já era tarde. Depois que entrei ali, não poderia mais sair sem fazer o meu trabalho. Fiquei ali naquela cadeira por horas tentando pensar numa saída para mim. No leito 353, de Dona Maria, estava a mulher encolhida como uma uva passa enrugada. Tremia de frio, emitia um som às vezes, parecendo um ronco agoniante.
José, não dormiu mais, ficou sempre com aquele olhar sério em mim, teve um momento que me deu um calafrio na espinha, com aquele olhar do homem. Seria arrogância? Ou coragem? Nunca soube decifrar aquele olhar duro, impenetrável daquele homem. Talvez a vida dele, sofrida, dura, tenha endurecido seu semblante. Depois de horas um olhando para o outro, eu esperando a sua fraqueza e ele me esquadrinhando dos pés à cabeça, lembrei que já o conhecia, de outros tempos. Ele devia ter uns 18 anos. Nos trombamos por acaso em uma esquina, ele estava tomando um café, tranquilamente, e eu, como sempre, trabalhando. Quando um carro bateu em uma moto, o motoqueiro, morreu no local. Ele me viu aquele dia, mas seu olhar era diferente do olhar de hoje. Depois de horas, como eu disse, um olhando para o outro, percebi o que faltava no olhar de José de agora, era O medo.
O cansaço enfim venceu o homem duro. Seus olhos foram se cerrando, mesmo contra a sua vontade ele se dobrou, talvez pelos medicamentos, adormeceu. Eu então pude levantar, caminhei pelo corredor do hospital, pensei um pouco. O hospital sempre está com todas as portas abertas para mim, é o meu escritório. Pensei muito no que o sujeito disse, que na hora do fim do homem ele é sempre pobre. Visitei a ala dos pacientes que tem planos de saúde, os ricos. Notei a diferença do tratamento, na alimentação, no espaço. Os quartos são individuais. A ala é muito grande, as enfermeiras, que são muitas ali, dão mais risadas, falam com os pacientes, até parecem gostar deles. A noite estava quase se rompendo pensei então em voltar para o quarto de José e Dona Maria.
Foi quando passei pelo quarto 11 e o dever me chamou ali. Entrei sem bater. Tudo ali estava quieto. Algumas flores em um vaso, alguns livros. No leito adormecia uma mulher de uns 30 anos, muito bonita e sem um fio de cabelo. Sentei do lado dela, sua feição era de dor, pálida, até achei que já estava morta. Peguei em sua mão. Ela se assustou. Arregalou os olhos e tentou gritar, não saiu voz. Então tive pena dela. Levantei, Olhei brevemente em seus olhos, debrucei-me em cima dela e a beijei na testa. Saí do quarto com um sabor de dor nos lábios e um peso enorme nas costas que me fizeram andar corcunda por horas.
Voltei para o quarto de José. Dona Maria deixou soltar um gritinho quando entrei, e cobriu a cabeça. Parei ao lado da cama do homem. Ele estava dormindo ainda. Seu rosto, endurecido, pairava um quase sorriso. O que será que sonhava aquela alma? Nunca vi um sorriso, embora quase imperceptível, ser tão profundo. Aquela cena me fez querer ser aquele homem. Queria também sonhar os seus sonhos. Afeiçoei-me a ele, afinal.
O relógio no meu pulso apontou o ponteiro para às 5:59 da manhã. Lembrei dos meus afazeres. Olhei em volta dele, dona Maria do outro lado, o cobertor tremendo, não havia ninguém além de nós três. Abaixei o meu rosto e sem tocar no homem, a não ser os meus lábios frios, e o beijei na testa.
Antes de sair do quarto eu quis chorar, mas lembrei que não tenho lágrimas. Saí do quarto muito leve e lembrando do sorriso daquele homem forte.
Gilson Soares
31-08-2022
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